Introdução
Megaeventos esportivos são um fenômeno típico da contemporaneidade. Alguns dos principais eventos dessa categoria são os Jogos Olímpicos de verão e de inverno, a Copa do Mundo FIFA, a Copa do Mundo de Rugby e os Jogos da Commonwealth. Tais acontecimentos reúnem centenas de milhares de pessoas em um país ou localidade durante um curto período de tempo, alterando consideravelmente a realidade social (Gibson et al., 2014; Lozano, 2011; Ohmann et al., 2006), política (Burbank et al., 2001; Mendes & Codato, 2015; Roche, 1994) econômica (Allmers & Maennig, 2009; Baade & Matheson, 2004; Bohlmann & Van Heerden, 2008; Choong-Ki & Taylor, 2005), ambiental (Collins & Flynn, 2008; Collins et al., 2009; Death, 2011) e urbanística (Pillay & Bass, 2008b; Pillay et al., 2009; Steinbrink et al., 2011) de suas sedes. Em particular, o fluxo turístico receptivo dos países e cidades sede é fortemente afetado, sobretudo durante e após a realização. Por outro lado, os estudos existentes sobre o tema tendem a ter um viés mais voltado aos esportes e às políticas públicas em geral, deixando o tema do turismo em segundo plano. Os fluxos turísticos massivos e seus impactos contam com uma literatura bastante restrita. Choong-Ki and Taylor (2005), por exemplo, mostram que 57,7% das chegadas internacionais na Coréia do Sul durante a Copa do Mundo FIFA de 2002 era de turistas direta ou indiretamente atraídos pelo evento.
Já a literatura sobre impactos socioeconômicos e ambientais desses eventos através do turismo é vasta. Choong-Ki and Taylor (2005) mostram que a Copa do Mundo FIFA de 2002 gerou um adicional de US$ 1,35 bilhões no total de vendas e uma renda de US$ 307 milhões. H. J. Kim et al. (2006) afirmam que aquela Copa não gerou significativos impactos negativos, como vandalismo, prostituição e crimes em geral. Para os autores, engarrafamentos de trânsito foram os principais problemas causados pelo evento. Pillay and Bass (2008b) considera que os impactos dos megaeventos sobre o turismo receptivo é temporário e, frequentemente, superestimado. Alguns locais aumentam significativamente a chegada de turistas após a realização de um mega evento. O exemplo mais evidente é a cidade de Barcelona, após a realização das Olimpíadas de 1992. A criação de uma marca turística forte, de nova infraestrutura, melhor qualificação dos serviços e produtos turísticos e publicidade positiva e gratuita elevaram os fluxos turísticos na cidade a números não esperados e que no momento preocupam pelos problemas causados pelo alto fluxos de visitantes (Marine-Roig & Anton Clavé, 2015).
A análise dos impactos da realização de megaeventos para o país ou cidade-sede pode ser feita sob duas perspectivas metodológicas distintas. A primeira é aquela que busca analisar objetivamente os efeitos do evento, recolhendo observações sobre alguns ou muitos dos impactos positivos e negativos ocorridos (Kang & Perdue, 1994; Matheson, 2008). Uma segunda perspectiva é aquela que avalia os efeitos do megaevento subjetivamente por meio das percepções dos residentes acerca dos impactos (Gursoy et al., 2002; Gursoy & Kendall, 2006).
Estas percepções também podem ser vistas como um dos efeitos objetivos dos megaeventos esportivos. Quanto mais positivo for o saldo percebido dos impactos causados, maior é a probabilidade de que os residentes apoiem o evento. Tal apoio é importante não apenas por indicar o sucesso da realização do projeto, mas também por suas consequências diretas. Eventos com maior nível de apoio popular tendem a ser mais bem sucedidos e a valorizar a gestão política envolvida (Gursoy et al., 2017). Logo, a análise das percepções de impactos e do apoio popular aos megaeventos esportivos pode ser enxergada como uma forma de complementar a análise objetiva dos impactos desses projetos.
O presente trabalho faz uma incursão por ambas as perspectivas metodológicas de análise dos impactos dos megaeventos esportivos. Na seção a seguir são discutidos brevemente alguns dos principais impactos da Copa do Mundo FIFA de 2014 ocorrida no Brasil sob a perspectiva objetiva. A seção 3 trata dos impactos percebidos e do apoio popular ao evento a partir da análise de dados coletados por meio de entrevistas diretas com residentes das doze cidades-sede do mundial.
Efeitos Objetivos da Copa do Mundo FIFA 2014
A Copa do Mundo FIFA gera diversos efeitos sobre incontáveis indivíduos e organizações. A organização do evento é compartilhada essencialmente por dois agentes: a FIFA (Federação Internacional de Futebol) e o governo do país-sede. A FIFA é a proprietária e organizadora do evento, ao passo que o governo representa as obrigações e interesses da nação receptora. Além destes, diversos outros agentes são afetados, incluindo residentes das cidades-sede, cidadãos de outras partes do país, turistas estrangeiros, espectadores ao redor do mundo, empresas e organizações sociais nacionais e internacionais, seleções nacionais de futebol, governos estaduais e municipais, além de governos de outros países. A seguir são brevemente apresentados os principais indicadores de resultados da Copa para a FIFA. Na sequência são apresentados os principais efeitos do evento em termos de investimentos, despesas e benefícios para o Brasil.
Resultados para a FIFA
Grande parte da responsabilidade pela organização da Copa é da FIFA, entidade que se incumbe principalmente da organização dos aspectos desportivos, do público, da comunicação e da supervisão geral. Para a FIFA, a Copa de 2014 foi um grande sucesso, superando os resultados de todas as Copas anteriores. De acordo com dados do balanço da FIFA (2015), a receita total do evento para a entidade foi de US$ 4.826 milhões, sendo esta dividida por fontes de receita conforme apresentado no Gráfico 1. As despesas da FIFA com a organização da Copa atingiram US$ 2.224 milhões, distribuídos por itens conforme apresentado no Gráfico 2. Apesar de constituir a principal categoria de despesas, o Comitê Organizador Local consumiu apenas 20% do total de recursos. A diferença entre receitas e despesas indicam um resultado líquido para a entidade de US$ 2.602 milhões.
Investimentos e despesas para o Brasil
Sob o ponto de vista do país-sede, uma tentativa de análise de custo-benefício completa deveria levar em consideração os efeitos positivos e negativos sofridos por todos os agentes nacionais, agregando todos os impactos a fim de alcançar uma conclusão abrangente e representativa do saldo do evento para a nação. No entanto, fazer uma análise com essas características para eventos como a Copa do Mundo FIFA 2014 ocorrida no Brasil é uma tarefa extremamente complexa.
O governo concentrou grande parte das despesas e investimentos feitos para o evento. Já os benefícios foram mais amplamente divididos entre governo, empresas e indivíduos. Entretanto, a distribuição dos benefícios teve uma forte concentração geográfica nas cidades-sede. Logo, pode-se inicialmente identificar um efeito de deslocamento de recursos das cidades não diretamente envolvidas no evento para as cidades-sede.
As despesas governamentais com a Copa tiveram início bem antes da realização deste. Dada a dimensão e a complexidade do evento, seu processo de planejamento exigiu uma grande quantidade de recursos. O simples processo de candidatura para sediar o campeonato teve um custo projetado em cerca de R$ 35 milhões (Mattos, 2006).
A Copa teve um efeito substancial sobre a infraestrutura desportiva do país por meio da construção ou reforma de 12 grandes estádios. De acordo com dados do Ministério do Esporte (2014), o investimento nessas estruturas totalizou R$ 8383,6 milhões, cerca de três vezes mais do que o valor inicialmente orçado. O custo de cada um dos doze estádios da Copa é apresentado na Tabela 1.
Cidade-sede | Estádios | Mobilidade urbana | Aeroportos | Portos | Total |
Belo Horizonte | 695 | 1413,3 | 430,1 | - | 2538,4 |
Brasília | 1403,3 | 54,2 | 651,4 | - | 2108,9 |
Cuiabá | 596,4 | 1706,5 | 101,2 | - | 2404,1 |
Curitiba | 391,5 | 526,5 | 157,3 | - | 1075,3 |
Fortaleza | 518,6 | 651,9 | 171,1 | 224,0 | 1565,6 |
Manaus | 660,5 | - | 445,1 | 71,1 | 1176,7 |
Natal | 400,0 | 444,0 | 572,6 | 79,8 | 1496,4 |
Porto Alegre | 366,3 | 16,7 | 87,8 | - | 470,8 |
Recife | 532,6 | 1027,1 | - | 28,1 | 1587,8 |
Rio de Janeiro | 1050,0 | 2256,7 | 443,7 | - | 3750,4 |
Salvador | 689,4 | 19,6 | 112,9 | 40,7 | 862,6 |
São Paulo | 1080,0 | 610,5 | 3107,6* | 154,0** | 1690,5 |
Total | 8383,6 | 8727,0 | 6280,8 | 597,7 | 23989,1 |
Fonte: Dados de Ministério do Esporte (2014).
*Total incluindo obras nos aeroportos de Guarulhos e Viracopos. ** Obras no Porto de Santos.
O gasto realizado com construções ou reformas de estádios deve ser entendido como um investimento. Como tal, os recursos alocados devem ser considerados como um efeito negativo, ao passo que os serviços prestados por esses estádios devem ser entendidos como efeitos positivos. O investimento em cada estádio, portanto, pode ter um saldo positivo ou negativo a depender do volume de recursos investido e da utilização futura dessa estrutura. Enquanto o primeiro aspecto já é conhecido, o segundo é de mais difícil exame. Além dos serviços já prestados por esses estádios, incluindo a realização de jogos da Copa, outros serviços ainda serão prestados no futuro.
Algumas informações atualmente disponíveis podem ajudar na elaboração de previsões e conjecturas sobre o valor dos serviços futuros a serem prestados pelos estádios da Copa. A média de público do Campeonato Brasileiro de Futebol nos estádios em 2015 foi de pouco mais de 17 mil pagantes (globoesporte.com, 2015), número pequeno se comparado à capacidade média dos estádios da Copa. Em 2014 a taxa de ocupação dos estádios brasileiros no Campeonato Brasileiro foi de apenas 39% (Pluri Consultoria, 2014).
Alguns dos estádios da Copa foram construídos em cidades sem grande tradição no futebol. O estádio construído em Cuiabá tem capacidade para 44 mil pessoas, mas o campeonato mato-grossense inteiro totalizou 36 mil torcedores em 2014. Manaus, Brasília e Natal tampouco costumam ter grandes públicos nos jogos que sediam. De acordo com estimativas feitas pela BBC (Mendonça, 2015), a receita arrecadada por esses estádios após o evento não foi até fevereiro de 2015 sequer suficiente para pagar os custos de manutenção. A manutenção do estádio de Manaus, por exemplo, custa cerca de R$ 670 mil por mês, enquanto a receita entre agosto de 2014 e fevereiro de 2015 tinha sido de cerca de R$ 200 mil por mês. Resultados similares haviam sido alcançados pelos estádios de Cuiabá e Brasília, mesmo consideradas as receitas provenientes de outros eventos realizados além das partidas de futebol, como shows musicais e encontros religiosos.
Os investimentos realizados para a Copa também incluíram uma série de obras de mobilidade. Dentre essas se destacam a construção ou reforma de 12 aeroportos, 5 portos, 2 veículos leves sobre trilhos e 13 linhas de transporte rápido por ônibus (BRTs). Os investimentos em mobilidade urbana totalizaram R$ 8727 milhões, enquanto as obras em aeroportos somaram R$ 6280,8 milhões e em portos R$ 597,7 milhões. O detalhamento desses investimentos por cidade é apresentado na Tabela 1. Cabe notar que os investimentos desta categoria foram desigualmente distribuídos. Enquanto o Rio de Janeiro recebeu mais de R$ 3750 milhões de investimentos, Porto Alegre recebeu apenas R$ 470,8 milhões. Além disso, é importante destacar que nem todas as obras de mobilidade foram terminadas a tempo para o evento. Ano após o início da Copa ainda haviam 35 obras inacabadas (Amora, 2015).
A organização da Copa também gerou consideráveis investimentos e despesas com segurança pública e defesa nacional. As ações de segurança pública custaram R$ 1103,2 milhões, tendo sido a maior parte desse valor (R$ 857,0 milhões) gasto na criação e operação de centros integrados de comando e controle, espaços especiais desenvolvidos para a integração de forças federais, estaduais e municipais. Outras ações relevantes realizadas pelas forças de segurança pública ocorreram no controle dos portões de entrada do país e na própria segurança do evento. Ações de defesa nacional foram realizadas pelas forças armadas, incluindo ações de defesa aeroespacial, marítima, fluvial e cibernética, além de ações contra o terrorismo e o uso de armas explosivas, químicas, biológicas, radiológicas e nucleares. Este conjunto consumiu R$ 694,5 milhões.
O Copa exigiu também ações para a melhoria da infraestrutura e serviços de comunicação, principalmente por meio da instalação de redes de fibra ótica. Este conjunto de ações de telecomunicação consumiu R$ 383,3 milhões. Foram ainda realizadas ações na área de infraestrutura de energia elétrica para dar suporte ao evento. Contudo, como estas já estavam previstas no plano geral para o setor, não foram contabilizadas na matriz de investimentos e despesas do evento.
As ações específicas da área de turismo incluíram qualificação de mão-de-obra, construção e reforma de centros de atendimento ao turista e implantação de sinalização turística, consumindo R$ 172,3 milhões. Além destas, houve financiamento público de R$ 1 bilhão para modernização e ampliação da rede hoteleira, valor que teve como contrapartida um investimento privado de R$ 977 milhões. Outros gastos relacionados à Copa do Mundo incluíram ações menores nas áreas de saúde, cultura e meio ambiente.
Diferentemente do ocorrido com os estádios, a Copa, provavelmente, apenas contribuiu para acelerar o processo de realização dos investimentos em mobilidade, segurança pública, defesa nacional, infraestrutura de comunicação e turismo. De certo modo, pode-se dizer que a maior parte dessas ações já se mostrava necessária, tendo na realização do mundial apenas um motivo a mais para serem implementadas, além de ganharem horizontes de prazo mais concretos para suas finalizações. Com uma postura mais crítica, pode-se inferir que a Copa foi utilizada como pretexto para justificar alguns gastos que efetivamente não tinham neste evento sua razão principal de existência. Essa prática ocorreu sobretudo em razão da farta disponibilidade de recursos para projetos que buscassem atender às necessidades do evento. Tal disponibilidade não se deveu necessariamente a uma ampliação dos recursos disponíveis em cada pasta, mas sim a um deslocamento de recursos de projetos desassociados à Copa para aqueles que demonstrassem qualquer relação com o evento. Essa distorção na alocação de recursos teve como principal motivação a valorização dos gastos feitos para receber a Copa a fim de sustentar a ideia de que um grande esforço estava sendo realizado. Esse contexto no qual as prioridades do evento se tornam prioridades de planejamento é considerado uma das “síndromes dos megaeventos”, tal como apresentado por Müller (2015). Algumas outras “síndromes” seriam a superestimação dos benefícios do evento, a subestimação dos custos de sua realização, o poder público assume os vários riscos, leis especiais são criadas só para o evento, a desigualdade na distribuição dos recursos e a realização do megaevento passa a ser a base do planejamento adotado pelo governo.
Não há uma estimativa do total de impostos arrecadados com a Copa. Sabe-se, por outro lado, que o governo brasileiro isentou a FIFA e seus parceiros do pagamento de impostos no valor de R$ 1154,6 milhões (Ministério do Esporte, 2014). As obras dos estádios também receberam isenções tributárias estimadas de pelo menos R$ 462 milhões (Sassine, 2013). A soma de todos os valores gastos, incluindo as investimentos, despesas e renúncias fiscais, alcança o montante de R$ 29.936 milhões. Esse valor foi pago principalmente com recursos do orçamento dos governos federal, estadual e municipal. Uma parcela menor do recurso foi aportada por entidades privadas, concentrada principalmente nas obras de aeroportos, hotéis e no estádio de São Paulo. Governos estaduais, municipais e entidades privadas tomaram mais de R$ 8 bilhões de empréstimos feitos por bancos públicos, como o BNDES, Banco do Nordeste e Caixa Econômica Federal.
Do total gasto, é difícil dizer exatamente quanto corresponde a despesas e quanto a investimentos. Em outras palavras, não se tem clareza de quais ações constituíram ativos que podem gerar benefícios adicionais no futuro e quais tiveram geraram benefícios exclusivamente durante o próprio evento. Obras de estádios e de mobilidade certamente devem ser consideradas como investimentos, assim como a capacitação de recursos humanos. Por outro lado, a operação de serviços específicos para o evento, como os serviços especiais de segurança pública e a montagem e desmontagem de estruturas temporárias, certamente constituem despesa. Contudo, a classificação de alguns itens é mais complexa. Por exemplo, os recursos aplicados na operação dos centros integrados de comando e controle, ainda que constituam essencialmente despesas, conservam também algum caráter de investimento na medida em que possibilitaram o desenvolvimento de operações-piloto que contribuíram para a formação de conhecimento específico da área. Em próximas oportunidades, parte dessa experiência poderá ser utilizada, reduzindo custos dessas novas etapas de operação.
Cabe destacar ainda a existência de um tipo relevante de despesa feita por agentes privados brasileiros que não se concretizou na forma de desembolsos financeiros. Trata-se do trabalho voluntário feito por mais de 6 mil pessoas na organização e suporte ao evento. Por mais que esse trabalho não gere custo financeiro direto para os brasileiros, ele implica custo de oportunidade para o tempo e esforço dos trabalhadores.
Por fim, é importante ressaltar que a Copa causou impactos adversos em outras áreas da economia. Uma vez que diversos recursos foram dedicados ao evento, os preços desses elementos no mercado subiram, freando atividades que competem por recursos. Um relatório do Instituto de Pesquisas, Estudos e Capacitação em Turismo mostrou que as vendas de serviços turísticos não relacionados à Copa por parte das agências de viagens caíram 27,1% no mês de junho de 2014 (IPETURIS, 2014). Mesmo setores sem uma relação tão direta com a Copa também sofreram quedas significativas. Enquanto a queda da produção de veículos no ano inteiro de 2014 foi de 15,3% em comparação com o ano anterior, em junho daquele a redução atingiu 33,8% em comparação com o mesmo mês de 2013 (ANFAVEA, 2015). Diversas outras atividades econômicas sofreram quedas similares no nível de atividade durante a Copa. Consequentemente, parece certo que a Copa contribuiu, juntamente com outras questões, para a redução do PIB brasileiro durante o período do evento. O PIB do país caiu 1,2% no segundo e 0,6% no terceiro trimestre de 2014 (IBGE, 2015).
Benefícios para o Brasil
Os investimentos e despesas feitas pelo governo e agentes privados brasileiros para a Copa deram origem a uma série de benefícios. Alguns dos impactos mais diretos e imediatos são as receitas oriundas da venda de bens e serviços. Destaca-se toda a gama de serviços prestados a 3,4 milhões de espectadores dos jogos nos estádios. Devem ser considerados também os espectadores que assistiram os jogos nas Fan Fests e outras exibições públicas e privadas de jogos.
Um conjunto especialmente relevante de serviços é aquele prestado aos turistas que viajaram para participar do evento em uma ou mais cidades-sede. O relatório do Ministério do Esporte (2014) aponta que mais de 3 milhões de turistas brasileiros viajaram dentro do país para participar do evento. O documento afirma, ainda, que a Copa atraiu mais de 1 milhão de turistas estrangeiros para o Brasil. Os dados do Ministério do Turismo (2015) apontam que o número de chegadas de turistas internacionais ao Brasil cresceu 96% em junho e julho de 2014 em comparação com os mesmos meses do ano anterior. Em números absolutos, o crescimento foi de 852,5 mil turistas, sendo 502,7 mil provenientes da América do Sul, 143,3 mil da Europa e 118,6 mil da América do Norte e o restante de outras partes do mundo. Os países com as maiores variações em números absolutos são apresentados no Gráfico 3. A receita internacional do Brasil com viagens cresceu 83,1% em junho e 51,2% em julho de 2014 em comparação com os mesmos meses do ano anterior (Banco Central do Brasil, 2015). Em números absolutos a diferença nesses dois meses totalizou US$ 625,5 milhões.
De acordo com dados, os turistas internacionais que vieram ao Brasil e participaram da Copa apresentaram perfil e comportamento diferenciado daqueles que usualmente vêm ao país. Uma série de diferenças pode ser percebida na comparação dos dados da pesquisa de perfil dos turistas internacional especialmente desenvolvida para a Copa (Ministério do Turismo & FIPE, 2014) com aquela desenvolvida regularmente para descrição do perfil dos turistas estrangeiros em geral (Ministério do Turismo, 2014). O tempo médio de permanência dos turistas da Copa foi de 15,7 dias, enquanto a permanência média do turista de lazer que usualmente visita o país é de apenas 12,6 dias. O gasto médio per capita diário dos turistas da Copa quase o dobro daquele feito pelos turistas de lazer usuais (US$ 134 contra US$ 69). O número de turistas viajando com pacote de turismo foi ligeiramente menor do que o de costume (8,5% contra 11,7%). A proporção de homens aumentou substancialmente no mundial (87,5% contra 60,4%). A renda média mensal dos turistas da Copa foi 44% superior (US$ 6489 contra US$ 4498).
Os dados da pesquisa realizada pela FGV Projetos (2014) mostram que dentre os turistas domésticos que viajaram para participar da Copa também predominou o sexo masculino (76,4%). Os meios de transporte mais utilizados para viajar foram avião (55,0%), automóvel particular (27,5%) e ônibus regular (14,3%). Os principais emissores foram os estados de São Paulo e Rio de Janeiro.
Para a análise dos benefícios obtidos por empresas e indivíduos brasileiros, além dos serviços prestados aos expectadores e turistas, deve-se considerar também toda a diversidade de serviços fornecidos às empresas de comunicação que cobriram o evento, aos patrocinadores, aos fornecedores, às seleções e à própria FIFA. Incluem-se aí serviços de consultoria, assessoria jurídica, transporte e logística, hospedagem, alimentação, produção gráfica e design, informação e comunicação, saúde, segurança e outros.
Dentre as receitas deve-se considerar, ainda, aquelas resultantes da venda de bens, como souvenires e produtos ligados ao futebol, às seleções e à Copa em si. Uma enorme diversidade de bens desse tipo foi comercializada antes, durante e depois do evento, incluindo tanto produtos licenciados, quanto piratas. Além destes, foram também comercializados diversos produtos para as organizações envolvidas no evento, incluindo equipamentos e insumos.
Não se deve confundir as receitas obtidas com os bens e serviços vendidos em função da Copa com benefícios para a sociedade brasileira. Além das receitas, a análise de benefícios deve levar em consideração a origem desses gastos e o uso alternativo dos recursos empregados para produzir os bens e serviços vendidos. As receitas internacionais tendem a ter efeitos mais positivos por não representarem deslocamentos de gastos de uma para outra atividade dentro do país. No entanto, mesmo no caso internacional, o uso alternativo do trabalho e capital empregado na produção deve ser considerado. O benefício direto é dado pela diferença entre a receita obtida com a Copa e a receita alternativa para o uso dos recursos empregados.
Por outro lado, a análise dos benefícios da Copa deve considerar, além dos benefícios diretos, dois outros tipos de impactos positivos. Em primeiro lugar, é preciso levar em conta os benefícios indiretos, ou seja, aqueles que decorrem do consumo intermediário das empresas que prestam serviços ou vendem produtos diretamente relacionados ao evento. É preciso considerar também os benefícios induzidos, aqueles que decorrem do gasto da renda obtida com a Copa.
Além das receitas imediatas, a Copa também é responsável pela geração de receitas de longo prazo através de mudanças na imagem do país. A enorme exposição do país e das cidades-sede na mídia internacional possibilita o fortalecimento da imagem local, contribuindo para a atração de turistas, investimentos, empreendimentos e até imigrantes. Diversos estudos apontam que o efeito da Copa sobre a imagem do país pode ser substancial (Florek et al., 2008; S. S.Kim & Morrsion, 2005; Smith, 2005; Zhang & Zhao, 2009).
De acordo com dados do Ministério do Esporte (2014), cerca de 20 mil profissionais de comunicação cobriram a Copa, sendo que 10 mil jornalistas utilizaram o centro aberto de mídia desenvolvido especialmente para o evento. O relatório do Ministério aponta também que foram veiculadas mais de 35 mil matérias sobre a Copa em todo o mundo e que o evento motivou mais de 3 bilhões de interações nas redes sociais online. Dados do Ministério do Turismo and FIPE (2014) apontam que os turistas que visitaram o Brasil durante a Copa tiveram opiniões especialmente positivas de alguns aspectos. Em comparação com as opiniões formadas pelos turistas durante as viagens realizadas fora do evento, houve um aumento expressivo na proporção de avaliações positivas nos quesitos segurança pública, transporte público e aeroportos. No entanto, as opiniões gerais sobre a viagem não variaram significativamente.
De acordo com a pesquisa sobre a imagem de países desenvolvida pela Anholt-GFK (2014), apesar da Copa, em 2014 o Brasil caiu uma posição no ranking mundial de países com melhores imagens, passando a ocupar a 21ª posição entre os 50 países estudados. Especificamente no quesito turismo, a imagem do Brasil melhorou perante os cidadãos da maioria dos países, embora tenha piorado na visão de argentinos, chineses, franceses e indianos. A posição do Brasil no ranking de países com melhores imagens turísticas em 2013 e 2014 é apresentada no Gráfico 4.
Receber a Copa em casa tinha, ainda, em princípio, um benefício associado ao aumento das chances de vencer a competição, dado que times de futebol que jogam em casa têm maior probabilidade de vitória (Courneya & Carron, 1992; Goumas, 2014; Poulter, 2009). Porém, a história mostrou que esse efeito não teve grande consequência para o sucesso da seleção brasileira de futebol.
Megaeventos esportivos como a Copa também têm efeitos positivos sobre a coesão social do país-sede (Barget & Gouguet, 2007; Crompton, 2004). De fato, esse tipo de efeito foi sentido no Brasil como consequência da organização da Copa de 2014 (Almeida, 2014; Silva & Ziviani, 2014). A Copa no Brasil também teve um efeito sobre o orgulho e outras questões subjetivas da psicologia de cidadãos brasileiros. Como citado pela presidente Dilma Rousseff em seu pronunciamento oficial realizado dois dias antes do início do evento, “para o Brasil, sediar a Copa do Mundo é motivo de satisfação, de alegria e de orgulho”.
Percepção de impactos e apoio à Copa do Mundo FIFA 2014
Um saldo positivo de impactos objetivos da Copa sobre o bem-estar do brasileiro deveria ser o objetivo das políticas públicas. Contudo, a avaliação objetiva dos custos e benefícios experimentados pelos cidadãos é extremamente complexa. Tal complexidade advém não apenas da diversidade e dificuldade de mensuração dos impactos, mas também da dificuldade metodológica de avaliar a forma como esses impactos objetivos são experimentados pelos cidadãos. Como alternativa, tem-se a avaliação subjetiva dos efeitos da Copa feita pelos próprios cidadãos. Assim, no lugar da tentativa de mensuração e análise objetiva de cada custo ou benefício, pode-se avaliar os resultados da Copa através da análise das percepções dos brasileiros. Esta perspectiva será adotada a seguir por meio da análise de dados empíricos coletados junto a residentes das doze cidades-sede do mundial de 2014.
As percepções dos custos e benefícios esperados dos megaeventos são dois dos principais determinantes do apoio ou oposição de cidadãos à realização de megaeventos em seus países (Gursoy et al., 2011; Gursoy et al., 2017). A literatura acadêmica tem oferecido sólidas evidências de que a percepção de benefícios afeta positivamente o apoio dos residentes a esses eventos (Bob & Swart, 2009; Deccio & Baloglu, 2002; Gursoy & Kendall, 2006; Zhou & Ap, 2009), ao passo que a percepção de custos tem efeito negativo sobre o apoio (Deccio & Baloglu, 2002; Pillay & Bass, 2008a). Desta forma, são estabelecidas duas hipóteses teóricas a serem testadas:
H₁: Existe uma relação positiva entre a percepção de impactos positivos e o apoio à realização de megaeventos esportivos.
H 2 : Existe uma relação negativa entre a percepção de impactos negativos e o apoio à realização de megaeventos esportivos.
A relação entre impactos positivos e negativos é delicada. De um lado, ambos os tipos de impactos parecem antagônicos. Nesta perspectiva, um evento bem organizado tenderia a apresentar amplos impactos positivos e poucos negativos, ao passo que um evento mal organizado resultaria em impactos positivos pequenos e grandes impactos negativos. Contudo, há uma perspectiva concorrente para a relação entre esses dois tipos de impactos. Nesta outra visão, a dimensão dos impactos estaria ligada o tamanho do evento, de forma que eventos pequenos teriam poucos impactos positivos e negativos, enquanto eventos grandes teriam muitos impactos dos dois tipos. As poucas evidências empíricas sobre a percepção dos residentes acerca da relação entre impactos positivos e negativos têm suportado a primeira perspectiva (Gursoy & Rutherford, 2004). Desta forma, define-se uma terceira hipótese teórica a ser testada empiricamente:
H 3 : Há uma relação direta negativa entre a percepção de impactos positivos e negativos resultantes da organização de megaeventos.
Uma vez que a decisão de sediar megaeventos esportivos é geralmente tomada por um pequeno grupo de gestores, sem amplo envolvimento da comunidade (Minnaert, 2012), a confiança dos residentes nesse conjunto de gestores provavelmente influencia o apoio popular ao evento. A confiança no governo, na verdade, é condição fundamental para o apoio a qualquer política pública (Hetherington & Globetti, 2002; Nunkoo et al., 2012; Rudolph & Evans, 2005). Assim, a quarta hipótese proposta neste trabalho é definida como:
H 4 : Há uma relação positiva entre a confiança no governo e o apoio à realização de megaeventos esportivos.
Além da relação direta com o apoio, a confiança no governo se concretiza também em uma crença subjetiva de que os gestores públicos serão capazes de fazer com que o evento resulte em um saldo positivo como resultado. Essa proposta tem sido confirmada por diferentes estudos empíricos (Nunkoo & Ramkissoon, 2011) e forma a base teórica para a proposição de mais duas hipóteses a serem testadas:
H 5 : Existe uma relação positiva entre a confiança no governo e a percepção de impactos positivos oriundos da realização de megaeventos esportivos.
H 6 : Existe uma relação negativa entre a confiança no governo e a percepção de impactos negativos oriundos da realização de megaeventos esportivos.
A discussão anterior e as hipóteses propostas são resumidas no modelo teórico apresentado na Figura 1, o qual é composto por quatro construtos: confiança no governo, percepção de impactos positivos, percepção de impactos negativos e apoio à realização da Copa do Mundo.
O modelo teórico proposto e suas hipóteses foram empiricamente testadas a partir da análise de dados coletados junto a uma amostra de residentes das doze cidades-sede da Copa. Foram realizadas ao menos 250 entrevistas pessoais em cada cidade, sendo este número maior nas cidades mais populosas. A amostra em cada cidade foi estratificada a fim de reproduzir a distribuição da população residente por sexo e idade. Foram obtidos um total de 3770 questionários válidos.
O questionário da pesquisa foi desenvolvido de acordo com os procedimentos metodológicos recomendados por Churchill (1979) e DeVellis (1991). Itens para a mensuração de cada construto foram inicialmente identificados a partir dos trabalhos de Prayag et al. (2013), Gursoy and Kendall (2006) e H. J. Kim et al. (2006). A partir dos trabalhos de Nunkoo et al. (2012), Nunkoo and Ramkissoon (2012) e Nunkoo and Smith (2013), cinco itens foram utilizados para mensurar a confiança no governo. Todos os itens dos quatro construtos foram mensurados em escalas de Likert. Dois pré-testes do questionário foram realizados com residentes das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.
As escalas de cada um dos quatro construtos presentes no modelo teórico proposto foram depuradas por meio da análise de confiabilidade baseada no índice Alpha de Cronbach (Cronbach, 1951). A partir do conjunto inicial de itens de cada tema foram excluídas aquelas que tinham como efeito a redução do Alpha. A Tabela 2 mostra as quantidades inicial e final de itens, bem como o Alpha de cada escala. Três das quatro escalas finais apresentaram Alpha superior a 0,7, valor considerado satisfatório (Hair et al., 2010). Apenas a escala de impactos negativos apresentou um Alpha ligeiramente inferior a 0,7, tendo sua composição validada definitivamente no passo seguinte do processo metodológico.
Construto | Número inicial de itens | Número final de itens | Alpha de Cronbach |
---|---|---|---|
Impactos positivos | 15 | 9 | 0,83 |
Impactos negativos | 7 | 6 | 0,69 |
Confiança no governo | 5 | 5 | 0,87 |
Apoio à Copa | 7 | 5 | 0,88 |
Fonte: elaboração própria.
As escalas depuradas foram inseridas em um modelo de mensuração baseado no modelo teórico proposto e estimado pelo método de máxima verossimilhança. Esse modelo foi avaliado inicialmente pelo teste χ2 e teve sua validade confirmada (p<0,001). Contudo, como esse teste é sensível a grandes amostras (Nunkoo et al., 2013), outros índices de ajustamento do modelo foram estimados e analisados: índice de ajuste normalizado (NFI), índice de ajuste relativa (RFI), índice de ajuste incremental (IFI), índice de Trucker e Lewis (TLI) e índice de ajuste comparativo (CFI). Todos estes índices apontaram para a validade do modelo (p>0,9). O indicador de resíduos RMSEA também foi considerado baixo (0,045).
A validade convergente do modelo de mensuração foi avaliada por meio do teste t de Student aplicado aos coeficientes de cada item de cada construto (Anderson & Gerbing, 1988). Os valores absolutos de todas as estatísticas t foram superiores a 3,3, indicando que todos os itens são significantes na estrutura de seu respectivo construto ao nível de significância de 0,001. Portanto, a validade convergente do modelo foi confirmada pelas análises empíricas realizadas.
A validade divergente do modelo foi avaliada a partir da comparação da estatística do Critério de Informação Akaike (AIC) entre o modelo completo e modelos que restringem à unidade a correlação entre cada par de construtos (Anderson & Gerbing, 1988). No caso dos pares de construtos que envolvem os impactos negativos, a correlação do modelo restrito foi igualada a -1 em razão da relação esperada ser negativa. A estatística AIC foi menor no modelo completo do que em cada um dos modelos restritos. Desta forma, a validade divergente do modelo também foi confirmada pela análise empírica.
Após as análises do modelo de mensuração, foi estimado um modelo confirmatório por equações estruturais. A estatística χ2 calculada para o modelo foi de 2353, apontando para significância ao nível de 0,001. As estimativas das relações entre os construtos do modelo são apresentadas na Tabela 5. O modelo estrutural completo, incluindo os valores do conjunto total de coeficientes estimados, é apresentado na Figura 2.
Construto de origem | Construto de destino | Coeficiente | Desvio-padrão | p-valor | |
---|---|---|---|---|---|
Não padronizado | Padronizado | ||||
Impactos positivos | Apoio à Copa | 1,01 | 0,688 | 0,034 | 0,000 |
Impactos negativos | Apoio à Copa | -0,278 | -0,117 | 0,039 | 0,000 |
Impactos positivos | Impactos negativos | -0,109 | -0,175 | 0,018 | 0,000 |
Confiança no governo | Impactos positivos | 0,574 | 0,598 | 0,021 | 0,000 |
Confiança no governo | Impactos negativos | -0,134 | -0,225 | 0,017 | 0,000 |
Confiança no governo | Apoio à Copa | 0,175 | 0,124 | 0,025 | 0,000 |
Fonte: elaboração própria.
Como esperado, uma relação direta significante foi identificada entre a percepção de impactos positivos e o apoio à realização da Copa no país (p<0,001). A relação estimada entre a percepção de impactos negativos e o apoio ao evento é negativa e também significante (p<0,001). Por fim, a relação entre a percepção de impactos positivos e negativos é inversa e significante (p<0,001). Essas evidências suportam as hipóteses H1, H2 e H3.
A confiança no governo apresenta relações significantes positivas com a percepção de impactos positivos e com o apoio à realização da Copa (p<0,001). A relação estimada entre a confiança no governo e a percepção de impactos negativos é negativa e significante (p<0,001). Essas evidências suportam as hipóteses H4, H5 e H6.
Considerações finais
Megaeventos esportivos, como a Copa do Mundo FIFA, causam grandes impactos sobre o país ou cidade-sede. Tais impactos, como demonstrado, estão relacionados à alteração da infraestrutura no destino, à imagem turística do destino, ao orgulho e apoio da população local em relação ao megaevento e, principalmente em relação ao aumento do fluxo de visitantes ao país sede do evento. Neste sentido, estudos desta natureza são importantes no campo do turismo, pois os megaeventos motivam movimentos de massas de viajantes que, não raras vezes, são maiores do que a própria capacidade que o destino tem de receber tais visitantes. Estudos sobre as condições receptivas dos destinos que hospedam megaeventos são fundamentais para o desenvolvimento correto do turismo,caso contrário os efeitos negativos poderão ser irreversíveis a curto ou médio prazos e podem se tornar catastróficos a longo prazo, vide o exemplo, já destacado, da cidade de Barcelona.
Além disso, os gastos necessários para sediar esse tipo de evento são vultosos e financiados principalmente com recursos públicos. De outro lado, os benefícios deixados por megaeventos também são potencialmente grandes. Logo, a decisão de receber eventos dessa natureza deve ser tomada com muito cuidado. Em nome do bem-estar da sociedade, a análise de custos e benefícios deve seguir uma lógica rigorosa. Contudo, além de substanciais, os impactos causados por megaeventos são também amplamente diversos e complexos. Consequentemente, é extremamente difícil mensurar objetivamente todos os efeitos desses eventos sobre a vida dos cidadãos dos países ou cidade receptoras. Uma maneira alternativa de avaliar a desejabilidade da realização de megaeventos em um país ou cidade é aquela que parte da percepção impactos e do apoio dos residentes. Partindo dos princípios da escolha pública democrática, pode-se dizer que o cidadão deve ser visto como um juiz legítimo de seu próprio bem-estar.
As evidências encontradas neste estudo claramente mostram que as percepções tanto de impactos positivos quanto negativos são determinantes significantes do apoio à realização de megaeventos. Essas evidências são consistentes com as conclusões de muitos estudos anteriores. Os residentes tendem a apoiar a realização de megaeventos enquanto acreditarem que os benefícios serão maiores do que os custos para a sociedade como um todo.
Apenas alguns estudos anteriores consideraram o papel da confiança no governo sobre o apoio à realização de megaeventos (Nunkoo & Ramkissoon, 2011; Nunkoo & Ramkissoon, 2012; Nunkoo & Smith, 2013). Em teoria, cidadãos tendem a apoiar a realização de grandes projetos públicos apenas quando confiam no governo. Assim sendo, uma das contribuições deste trabalho foi a análise dessa questão, sendo que as evidências encontradas suportam a proposição teórica feita. Tal confiança exerce não apenas um efeito direto sobre o apoio ao evento, mas também indireto por meio de sua influência sobre a percepção de impactos. Esse efeito da confiança sobre as percepções mostra também que o julgamento dos cidadãos sobre os verdadeiros efeitos da Copa sobre o país-sede não é plenamente isento e imparcial.