Mettre en évidence une pensée de
l’analogie au-delà de l’être, dans un cadre
subjectif et personnel, semble donc être
une clé thématique intéressante pour
lire la pensée de Stein.
Introdução1
Contextualizando a sua investigação no âmbito da fenomenologia e da ontologia, Stein ultrapassa estes domínios. O seu interesse pela pessoa humana está patente já na sua tese de doutoramento (Stein, [1917] 2008), bem como nas obras de índole fenomenológica que se seguiram (2004). Depois da sua conversão, o seu esforço por conjugar a filosofia moderna e contemporânea com a ontologia tomista, não aboliu a marca fenomenológica, antes pelo contrário, permanecendo fiel ao método fenomenológico e, à semelhança de Heidegger, a pessoa humana vai ser o lugar por excelência onde se explicita o sentido do ser. A autora parte da constatação de que o ser do “ser finito” é temporal à semelhança de Heidegger. No entanto, para a autora, este só se compreende na relação com o ser infinito e eterno do qual traz em si a imagem.
Na esteira de Tomás de Aquino, será recorrendo à analogia que Stein traça a ascensão para o sentido do Ser. As vivências temporais manifestam, por um lado, o devir da consciência; por outro lado, a sua estrutura conjugada pelo eu puro, anuncia já uma intemporalidade, embora seja só por um momento. A finitude manifesta a necessidade ontológica de receber o ser, uma vez que não pode permanecer no nada existencial marcado pela temporalidade puntiforme e descontínua. O problema ontológico é colocado no seio de uma antropologia; sendo o ser humano marcado pela finitude, é na relação com o ser infinito, que esta requer e pressupõe, que se evidencia a analogia mais originária, uma analogia pessoal. A partir desta, tem-se acesso à vivência espiritual que completa o ser pessoal na sua individualidade única e qualitativa, mas ao mesmo tempo, de natureza relacional. Stein elabora uma analogia, primeiro temporal, entre ser finito e ser eterno, e depois pessoal, entre o “eu sou” finito e o nome que Deus revelou de si próprio: “Ego sum qui sum” (Ex. 3, 14). A autora ultrapassa a ontologia concebida como filosofia do ser, para conceber uma metafísica em chave analógica e interpessoal.
O que nos interessa evidenciar neste artigo é o percurso que Stein traça a partir da finitude do ser humano, descrita fenomenologicamente, e, como a partir desta, estabelece a ascensão ao sentido do ser recorrendo à analogia. Indo para além da fenomenologia e da ontologia, a autora elabora uma metafísica em chave analógica e antropológica (Gerl-Falkovitz, 2016); esta constitui-se por uma relação interpessoal a partir de um inverso da finitude e da temporalidade que lhe é precedente e, que “não constitui o eu, mas é aceite por ele”.
I. Analogia e estrutura temporal da consciência: a explicitação do ser pessoal
O problema da explicitação do ser pessoal está no coração do pensamento de Edith Stein já desde a sua tese doutoral sobre O problema da empatia (Stein, [1917] 2008). O ser pessoal concerne, não apenas a dimensão individual do ser humano, mas também a dimensão relacional, que estão já patentes na Empatia. Pois pode observar-se já aqui uma certa aplicação da analogia na relação com o alter ego (cfr. Tommasi, 2012) à semelhança de Husserl, mas a jovem fenomenóloga vai para além dele, enquanto na esteira de Scheler, aplica a teoria dos valores ao ato empático, e aí chega à compreensão da pessoa a nível espiritual (cfr. Stein, [1917] 2008, pp. 130-136).
A analogia aparece, pois, numa fase sucessiva à própria descrição dos atos de empatia. Estes visam captar o sentir do outro a propósito de um determinado estado psíquico; é uma experiência que pertence ao outro e, enquanto tal, não é para mim uma experiência originária. Mas é pela empatia que eu descubro o outro como um ser constituído psiquicamente, por analogia comigo próprio (Stein, [1917] 2008, pp. 41-42). No entanto, numa fase seguinte, Stein põe a questão de poder percepcionar, não apenas os sentimentos do outro, mas também os seus valores. Para Stein, ([1917] 2008, pp. 134-135) ao “empatizarmos” com pessoas do “nosso tipo”, é como se fosse desperto o que ainda dorme em nós. Na relação com estruturas espirituais diferentemente formadas clarifica-se o que nós não somos ou o que somos em relação aos outros. Para além disso, na empatia, abre-se simultaneamente o horizonte a valores desconhecidos para a pessoa própria. Ao empatizar, deparamo-nos com domínios axiológicos enclausurados para nós próprios, tornando-nos conscientes de uma própria carência de valor, o que nos leva, por vezes, a apreciar-nos de maneira correta, enquanto nos vivenciamos como mais ou menos valiosos em comparação com os outros. (Stein, [1917] 2008, pp. 134-135). Tal percepção dos valores do outro, enquanto diferentes dos meus próprios, permite uma descoberta de uma camada da minha pessoa que até ali me era desconhecida. Trata-se de uma comparação a nível vivencial, que permite conhecer quanto eu valho a mais ou a menos em relação ao outro, e vice-versa. Neste sentido, pode conceber-se aqui uma “primeira forma de analogia”, entendida como comparação, não de semelhança somente, mas de semelhança analógica. Como tal, inclui a compreensão da diferença, esta leva à descoberta de mim mesmo como pessoa, isto é, como um ser de valor que se constitui por várias camadas de personalidade.
Podemos averiguar, deste modo que, desde o princípio, o pensamento de Edith Stein é marcado pela analogia e que esta está na base da compreensão do ser pessoal. A analogia será concebida de maneira explícita em Ser finito e ser eterno (1950), que desenvolve uma ideia já presente em Potência e ato (1998). Tommasi (2012, p. 12) considera que a analogia é a trave mestra da obra da sua maturidade. Nesta, como o título indica, Stein traça uma analogia entre o ser finito e o ser eterno colocando-se na esteira de Erich Przywara. No prefácio de Ser finito e ser Eterno lê-se:
Talvez nos perguntemos, qual é a relação deste livro com a Analogia entis do Padre E. Przywara S. J.? Trata-se, aqui e ali, do mesmo assunto […]. A primeira versão do livro que vamos ler e a versão final da Analogia entis foram escritas mais ou menos na mesma época, mas nós pudemos tomar conhecimento dos primeiros rascunhos da Analogia entis e de um modo geral, durante os anos 1925-1931, beneficiámos de uma animada troca de ideias com o E. P. Przywara (Stein, 1950, pp. IX-X).
De facto, foi o P. Przywara que aconselhou Stein a traduzir a obra de Tomás de Aquino Quaestiones disputatae de veritate, pois ambos estavam interessados no diálogo entre o tomismo e a filosofia moderna, nomeadamente com a fenomenologia (cfr. Tommasi, 2015, p. 270). A analogia tinha sido retomada pelo neotomismo; no entanto, Stein vai tratar a analogia de modo original, quer seja em relação à analogia do ser de Tomás de Aquino, quer em relação ao P. Przywara, que entendia a analogia como uma relação dinâmica entre o ôntico e o ontológico ou “meta-ôntico” e “meta- noético” (cfr. Gilbert, 2016). Para Stein a analogia apresenta-se primeiramente em termos temporais e depois em termos interpessoais, constituindo uma “analogia da pessoa”.
Na sua obra da maturidade, o ponto de partida de Stein é a certeza que o eu tem do seu existir e da consciência de si próprio. É a certeza de um ser finito, temporal, mas um ser que vivencia e experimenta o devir e, por consequência, a sua finitude. O seu ser deve atualizar-se de momento a momento. Segundo o método fenomenológico e na esteira de Husserl, Stein evidencia a estrutura da consciência como temporal, mas tal estrutura requer a noção do ser intemporal. Diferentemente de Heidegger, que, como Stein, trata a questão do ser a partir de uma análise existencial, mas explicando o ser do Dasein pela sua temporalidade imanente e pela sua consequente finitude, Stein evidencia no fundo da consciência um ser infinito por contraste com a sua finitude.
I.1. A certeza do eu e seu conteúdo vital
O ser do qual sou consciente apresenta-se como o primeiro conhecimento, como um ponto de partida indubitável. Esta certeza, embora não sendo a primeira é, no entanto, um ponto de partida do conhecimento, o mais original. É a certeza que me é mais próxima, pois é inseparável de mim mesmo e, enquanto tal, é uma certeza ainda não-refletida; no entanto, por ela, o pensamento sai da atitude natural da sua vida orientada para os objetos para se considerar a si mesmo.
Em todo o lado - na vida de Agostinho, no “eu penso” de Descartes, “no ser consciente” (Bewußtsein) de Husserl -, em todo o lado, existe certamente um “eu sou” […]. A certeza que se tem do próprio ser, é, num certo sentido, “o conhecimento mais original” […] um ponto de partida diante do qual não se pode retroceder (Stein, 1950, pp. 35-36).
Esta certeza, embora se apoie em Agostinho, Descartes e em Husserl, não é um principio do qual se possam deduzir outras verdades, mas antes uma proximidade e uma inseparabilidade de si mesmo, como uma forma de presença a si mesmo, da qual não nos podemos separar, “algo que parece ter também uma ascendência heideggeriana” (Tommasi, 2012, p. 83).
O ser “no qual eu sou” e do qual sou consciente, manifesta uma dupla face: a do ser e a do não-ser, é um agora entre o que já não é e o que ainda não é (cfr. Stein, 1950, p. 36); apresenta um duplo rosto: o do ser e do não ser. O ato “em que eu sou”;2 isto é, o “movimento espiritual” em que “eu sou” é sempre outro, e como o ser e o “movimento espiritual” não são separados, eu sou num e no outro; o meu ser é, por isso, em cada dia diferente (cfr. Stein, 1950, p. 36).
Em que consiste então a vida da consciência? E como é que esta manifesta esta dupla valência de ser e não ser? É sobre as bases da fenomenologia que Edith Stein vai articular a constituição do ser finito no diálogo com o infinito. A consciência experimenta-se como vivência concreta, num ser que é capaz de sentir e de se vivenciar. Na esteira fenomenológica de Husserl, a vida da consciência é constituída por vivências formadas por unidades de experiência. Estas constituem, cada uma em si mesma, uma unidade, e têm uma certa duração própria e uma certa intensidade. Quando uma vivência se esvai, recai num fundo da consciência e logo é sucedida por uma outra. A coordenação entre uma unidade de vivência e outra, é feita pelo eu que liga umas vivências às outras, concebidas como “unidades de experiência”. “O eu não devém e não passa como as unidades de experiência” (Stein, 1950, p. 47).
Para Stein, o eu da consciência é um eu vivo, vive na experiência da consciência. Contudo, considerado como “eu puro”, participa dessa experiência, mas não faz parte do seu conteúdo, encontra-se para além da experiência (cfr. Stein, 1950, pp. 45-46); é um “eu vivo” que vive nas vivências e, enquanto tal, passa de uma para a outra garantindo também a unidade do seu fluxo. O eu mergulha nelas e passa de uma para a outra e a vida flui (cfr. Stein, 1950, p. 50). As unidades de experiência são concebidas na vida quotidiana como factos, acontecimentos que provocam um estado de consciência, como por exemplo: a alegria, o medo etc. O constituir-se da sua realidade está em devir. Embora seja um “eu vivo”, o eu do qual sou consciente experimenta o ser e o não ser, pois a sua vida flui e passa. Será pelos conceitos tomistas de ato e potência que Stein explica esta passagem.
I.2. O tempo vivido como potencialidade e atualidade
Stein serve-se dos conceitos de ato e potência para explicar o devir que se manifesta de maneira especial na consciência; retoma os conceitos de ato e potência de Tomás de Aquino, segundo o De ente et essentia, para quem, o Primeiro ente é o Ser puro ou Ato puro. Por outro lado, para Tomás de Aquino, os entes que recebem o ser de um outro são em potência em relação ao ser que dele recebe (cfr. Stein, 1950, p. 33). Pela potência pode-se conceber diferentes graus de ser que se exprimem pelo grau de atualidade que se manifesta no presente. Indo para além de Tomás de Aquino, Stein chama “ato” aquilo em que me encontro como ente: a minha vida atual” (Stein, 1998, p. 12). Por outro lado, deve-se conceber o ato como ser no durar de uma certa fase, algo que se torna momentaneamente atual e recai no passado, torna-se “inatualidade”; pois a atualidade, aplicada à vida da consciência, implica uma certa duração, é uma atualidade que não é pura, porque, contém ser e não ser. Por isso, a consciência atual contém passado e futuro, a sua atualidade não é pura. Só Deus é actus purus, ilimitado, e por isso puramente atual (Stein, 1950, p. 41). O termo “potência”, por seu lado, é utilizado para o que “ainda não é” e para o que “já não é”, no sentido semelhante ao que Husserl chamava de “protensão” e “retenção” (Stein, 1998, p. 13).
Estas noções vão servir para explicar a passagem ou o devir que exprime o despregar-se da essência da consciência. O ser presente é atual, é o ser real, enquanto o passado e o futuro são inatuais, pois já não estão vivos. As unidades de experiência ao esvaírem recaem no passado; apesar de terem recaído no passado, podem ainda tornarem-se vivas e presentes no futuro. O nosso ser consciente é um ser temporal que está continuamente entre o ser e o não ser, pois que está em devir. No entanto, o eu não passa como as unidades de experiência e, enquanto tal, está sempre presente e sempre vivo.
O eu é, portanto sempre atual, está sempre vivo, presente e real. Por outro lado, toda a corrente de experiência lhe pertence: tudo o que se encontra atrás dele e diante dele, o que ele foi ou o que será. Duma maneira geral chamamos tudo isso a sua vida (Stein, 1950, p. 50).
O momento presente é, em si mesmo uma passagem, mas não passagem do não-ser ao ser, nem do ser ao não-ser, é passagem de algo intermédio, de algo que já existiu antes como plenamente vivo; neste momento, enquanto vivência já passada não o está, mas pode ainda passar de novo ao modo de ser presente e ser plenamente vivo no futuro. Possui uma duração temporal atual, que é o modo de ser preparatório para o desenvolvimento futuro (Stein, 1950, p. 38).
O meu ser presente é atual e potencial ao mesmo tempo, real e possível; e, na medida em que é real, é a realização duma possibilidade que existia antes. A atualidade e a potencialidade existem como modos de ser no simples fato de ser e podem ser deduzidas dele (Stein, 1950, p. 38).
A autora explica, na obra Potência e Ato que, no que concerne à temporalidade, estes conceitos de ato e potência são considerados apenas na esfera imanente à consciência, ao ser finito, e não têm referência, como para S. Tomás, ao Ato puro, ao infinito (1998, pp. 12-14). Esta atualidade da consciência não é pura, porém, tanto mais uma criatura participa no ser, tanto mais a sua atualidade é grande (cfr. Stein, 1950, p. 41). O ser humano estando em devir conhece uma progressividade, que é a realização da sua essência, esta realiza-se no tempo, mas requer necessariamente a ideia do intemporal.
A doutrina do ato e da potência é, portanto, lida como uma doutrina do ser e no seu específico de diferentes graus. A atualidade que coincide com o próprio ser, é subdividida, na leitura steiniana de Tomás, em gradações que vão de uma menor a uma maior, (…) de uma maior realidade a um maior ser. Podemos, pois, concluir que o ser não é um conceito unívoco, porque no seu seio é subdividido em diferentes níveis (Tommasi, 2012, p. 81).
Por outro lado, ato e potência, manifestam-se como factos antropológicos fundamentais, que estão estritamente ligados com a temporalidade e com o desenvolvimento do ser pessoal. Este requer a ideia de um ser que não conheça devir nem passagem que seja intemporal.
I.3. Finitude e temporalidade. O debate com Heidegger
O tempo vivido na consciência é constituído por uma linha puntiforme. Não é possível, porém, conceber a extensão da existência só a partir de uma atualidade puntiforme (Stein, 1950, p. 38). No entanto, posso experimentar uma certa permanência do ponto de vista existencial.
Conservando na minha memória o meu ser passado e imaginando no meu espírito o meu ser futuro, sem lhe dar estritos limites, obtenho a imagem de um passado e de um futuro, de um ser permanente, quer dizer: de uma extensão da existência […] mas na realidade o meu ser encontra-se como sobre o gume de uma faca (Stein, 1950, p. 38).
Nesta extensão da existência encontra-se, segundo a autora, todo o mistério do tempo, pois o passado e o futuro não são fixos e não contêm nenhum ser permanente. O presente é, pois, uma passagem e, nesta passagem, define-se o tempo. Aparece aqui, na definição do tempo, a caracterização do ser “do ser finito”. Os conceitos de ato e potência permitem descrever uma certa permanência, mas esta é uma permanência em devir, que contém algo de ser, mas é também não-ser (cfr. Stein, 1950, p. 36). O que nos aparece como um ser permanente é uma passagem contínua.
O tempo revela, pois, a finitude do ser humano, uma vez que a corrente puntiforme encontra alguns momentos intermitentes, lapsos não abarcáveis pela memória. O “eu vivo”, que em si dá a vida aos seus conteúdos de experiência, não pode, porém, emprestar-lhes a atualidade do “ser vivo pleno”, porque lhe escapam temporalmente devendo reatualizá-los com novos atos vivificadores. “A existência atual é um simples ponto de contacto com o ser… num só ponto, ‘algo de dado’, e ao mesmo tempo ‘enquanto dado’ algo de ‘tirado’, um ser suspenso entre o não ser e o ser” (Stein, 1950, p. 39).
O tempo mostra, assim, a finitude do ser humano, mas revela ao mesmo tempo que a temporalidade, diferentemente de Heidegger, não pode explicar o ser humano. Se este está, como em Heidegger, lançado na existência, tem, contudo, a necessidade de entender como foi lançado na existência (cfr. Stein, 1950, p. 52). A finitude do ser humano é conatural ao seu ser temporal, pois a essência do homem está em devir; por outro lado, a existência não pode explicar-se só temporalmente. A vida do eu, emerge da sua interioridade, de algo de profundo, embora nunca totalmente transparente; emerge também do exterior, da perceção. O eu manifesta, pois, uma dupla transcendência: em relação ao seu próprio interior e em relação ao exterior (cfr. Stein 1950, p. 51). Mas a finitude emerge, sobretudo, da contingência que o eu experimenta, não obstante seja indubitável. Sente-se lançado na existência, mas não pode explicar por si mesmo a sua existência e a sua origem; e aqui reside um debate de Stein com Heidegger (cfr. Stein 1950, p. 52).3
Stein reconhece como Heidegger a finitude do ser humano, mas ambos a interpretam em direções opostas: enquanto a finitude em Heidegger não tem um contrário, pois que não designa outra coisa senão o horizonte da existência, Stein coloca-a imediatamente em relação com o infinito, invocando indiretamente a 3ª Meditação de Descartes (cfr. Bouillot, 2015, p. 235). De facto, a partir das diferentes características da finitude, o ser humano pode bem representar-se por contraste com um ser infinito. Pensar-se como finito só é possível em relação à ideia do infinito (cfr. Stein, 1962, pp. 69-135). A ideia do infinito representa aqui um significado heurístico: impondo-se ao espírito, esclarece o sentido do ser temporal; a ideia do infinito é aquela de um ser totalmente em ato, a do ser atual, do actus purus (cfr. Stein, 1950, p. 41).
Por meio dos conceitos de ato e potência, Stein descreve a temporalidade da consciência em devir, pois é temporal; contudo, paralelamente à ideia de ser temporal, contrapõe-se a ideia de um ser eterno sem devir, este representa a plenitude do ser, o ser pleno. Nesta contraposição evidencia-se, por contraste e por semelhança, um tipo de analogia, entre o ser temporal em devir e o ser eterno. De facto, o eu finito, embora não esteja sujeito à passagem, precisa continuamente de receber o ser, por seu lado, o ser eterno já é totalmente em ato e não contém nenhuma potência.
II. Da analogia temporal à analogia da pessoa
A partir da finitude da consciência com a consequente análise da temporalidade que lhe é intrínseca, Stein estabelece uma analogia requerida pela própria natureza do eu; enquanto eu consciente e vivo não pode permanecer na finitude. Este, requer a exigência de compreender a sua origem e o seu fundamento. Stein estabelecerá assim uma primeira analogia temporal e, como consequência desta, chegará a uma outra analogia ainda mais original, a analogia da pessoa, passando de uma analogia do “eu sou”, para uma analogia da pessoa na sua natureza inter-relacional. Deste modo, a autora traça o caminho de ascensão para o sentido do ser.
II.1. Analogia temporal
Precisamente, por causa do seu devir e passagem, e por causa da particularidade do seu ser, que se prolonga de momento a momento, o ser finito pode chegar à ideia do ser eterno. O eu, embora marcado pela finitude, “parece estar mais próximo do ser puro, pois não apenas, chega de momento a momento ao nível do ser, mas também é conservado no ser a todo o momento” (Stein, 1950, pp. 53-54), embora não sem mudança e possuindo um conteúdo de vida continuamente mutável.
A partir do momento em que é o ser atual, é algo parecido com um modo de ser sem mais, com o ser pleno que não conhece nem mudança nem tempo. Mas porque é somente por um momento, também não é o ser pleno, a sua caducidade encontra-se já no ser momentâneo. Este não é senão um analogon do ser eterno, que é imutável e que por tal razão é pleno em cada instante; […] o ser temporal é uma imagem que tem uma certa semelhança com o original que oferece muitas dissemelhanças (Stein, 1950, p. 37).
Na esteira de Descartes, Stein chega à conclusão que no fundo de mim mesmo encontro a ideia de algo que é imutável e eterno. “[…] nesta divisão de ser e não-ser, de carácter impreciso, manifesta-se a ideia do ser puro, que não tem não-ser […] não é temporal, mas eterno” (Stein, 1950, p. 36). Stein passa, assim velozmente, à diferença entre ser finito e ser eterno; reafirma assim, que, no fundo da consciência, está inscrita a ideia de um ser eterno. Retoma uma ideia de Potência e ato (1998), em que no fundo da vida da consciência se pode encontrar a presença de um ser absoluto (cfr. Stein, 1950, p. 36). Enquanto ideia, o eterno emerge imediatamente em simultâneo com a vida da consciência, esta é temporal e, nesta temporalidade que “eu sou”, clarifica-se e declina-se ao mesmo tempo a analogia entis.
Deste modo, o ser eterno e o ser temporal, o imutável e o mutável e igualmente o não-ser são ideias que o espírito encontra em si mesmo, não são deduzidas de outro lugar. No que as concerne, uma filosofia partindo do conhecimento natural tem um ponto de partida legítimo. A analogia entis, também ela considerada como relação entre o ser temporal e o ser eterno, torna-se já manifesta neste ponto de partida (Stein, 1950, p. 37).
Stein evidencia, neste ponto de partida, uma forma de analogia entre o ser temporal e o ser eterno (cfr. Stein, 1950, p. 43). Há, de facto, uma certa semelhança entre esta atualidade do eu puro e a atualidade do Ser primeiro que é Ato puro. A ideia do ser mutável requer o imutável, o tempo requer a noção de eternidade. Se o devir não pode ser pensado sem relação ao ser pleno, para o qual tende, e, em relação ao qual o ser potencial não para de se ultrapassar, uma relação analógica pode então ser legitimamente colocada entre o ser pleno “autêntico e verdadeiro” e o ser finito, “fugaz e passageiro” (Bouillot, 2015, p. 237). Trata-se de uma relação entre dois seres, como explicita o título da obra: ser finito e ser eterno são dois seres diferentes, mas em comunicação (cfr. Tommasi, 2012, p. 78). Entre estes, pode estabelecer-se uma semelhança apesar da dissemelhança ser maior do que a semelhança. “O ser temporal é uma imagem que tem uma certa semelhança com o original, mas que oferece muitas dissemelhanças”.4
O ser é, pois, definido como estruturalmente temporal e o ser do eu, em modo especial, “tem necessidade do tempo”; contudo, a verdadeira atualidade do eu não é tanto um acontecimento, quanto uma perfeição, o que se é no presente é o desdobramento de uma possibilidade da própria essência. De facto, “o que faz um homem é a realização do que ele pode e o que ele pode é a expressão do que ele é” (Stein, 1950, pp. 40-41). Por meio do seu devir, o ego faz a experiência subjetiva de diferentes graus de ser, que o afastam ou aproximam da plenitude do ser. O eu, pelo facto da sua atualidade durável, está mais próximo da plenitude do ser do que as suas vivências mutáveis.
A partir da experiência dos graus de ser que lhe são acessíveis e fazendo abstração de tudo o que lhe aparece como deficiência de ser, o eu pode conceber um ser que seja pura plenitude de ser (cfr. Bouillot, 2015, p. 237). Só em Deus, todas as possibilidades são atualmente e no máximo grau desdobradas num presente eterno, e, por isso, se pode dizer, que em Deus ser e essência coincidem, como tinha explicado Tomás de Aquino no De ente et essentia, (livro IV; Aquino, 1971, p. 63). Pelo contrário, no ser humano, diferentemente de como concebeu Heidegger, pelo facto de estar em devir, a essência está em contínua atualização. Stein critica Heidegger quando este afirma que a “essência é a existência” atribuindo assim ao homem o estatuto de um pequeno Deus (cfr. Stein, 1962, p. 86).
Afirmar que o ser temporal é um analogon do ser eterno, significa reconhecer “uma concordância do ser em todo o ente, mas concordância à qual corresponde uma maior não-concordância” (Stein, 1950, p. 44). Ora, se expressões idênticas podem ser utilizadas para o ser temporal e para o ser eterno, não é nem num sentido unívoco nem num sentido totalmente equívoco. Implicitamente Stein refere-se à analogia entis que Tomás de Aquino introduz na Suma Teológica, como também no De Veritate, a propósito, precisamente, dos nomes de Deus. Certos nomes são “atribuídos a Deus e às criaturas segundo a analogia, isto é: segundo uma certa proporção”, o que significa: nem equivocamente nem univocamente (cfr. Bouillot, 2015, p. 237). Ora, para Stein, afirmar que Deus é um ou que Deus é a sua essência (cfr. Stein, 1950, p. 40) significa que ele é “ser verdadeiro”, “aquele que é”. Por tal motivo, Deus ter-se-á atribuído, segundo a famosa passagem bíblica (Ex. 3, 14) que Stein lê na esteira de Agostinho, o nome de “ser” (cfr. De Trinitate).5 Pois, Agostinho refere que a fórmula do Êxodo: “Eu sou aquele que sou” (cfr. Stein, 1950, p. 317),6 é a mais apropriada para nomear Deus. Esta escolha referencial não é casual em Stein, pois transformará a analogia de proporcionalidade de Tomás de Aquino na analogia do “Eu sou”, que se funda, precisamente, na interpretação metafísica que Agostinho propõe da fórmula do Êxodo. Por isso, Stein confessará, a propósito de Ser finito e ser eterno, que, não obstante tenha partido de Tomás de Aquino, a obra se tornou fortemente Agostiniana (cfr. Stein, 2002, p. 1372).7 De facto, o ser é aqui concebido em chave pessoal e relacional.
II.2. Analogia da pessoa
Segundo a sua formação originária, como fenomenóloga, Stein obedece ao facto. O facto que se evidencia na experiência da finitude, não é apenas, como na análise de Heidegger, a angústia e o medo: esta não é a experiência mais originária, é antes um sentimento doentio, fruto de uma vida experienciada na superficialidade (cfr. Stein, 1950, pp. 55-56). Normalmente caminhamos numa grande segurança, também ela ilusória. Ao facto inegável de ser conservado no ser de momento a momento e de ser exposto à possibilidade do não-ser, corresponde um outro facto, também inegável: “no meu ser fugaz eu abraço um ser duradouro” (Stein, 1950, p. 57). A experiência de ser conservado no ser traduz-se num sentimento que Stein evidencia como sendo de segurança. Este provém da vivência religiosa (cfr. Bouillot, 2015, pp. 245-246),8 tal sentimento coloca-me diante do ser:
Sinto-me apoiado e esse apoio dá-me calma e segurança. Não a segurança autoconfiante do homem, que permanece firme na sua própria força, mas a doce e feliz segurança da criança conduzida por um braço forte. Uma segurança que vista objetivamente não é menos racional. De facto, poder-se-ia definir racional a criança que vivesse com o medo que a sua mãe a deixasse cair (Stein, 1950, p. 57)?
Vemos aqui o culminar pessoal da analogia, trata-se da relação de uma criança com a sua mãe (cfr. Tommasi, 2012, p. 88). Stein procurando descrever fenomenologicamente a vida do eu, evidenciou uma dialética entre o ser e o nada, o eu tem um ser que não se pode descrever como um ser pleno e por isso está submetido à contingência da condição temporal que o expõe ao nada. No entanto, também objetivamente, percebe uma segurança habitudinária do próprio ser que lhe permite descrever a angústia como um estado não comum. De onde vem ao eu esta segurança? É esta a dinâmica que permite chegar ao ser eterno. Tal dinâmica é paralela e, de certo modo, dependente da transcendência interior. A qualidade relativa ao sentimento do eu em relação à sua própria vida, provém do profundo do eu e toma posse do próprio eu (cfr. Tommasi, 2012, p. 88). Esta qualidade normalmente é de segurança, mas não se trata de um terreno absolutamente certo, pois é constantemente exposto à mudança e à possibilidade do nada. Por outo lado, a angústia não parece ser descritível como uma condição normal do eu, por isso o sentido da certeza deve ser atribuído a um outro: “[…] no meu ser, deparo-me [ich stoße] com um outro ser que não é meu e que é o suporte e o fundo do meu ser o qual não tem apoio nem suporte em si mesmo” (Stein, 1950, p. 57).
Trata-se de uma experiência que é ao mesmo tempo uma evidência por onde “Stein estabelece um ponto de contacto entre Deus e o homem: a maneira pela qual ‘Deus vem à ideia’ e pela qual se manifesta, na imanência da consciência” (Bouillot, 2015, p. 250). É uma experiência que acontece sem mediação externa (cfr. Stein, 2004, p. 57), como uma certeza que não se obtém pela racionalidade filosófica. Stein, de facto, indica dois caminhos possíveis do conhecimento do ser eterno: o da fé e o da filosofia.
Posso chegar a este fundo que eu toco em mim mesmo a fim de conhecer o ser eterno por dois caminhos. O primeiro é o da fé […], [que] não é o do conhecimento filosófico. […] A filosofia […] é o caminho do pensamento que tira as suas conclusões; é o caminho percorrido pelas provas da existência de Deus. O fundamento e a origem do meu ser, como de todo o ser finito, pode em conclusão, ser apenas um ser, que ao contrário do ser próprio do homem, não seja um ser recebido: este ser deve vir de si mesmo; é um ser que, contrariamente ao que tem um inicio, não pode não ser, mas é necessário (Stein, 1950, p. 57).
Podemos averiguar, por meio da descrição da vivência religiosa da confiança descrita anteriormente, que na investigação fenomenológica da “consciência interna do tempo”, os termos heideggerianos e as categorias aristotélicas e tomistas de ato e potência, foram chamadas em questão de uma maneira original. A analogia do ser, lida temporalmente, tornou-se analogia da pessoa. No entanto, Stein quer sublinhar que não se trata de uma passagem lógica, como acontece nas provas da existência de Deus; o caminho da fé conduz à experiência de um Deus próximo, mas também não é uma certeza clara, mas antes, uma perceção muito obscura, pois o próprio Deus abaixa a sua linguagem ao nível dos cânones humanos para nos tornar compreensível o incompreensível (cfr. Stein, 1950, p. 58). A experiência da fé, segundo a autora carmelita, dá um conteúdo importante que pode enriquecer a filosofia.
Stein compreende que a sua tarefa “é aquela que Husserl e também Heidegger evitavam: ‘a orientação para o absoluto’ - mas na sua especificidade de pessoa” (Gerl-Falkovitz, 2016, p. 229). Trata-se de uma decisão de fundo: a filosofia pode ocupar-se da Revelação (cfr. Stein, 1950, pp. 26, 29-30).9 Que exista um tal oposto ao finito que se encontra como fundamento do ser pessoal, tanto a ontologia como a fenomenologia, podem elaborá-lo somente até às fronteiras da experiência empírica (cfr. Gerl-Falkovitz, 2016, p. 229). No entanto, não significa que a filosofia se transforme em teologia, mas que os dados da Revelação se transformam em hipóteses, possibilidades de sentido às quais é possível reconhecer uma racionalidade e fecundidade filosófica (cfr. Bouillot, 2015, p. 282).
A autora retoma o tema da analogia entis, no VI capítulo de Ser finito e ser eterno, depois de uma longa discussão, nos capítulos III a V, com a ontologia tomista e medieval, em que, aliás, apresenta muitos aspetos inovadores como refere Tommasi (cfr. 2012, p. 91)10 e que aqui não poderemos analisar. Percebe-se, no entanto, que há uma viragem para a concepção agostiniana, segundo a qual o Ente primeiro é uma pessoa (cfr. Stein, 1950, p. 317), “a plenitude do ser é formada pessoalmente” (Stein, 1950, p. 317). O Seu ponto de partida para estabelecer a analogia pessoal é o nome que Deus se deu a si próprio quando se revelou a Moisés: “Eu sou Aquele que sou” (Ex. 3, 14). Trata-se da relação entre dois “eu sou”: de facto, “cada um de nós começa um dia a chamar-se eu, ainda antes de ter a conceção do seu sentido”. Não obstante toda a finitude do eu, descrita acima e, embora a distância infinita que separa o eu divino e humano, podemos compreender que o “eu sou” humano assemelha-se mais ao “Eu sou” divino do que todos os outros entes criados, precisamente porque é um eu, uma pessoa (cfr. Stein, 1950, p. 319), mesmo se, “não existe em Deus -como no homem- uma oposição entre a vida do eu e o seu ser. O seu ‘Eu sou’ é um presente eternamente vivo, sem começo nem fim, sem lacunas e sem obscuridade” (Stein, 1950, p. 319).
Para Stein, a analogia pode estender-se a todo o ente criado, como ela própria refere:
A relação do “Eu sou” divino com a multiplicidade do ente finito é a analogia entis mais originária. É pelo facto que todo o ser finito tem o seu arquétipo no “Eu sou” divino, que tudo tem o mesmo significado. Mas dado que o ser se divide na criação, o ser não possui em todo o ente absolutamente o mesmo significado; ao lado de um sentido comum, encontramos uma significação diferente (Stein, 1950, p. 321).
Em Deus, aquilo que Ele é e o seu ser não se distinguem, mas na criação ele dá origem a diferentes criaturas, que se distinguem do seu ser e do seu “o que”, que se distinguem entre si - há uma multiplicidade de modos de ser. Visto que todas as criaturas provêm de Deus Criador, recebem o seu ser do ser de Deus, há também uma unidade entre elas e Deus. O que em Deus é uno, multiplica-se e diferencia-se nas criaturas e tais diferenças têm origem ou são prefiguradas no “Eu sou” divino. Esta relação é chamada de analogia, porque há unidade e diversidade. Tudo o que é, foi chamado à existência por Deus e é diferente do seu ser e, contudo, tem alguma participação nele. No entanto, o eu é o ente finito privilegiado, que tem maior similitude com o ser eterno, apesar de haver uma grande distância entre Deus e o homem. “Em que consiste então, o comum entre Deus e a pessoa finita”, pergunta-se Stein já em Potência e Ato, “o comum que permite falar em ambos os casos de pessoa? […] Subsiste uma autêntica analogia entre a pessoa infinita e os sujeitos espirituais que os autoriza também a falar de personalidade” (Stein, 1998, p. 89).
Mas o que é a pessoa? Este “Eu sou” de Deus significa que é “um presente vivo e eterno, sem início nem fim. ‘Eu sou’ significa: eu vivo, eu sei, eu quero, eu amo” (Stein, 1950, p. 319). O “Eu sou” divino não é vazio, mas é formado, pessoalmente, é uma pessoa. “Abraça-se espiritualmente a si mesmo, ou é transparente a si” (Stein, 1950, p. 319). Ora, também o conhecimento de si, efetuado pelo espírito humano, sabe de si por estar imediatamente dentro do próprio eu; mas por experiência, falta-lhe o conhecimento totalmente abrangente, a autoconsciência traz consigo algo de desconhecido - o fundo do eu é subtraído a si próprio. Para clarificar o eu, Stein liga-se à experiência frontal do eu e do tu, como algo de próprio e de estranho, mesmo se há algo em comum: o próprio eu (cfr. Gerl-Falkovitz, 2016, p. 231).
[…] ao eu finito opõe-se um tu, que é um outro eu, seu igual, um ente ao qual podemos dar uma resposta e com o qual o eu, fundando-se na semelhança do ser do eu, vive na unidade de um nós. O nós, é uma forma na qual fazemos a experiência de ser único de uma pluralidade de pessoas (Stein, 1950, p. 323).
A separação entre os dois é sustentada pela unidade do “nós”, este nós, encerra o ser de uma multiplicidade de pessoas, a unidade e a multiplicidade não se confundem, nem obrigam o eu a dividir-se. Mesmo se, com as devidas diferenças, também em Deus existe, analogicamente, uma unidade perfeita do nós que não pode ser alcançada por nenhuma comunidade de pessoas finitas. “Stein pensa que o plural ‘façamos o homem à nossa imagem e semelhança’ seja o primeiro indício do misterioso nós de Deus” (Gerl-Falkovitz, 2016, p. 231).
Ao lado da manifestação do nome divino “Eu sou” encontra-se no Antigo Testamento a fórmula a propósito da criação: “Façamos o homem à nossa imagem” […]; convém também notar as palavras do Salvador: “Meu Pai e eu somos um só”. O nós, enquanto unidade constituída pelo eu e o pelo tu, é uma unidade superior àquela formada pelo eu. É […] uma unidade de amor […]. “Eu sou”, equivale a Eu dou-me inteiramente a um tu, onde eu não faço que um com um tu e assim nós somos um (Stein, 1950, pp. 323-324).
Deste modo, Stein concebe uma analogia que encontra a sua expressão mais completa na analogia da pessoa (cfr. Tommasi, 2012, pp. 12 e 89), que é estabelecida entre a pessoa divina e a pessoa humana. A dimensão relacional e individual constitui a natureza de ambas, pelo que, também aqui, se pode constituir uma outra analogia, não apenas uma analogia do “eu sou” que indica a individualidade própria e única, mas uma analogia que evidencia o carácter relacional, constituinte tanto do ser de Deus como da pessoa humana. De facto, faz parte da essência divina ser em três pessoas.
O ser divino é o arquétipo (Urbild) do ser pessoal finito (cfr. Stein, 1950, p. 323). No entanto, no ser humano, o ser único não suprime a multiplicidade e a pluralidade das pessoas. A diversidade pertence à essência do eu, mas a unicidade não suprime a multiplicidade; a diferenciação é uma diferenciação da essência, a comunidade do nós, deixa lugar para uma maneira de ser pessoal que distingue o eu de qualquer outra coisa. Ora, uma tal diferenciação não deve ser tida em conta quando se trata das Pessoas divinas. Nestas, “a essência na sua totalidade é comum às três pessoas” (Stein, 1950, p. 323). Permanece somente a diversidade das pessoas enquanto tal: uma unidade perfeita que nenhuma comunidade de pessoas poderia alcançar (cfr. Stein, 1950, p. 323).
III. Analogia ascendente e analogia descendente
Mesmo se o conceito de analogia da pessoa remonta já a Boécio que o aplica ao mesmo tempo ao homem, a Deus e aos anjos (cfr. Betschart, 2017, p. 306), a maneira como Stein aborda o tema é original, enquanto articula uma conceção escolástica e uma conceção moderna da pessoa humana. Para além do mais, o interesse de Stein não é elaborar uma definição de pessoa, nem do ponto de vista histórico nem fenomenológico, mas esclarecer o sentido do ser humano, como mostrará o seu processo de ascensão ao sentido do ser. Ao admitir que a Revelação pode servir de hipótese para a Filosofia (cfr. Stein, 1950, p. 30), a autora quer, através da analogia, chegar ao ser trinitário, para a partir de lá, esclarecer o sentido da pessoa humana (cfr. Savian Filho, 2016, p. 20). O processo de ascensão conhecerá, pois, dois momentos: um de subida que vai dos capítulos II a VI de Ser finito e ser eterno, e um de descida, evidenciado nos capítulos VII e VIII, afim de chegar a uma compreensão mais profunda do ser finito (cfr. Bouillot, 2015, p. 220) concebido agora como pessoa. Os autores medievais que aplicaram a analogia da pessoa ao ser trinitário, fizeram o processo inverso, partiram do ser humano para explicar o ser trinitário (cfr. Savian Filho, 2016, p. 21). Stein, pelo contrário, afirma que:
A busca do sentido do ser conduziu-nos ao Ser que é o autor e a imagem primitiva (Urbild) de todo ser finito. Ele revelou-se-nos como o Ser em pessoa, e mesmo como um ser em três pessoas. Se o Criador é a imagem primitiva da criação, então não deve haver na criação uma imagem da unidade trinitária do Primeiro Ser, por mais remota que seja? E, de lá, não seria possível chegar a uma compreensão mais profunda do ser finito (Stein, 1950, p. 328)?
Stein parte, pois, do modelo trinitário para compreender a pessoa humana. Trata-se de tomar o Ser primeiro como arquétipo do ser criado. Com o processo de ascensão Stein chega ao Ser Primeiro, concebendo-o como Pessoa. A partir daí, o ser humano vai ser compreendido como imagem do seu Criador de quem recebe o ser. A pessoa humana deve compreender-se não somente como imagem, mas sobretudo, na relação com o seu Criador. Pelo que, o processo analógico inverte-se agora, já não para falar de Deus por analogia com a pessoa humana, mas para falar da pessoa humana por analogia com a pessoa divina. Pode-se chamar este segundo movimento do processo analógico, analogia descendente.11
A analogia que ela estabelece não se restringe somente ao campo espiritual, referindo-se, por exemplo, à inteligência, à memória e à vontade, como fez Santo Agostinho (cfr. Stein, 1950, p. 413), mas inclui também o corpo e a alma (cfr. Stein, 1950, p. 426). A unidade de essência entre as pessoas divinas torna-se modelo para a compreensão da unidade existente entre corpo, alma e espírito. Ao apresentar a Trindade como modelo do ser humano, Edith Stein exige que se abandone toda a conceção tripartite que tome o corpo, a alma e o espírito como realidades independentes ou marcadas por alguma fronteira (cfr. Savian Filho, 2016, p. 24).12 Se o modelo da Trindade é a “inabitação”, entre Pai, filho e Espírito Santo, do mesmo modo, a pessoa humana, imagem da Trindade, é a “inabitação” viva de corpo, alma e espírito (cfr. Savian Filho, 2016, p. 24). No entanto, Stein não está interessada em estabelecer o que as pessoas humanas têm em comum segundo a espécie, mas em fazer notar a marca individual e única de cada ser humano que se aperfeiçoa e realiza na relação única e pessoal que cada um é chamado a descobrir e a desenvolver respondendo ao apelo que lhe é feito, também de maneira pessoal e única. Neste caso, a imagem de Deus está de modo particular na alma, enquanto formadora de toda a pessoa (cfr. Betschart, 2017, p. 307). Enquanto alma espiritual, deve reproduzir a imagem de Deus duma maneira totalmente pessoal (cfr. Stein, 1950, p. 461).
Conclusão
A analogia enquanto relação de imagens, exige uma oposição entre o ser eterno e o ser finito […]. A autonomia do que é criado, não é comparável somente à autonomia da imagem em relação ao modelo, ou da obra de arte em relação ao artista. É mais precisamente a relação da imagem refletida no objeto refletido ou do raio refletido na luz que pode servir de termo de comparação (Stein, 1950, p. 321).
Stein sublinha que a dissemelhança entre o Criador e a criatura é maior que a semelhança. No entanto, o “eu sou”, traça o elemento fundamental que permite falar de ambos, sem utilizar uma linguagem nem em sentido unívoco, nem equívoco. Se o “Eu sou” de Deus é vida e amor, que se manifesta numa tensão de um Eu para um Tu e, enquanto tal, tem a sua perfeição em si mesmo, por outro lado, está em tensão para fora de si. Também o eu humano, enquanto não já apenas um eu puro, mas um eu espiritual, está numa tensão para com a sua interioridade (alma) e para com a exterioridade.
Uma diferença fundamental entre o “eu sou” humano e divino, é que no “Eu sou” de Deus, a sua vida e o seu ser têm a sua plenitude em si mesmo. O “eu sou” humano, por seu lado, experimenta a sua finitude, o seu ser é um ser recebido. Por tal motivo, o sentido do ser (finito) é também ele dinâmico: a sua essência, enquanto se realiza no tempo, apresenta um elemento estável e outro dinâmico (cfr. Betschart, 2017, p. 317); é uma perfeição em contínuo desenvolvimento. É na interioridade, no mais profundo da alma, que reside o seu núcleo onde está inscrita aquela imagem divina que corresponde à sua essência própria e pessoal. Tal imagem, informa toda a pessoa. Esta, não obstante, a sua natureza tripartite de corpo (Leib) alma e espírito, forma uma unidade em que os vários elementos não podem ser concebidos separadamente, mas como “inabitação”, formando o todo da pessoa. A imagem pessoal e única, não é incompatível com a dimensão relacional da pessoa. Stein, desde a sua tese doutoral, mostrará que a um eu se contrapõe um tu, que me leva a descobrir a minha própria identidade.
Ora, o caminho de ascensão ao sentido do ser levou-nos a compreender que a constituição finita e temporal da consciência, por um lado, e a natureza transcendental do eu por outro lado, requerem necessariamente a compreensão de que, no meu ser finito sou abraçado e mantido no ser por um ser que não é meu, este é atemporal e eterno. Tal ser, manifestou-se como um ser pessoal, pois Stein compara tal relação àquela de uma criança com a sua mãe; pois o ser infinito dá ao eu finito um sentimento de segurança. A autora interpreta então a analogia como relação entre duas pessoas. Uma vez que o Ente Primeiro é uma pessoa, e que também o conhecimento mais evidente que tenho de mim mesmo é a evidencia de “eu sou”, então a analogia é concebida entre o “eu sou” humano e o “Eu sou” divino, nome com o qual Deus se designou a si mesmo. A autora passa da “analogia do ente”, a uma “analogia temporal” e desta a uma “analogia da pessoa”. Para efetuar tal passagem, serviu-se das análises fenomenológicas e da discussão com a ontologia heideggeriana e medieval, nomeadamente tomista. No entanto, para alcançar o sentido do ser, como um ser pessoal, Stein propõe a categoria do encontro (cfr. Gerl-Falkovitz, 2016, pp. 230-231). Assim como o ser de Deus é um ser Trinitário que vive a plenitude de vida, numa tensão de doação de um ao outro e essa relação é uma relação de amor, assim também o ser humano só realiza a plenitude da sua essência, vivendo uma relação de amor para com o ser do qual recebe o ser e a vida e pelo qual foi criado. Na esteira de Agostino, Stein encontra, no fundo da alma, o amor como a imagem mais profunda de Deus na pessoa: “Se Agostinho não menciona o amor na tríade, memória-inteligência-vontade […] é porque o amor pode ser considerado como o fundamento e finalidade desta tripla atividade espiritual” (Stein, 1950, p. 417).
O amor não constitui apenas uma imagem da racionalidade da pessoa, mas é a marca (experiência) que une o sentimento à racionalidade e estas à memória. A memória, também para Stein, como para Agostinho, é fundamental, pois que ser pessoa é ser consciente do meu ser juntamente com a capacidade de dispor livremente de si. A memória é para Stein um dos traços fundamentais da característica do eu como pessoa, pois que representa a consciência que se tem de si. Por outro lado, o amor recebido exige por parte daquele que o recebe correspondência ao amor de Deus. O amor, para ser autêntico, deve ser sempre um dom de si mesmo. Neste sentido, é inseparável do amor pelo próximo, pois que devemos amar o próximo por amor de Deus (cfr. Stein, 1950, p. 419).
Pela analogia do “eu sou” e mais especificamente a analogia da pessoa, Stein ultrapassa a fenomenologia e a ontologia que, por vezes, se confinam a uma explicação racional da experiência empírica. Por outro lado, na expressão de H. B. Gerl-Falkovitz, o termo “pessoa” apresenta mais conteúdo em relação ao termo “ser”. A pessoa compreende seja o ser que o (auto-) conhecimento e reconhecimento de uma “plenitude” atribuída; a categoria “pessoa” realiza um passo para além da onto-teologia e da análise do eu para o reconhecimento de ser dado por um doador (cfr. Gerl-Falkovitz, 2016, p. 232).13 Partindo da hipótese de que a Revelação pode enriquecer a reflexão filosófica, Stein encontra no “Eu sou” divino, a confirmação de que o ser recebido é uma pessoa, ou um ser em três pessoas. Este ser do qual trago em mim a imagem, e do qual só se pode falar por analogia, é um ser que não constitui o ser finito, no entanto, é acolhido por ele.
Separando o ser finito do ser eterno - a pessoa criada da pessoa divina - e mantendo a assimetria entre as duas (no grau assimétrico da capacidade de dedicação), Stein consegue evitar um monismo fácil da constituição recíproca. A ponte entre os vários âmbitos do ser torna-se amor expresso pessoalmente no Deus-Homem, isto é, Cristo. Mas em tudo isto, o dizer-tu e o dizer-eu humano e divino tornam-se expressamente diferentes (Gerl-Falkovitz, 2016, p. 233).