Introdução
A antropização em áreas de vegetação natural, como as do bioma do Cerrado, tem causado impactos significativos no funcionamento desse ecossistema, a se citar a regulação microclimática, estabilidade nos ciclos hidrológicos e biogeoquímicos, além da perda de estoques de carbono e da biodiversidade. Segundo Nunes et al. (2020), esforços globais através de políticas e compromissos de restauração e reflorestamento dessas áreas antropizadas vem sendo efetuados, objetivando o aumento da área florestal e, consequentemente, a remoção de dióxido de carbono (CO2) da atmosfera, para mitigação os efeitos das mudanças climáticas.
A preocupação atual de se recuperar essas áreas, juntamente com o desenvolvimento de tecnologias, oferece novos desafios e oportunidades para os processos ao longo da cadeia de produção de mudas. Tradicionalmente, o setor de viveiros florestais tem se concentrado na obtenção de mudas de maneira eficiente e econômica, sendo crescente o interesse na redução de impactos ambientais durante o processo produtivo (Riikonen e Luoranen, 2018).
Na produção de mudas, um dos aspectos mais relevantes é a adequação do manejo nutricional, visando a realização de processos fisiológicos, os quais interferem no crescimento e desenvolvimento dos vegetais. Em geral, esse aspecto é atendido por meio da fertilização e/ou inoculação com microrganismos mutualistas, como os fungos micorrízicos (Jacobs e Landis, 2009).
O fósforo (P) é um dos nutrientes fundamentais para os processos celulares das plantas (Chowdhury et al., 2017). Adicionalmente, esse mineral é primordial ao crescimento dos vegetais, aquisição, armazenamento e transferência de energia, além de participar em processos metabólicos, como a transdução de sinais (Epstein e Bloom, 2006). No entanto, o excesso de P pode causar toxidez às plantas (Mao et al., 2016). Sendo assim, deve-se destacar a importância da determinação de doses adequadas, as quais devem ser especificas para a produção de mudas de cada espécie.
A utilização de bioinoculantes em viveiros é interessante na mitigação de impactos ambientais causadas durante a produção de mudas. Um exemplo é a utilização de fungos micorrizícos arbusculares (FMAs), os quais podem promover redução do uso de fertilizantes inorgânicos (Desai et al., 2020). Isso ocorre devido os FMAs aumentarem a absorção de nutrientes, princi-palmente os que apresentam baixa mobilidade no solo, como P (Srivastava et al., 2017).
Outro efeito dos FMAs é o aumento na aquisição de água, promovido pelas hifas dos fungos, gerando maior resistência das plantas ao déficit hídrico (Bitterlich et al., 2018; Entry et al., 2002). Segundo Püschel et al. (2020), as hifas funcionam como uma extensão das raízes, promovendo maior capacidade de exploração do substrato e aquisição de recursos de crescimento.
Os FMAs também proporcionam maior resistência a metais pesados (Dhalaria et al., 2020; Miransari, 2017), como Cd, Cu e Zn (Hildebrandt et al., 2007). Esse fato é relevante em recuperação de áreas degradadas, dado que esses microrganismos podem facilitar o estabelecimento da cobertura vegetal em áreas nas quais houve contaminação do solo. Desse modo, a inoculação com FMAs pode ser empregada em viveiros para a obtenção de mudas de qualidade superior e, consequentemente, mais vigorosas e com maior capacidade de sobrevivência após o plantio.
Objetivos
O presente estudo objetivou avaliar o efeito da fertilização com fósforo (P) e a inoculação com FMAs no crescimento, produção de biomassa e qualidade de mudas de Peltophorum dubium.
Materiais e métodos
Descrição do local e delineamento estatístico
O experimento foi desenvolvido em casa de vegetação na Unidade Universitária de Aquidauana da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) localizada entre as coordenadas 20º27’20” de latitude S e 55º40’17” de longitude W. Segundo Köppen, o clima da região pertence ao tipo Aw, classificado como tropical-quente, sub-úmido (Alvares et al., 2014). A precipitação pluviométrica anual do local varia de 1200 mm a 1400 mm, com período chuvoso bem definido de outubro a março e período seco de abril a setembro. A temperatura média anual é de 24 °C, com máxima diária de 36 °C durante o verão e mínima de 12 °C no inverno.
O delineamento experimental utilizado foi o inteiramente casualizado, em esquema fatorial 5 × 3, sendo avaliadas cinco doses de fósforo (0, 50, 100, 200 e 400) mg kg-1 e três tratamentos microbiológicos (inoculado com R. clarus, G. margarita e um controle sem inoculação), com quatro repetições, totalizando 60 vasos. A parcela experimental foi composta por um vaso contendo uma planta.
Obtenção do inóculo de FMAs, preparo do substrato de cultivo, inoculação micorrízica e plantio
Para a multiplicação do inóculo de FMAs foi utilizado substrato constituído por uma mistura de Argissolo Vermelho Amarelo distrófico e areia na proporção de 1:2 (v:v). Esse substrato foi esterilizado em autoclave, por uma vez, a 121 °C, por uma hora. Após a esterilização o substrato foi colocado em vasos de cultivo com capacidade de 5 dm³ e infectado com uma mistura de solo contendo esporos e raízes colonizadas com os FMAs, proveniente da coleção do laboratório de Matéria Orgânica e Microbiologia do Solo da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (LAMOMIS - UEMS).
Como plantas hospedeiras foram semeadas sementes de Urochloa brizantha cv. xaraés. As sementes de U. brizantha tiveram a superfície esterilizada com solução a 0,5% de hipoclorito de sódio, durante 15 minutos. Após a embebição, as sementes foram lavadas com água esterilizada. Os vasos foram mantidos em estufa pelo período de quatro meses para a multiplicação dos FMAs, os quais foram utilizados como fonte de inóculo.
O substrato utilizado no experimento foi constituído por uma mistura 1:2 (v:v) de vermiculita média e o horizonte sub-superficial de um Argissolo Vermelho Amarelo distrófico (Santos et al., 2018). O substrato foi esterilizado em autoclave, por uma vez, a 121 °C, por uma hora. Foi realizada análise química do solo utilizado na formulação do substrato, o qual apresentou as características contidas na Tabela 1.
Característica química | Valor |
pH(1) | 4,8 |
Matéria orgânica(2) | 13,00 g dm-3 |
P disponível(3) | 3,50 mg dm-3 |
K+(4) | 1,60 mmolcdm-3 |
Ca+2(5) | 10,00 mmolcdm-3 |
Mg+2(5) | 7,00 mmolcdm-3 |
Al+3(6) | 4,00 mmolcdm-3 |
H+ + Al+3(7) | 27,00 mmolcdm-3 |
Soma de bases | 18,60 mmolcdm-3 |
Capacidade de troca catiônica | 45,60 mmolcdm-3 |
Saturação por bases | 40,79% |
Saturação por Al | 8,70% |
*1)H2O - Razão 1:2,5; (2) C. org. × 1,724 - Método Walkley-Black; (3) extraído com solução de Mehlich-1 e determinado por colorimetria; (4) extraído por Mehlich-1 e determinado por espectrofotometria de chama; (5) extraídos com KCl 1 mol L-1 e determinados por complexiometria; (6) extraído com solução de KCl 1 mol L-1 e determinado por titulação; (7) extraídos com solução de acetato de cálcio 0,5 mol L-1 e determinados por titulação.
Para corrigir o solo para uma saturação por bases de 60%, foi realizada a calagem de acordo com a análise de solo, aplicando-se calcário com PRNT de 100%. Posteriormente, o substrato foi alocado em vasos plásticos com 5 dm3 de capacidade, onde foram adicionadas as doses de P, por meio da aplicação de KH2PO4. Devido a presença de potássio (K) no fertilizante utilizado como fonte de P, adicionou-se KCl ao substrato de cultivo das plantas (Tabela 2), visando equilibrar a quantidade de K aplicada via KH2PO4.
Doses de P (mg kg-1) | KH2PO4 (g) | KCl (g) |
0 | 0 | 3,84 |
50 | 0,88 | 3,36 |
100 | 1,75 | 2,88 |
200 | 3,51 | 1,93 |
400 | 7,02 | 0 |
As sementes de P. dubium foram coletadas de plantas matrizes situadas na UEMS, campus Aquidauana. As sementes tiveram sua superfície esterilizada por meio de imersão em hipoclorito de sódio 2% por um período de 5 minutos. Decorrido este período, ases mesmas foram lavadas em água corrente e, posteriormente, em água destilada e deionizada. Para a germinação das sementes, placas de Petri foram preenchidas com algodão embebido em água destilada, dispostas em capela de fluxo laminar e submetida à luz ultravioleta durante 10 minutos, para esterilização das mesmas. Em seguida, as placas contendo as sementes foram levadas à câmara BOD à temperatura de 30 °C, até a emissão das radículas.
A inoculação com FMAs foi efetuada no momento do transplantio, tendo como inóculo 10 mL de uma mistura de solo, raízes colonizadas e esporos de FMAs, o qual foi adicionado no orifício onde se inseriu as sementes.
Condução do experimento, obtenção e análise dos dados
Aos dez dias após o transplantio, foi realizado o desbaste permanecendo apenas uma planta por vaso previamente selecionada. A irrigação do substrato de cultivo foi realizada mediante monitoramento diário, onde a irrigação foi feita de modo que as plantas não atingissem o ponto de murcha. O crescimento das mudas P. dubium foi avaliado aos 120 dias após o transplantio (DAT), onde foram mensurados a altura (H) e o diâmetro do coleto (D) das plantas. A H das mudas foi medida do nível acima do solo até o ponto de inserção da última folha, utilizando-se régua (cm), enquanto o D foi mensurado ao nível acima do solo, por meio de paquímetro digital (mm).
Após a mensuração da H e D das plantas, ases mesmas foram coletadas, onde o sistema radicular foi separado da parte aérea. Após lavagem do sistema radicular, foram coletadas subamostras de 2 cm de comprimento de raízes e conservadas em etanol a 50% para posterior determinação da colonização micorrízica. Após a coloração das raízes com azul de metila (Koske e Gemma, 1989), a taxa de colonização das raízes foi determinada pelo método da interseção em placa de Petri reticulada (Giovannetti e Mosse, 1980).
Para a determinação da massa de matéria seca das plantas, a parte aérea e o sistema radicular foram acondicionados em estufa a 65 °C por 72 horas. Em seguida, o material foi pesado em balança analítica com precisão de 0,01 g. Por meio dos dados de altura (H), diâmetro do coleto (D), massa de matéria seca da parte aérea (MSPA) e raízes (MSR) das plantas, calculou-se o índice de qualidade de Dickson (IQD) (Dickson et al., 1960), de acordo com a equação 1.
Os dados obtidos foram submetidos à análise de variância (ANOVA - Two way) e as médias dos tratamentos de inoculação e doses de P à comparação de médias pelo teste de Tukey a 5% e análise de regressão (p < 0,05), respectivamente, utilizando-se o software Sisvar (Ferreira, 2019). O coeficiente de correlação de Pearson foi calculado para avaliar a correlação entre as variáveis morfológicas avaliadas, por meio do SigmaPlot® 12.0 (Systat Software Inc.).
Adicionalmente, por meio da observação do coeficiente de determinação (R2), a significância dos betas da equação e o significado biológico dos modelos de regressão, foram selecionadas as equações e, por meio dessas, foi possível determinar os pontos de máximo incremento (PM) e o correspondente a 90% do PM de cada variável estudada, assim como a dose de P necessária para alcançar esses valores.
Resultados
O resumo da análise de variância mostra que a inoculação (I) não interferiu em nenhuma das variáveis morfológicas e suas relações em mudas de P. dubium. Esses resultados são explicados devido à ausência de sinais de colonização micorrízica nas raízes de P. dubium, indicando que, nas condições estudadas, a espécie apresentou ausência de associação com os microrganismos de R. clarus e G. margarita. De modo contrário, a fertilização fosfatada (P) influenciou fortemente a 1% as variáveis estudadas, exceto as relações H/D e MSPA/MSR a 5%. Não houve interação significativa a 5% entre a inoculação micorrízica e adubação fosfatada em nenhum dos atributos avaliados (Tabela 3).
FV | I | P | I × P | Resíduo | CV % | |
GL | 2 | 4 | 8 | 45 | ||
p-valor | H (cm) | 0,3800 | 0,0000 | 0,4106 | - | 23,41 |
D (mm) | 0,3004 | 0,0000 | 0,3563 | - | 19,94 | |
H / D | 0,1143 | 0,0186 | 0,6771 | - | 17,58 | |
H/MSPA | 0,1820 | 0,0000 | 0,5438 | - | 47,12 | |
MSPA (g) | 0,0794 | 0,0000 | 0,0555 | - | 54,03 | |
MSR (g) | 0,2333 | 0,0006 | 0,5090 | - | 66,11 | |
MST (g) | 0,1308 | 0,0000 | 0,0988 | - | 53,49 | |
MSPA/MSR | 0,0705 | 0,0118 | 0,4690 | - | 42,06 | |
IQD | 0,2157 | 0,0000 | 0,1929 | - | 58,60 |
Nível de significância a 5% de probabilidade. Em que: altura (H), diâmetro do coleto (D) e relações H / D e H / MSPA, massa seca da parte aérea (MSPA), massa seca de raízes (MSR), massa seca total (MST), relação MSPA / MSR e índice de qualidade de Dickson (IQD). FV = fonte de variação; GL = grau de liberdade; CV % = coeficiente de variação.
Todas as características avaliadas no presente estudo, exceto a razão MSPA/MSR, demonstraram respostas quadráticas à aplicação de P no substrato (Fig. 1). Desse modo, torna-se possível definir o ponto de máximo incremento do crescimento, produção de massa e qualidade de mudas de P. dubium em função da fertilização fosfatada, o que é um aspecto positivo para o manejo da adubação em viveiros florestais. As variáveis relacionadas ao crescimento das plantas (H e D) e a razão entre elas (H/D) responderam de maneira quadrática à aplicação de P. A razão H/MSPA apresentou comportamento quadrático inverso, com redução do valor desse atributo em função do aumento da dose de P até 231 mg kg-1.
A produção de massa (MSPA, MSR e MST) e a qualidade das mudas (IQD) de P. dubium respondeu positivamente ao aumento do P no substrato (Fig. 2), onde os pontos de máxima dessas características foram obtidos entre 218 mg kg-1 e 229 mg kg-1 de P. A relação MSPA/MSR, a qual representa a distribuição de massa nas mudas, apresentou comportamento linear positivo, onde o maior valor encontrado para a citada relação foi igual a 3,90 na dose 400 mg kg-1.
De modo geral, nota-se que as plantas de P. dubium responderam bem ao aumento da oferta de P no substrato, demonstrando incrementos no crescimento, produção de biomassa e qualidade de mudas. Os valores máximos para H (32,96 cm), D (4,91 mm), MSPA (4,04 g), MSR (1,31 g), MST (5,23 g) e IQD (0,59) foram obtidos entre 218 mg kg-1 e 295 mg kg-1 de P (Tabela 4). Essas respostas positivas das plantas em função do aumento da oferta de P indicam a importância da fertilização fosfatada para se obter mudas de qualidade superior de P. dubium.
Ponto de máxima (PM) | 90% do PM | Dose para obter PM (mg kg -1 de P) | Dose para obter 90 % do PM (mg kg -1 de P) | |
H (cm) | 32,96 | 29,66 | 295 | 267 |
D (mm) | 4,91 | 4,42 | 247 | 213 |
H / D (cm mm-1) | 6,36 | 5,73 | 260 | 199 |
H / MSPA (cm g-1) | 5,87 | 6,46 | 231 | 228 |
MSPA (g) | 4,04 | 3,64 | 229 | 207 |
MSR (g) | 1,31 | 1,18 | 223 | 204 |
MST (g) | 5,23 | 4,70 | 218 | 197 |
MSPA / MSR (g g -1) | 3,90 | 3,51 | 400 | 360 |
IQD | 0,59 | 0,53 | 225 | 203 |
Altura (H), diâmetro do coleto (D) e relações H / D e H / MSPA massa seca da parte aérea (MSPA), massa seca de raízes (MSR), massa seca total (MST), relação MSPA / MSR e índice de qualidade de Dickson (IQD).
Houve alta correlação entre a altura das plantas (H) e as demais variáveis estudadas, gerando efeito significativo a 1% (Tabela 5). O IQD das plantas apresentou correlação significativa a 1% com a MSPA (r = 0,917**), MSR (r = 0,944**) e MST (r = 0,960**). Também foi notado alta correlação entre D e IQD de mudas de P. dubium (r = 0,764**). No presente estudo, as variáveis H e D, as quais são de fácil mensuração em viveiros florestais, apresentaram correlação positiva e significativa com todos os atributos morfológicos das mudas de P. dubium, com exceção da relação H / MSPA, a qual se correlacionou de modo negativo com as citadas variáveis
H | D | H / D | H / MSPA | MSPA | MSR | MST | MSPA/ MSR | IQD | |
H | - | ||||||||
D | 0.849** | - | |||||||
H / D | 0,690** | 0,221ns | - | ||||||
H / MSPA | -0,654** | -0,712** | -0,231ns | - | |||||
MSPA | 0,707** | 0,796** | 0,238ns | -0,712** | - | ||||
MSR | 0,591** | 0,680** | 0,168ns | -0,596** | 0,788** | - | |||
MST | 0,707** | 0,800** | 0,231ns | -0,713** | 0,989** | 0,871** | - | ||
MSPA/MSR | 0,517** | 0,469** | 0,356** | -0,493** | 0,463** | -0,014ns | 0,366** | - | |
IQD | 0,590** | 0,764** | 0,071ns | -0,661** | 0,917** | 0,944** | 0,960** | 0,174ns | - |
ns não significativo, ** e * significativo a 1% e 5% de probabilidade de erro. Em que: Altura (H), diâmetro do coleto (D) e relações H / D e H / MSPA, massa seca da parte aérea (MSPA), massa seca de raízes (MSR), massa seca total (MST), relação MSPA / MSR e Índice de qualidade de Dickson (IQD).
Discussão
A ausência de efeitos dos FMAs em mudas de P. dubium também foi observada em outros trabalhos. Zangaro et al. (2002) observaram ausência de colonização micorrízica em mudas de P. dubium produzidas em casa de vegetação e em plantas coletadas em área de vegetação nativa. O mesmo foi encontrado por Carneiro et al. (1998), os quais, analisando raízes de P. dubium obtidas de ambientes protegidos (casa de vegetação e viveiro florestal) e naturais (mata semidecídua e área de Cerrado), não encontraram sinais de colonização radicular por FMAs na espécie.
Resultados contrastantes foram obtidos Frioni et al. (1999), os quais observaram 48% de colonização radicular em plantas de P. dubium em vegetação nativa no Uruguai. Os citados autores ainda observaram correlação inversa significativa entre o teor de P no solo e a taxa de colonização micorrízica. Andreazza et al. (2008) também observaram presença de colonização por FMAs em raízes de P. dubium na Região Sul do Brasil.
Siqueira et al. (1998) não observaram efeito positivo no crescimento de mudas de P. dubium em resposta à aplicação de P e/ou a inoculação com a mistura de Glomus etunicatum e Gigaspora margarita. Além disso, os autores notaram redução do teor de N e S na parte aérea das plantas, enquanto P, K, Mg não foram influenciados pelos tratamentos. Resultados semelhantes foram obtidos por Lacerda et al. (2011), os quais não encontraram efeito benéfico da inoculação com R. clarus em mudas de Hymenaea courbaril e Dipterix alata, sugerindo apenas a fertilização com P.
Muitas leguminosas arbóreas nativas do Brasil apresentam resposta positiva a esses microrganismos (Brito et al., 2017; Dias et al., 2012; Caldeira et al., 1999). Burity et al. (2000) e Pralon e Martins (2001) encontraram maior nodulação e crescimento de Mimosa caesalpiniifolia em função da inoculação com Rhizobium sp. e FMAs, em comparação apenas com Rhizobium sp. Resultados semelhantes ocorreram em Enterolobium contortisiliquum e Sesbania virgata (Pouyú-Rojas e Siqueira, 2000).
Navarro e Morte (2019) encontraram resultados interessantes em Citrus macrophylla em resposta a FMAs (inoculadas ou não com mistura de Rhizophagus irregularis e Funneliformis mosseae) e doses de P (0; 0,1; 1 e 5) mM P. Os autores notaram que a resposta das plantas aos FMAs foi muita baixa quando não se aplicou P ao substrato, situação onde normalmente ocorre maior benefício do FMAs (Johnson et al., 2015; Liu et al., 2020). De modo contrário, nas doses 0,1 mM e 1 mM de P os fungos beneficiaram o crescimento e nutrição das mudas.
Efthymiou et al. (2018) esperavam maior crescimento de plantas de trigo em função da inoculação com o FMA R. irregularis, em especial em condições de baixo P. Contudo, foi observado redução do crescimento das plantas com FMA em todas as doses avaliadas (0 mg kg-1, 20 mg kg-1 e 80 mg kg-1 de P, via biochar). Os autores não encontraram explicação para o fato e apontaram que a redução do crescimento não foi ocasionada pela porcentagem de colonização das raízes, o que poderia gerar um custo elevado de carbono aos vegetais, dado que em baixos valores de colonização radicular também houve menor crescimento das plantas.
No presente estudo, a ausência de interação entre a inoculação micorrízica e a fertilização fosfatada foi um resultado inesperado, dado que os microrganismos do solo, assim como atividade de suas enzimas, apresentam correlação com disponibilidade de P aplicado via fertilizantes minerais (Cheng et al., 2020). Brunetto et al. (2019) também não encontraram interação entre a aplicação de P e a inoculação com R. clarus no crescimento em altura e produção de MSPA e MSR de Vitis labrusca. De modo similar ao observado no presente trabalho, Brunetto et al. (2019) constataram que, isoladamente, a aplicação de P influenciou as citadas variáveis, o que não ocorreu com a inoculação com FMAs.
O efeito pronunciado da fertilização fosfatada na produção vegetal ocorre devido a maior parte dos solos possuírem limitações em seu suprimento, em especial os solos ácidos, os quais são majoritários em áreas tropicais, ocorrendo a precipitação do P em óxidos de Fe e Al (Gul e Whalen, 2016). Mudas de P. dubium podem ter respondido positivamente ao P devido à alta resposta de algumas espécies da família Fabaceae ao fornecimento desse mineral, como observado em Mimosa caesalpiniifolia (Costa Filho et al., 2013), Erythrina velutina (Leite et al., 2014), Apuleia leiocarpa (Gomes et al., 2008) e Acacia mearnsii (Mello et al., 2008).
A aplicação de P pode aumentar o crescimento e a fixação de N atmosférico nas leguminosas, dado que essas espécies, normalmente, são limitadas pelo nutriente, o que não ocorre para o N (Daws et al., 2019). A fixação de N é um dos grandes motivadores do uso de leguminosas em sistemas agroflorestais (Isaac e Borden, 2019; Kass et al., 1997) e na recuperação de áreas degradadas (Wen et al., 2016; Davidson et al., 2007). Isso ocorre devido às melhorias promovidas no solo, como o incremento de matéria orgânica (Querné et al., 2017; Nair, 2011). A rápida recuperação de uma área degradada no Brasil, ocasionada principalmente pela implantação de arbóreas fixadoras de N, foi notada por Macedo et al. (2008).
No entanto, respostas positivas da aplicação de P também são vistas na produção de mudas de espécies de não leguminosas. Cáceres e Cuenca (2006), cultivando mudas de Clusia minor e Clusia multiflora em solo ácido (pH H2O = 3,9), notaram que a H e MST das plantas foram superiores ao aplicar aproximadamente 70 mg kg-1 de P e/ou inocular com o FMA Scutellospora fulgida, em comparação ao controle. No entanto, em solo com pH elevado (pH H2O = 7,0) não foram detectadas diferenças significativas entre os tratamentos. Os autores indicaram que essa alta resposta em solo ácido ocorreu em função da baixa disponibilidade de P nesses solos, onde os FMAs e a fertilização apresentam grande efeito no crescimento das plantas.
Assim como no presente estudo, Yu et al. (2019) constataram efeito significativo da aplicação de P na produção de MSPA, MSR, MST e na razão MSPA/MSR em mudas de Abies fabri e Picea brachytyla. A fertilização com P reduziu fortemente a MSPA/MSR de A. fabri. No entanto, Navarro e Morte (2019) encontraram resultados diferentes em mudas de Citrus macrophylla, onde o aumento da oferta de P elevou de maneira significativa a MSPA/MSR. Esses resultados indicam que as espécies respondem de maneira diferente no tocante a distribuição de biomassa acima e abaixo do solo, em resposta ao ambiente de crescimento.
As plantas apresentam adaptações morfológicas em resposta ao ambiente, em especial ao fator que mais limite o seu crescimento. Poorter et al. (2011) afirmam que em caso do fator mais limitante ao crescimento estiver abaixo do solo, como baixo teor de nutrientes, maior quantidade de C será alocado no sistema radicular. Caso a limitação estiver acima do solo, como baixa luminosidade, a biomassa será maior na parte aérea. Esse comportamento do vegetal ocorre em busca de adquirir de modo mais eficiente o fator mais limitante ao seu crescimento. Contudo, essas alterações devem ser observadas com atenção, dado que elas podem interferir na qualidade da muda produzida. Como exemplo, o cálculo do IQD utiliza a MSPA/MSR, onde altos valores dessa razão reduzem o IQD.
O maior crescimento de raízes em função da fertilização era um resultado esperado, dado que, em condições naturais, os nutrientes encontram-se distribuídos de maneira heterogênea no solo e o crescimento radicular ocorre, principalmente, em manchas com maior teor de minerais (Hodge, 2004). Desse modo, o aumento da fertilidade em P pode ter promovido maior produção de raízes. Hu et al. (2010) verificaram que em situação de baixa oferta de P, o crescimento da raiz principal de cultivares de Brassica napus foi menor. No entanto, houve maior crescimento de raízes laterais e pelos radiculares, o que é uma estratégia do vegetal em busca do nutriente.
Hodge (2004) ainda aponta que a produção de biomassa radicular não é necessariamente correlacionada com a absorção de nutrientes. Isso ocorre devido parâmetros relacionados à arquitetura radicular, como o comprimento específico e diâmetro das raízes, serem mais determinantes na aquisição de nutrientes. Assim, podem ocorrer alterações na configuração das raízes, sem que ocorram mudanças significativas na biomassa radicular.
Algumas mudas de arbóreas nativas do Brasil apresentam comportamento similar ao observado no presente trabalho em resposta ao P. Leite et al. (2017) observaram efeito quadrático na H, D, MSPA, MSR, MST e IQD em função da fertilização com doses de P em Enterolobium contortisiliquum inoculadas ou não com FMAs, indicando a aplicação de 100 mg kg-1 de P para a produção de mudas da espécie.
Brito et al. (2017) também encontraram comportamento quadrático na H, MSPA, MSR e área foliar em mudas de Schizolobium parahyba var. amazonicum inoculadas com FMAs em resposta ao P. Ceconi et al. (2007) encontraram efeito quadrático da aplicação de P na H, D, MSPA, MSR e MST em Ilex paraguariensis. Carnevali et al. (2016), avaliando a produção de mudas de Stryphnodendron polyphyllum em resposta a N e P, indicaram o P como o mineral mais relevante na produção de biomassa das plantas, ressaltando a importância de sua aplicação nos estágios iniciais de crescimento de mudas.
O maior crescimento, produção de biomassa e qualidade de mudas de P. dubium no presente trabalho ocorreu entre 218 mg kg-1 e 295 mg kg-1 de P, valores abaixo da maior dose testada (400 mg kg-1). Cruz et al. (2011), estudando o efeito da aplicação de macronutrientes na produção de mudas de P. dubium, também constataram resposta das plantas ao P. Os autores encontraram que a dose 600 mg kg-1 de P foi a recomendada para se obter os melhores valores das variáveis relacionadas ao crescimento das plantas (H, D, MSPA, MSR e MST), enquanto a dose 150 mg kg-1 de P proporcionou melhor equilíbrio no crescimento (H/D, H/MSPA e MSPA/MSR) e qualidade (IQD) das plantas.
Em relação à análise de correlação de Pearson, valores acima de 0,75 entre variáveis indicam elevada relação entre elas, possibilitando inferências em um atributo morfológico das mudas em função de outro (Freitas et al., 2017). Nota-se que a produção de massa seca, demonstrada pela MSPA (r = 0,917**), MSR (r = 0,944**) e MST (r = 0,960**), de P. dubium apresentaram elevada correlação com a qualidade das mudas (IQD). Tal observação concorda com o observado por Gomes e Paiva (2012), os quais apontam que a produção de massa seca expressa alta correlação com a qualidade das mudas.
No entanto, quantificar a massa seca das plantas é uma operação pouco viável em viveiros florestais, pois utiliza métodos destrutivos, além de necessitar de equipamentos de alto custo, como balanças de precisão e estufas, os quais nem sempre estão disponíveis aos produtores (Gomes e Paiva, 2012). Desse modo, o uso de variáveis alternativas correlacionadas com a produção de massa e qualidade das plantas são importantes para o produtor. No presente estudo, o diâmetro das plantas (D) teve alta correlação com a MSPA (r = 0,796**), MST (r = 0,800**) e o IQD (r = 0,764**). Assim, o D pode ser utilizado operacionalmente como um indicador da qualidade de mudas de P. dubium, dado que a obtenção do D não envolve métodos destrutivos e de alto custo.
Os resultados observados e discutidos deixam claro a importância de pesquisas para se obter a melhor produção de mudas com o menor custo associado à atividade. Liang et al. (2015) indicam que, tradicionalmente, acredita-se que maior quantidade de fertilizantes aplicados resulta em maior produtividade. Assim, diversos agricultores costumam aplicar elevadas quantidades de fertilizantes fosfatados na produção vegetal, os quais nem sempre são aproveitados pelas plantas. Desse modo, grande parte desses produtos podem estar sendo desperdiçados, provocando redução do lucro e problemas ambientais, como a eutrofização de corpos d’água, sem que ocorra a obtenção de ganhos significativos de produtividade.
Conclusões
A inoculação com R. clarus e G. margarita não influenciou nenhum dos atributos avaliados em P. dubium, sendo dispensável a inoculação para a produção de mudas da espécie estudada.
O crescimento, produção de massa seca (parte aérea, raízes e total) e o índice de qualidade de Dickson das mudas de P. dubium foram influenciados pelo fornecimento de P. A fertilização fosfatada foi benéfica para a produção das mudas, sendo recomendado a aplicação de P entre 218 mg kg-1 e 295 mg kg-1.