1. Introdução
Pesquisadores da Educação Matemática e da Psicologia Cognitiva revelam que a aprendizagem de frações está diretamente relacionada com o desempenho futuro de alunos na Matemática mais avançada (e.g., Siegler et al., 2012; Siegler et al., 2013; Booth e Newton, 2012) e que o ensino de números fracionários e suas operações aritméticas é um desafio para professores (e.g., Christou, 2015; McMullen et al., 2015; Siegler et al., 2012; Vamvakoussi et al., 2012; Van Hoof et al., 2018).
Outras investigações apontam que a maneira mais indicada e favorável para compreensão do conceito de fração é a que remete à sua ontologia (Powell, 2018a; Siegler et al., 2011; Aytekin, 2020) e, alguns deles, remetem especificamente à ontologia de contextos de medição de quantidades por uma comparação multiplicativa de pares de magnitudes (Caraça, 1951; Vizcarra e Sallán, 2005; Powell, 2019a). Powell (2018a) defende que a perspectiva ontológica - aqui denominada de perspectiva de medição - ao remeter frações à sua origem histórica, contribui para o desenvolvimento do senso numérico de magnitude, ordem, equivalência e desigualdade de frações em crianças do Ensino Fundamental (6 a 8 anos), superando dificuldades de compreensões conceituais reveladas, por exemplo, na perspectiva de partição (e.g., Brousseau, 1983; Kerslake, 1986; Tzur, 1999; Vizcarra e Sallán, 2005), que emerge da divisão de coisas divisíveis. À guisa de ilustração, não faz sentido para os alunos obterem 4 partes de um objeto que é dividido em 3 partes iguais como entendimento da fração imprópria de
Outros possíveis embaraços são apontados por Aytekim (2020) por aprendizagens pautadas singularmente em conjuntos de números discretos, diante de situações que requerem compreensões que envolvem conjuntos de números contínuos, e que vêm sendo prioritariamente utilizadas em escolas brasileiras (Scheffer e Powell, 2019). Esse é o caso, a título de exemplo, de alunos que não compreendem o motivo de o homem nunca chegar ao destino no problema do “homem a meio-caminho”1 que diz: um passageiro percorrerá certa distância. Percorrerá a primeira metade do caminho; depois a metade restante; em seguida, a metade que falta para o destino, e assim sucessivamente. Para Aytekin (2020 como citado em Ni e Zhou, 2005), os estudantes usam o conjunto de números inteiros para compreender o dos números fracionários. O problema do “homem a meio-caminho” pode provocá-los a enfrentar a diferença essencial entre os conjuntos dos números interiros e fracionários: um é discreto e o outro é contínuo.
Face a essa conjuntura, Powell (2018a) elaborou uma abordagem instrucional denominada 4A Instructional Model para apoiar a construção do conceito de fração a partir da perspectiva de medição usando, como material pedagógico, as barras de Cuisenaire por acreditar que esse material pode auxiliar na construção de um significado matemático com base ontológica e em imagens mentais sobre frações e suas operações aritméticas básicas (Powell, 2019b). Essa abordagem pretende direcionar a atenção dos alunos para simples, porém poderosas, visualizações de frações a partir da medição de comprimentos e da identificação de relações multiplicativas com as barras de Cuisenaire.
Diante desse contexto, apresentamos resultados de uma investigação orientada pela seguinte questão de pesquisa: em meio ao engajamento de tarefas que visavam à construção do conceito de fração pela perspectiva de medição, que compreensões conceituais alunos do 6o ano do Ensino Fundamental de uma escola da rede pública estadual brasileira desenvolveram em cada uma das quatro ações que compõem a abordagem 4A Instructional Model: Atual, Virtual, Escrita e Formalizada? A estrutura conceitual e teórica das frações sob a perspectiva de medição, seguida de indicações para o ensino, bem como o detalhamento da abordagem 4A Instructional Model inauguram os próximos tópicos.
2. Fundamentação conceitual e teórica das frações sob a perspectiva de medição e indicações para o ensino
De acordo com o Final Report of National Mathematics Advisory Panel2 (NMAP), o conhecimento fundamental de fração é crucial para o sucesso futuro dos alunos em álgebra (NMAP, 2008). Apesar de sua importância, pesquisas indicam carência conceitual de frações em alunos (Mack, 1995; Ni, 2001; Ni e Zhou, 2005; Siegler et al., 2012) e professores em diferentes países (Ball, 1990; Ma, 1999; Ni, 2001; Yoshida e Sawano, 2002; Newton, 2008; Nunes e Bryant, 2008).
Segundo Vitrac (2006), as notícias mais antigas do uso das frações vêm da civilização egípcia que habitavam as margens do Rio Nilo, região cujas terras eram muito férteis e, por isso, de grande importância para a vida de seu povo. Por volta do ano de 3.000 a.C., a economia egípcia estava assentada principalmente no cultivo de terras e, para que tal modo de produção ocorresse de forma eficaz, terras cultiváveis eram divididas entre os habitantes. Não obstante, anualmente, entre os meses de junho a setembro, as águas do Nilo subiam muitos metros além de seu leito regular e acabavam por inundar uma vasta região circundante, trazendo a necessidade de remarcação do terreno atingido pela enchente. Essa remarcação era realizada pelos agrimensores do estado, conhecidos como estiradores de cordas por utilizarem este objeto como unidade de medição. O processo de mensuração das terras consistia em estirar cordas e verificar a quantidade de vezes que a unidade de medida estava contida no terreno. Todavia, na maioria das vezes, a medição dificilmente era finalizada por um número inteiro de vezes em que as cordas eram estiradas, ocasionando a necessidade da criação dos números fracionários. Simbolicamente,
[...] para saber a extensão de uma distância 𝑑, em comparação com uma unidade de medida u, nem sempre era o caso de 𝑑 ser exatamente 𝑘 unidades de medida 𝑢, onde 𝑘 é um número inteiro. Ou seja, não é garantido que 𝑑, medido por 𝑢, seja exatamente igual a 𝑘 × 𝑢. [...] Em geral, se 𝑑 não for igual a um múltiplo exato de 𝑢, poderá existir uma subunidade da medida 𝑣, de modo que 𝑑 seja igual a exatamente 𝑚 subunidades de 𝑣, isto é, 𝑑=𝑚×𝑣; e 𝑢 é igual a exatamente 𝑛 subunidades de 𝑣, ou seja, 𝑢=𝑛×𝑣, o que implica que 𝑣=1𝑛×𝑢. Como 𝑑 = 𝑚 × 𝑣, então 𝑑=𝑚×1𝑛×𝑢; isto é 𝑑=𝑚𝑛×𝑢. Assim, a distância 𝑑 é igual à razão 𝑚 enésimos (ou 𝑚 um-enésimo) da unidade de medida 𝑢, onde 𝑚𝑛 é uma fração. Essa expressão-𝑑=𝑚𝑛×𝑢-representa uma comparação multiplicativa entre as duas quantidades mensuráveis 𝑑 e 𝑢 (Powell, 2019b, p. 706-708).
O contexto histórico do surgimento das frações levou Powell (2018a) a desenvolver ações de ensino pela perspectiva de medição justificadas, principalmente, por: (1) remeter frações à sua origem histórica; (2) superar limitações conceituais que a perspectiva de partição apresentou em investigações; (3) facilitar a introdução de frações impróprias e a representação de números mistos; (4) formar o desenvolvimento do senso numérico sobre a magnitude, ordem, equivalência e desigualdade de frações e; (5) melhorar a fluência oral com os nomes fracionários. Se a perspectiva de medida é defendida como sendo favorável para a aprendizagem de frações, resta conhecer as compreensões conceituais de alunos mediante o ensino baseado na abordagem 4A Instructional Model levado a cabo por professores.
Powell (2019a) recomenda que o ensino de frações seja orientado pelas compreensões de equivalência de frações e do conhecimento do mínimo múltiplo comum, ambos apoiando o desenvolvimento do conceito e das operações de frações (Powell, 2020a, 2020b, 2020c, 2020d). Nesse ínterim, há a comparação de magnitudes de frações e a compreensão sobre o que sejam frações próprias e impróprias. Todas as ações de ensino podem ser desenvolvidas com uso das barras de Cuisenaire como material pedagógico (Figura 1a), e esse uso requer o reconhecimento de que cada barra colorida corresponde a certa quantidade de barras brancas. A partir desse exame, os sujeitos percebem relações comparativas entre as barras. Em outras palavras, devemos ter em mente a noção de magnitude de todas as barras coloridas em relação à barra branca que representa 1 unidade de medida: uma barra vermelha tem o comprimento de duas barras brancas enfileiradas; uma barra verde clara tem o comprimento de três barras brancas; …; uma barra laranja tem o comprimento de dez barras brancas (Figura 1b).
Na perspectiva de medição com uso das barras de Cuisenaire, deve-se considerar o comprimento das barras como o atributo de interesse. Ao manuseá-las, os sujeitos percebem relações comparativas entre as barras e expressam suas percepções por meio de linguagem oral, escrita e pela construção de figuras (e.g., a barra branca é metade do comprimento da barra vermelha. A barra vermelha é dois terços do comprimento da barra verde clara. A barra amarela é cinco quartos do comprimento da barra roxa - Figura 2).
A ideia da equivalência de frações deve ser desenvolvida por meio da relação entre os comprimentos das barras de um número fracionário específico. À guisa de exemplo, o número fracionário “um meio” pode ser representado com os pares de barras branca e vermelha, vermelha e roxa, verde clara e verde escura, roxa e marrom, amarela e laranja (Figura 3).
Com base nessa perspectiva de medição, uma fração é definida como uma comparação multiplicativa entre duas quantidades comensuráveis da mesma espécie (Powell, 2019a). Nesse sentido, para a apreensão do significado de magnitude entre duas frações, é indicada a compreensão de três propriedades de comparação. A primeira diz respeito à comparação das magnitudes de duas frações com o mesmo denominador. A fração terá maior comprimento quando numerador for maior. Por exemplo, um terço do comprimento da barra verde escura pode ser representado por uma barra vermelha (Figura 4 - esquerda), enquanto dois terços do comprimento dessa mesma barra podem ser representados por duas barras vermelhas (Figura 4 - direita) e, ao compará-las lado a lado é possível concluir que
A segunda propriedade envolve comparação entre duas frações com denominadores diferentes. Após encontrar uma fração equivalente com denominadores comuns para cada uma, aquela que tiver o maior numerador, terá o maior comprimento. Por exemplo,
Pesquisadores (Mack, 1995; Ni, 2001; Ni e Zhou, 2005; Thompson e Opfer, 2008) relatam que a compreensão de números fracionários limitada ao conjunto de números discretos, pode levar alunos a julgar a magnitude de frações pela comparação isolada de seus numeradores e/ou denominadores (e.g.,
Para a equivalência de frações, é indicado encontrar o mínimo múltiplo comum (mmc) aos dois denominadores, que neste caso, é 35 (podendo ser representado por sete barras amarelas ou cinco barras pretas). Para a determinação do mmc, realizamos um “jogo” denominado de “corrida de cores”. Este jogo consiste em posicionar duas barras de cores diferentes (representadas pelas unidades de medida das frações que se deseja comparar os comprimentos: no nosso exemplo, podendo ser representadas pelas barras amarelas e pretas) lado a lado com uma de suas extremidades pareadas. O objetivo do jogo é o de igualar os comprimentos das fileiras das duas cores de barras acrescentando tantas barras de cada cor quantas sejam necessárias dos dois lados até que os comprimentos das duas fileiras sejam iguais. Em seguida, verificamos a quantidade de barras inseridas de cada cor em cada fileira e, sabendo a relação de cada cor de barra com a quantidade de barras brancas, podemos determinar o mmc das duas frações (e.g., mmc entre 5 e 7 - Figura 6).
A Figura 6 explica o mecanismo de acréscimo de barras em
cada fileira até que o jogo termine com os comprimentos igualados nas duas fileiras.
Na verdade, o jogo “corrida de cores” deve ser jogado incluindo as fileiras de
barras que representam os numeradores de cada fração. No nosso caso, a barra verde
clara representa a magnitude do numerador da fração
A terceira e última propriedade é um caso particular da segunda: comparação de duas frações de denominadores diferentes, mas com o mesmo numerador. A fração que terá o maior comprimento é a que tiver menor denominador. Por exemplo,
Para compará-las, é necessário encontrarmos inicialmente o mínimo múltiplo comum (pelo jogo “corrida de cores”) dos denominadores, que neste caso, é 45 (representado por nove barras amarelas ou cinco barras azuis) para, em seguida, encontrarmos uma fração equivalente a cada uma delas. A fração equivalente a
As comparações de frações se configuram como um início da construção do conceito de frações sob a perspectiva de medição. Em meio ao trabalho com as comparações, os problemas epistemológicos relatados quando trabalho singular com partição podem inexistir, todavia outras dificuldades epistemológicas podem surgir, daí a importância de conhecermos os potenciais da perspectiva de medição orientados pelo 4A Instructional Model.
3. O 4A Instructional Model
A abordagem denominada 4A Instructional Model foi desenvolvida por Powell (2018a) com o objetivo de estimular o que Gattegno (1970) teoriza como a subordinação do ensino à aprendizagem da matemática. Em particular, Powell (2018a) aplica essa teoria para uma epistemologia alternativa para um ensino que promova o desenvolvimento da construção do conceito de frações seguindo sua ontologia por alunos do ensino básico. O 4A Instructional Model
consiste em quatro fases para implementar uma abordagem pedagógica, a subordinação do ensino de Matemática à aprendizagem dos alunos, usando as barras de Cuisenaire. Nessa abordagem, uma unidade instrucional é frequentemente maior do que um único encontro de aula. A sequência consiste em tarefas coerentes e flexivas intencionadas para capacitar os alunos a educar sua consciência sobre ideias de um tópico matemático (Powell, 2018a, p. 409-410, tradução nossa).
Na primeira fase, denominada Ações Atuais, os alunos devem estar familiarizados com o material e, para isso, é indicado que inicialmente eles realizem “desenhos” ou quaisquer atividades que os levem a perceber os atributos das barras, sobretudo o de comprimento na forma de uma escadinha3- ordenação das barras de acordo com seus comprimentos.
Nesse momento, também é indicado estabelecer uma linguagem comum como símbolos das cores de cada barra, os conceitos de “trem” (barras colocadas de extremo a extremo), “multi-trem” (trem composto por barras de cores diferentes), “mono-trem” (trem composto por barras de mesma cor) e alguns conceitos como de “esquerda”, “direita”, “mais comprido”, “mais curto”, a simbologia de “maior”, “menor”, “igual a”, “diferente de”, etc com o objetivo de estabelecer uma comunicação entre os sujeitos.
Nessas aulas, ainda, é indicado que os alunos realizem comparações entre os comprimentos das barras, representações de uma medida dada nas barras e vice-versa, expressem compreensões sobre os conceitos de fração própria, imprópria e equivalente, etc, sempre com o auxílio das barras e conduzidos por questionamentos oferecidos pelo professor. Quando os alunos demonstrarem domínio das atividades de manipulações das barras, expressando suas ações e demonstrando compreensões sobre suas atuações quase sem uso das barras, é apropriado seguir para a segunda fase.
Na segunda fase, denominada Ações Virtuais, objetiva-se que os alunos respondam mentalmente e fluentemente às questões trabalhadas na fase anterior, como uma forma de transição entre a fase atual e uma mais abstrata. Por exemplo, com os olhos vendados e duas barras quaisquer, uma em cada mão, eles devem revelar entendimento sobre qual medida cada cor corresponde. A qualidade de suas ações com as barras permitirá conhecer e reter as relações entre as barras sem necessidade de consulta ao material concreto e, com isso, as manipulações físicas progredirão para as manipulações mentais. No entanto, sempre que algum aluno sentir necessidade de consultá-las, ele poderá em qualquer momento voltar à Ação Atual para reforço e consolidação de suas ideias. Ao demonstrarem sua capacidade de responder mentalmente e com fluidez às tarefas da fase virtual, sem manipularem fisicamente as barras, então é apropriado seguir para a fase seguinte.
Na terceira fase, denominada Ações Escritas, os alunos trabalharão simbolicamente as duas Ações anteriores, tanto a Atual quanto a Virtual, que já possuem familiaridade. Para isso, escreverão sentenças comparando medidas e utilizando a linguagem matemática como as simbologias de “maior que”, “menor que”, “igual a” e “diferente de”. Se necessário, os alunos podem recorrer às barras (Ação Atual) para o amadurecimento e a confirmação de seus pensamentos. A quarta e última fase, denominada Ações Formalizadas, dá relevo a que as ideias matemáticas que os alunos construíram nas três fases anteriores sejam discutidas e escritas usando uma linguagem formal e simbólica.
Vale registrar que nas duas primeiras fases, em que há o predomínio da linguagem oral, os alunos se empenham em construir ideias e concepções acerca do material concreto e sobre o que ele oferece em termos matemáticos. Nas duas últimas fases, praticam a escrita e formalização das ideias antes construídas. Segundo Powell (2018a), a fala e a escrita precisam ocorrer em momentos distintos para uma aprendizagem eficiente em Matemática. Alunos aprendem interagindo com eles mesmos - um discurso interno - e com outros mediados pela linguagem natural: falar, escutar e observar (Gattegno, 1973 citado em Powell, 2018b). Nesse ínterim, é importante discutirem tarefas e ideias, questionarem e negociarem significados, clarificarem seus entendimentos, e fazerem com que suas noções sejam compreensíveis aos seus parceiros. Powell acredita que as compreensões dos alunos crescem conforme eles se expressam para seus parceiros e isso se reflete nas suas ideias e aprendizagem. Sintetizamos essas ideias do 4A Instructional Model na Tabela I.
Finalmente, vale reforçar que apesar da existência do sequenciamento entre as quatro fases do 4A Instructional Model, é possível e provável, que elas não ocorram de modo linear. É razoável, a depender da necessidade do momento da aprendizagem, que se retorne e se avance para uma ou outra fase. Por isso, de uma forma geral, o critério para prosseguir de uma fase para outra é a facilidade fluida dos alunos com as ações manipulativas e mentais, além da linguagem verbal e simbólica. A qualquer momento, o professor pode propor atividades que recorram às fases anteriores com o intuito de levar os alunos a investigar certas ideias que não foram antes pensadas ou precariamente desenvolvidas, e isso não pode ser interpretado como um retrocesso, mas como uma oportunidade em dar sentido para novas situações.
4. Metodologia
Nossa pesquisa faz parte de um projeto investigativo maior sobre frações, desenvolvido pelo Instituto Federal do Espírito Santo - ES - Brasil em parceria com a Rutgers University - Newark - USA, com apoio financeiro da Rutgers Global e do Instituto Federal do Espírito Santo.
A investigação é qualitativa com observação participante e foi levada a efeito em uma turma de sexto ano de uma escola da rede pública estadual brasileira com vinte e cinco alunos que possuíam características sociais, culturais, econômicas, comportamentais e de desempenho escolar em Matemática semelhantes, revelados pela pedagoga da escola e pela própria professora-pesquisadora (primeira autora) que leciona naquela turma desde o início do ano letivo de 2019.
As aulas baseadas no 4A Instructional Model foram planejadas colaborativamente e presencialmente com 10 professores da escola básica e uma professora universitária (segunda autora), em 11 encontros de duas horas cada, além de interações remotas entre os encontros presenciais. As aulas foram executadas pela primeira autora e observadas pelos demais professores (professores-observadores).
Visando atender às recomendações do 4A Instructional Model, o grupo de professores planejou uma sequência de 6 aulas de 100 minutos cada, com atividades pensadas e organizadas a partir dos objetivos de cada uma das quatro ações do 4A Instructional Model, detalhando ações de ensino, tarefas e possíveis reações e dúvidas dos alunos. A Tabela II apresenta parte desse planejamento.
Imediatamente após a aplicação de cada aula, o grupo de professores se reuniu para refletir sobre os resultados das ações planejadas colaborativamente, tendo como alvo as compreensões conceituais dos alunos. Os dados qualitativos emergiram, portanto, das observações obtidas durante as aulas pelos professores-observadores que fizeram seus registros em diários de bordo e pelo aplicativo Whatsapp por meio de fotografias das produções dos alunos, de gravações de áudio e vídeo, pelos trabalhos escritos dos alunos para que todo o grupo de professores pudesse revê-los após as aulas durante a reflexão e para a coleta dos dados - eis os instrumentos de pesquisa. Para a pesquisa, solicitamos autorização da escola e um termo de livre consentimento, assinado pelos professores-observadores, inclusive pela professora-pesquisadora e aos responsáveis pelos alunos cujas imagens, vozes e produção escrita foram objeto de registros.
Os estudos constantes nos itens 2 e 3 deste artigo proporcionaram a elaboração de categorias de análise para estudo das compreensões conceituais dos alunos a partir da perspectiva de medição, que são:
(1) Ações Atuais
(1.1) domínio das relações entre os comprimentos das barras;
(1.2) uso da linguagem matemática (maior que, menor que etc.) e não-matemática (duas barras vermelhas têm o mesmo comprimento que 1 barra roxa) para construção de relações entre os comprimentos das barras;
(1.3) verificação da equivalência de frações;
(1.4) determinação do mmc;
(1.5) verificação da 1ª, 2ª e 3ª propriedades de comparação de frações.
(2) Ações Virtuais
(3) Ações Escritas
(4) Ações Formalizadas
5. Resultados e análises
Ao serem solicitados a manipular as barras livremente (Ações Atuais), os alunos demonstraram reconhecer os atributos de cor e comprimento das barras (Figuras 10a e 10b). Em seguida, com os olhos fechados (Ações Virtuais), os alunos praticaram atividades (Figura 10c) que permitiu que nos certificássemos da interiorização pelos alunos das relações existentes entre esses atributos, possibilitando avanço com a inserção das terminologias descritas na Tabela II - “maior que”, “menor que” etc. -, após a introdução de letras que simbolizassem as barras em suas diferentes cores - “b” para branca, “v” para vermelha, etc- (Figura 10d).
A qualidade das ações atuais dos alunos levou-os a interiorizar as relações entre os comprimentos das barras sem necessidade de consulta ao material concreto e, com isso, as manipulações físicas foram progredindo para as manipulações mentais. Essas tarefas - integrantes das ações atual, virtual e escrita - facultaram uma linguagem comum entre os alunos e alunos-professora, instalando-se, assim, um ambiente de comunicação basilar para as tarefas futuras visando à construção do conceito de frações.
Com a noção de medida construída, os alunos estabeleceram relações entre os comprimentos de duas cores de barras diferentes (e.g., uma barra vermelha ao lado esquerdo de uma barra verde clara pode ser expressa pela fração
Essas observações realizadas com o apoio das barras de Cuisenaire como material pedagógico (Ações Atuais) possibilitou que os alunos aumentassem a sua fluência oral de nomes fracionários e também foram importantes para a construção do conceito de frações próprias, impróprias e equivalentes (Figura 12), que foram essenciais para as próximas tarefas de comparações com frações.
A princípio, os alunos compararam frações com mesmo denominador (1ª propriedade) para, então, avançarem para as comparações de numeradores e denominadores diferentes (2ª propriedade) e de numeradores iguais, porém com denominadores diferentes (3ª propriedade).
Para a 1ª propriedade, os alunos representavam nas barras duas frações com a mesma unidade de medida, colocavam-nas lado a lado e comparavam seus comprimentos. A barra (ou barras) com maior comprimento representava a fração de maior medida (e.g.,
As atividades de comparações de frações como propostas no planejamento foram importantes para que iniciassem a construção do conceito de frações e evitassem transportar propriedades dos números inteiros para aplicações que só cabem para números fracionários, como denunciado em pesquisas (Brosseau, 1983; Mack, 1995; Ni, 2001; Siegler et al., 2012). Além disso, a construção de sentenças matemáticas com uso da linguagem matemática proporcionou que os alunos expressassem relações de medidas simbolicamente, contribuindo para o desenvolvimento do senso numérico de magnitude, ordem, equivalência e desigualdade de frações (Figura 14).
Após as atividades de comparações de frações, os alunos discutiram e construíram ideias matemáticas sobre as três propriedades que foram formalizadas usando uma linguagem formal e simbólica (Ações Formalizadas). Com isso, eles criaram argumentos suficientes para responder virtualmente algumas comparações que foram questionadas ao final de cada propriedade (Figura 15) pela professora (Ações Virtuais). As tarefas, portanto, não foram lineares, pois, sempre que algum conhecimento carecia de revisão e reforço das ideias, era indicado que recorrêssemos às tarefas anteriores, sobretudo com uso das barras de forma atual (AA).
As oralidades e a produção escrita dos alunos foram base para as reflexões que ocorreram após cada aula pelo grupo de professores (professoras-pesquisadoras e professores-observadores) sobre as dificuldades e progressos acerca da construção inicial do conceito de fração. Esse grupo de profissionais mostrou-se convicto de que o ritmo de aprendizagem de cada aluno foi singular e que as interações e tarefas baseadas no 4A Instructional Model foram potenciais para a construção do conceito de frações. Além disso, as tarefas proporcionaram evolução e resgate de conhecimentos de alunos que apresentavam dúvidas e equívocos.
Em suma, inferimos - ao lado do grupo de professores participantes da pesquisa - que as atividades planejadas com base na perspectiva de medida foram gatilho para insights demonstrados pelos alunos acerca da construção do conceito de fração. À guisa de exemplo, os alunos ao compararem frações com denominadores diferentes, não necessariamente utilizaram o mínimo múltiplo comum, mas um múltiplo qualquer e verificaram haver variadas maneiras para comparar frações seguindo esta propriedade.
6. Conclusões
O reconhecimento pela comunidade científica da importância de frações para a matemática geral nos levou a investigar as construções conceituais de alunos brasileiros do 6o ano do Ensino Fundamental, a partir da perspectiva de medição e submetidos ao ensino de frações de acordo com a abordagem pedagógica 4A Instructional Model.
De modo geral, as tarefas planejadas para compreensão das três propriedades de frações seguindo a perspectiva de medição, e sendo orientadas pelas ações do 4A Instructional Model, favoreceram a construção inicial do conceito de fração pelos alunos, notadamente, quando da concepção de equivalência e comparações de frações. Além disso, conceitos - como os de frações impróprias - considerados de difícil compreensão por pesquisadores da Educação Matemática e Psicólogos Cognitivistas, foram prontamente apreendidos pelos alunos, a partir das comparações dos comprimentos das barras de Cuisenaire e da formulação de proposições matemáticas (Ações Atuais), evitando cometerem erros comuns como o de utilizar propriedades dos números inteiros aplicadas indiscriminadamente no campo dos números fracionários.
As Ações Virtuais foram competentes para despertar a fluência oral de nomes fracionários e para constituir imagens mentais sobre a magnitude das frações. Por exemplo, os alunos sabiam que
Por fim, concluímos que as ações do 4A Instructional Model estimularam as interpretações ontológicas e epistemológicas de frações pelos alunos pela perspectiva da medição, facilitando a construção do conceito pelos alunos. Recomenda-se que mais pesquisas sejam desenvolvidas a fim de investigar como a perspectiva de medição ensinada pelo 4A Instrucional Model influencia a compreensão dos alunos sobre as compreensões conceituais em operações aritméticas básicas com frações e em outros constructos matemáticos que compõem e dependem de suas noções.