Introdução
As mortes por homicídio e violência coletiva representam cerca de 10% das mortes globais relacionadas com lesões, sendo que apenas em 2012 foram 475,000 assassinatos registrados no mundo. Entre as vítimas, 80% são homens, com 65% destes com idade entre 15 e 49 anos. Julga-se que o acesso à armas de fogo fomenta fortemente essa mortalidade homicida no mundo, com aproximadamente metade de todos os casos cometidos. No Brasil, foram registrados 50,108 casos de homicídios em 2012, representando uma taxa de 32.4 por 100 mil habitantes, e aproximadamente 10% das mortes ocorridas no mundo. A taxa de mortalidade brasileira o coloca à frente de países como Equador (13.8), Peru (11), Paraguai (9.7), Argentina (6), Chile (4.6), Cuba (5), México (22), entre outros. Ao redor do mundo é possível encontrar taxas de homicídios por 100 mil habitantes expressivamente baixas em paises como Canadá (1.8), Espanha 0.8), Itália (0.9), França (1) e Japão (0.4) (OMS, 2016).
Os elevados índices de criminalidade observados no Brasil têm ganhado destaque na mídia nacional e internacional nos últimos anos. Waiselfisz (2013) mostra que, no Brasil, somente no ano de 2012, foram roubados 193,306 carros, 1,749 instituições financeiras e 13,614 cargas. Além desses, também se registrou 51,101 estupros, 47,094 homicídios dolosos (praticado com intenção de matar) e 1,806 latrocínios (roubo seguido de morte). Considerando apenas a classificação de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI)1, observa-se para o Brasil um valor superior a 50 mil casos neste mesmo ano. Apenas entre 2010 e 2012, os casos de CVLI’s aumentaram 15.73%. Por sua vez, as lesões corporais culposas ocasionadas no trânsito (326,823), somadas às outras lesões corporais culposas (24,996) e às lesões corporais dolosas (750,842), totalizam mais de um milhão de casos em 2012. Tais resultados são ainda mais preocupantes quando considerado as subnotificações e os casos omissos.
As discussões acerca das motivações responsáveis pela criminalidade no Brasil são várias. Nesta perspectiva, encontram-se justificativas que atribuem a presente situação de insegurança do país a fatores como impunidade (fragilidade das leis ou benevolência das penas), baixo número de prisões (as polícias prendem pouco) e prisões que estimulam a prática de outros delitos (as prisões que não recuperam).
O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (United Nations Office on Drugs and Crime, UNODC) afirma que os principais fatores de risco para o crime e a vitimização estão relacionados à densidade populacional e às disparidades de renda. Assim, o rápido crescimento populacional em áreas urbanas, juntamente com a migração de populações rurais, podem se tornar fatores de risco se a capacidade de infraestrutura e o desenvolvimento social e econômico não forem capazes de acompanhar tal crescimento.
Nesta linha, vários estudos empíricos têm mostrado a relação entre urbanização e criminalidade. Cano e Santos (2000), por exemplo, mostram que lugares mais urbanizados desencadeiam menores probabilidades de identificação e prisão dos criminosos, aumentando as possibilidades de fuga e a impunidade. A urbanização, associada à densidade populacional e à falta de estrutura básica, seria forte facilitador à prática criminosa (Fajnzylber et al., 2002b; Kume, 2004; Santos e Kassouf, 2008).
A concentração de renda é um dos pilares de sustentação dos altos índices de criminalidade observados no Brasil (Costa e Balestreri, 2010). Ehrlich (1975) aponta que o nível de renda, o desemprego e a educação surtem efeito sobre a escolha dos agentes pelo crime ou não crime ao longo da vida. Já Chiricos (1987) e Freeman (1994) acreditam existir relação positiva entre crime e desemprego, tornando o mercado de trabalho um elemento de fundamental importância para explicar o comportamento criminoso. Outros estudos também encontraram evidências de associação entre o desemprego e à criminalidade (Donohue e Levitt, 2001; Machin e Meghir, 2004).
Diversas pesquisas, tais como Andrade e Lisboa (2000), Fernandez e Pereira (2001) e Mendonça (2001) apontam que maiores salários resultam em menores taxas de criminalidade. No entanto, tais resultados não são consensuais e têm sofrido duras críticas. Por outro lado, a concentração de renda tem sido apontada por vários estudos como um importante determinante do crime (Fajnzylber et al., 2002a; Fajnzylber et al., 2002b; Cerqueira e Lobão, 2003b). Desse modo, há fortes evidências de associação positiva entre a desigualdade de renda e criminalidade.
Salienta-se, ainda, a relação entre o baixo nível de escolaridade dos agentes e o fenômeno da criminalidade (Imrohoroglu et al., 2000). Em outra perspectiva, os trabalhos de Wolpin (1978), Freeman (1994), Araujo Jr e Fajnzylber (2001), Gould et al. (2002) mostram a relação entre crime e dissuasão policial, demografia e mercado de trabalho.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem classificado a violência brasileira como epidêmica2, o que ressalta a urgência pela implementação de políticas públicas visando a redução de tais índices. Conforme apontado por Waiselfisz (2012), entre 2000 e 2010 houve aumento da violência na maior parte das regiões do país: Norte (147.1%), Nordeste (96.1%), Sul (67.6%) e Centro-Oeste (24%). Todavia, a região Sudeste surpreendeu, apresentando redução de 42.4% nas suas taxas de violência neste decênio. Tal fenômeno merece atenção, sobretudo, porque esta redução foi influenciada por estados como Rio de Janeiro e São Paulo, que registraram queda na violência de 43.3% e 67.5%, respectivamente (Figura 1). É importante lembrar que estes estados estavam, até poucos anos, entre os de maior crescimento da violência e da criminalidade de modo geral.
Considerando a redução observada nas taxas de criminalidade do Sudeste na última década, nota-se que é possível caminhar no sentido inverso e implementar políticas que são capazes de surtir efeito sobre os índices de criminalidade. No presente contexto, tem-se diversos estudos (Mocan, 2003; Zaverucha, 2004; Velásquez, 2004; Cerqueira et al., 2007; Sapori, 2007; Soares, 2008; Kahn e Zanetic, 2009) sugerindo medidas de combate e controle da criminalidade via implementação de políticas públicas de segurança para, ao menos no curto prazo, conter o avanço da violência.
Diante do exposto, nota-se que a criminalidade brasileira apresenta índices alarmantes, cujas razões devem ser identificadas de modo a tornar possível a implementação de políticas públicas eficazes. Como visto, as taxas de criminalidade aumentaram em praticamente todas as regiões do país, com exceção do Sudeste brasileiro. Sendo assim, este artigo se propõe a identificar os principais fatores responsáveis pela criminalidade nesta região. Para tanto, será construído um painel acompanhando a evolução da criminalidade ao longo dos anos e a estimação de modelos econométricos adequados para levar em consideração os efeitos de transbordamentos espaciais.
Este estudo se justifica pela importância que o Sudeste apresenta no contexto nacional. Apesar de ser a segunda menor região do país, é também a mais desenvolvida economicamente, sendo responsável por mais da metade do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Entender os determinantes das taxas de crime nesta região auxilia na compreensão da dinâmica criminal do país, permitindo combater de modo mais eficaz suas consequências sobre a atividade econômica e o bem-estar da população.
Além desta introdução, este artigo é composto por mais quatro seções. A próxima seção, a contextualização teórica, discute brevemente as diferentes abordagens empregadas nos estudos de economia do crime. Em seguida, na terceira seção, serão apresentados os procedimentos metodológicos empregados na pesquisa. A quarta seção discute os resultados encontrados, enquanto que a quinta e última parte do estudo consiste em tecer as considerações finais.
1. Contextualização teórica
A ação criminosa pode ser vista por diferentes óticas da ciência e, consequentemente, um mesmo fato acaba tendo diversas interpretações. Cano e Soares (2002) relatam que existem teorias dispostas a explicar o comportamento criminoso considerando as patologias individuais, a deficiência do sistema social, a perda de controle, a desorganização social, e fatores situacionais ou de oportunidade.
Neste contexto, percebe-se algumas diferenças entre as teorias existentes para analisar o fenômeno da criminalidade, pois enquanto umas consideram o crime como sendo fruto do sistema e da sociedade como um todo (Governo, família e comunidade), outras evidenciam que o indivíduo possui o poder de decisão entre praticar ou não determinado ato ilícito, o que confere à criminalidade um caráter passível de análise microeconômica comportamental. Desse modo, devido as diversidades analíticas construídas ao longo dos anos, entender os fatores capazes de explicar a taxa de crime de um determinado ambiente pode ser tarefa bastante complicada e muitas vezes contraditória.
Shaw e MacKay (1942), ao estudarem a criminalidade, encontram que existem diferenças entre as taxas de crimes observadas nas áreas projetadas (que apresentam maior grau de infraestrutura) e as observadas nas periferias. Assim, nas áreas mais organizadas a taxa de criminalidade é relativamente menor que as constatadas nos ambientes dominados pela desorganização e falta de infraestrutura. Para Cerqueira e Lobão (2004), tal teoria foi denominada de Desorganização Social, e apontam a criminalidade como fruto do Status socioeconômico, mobilidade residencial, desagregação familiar entre outras.
Sutherland (1973), Matsueda (1982), Bruinsma (1992) e McCarthy (1996) analisaram como o comportamento dos indivíduos acerca do crime pode ser influenciado a partir de seus respectivos grupos de amizade e família. Tal teoria foi denominada de Aprendizado Social e postula que as situações vivenciadas podem ser reflexo das experiências pessoais de cada agente com relação a situações de conflitos. Estas podem ser afetadas pelo grau de supervisão familiar, grupos de amizades, amigos com problemas com a polícia, contato com técnicas criminosas, entre outros (Cerqueira e Lobão, 2004).
A Teoria do Controle Social aplicada por diversos autores (Agnew, 1991; Agnew e White, 1992; Junger-Tas, 1992) aponta motivações pelas quais alguns agentes não entram no mundo do crime. Neste caso, o enfoque é dado aos agentes que se abstêm do cometimento do crime, sendo tal fato influenciado pelas normas vigentes, as crenças, a percepção, o envolvimento do cidadão no sistema social, entre outros fatores. Segundo Cerqueira e Lobão (2004), tal teoria afirma que quanto maior o envolvimento do cidadão e seu elo com a sociedade, menor será a probabilidade deste se tornar um criminoso.
Outra importante teoria acerca do estudo da criminalidade foi denominada de Autocontrole. Esta considera que alguns agentes não foram capazes de desenvolver mecanismos psicológicos de autocontrole. Na ótica de Cerqueira e Lobão (2004), as distorções observadas no processo de socialização, ocasionados pela falta de imposição e de limites, faz com que o agente tome suas decisões ao sabor do momento sem medir consequências. Esta teoria foi desenvolvida por Gottfredson e Hirschi (1990), sendo acompanhada por vários estudos que buscaram encontrar as causas que melhor explicam as taxas de crime de determinado ambiente (Gibbs et al., 1998; Arneklev et al., 1993; Polakowski, 1994).
Nota-se que os estudos da criminalidade podem ser vistos por diferentes ângulos. Uma relevante contribuição às pesquisas relacionadas à criminalidade foi construída por Becker (1968). Em seu trabalho seminal, este aponta que a decisão pelo crime é tomada racionalmente com base nos custos e benefícios da ação. Tal teoria foi intitulada de abordagem da Escolha Racional, pois argumenta que o indivíduo é capaz de tomar decisões entre mercado legal e ilegal baseado no lucro líquido de cada um destes setores. Destaca-se que a partir da introdução da racionalidade aos estudos da criminalidade foi possível avançar e encontrar resultados baseados em instrumentos matemáticos e estatísticos (Fernandez e Pereira, 2001).
O agente otimizador descrito por Becker (1968) representa um caso clássico de maximização de ganhos esperados sujeito a perdas associadas a cada tomada de decisão individual. Portanto, tal teoria do crime apresenta oportunidades de otimização de ganhos, funcionando como setas indicativas de onde cada indivíduo deverá implementar maior dedicação. Fernandez e Santo (2008) mostram que a atividade criminosa possibilita, inclusive, encontrar uma curva de oferta de crimes apenas partindo do processo de maximização de lucro dos agentes envolvidos no processo de escolha entre crime e não crime.
McKenzie e Tullock (1975) apontam que o fato dos agentes serem racionais permite que a quantidade de crime de uma localidade seja determinada como qualquer outra atividade da economia. Assim, deve-se considerar que os indivíduos reagem a incentivos e podem praticar maior ou menor quantidade de crimes, pois tal fenômeno passa a depender essencialmente do comportamento marginal dos ganhos de cada setor em análise. Fernandez e Santo (2008) entendem que a teoria da Escolha Racional considera o setor criminal como uma forma de atividade econômica.
Apesar das críticas sofridas, sobretudo pelos adeptos das correntes sociológicas, a teoria da Escolha Racional tem sido testada empiricamente (Ehrlich, 1973; Heineke, 1978; Messner, 1982; Grogger, 1991; Almeida et al., 2005). Os resultados sugerem a existência de relação entre crime e economia. Cerqueira e Lobão (2004) apontam algumas variáveis que tem sido utilizada pelos adeptos da teoria da Escolha Racional, tais como salários, renda familiar per capita, desigualdade da renda, acesso a programas de bem-estar social, eficiência da polícia, adensamento populacional, magnitude das punições, inércia criminal, aprendizado social e educação.
2. Metodologia
Esta seção discute os procedimentos metodológicos empregados nesse estudo. Inicialmente, serão apresentadas as variáveis selecionadas para compor a base de dados, juntamente com uma justificativa teórica para a inclusão das mesmas. Em seguida, será discutida de forma sucinta a estratégia empírica adotada. Esta consiste na realização da análise exploratória de dados espaciais e na estimação de modelos econométricos que considerem a dependência espacial associada ao fenômeno da criminalidade.
A econometria espacial se diferencia da econometria tradicional por considerar efeitos espaciais na estimação e nos testes de hipótese. Na modelagem espacial é possível incorporar padrões de interação socioeconômica e determinadas características estruturais do sistema que está sendo avaliado (Anselin, 1988). Nesse contexto, verifica-se que o fenômeno da criminalidade já tem sido analisado a partir da ótica da econometria espacial (Almeida, 2007; Sartoris, 2000, Uchôa e Menezes, 2012). Há fortes argumentos em favor da adequabilidade dos modelos espaciais às análises de dados de crime em virtude, sobretudo, do tipo de banco de dados encontrado.
2.1. Fonte e tratamento dos dados
O objetivo desse estudo é identificar os determinantes da criminalidade na região Sudeste do Brasil, levando em conta a distribuição espacial do fenômeno e o provável efeito de transbordamento consequente. Para este fim, construiu-se uma base de dados contemplando informações socioeconômicas e demográficas das 160 microrregiões do Sudeste3, seguindo o que a literatura tem apontado como fatores associados à criminalidade (e.g. Cerqueira e Lobão, 2004; Santos e Kassouf, 2008; Uchôa e Menezes, 2012). Os dados levantados referem-se ao período 2003-2012, permitindo acompanhar a evolução da criminalidade ao longo de 10 anos.
A Tabela 1 apresenta a descrição das variáveis da pesquisa, juntamente com as estatísticas descritivas. A variável de interesse, a criminalidade, será representada nesse estudo pelo número de homicídios por 100 mil habitantes em cada microrregião. Estas informações encontram-se disponíveis na base de dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM-DATASUS, 2017).
Variável | Média | Desvio-Padrão | Mínimo | Máximo | Fonte |
Homicídios por 100 mil habitantes |
16.1708 | 13.3300 | 0.0000 | 92.2192 | DATASUS |
Densidade populacional | 177.2137 | 567.9414 | 4.5298 | 5.940,1470 | IBGE |
PIB per capita | 14.836,9400 | 10.707,9000 | 2.108,8040 | 149.125,2000 | IPEADATA |
Taxa de desemprego | 8.8430 | 1.9479 | 5.8000 | 13.0000 | DATASUS |
Coeficiente de Gini | 0.5190 | 0.0211 | 0.4850 | 0.5600 | IPEADATA |
Taxa de urbanização | 90.0422 | 5.4498 | 80.7000 | 97.4000 | IBGE |
Proporção de homens | 49.8057 | 0.8225 | 47.2940 | 52.2864 | DATASUS |
Proporção de jovens | 26.3474 | 1.4701 | 21.9557 | 30.2708 | DATASUS |
Taxa de analfabetismo | 6.7417 | 2.3073 | 3.6700 | 11.0600 | DATASUS |
Número de observações | 1.600 |
Fonte: elaboração dos autores a partir dos dados do IPEADATA (2017), IBGE (2017) e DATASUS (2017).
Em relação às variáveis explicativas, a densidade populacional, medida pela razão entre o número de pessoas residentes no município e a sua área total, tem por objetivo identificar se microrregiões com maior concentração territorial estão associadas a taxas de homicídios mais elevadas.
Vem sendo frequentemente apontado pela literatura que quanto maior o percentual de pessoas residentes em áreas urbanas numa dada localidade, maior serão seus índices de criminalidade (e.g. Araujo Jr e Fajnzylber, 2001; Mendonça, 2002; Peixoto, 2003; Kume, 2004; Oliveira, 2005; Santos e Kassouf, 2008). De fato, a violência é um fenômeno que se mostra de maneira mais intensa em áreas urbanas, em decorrência da concentração de pessoas, renda e serviços. Ademais, conforme Cano e Santos (2000), ambientes mais urbanizados reduzem as chances de identificação e prisão dos criminosos. Nesta ótica, Glaeser e Sacerdote (1999) apontam que a prática criminosa é facilitada nos grandes centros urbanos devido as menores probabilidades de identificação do agressor. Para Glaeser et al. (1996), o fenômeno da urbanização facilita a relação de grupos criminosos, melhora o aprendizado do crime e facilita a toca de informações. Por estas razões, incluiu-se no estudo a variável taxa de urbanização4.
O Produto Interno Bruto per capita da microrregião foi utilizado como um indicador de nível de atividade econômica e desenvolvimento de cada localidade5. Essa variável é bastante utilizada em trabalhos aplicados no âmbito da economia do crime (Andrade e Lisboa, 2000; Fernandez e Pereira, 2001; Mendonça, 2001). Entretanto, não há consenso acerca do sinal esperado, pois acredita-se que este pode divergir conforme a modalidade de crime6 (Araujo Jr e Fajnzylber, 2001; Piquet e Fajnzylber, 2001).
Tão importante quanto se considerar o montante da renda é verificar como esta se encontra distribuída entre os habitantes. Sendo assim, o coeficiente de Gini referente a cada estado do Sudeste foi usado como regressor, em que a expectativa é que quanto pior for a distribuição de renda de um estado, maior será a criminalidade em suas microrregiões (Cano e Santos, 2000; Araujo Jr e Fajnzylber, 2000 e 2001; Andrade e Lisboa, 2001; Cerqueira e Lobão, 2003a).
Questões educacionais e de oportunidades de emprego também costumam estar associados à criminalidade (Ehrlich, 1975; Fajnzylber et al., 2002a; Imrohoroglu et al., 2000). Níveis mais elevados de capital humano tornam os indivíduos trabalhadores mais produtivos e capazes de obter maiores retornos no mercado de trabalho, reduzindo as chances de que os mesmos recorram a uma vida de crimes. Além disso, maiores oportunidades de emprego reduzem a necessidade de se cometer crimes para adquirir os meios de subsistência. Dessa forma, a fim de mensurar como indicadores educacionais e do mercado de trabalho influenciam a criminalidade, as taxas de analfabetismo e desemprego dos estados foram consideradas nesta pesquisa.
Por fim, também se incluiu na análise a proporção de jovens e de homens na população. Conforme ressaltado por Uchôa e Menezes (2012), jovens são indivíduos em idade criminal ativa e os que mais sofrem com homicídios relacionados ao tráfico de drogas. Segundo Santos e Kassouf (2008), a maioria das vítimas de homicídios intencionais é jovem e do sexo masculino. Desse modo, a proporção de jovens entre 15 e 29 anos em cada estado, juntamente com a proporção de indivíduos do sexo masculino, foram utilizadas como variáveis explicativas.
Alguns estudos aplicados, tais como o de Uchôa e Menezes (2012), incluem como variáveis de controle o efetivo policial e as despesas com segurança pública. O problema com tal procedimento é a endogeneidade consequente. Se por um lado espera-se que um maior efetivo policial e maiores gastos com segurança reduzam a criminalidade, por outro é fácil imaginar que quanto maior a criminalidade, maiores serão os valores destas variáveis. Esta simultaneidade, se não tratada corretamente na estimação do modelo, resulta em estimativas inconsistentes. Por esta razão, optou-se nessa pesquisa por não considerar tais variáveis e assumir que as mesmas não estão correlacionadas com os demais regressores incluídos, tornando o modelo livre de viés.
2.2. Análise exploratória de dados espaciais
Antes de realizar as estimativas dos modelos aqui propostos, apresenta-se uma análise exploratória das taxas de criminalidade. Com isso, objetiva-se analisar previamente a estrutura espacial dessa variável nas microrregiões do Sudeste. A Análise Exploratória de Dados Espacial (AEDE) é um conjunto de técnicas que permite descrever e visualizar distribuições espaciais, identificar localizações atípicas ou outliers espaciais, e detectar padrões de associações espaciais (clusters ou hot spots), sugerindo regimes ou outras formas de heterogeneidade espacial (Anselin, 1988; Anselin, 1999). A execução da AEDE pode ser efetuada a partir da utilização de medidas de avaliação globais e/ou locais de autocorrelação espacial (Gallo e Ertur, 2000). Tais indicadores de autocorrelação podem ser representados através de testes formais de associação espacial, como as estatísticas I de Moran Global e I de Moran Local.
A estatística I de Moran pode ser utilizada na detecção da autocorrelação espacial global. Tal indicador pode ser representado por meio de um valor único representando o grau de associação espacial presente nos dados. Formalmente, o I de Moran Global pode ser expresso da seguinte forma:
Em que N é o número de regiões, wij são os
elementos da matriz de pesos espaciais (W), y
it é a observação na região i no
período t e
A análise da autocorrelação espacial local, por sua vez, pode ser efetuada utilizando-se o I de Moran Local, que é um indicador do tipo LISA (Local Indicator of Spatial Association). Segundo Anselin (1995), o I de Moran Local fornece indicação de clusters ou agrupamentos espaciais significativos de valores semelhantes em torno de certa observação. Neste contexto, o I de Moran Local para cada região e período pode ser expresso por:
Em que
Sendo assim, conforme a equação (2), valores positivos de It devem indicar presença de agrupamentos de valores similares entre si. Por outro, valores negativos indicam presença de agrupamentos de valores relativamente dissimilares. Destaca-se que o resultado do I de Moran Local é um mapa temático composto por cores distintas. Interpreta-se tais resultados considerando os seguintes tipos de associação espacial: i) os clusters Alto-Alto, nos quais tem-se regiões que apresentam alto valor da variável em estudo circundadas por uma vizinhança em que o valor médio da mesma variável também é alto; ii) clusters Baixo-Baixo, nos quais tem-se regiões que apresentam baixo valor da variável em estudo circundadas por uma vizinhança em que o valor médio da mesma variável também é baixo; e iii) os outliers Baixo-Alto e Alto-Baixo. Neste contexto, a AEDE deve funcionar como ponto de apoio para a estimação econométrica, pois possibilita ex ante a constatação de indícios de autocorrelação espacial, sendo que tal fato é devidamente confirmado apenas a partir das estimações dos modelos espaciais.
A análise dos indicadores global e local envolve a construção de uma matriz de pesos espaciais que determina as relações de proximidade entre as unidades espaciais analisadas. De acordo com Golgher (2015), a matriz de pesos é usada na econometria espacial para descrever a estrutura de dependência entre as unidades em estudo. Neste artigo, tanto as análises estatísticas quanto as estimações dos modelos espaciais serão realizadas considerando-se uma matriz de vizinhança de contiguidade do tipo Queen de primeira ordem, normalizada na linha. Almeida (2012) mostra que o critério de vizinhança baseado na contiguidade considera que duas regiões são vizinhas quando estas dividem uma fronteira física comum. Portanto, considera-se uma matriz binária de pesos espaciais (W) que atribui valor para o caso em que dois municípios são vizinhos e valor no caso contrário.
2.3. Abordagem Econométrica
Para investigar a relação entre as taxas de criminalidade e as demais variáveis apresentadas neste trabalho, realiza-se a estimação de um modelo econométrico. A abordagem econométrica empregada nesse estudo consiste em utilizar métodos de painel espacial. Como se sabe, dados em painel é o termo usado para ser referir a qualquer base de dados na qual as mesmas unidades de corte transversal (nesse caso, as microrregiões do Sudeste) são acompanhadas ao longo do tempo. A utilização dessa estrutura de dados implica uma série de vantagens. Ao aumentar o tamanho da amostra, ela fornece uma base com maior variabilidade e menor colinearidade entre as variáveis. O aumento nos graus de liberdade torna a estimação mais eficiente, resultando em estimativas mais precisas e estatísticas de teste com maior poder. Também torna possível observar relações dinâmicas e controlar a heterogeneidade não observada individual, assumida como constante no tempo e considerada um dos principais fatores de viés por variável omitida (Wooldridge, 2010; Elhorst, 2010).
Seguindo Elhorst (2014), considere o modelo convencional para dados empilhados (pooled):
Em que: yit é a observação da variável dependente i no tempo t; xit é um vetor de variáveis explicativas; β é o vetor de parâmetros desconhecidos a ser estimado; μi é o efeito espacial individual; e ɛit é o termo de erro aleatório independente e identicamente distribuído, com média 0 e variância constante (σ2). Ao incorporar o efeito espacial, μi , o modelo passa a controlar por todos os efeitos espaciais específicos de cada unidade, que são invariantes no tempo e cuja omissão poderia ocasionar viés nas estimativas (Elhorst, 2010).
Assumindo uma matriz de pesos espaciais (W) constante no tempo e um painel balanceado, é possível especificar efeitos de interação espacial entre as unidades. A inclusão da variável dependente espacialmente defasada resulta no modelo de lag espacial:
Em que δ é o parâmetro espacial autorregressivo e wij um elemento de W. Desse modo, para o caso dessa pesquisa, esse modelo considera que o número de homicídios em uma dada microrregião é conjuntamente determinado com o número de homicídios das microrregiões vizinhas.
Se por outro lado a interação espacial se manifesta na forma de erros espacialmente correlacionados, então tem-se o modelo de erro espacial:
Em que uit representa o termo de erro espacialmente autocorrelacionado e λ é o coeficiente de autocorrelação espacial. De acordo com Anselin et al. (2008), o modelo de erro espacial não requer um modelo teórico para a especificação da interação espacial, sendo um caso especial de uma matriz de covariância de erros não esféricos.
Uma das formas de lidar com os efeitos espaciais específicos é trata-los como efeitos fixos. Nesse caso, tais efeitos podem ser excluídos ao se estimar o modelo em termos de desvios em relação à média temporal das varáveis, o que é numericamente igual à inclusão de uma dummy para cada unidade (Wooldridge, 2010).
Fazendo
Em que IN é uma matriz identidade de dimensão N × N e “*” denota desvios em relação à média. Como pode ser observado pela equação (6), o estimador de MV leva em conta a endogeneidade decorrente da inclusão do termo ∑j wij yjt.
O modelo de erro espacial com efeitos fixos, por sua vez, também pode ser estimado por MV. Nesse caso, o log da função e verossimilhança assume a seguinte forma:
Se por outro lado os efeitos espaciais são considerados parâmetros aleatórios não observáveis, supostamente não correlacionados com os regressores, então tem-se um modelo de efeitos aleatórios. Nesse caso, o log da função de verossimilhança do modelo de lag com efeitos aleatórios passa a ser:
Em que
Por fim, tem-se a estimação do modelo de erro espacial com efeitos aleatórios. A estimação deste modelo é mais complexa do que os demais modelos apresentados até o momento7, sendo o log da função de veros-similhança expresso por:
Em que
A escolha entre qual modelo usar, lag ou erro espacial, pode ser feita com base na teoria econômica ou testes de especificação. Já a escolha entre efeitos fixos e aleatórios segue a literatura econométrica sobre modelos de dados em painel. Conforme Wooldridge (2010), quando algumas variáveis explicativas não variam muito no tempo, o estimador de efeitos fixos pode resultar em estimativas imprecisas. Nesse caso, é preciso recorrer ao modelo de efeitos aleatórios para que se possa obter boas estimativas dos parâmetros populacionais. Além disso, se de fato o modelo de feitos aleatórios for apropriado, então seus estimadores serão mais eficientes, pois terão variância menor.
Enfim, a especificação do modelo de regressão a ser estimado neste artigo é a seguinte:
Em que a descrição das variáveis é a mesma reportada na Tabela 1. A variável dependente, número de homicídios por 100 mil habitantes, encontra-se em nível, enquanto que as variáveis explicativas serão incorporadas ao modelo com valores em logaritmo natural.
3. Resultados
Nesta seção serão descritos os resultados da pesquisa. Inicialmente, serão reportados os resultados da análise exploratória. Em seguida, discute-se os resultados dos modelos econométricos.
3.1. Resultados da AEDE
O Quadro 1 reporta os resultados da AEDE realizada por meio do diagrama de dispersão do I de Moran Global e pelo LISA Univariado da taxa de criminalidade observada nas microrregiões do Sudeste, entre 2003 e 20128. Tais indicadores apontam se há indícios de autocorrelação espacial agindo sobre os dados. Para tanto, conforme enunciado anteriormente, considerou-se uma matriz de contiguidade espacial do tipo Queen de primeira ordem, normalizada na linha.
Os quadrantes do I de Moran Global são: Q1 (Alto-Alto, AA), Q2 (Alto-Baixo, AB), Q3 (Baixo-Baixo, BB) e Q4 (Baixo-Alto, BA). Realizando-se um teste de hipótese via 999 permutações dos valores do I de Moran Global, é possível rejeitar, a 1% de pseudo-significância, a hipótese nula de aleatoriedade espacial em todos os períodos considerados. Dessa forma, essa estatística aponta indícios de dependência espacial da criminalidade.
Para Anselin (1995) o indicador de associação espacial global pode ocultar ou mesmo ser insatisfatório na identificação de padrões espaciais locais. Sendo assim, tem-se que tanto os clusters quanto os outliers espaciais podem ser camuflados frente aos indicadores globais de autocorrelação espacial. Diante de tais circunstâncias, torna-se fundamental a estimação de um indicador LISA9. Como documentado por Anselin (1995), o citado indicador de associação espacial possibilita capturar localmente possíveis padrões de autocorrelação espacial, identificando agrupamentos de objetos com valores de atributos semelhantes entre si.
Nota-se que o resultado apresentado pelo LISA (Quadro 1) é capaz de confirmar localmente a incidência de autocorrelação espacial já constatada por meio do indicador global. Portanto, tem-se que a autocorrelação espacial vigente na taxa de criminalidade foi comprovada tanto global quanto localmente, sendo um forte indício para se acreditar em uma distribuição espacial não aleatória desse fenômeno na região Sudeste.
Seguindo os resultados apresentados pelo LISA entre 2003 e 2012, observa-se que, dentre as microrregiões que apresentaram autocorrelação espacial em sua taxa de criminalidade, a maior parte (60%) apresenta associação do tipo Baixo-Baixo. Na sequência, encontram-se as microrregiões que apresentaram associação do tipo Alto-Alto (32.58%). Por sua vez, as relações consideradas mais dissimilares entre si, os outliers espaciais, apresentaram representatividade relativamente menor: Baixo-Alto (5.07%) e Alto-Baixo (3.38%).
Destacando-se o comportamento dos clusters Alto-Alto e Baixo-Baixo ao longo dos anos, constata-se que as microrregiões que formam tais aglomerados tendem a ficar cada vez mais concentradas com o passar do tempo. Conforme os anos vão passando, tanto a relação Alto-Alto quanto a Baixo-Baixo mostram indícios de que seguem determinado processo de atração espacial, ficando cada vez mais próximos entre si. Nota-se, ainda, que as demais relações (BA e AB) não apresentam grande representatividade e se expressam sob a forma de pequenos grupos formados por pontos praticamente isolados ao longo dos anos.
3.2. Resultados das estimações dos modelos econométricos
A Tabela 2 apresenta os resultados das estimações dos modelos tradicionais de dados em painel, ou seja, sem levar em conta a dependência espacial do crime entre as microrregiões. Uma vez que boa parte dos regressores varia muito pouco ao longo do tempo, inclusive pelo fato de alguns estarem disponíveis apenas a nível estadual, optou-se por considerar apenas os resultados do modelo de efeitos aleatórios.
Efeitos aleatórios | ||
Coeficiente | Erro-Padrão | |
(Densidade populacional) | 1.4022* | 0.7187 |
(PIB per capita) | 5.2190* | 0.9806 |
(Taxa de desemprego) | 8.3260* | 1.6172 |
(Coeficiente de Gini) | 2.5666 | 9.9218 |
(Taxa de urbanização) | -49.7751* | 18.2858 |
(Proporção de homens) | 25.4792 | 36.1364 |
(Proporção de jovens) | 27.2983* | 6.9128 |
(Taxa de analfabetismo) | -5.1869 | 3.0922 |
Intercepto | -10.2247 | 159.7162 |
Nota: *p-valor < 0.05.
Fonte: elaboração dos autores a partir dos resultados da pesquisa.
O modelo aponta para uma relação positiva entre a densidade populacional e a criminalidade. Mais especificamente, um aumento de 1% nesta variável implica em um aumento de 0.014 homicídios por 100 mil habitantes. Os demais coeficientes estimados indicam um efeito positivo do PIB per capita , do desemprego e da proporção de jovens sobre os homicídios, tendo este último apresentado um valor bastante expressivo: um aumento de 1% na proporção de jovens resulta em aumento de 0.27 homicídios por 100 mil habitantes.
Ao contrário do esperado, o coeficiente associado à taxa de urbanização apresentou sinal negativo. Apesar desse resultado aparentemente contraditório, é importante lembrar que a especificação desse modelo não leva em conta os efeitos espaciais de transbordamento da criminalidade. Por esta razão, estimou-se modelos de painel espacial adequados para tratar esse aspecto do fenômeno em estudo.
A Tabela 3 contempla os resultados da estimação do modelo espacial de efeitos aleatórios. Como o coeficiente da lag espacial, , foi significativo em ambos os modelos, e como acredita-se haver um forte efeito contágio da criminalidade entre as microrregiões, não serão reportados os resultados dos modelos de erro espacial. O valor positivo de sugere, de fato, que há uma relação positiva entre a criminalidade de uma microrregião e a criminalidade das localidades vizinhas. Assim, um aumento na média de homicídios nas microrregiões vizinhas de resulta em um aumento dos homicídios nessa mesma região.
Efeitos aleatórios | ||
Coeficiente | Erro-Padrão | |
0.3506* | 0.0312 | |
(Densidade populacional) | 1.5769* | 0.7680 |
(PIB per capita) | 4.0837* | 0.9577 |
(Taxa de desemprego) | 6.0551* | 1.5187 |
(Coeficiente de Gini) | -0.5413 | 9.4266 |
(Taxa de urbanização) | -34.3750 | 17.5414 |
(Proporção de homens) | 50.4343 | 35.7261 |
(Proporção de jovens) | 15.6207* | 6.6221 |
(Taxa de analfabetismo) | -2.4907 | 2.9259 |
Intercepto | -136.7489 | 156.0916 |
Nota: *p-valor < 0,05.
Fonte: elaboração dos autores a partir dos resultados da pesquisa.
Os coeficientes da Tabela 3 representam os efeitos diretos das variáveis explicativas sobre a criminalidade no Sudeste brasileiro. Desse modo, observa-se que um aumento de 1% na densidade populacional tem um impacto direto de 0.0158 sobre a taxa de homicídios. Todavia, é possível também calcular qual é o efeito total dessa variável, por meio do seu efeito multiplicador10:
Para a variável de PIB per capita, tem-se também uma relação positiva com a criminalidade. Sendo assim, um aumento de 1% neste regressor tem um efeito total de 0.0629 sobre a taxa de homicídios, de acordo com o modelo estimado. Tal resultado já era esperado, uma vez que quanto maior a renda e mais desenvolvida economicamente for uma região, maiores tendem a ser seus índices de criminalidade.
A taxa de desemprego também apresentou coeficiente positivo e significativo no modelo espacial. Um aumento de 1% no desemprego resulta em um crescimento total de 0.0932 no número de homicídios por 100 mil habitantes. Conforme explicado anteriormente, menores oportunidades de emprego tendem a aumentar a necessidade de se cometer crimes. Logo, é de se esperar que quanto maior o desemprego numa localidade, maior seja a ocorrência de ações criminosas.
O coeficiente da variável referente à proporção de jovens no estado sugere um efeito direto total bastante elevado, cerca de 0.2405 homicídios por mil habitantes. Tal resultado reforça os estudos que apontam esta variável demográfica como um importante preditor da ocorrência de crimes (Araujo Jr e Fajnzylber, 2000; Santos e Kassouf, 2008).
Por fim, vale ressaltar que os coeficientes das variáveis de analfabetismo, proporção de homens, índice de Gini e taxa de urbanização não foi significativo no modelo espacial. Apesar de alguns estudos terem encontrado evidências de efeitos significativos desses regressores, vale lembrar que poucos fizeram uso da estrutura de dados em painel. Além disso, a região Sudeste, foco desse estudo, é a segunda com menor taxa de analfabetismo11 e possui a mais elevada taxa de urbanização dentre as regiões brasileiras. Assim, não é surpreendente que estes fatores não tenham se mostrado relevantes para explicar a taxa de criminalidade nesta região.
Conclusão
Esse artigo teve como objetivo central identificar os principais fatores responsáveis pela criminalidade na região Sudeste do Brasil. Conforme apontado, entre 2000 e 2010 as taxas de criminalidade aumentaram em praticamente todas as regiões do país, à exceção do Sudeste. Tal resultado foi impulsionado pela queda acentuada das taxas de crime nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro.
Em termos metodológicos, construiu-se um painel acompanhando a evolução da criminalidade na referida região, entre os anos 2003 e 2012. Realizou-se testes de autocorrelação espacial global e local, juntamente com a estimação de modelos de painel espacial para identificar como certas variáveis influenciam o número de homicídios.
Os resultados dos testes de autocorrelação espacial, I de Moran Global e I de Moran Local, apontaram a existência de dependência espacial das taxas de crime, em todos os anos analisados. Assim, dentre as microrregiões que apresentaram autocorrelação espacial em sua taxa de criminalidade, a maior parte (60%) apresenta associação do tipo Baixo-Baixo. Em seguida, têm-se as microrregiões que apresentaram associação do tipo Alto-Alto (32.58%). Por sua vez, as relações consideradas mais dissimilares entre si apresentaram representatividade relativamente menor: Baixo-Alto (5.07%) e Alto-Baixo (3.38%).
Com relação aos resultados das estimações, identificou-se que a densidade populacional, o PIB per capita, a taxa de desemprego e a proporção de jovens impactam positivamente as taxas de homicídios das microrregiões sudestinas. Ao contrário do esperado, não foi encontrado efeito significativo das taxas de urbanização e analfabetismo, do índice de Gini e da proporção de homens.
Por fim, destaca-se que a partir dos resultados desse estudo foi possível constatar que os aspectos que afetam a criminalidade no Sudeste encontram-se relacionadas com variáveis socioeconômicas do espaço em análise. Sendo assim, as políticas públicas relativas ao controle da criminalidade devem ser elaboradas considerando tais características de cada localidade.
Como avanços futuros, sugere- se pesquisas que levem em conta a estrutura hierárquica dos dados de criminalidade, uma vez que muitas variáveis se encontram disponíveis apenas a nível estadual, enquanto que outras estão disponíveis a nível municipal. Outro avanço interessante seria a identificação de um instrumento adequado para as variáveis de efetivo policial e gastos com segurança pública. A utilização direta desses regressores, sem a instrumentalização, possivelmente resulta em estimativas viesadas devido à problemas de simultaneidade. Adicionalmente, seria interessante testar os efeitos da disseminação da criminalidade em outros espaços, tais como municípios e bairros. Tal processo permitiria observar se a criminalidade caminha da periferia para as áreas centrais, ou em sentido contrário.