1. Introdução
As zonas costeiras, ambientes de interface entre continente e oceano, são áreas densamente ocupadas (Masselink & Hughes, 2003), em que com o aumento de eventos extremos (Reguero et al., 2019; Rey et al., 2021; Young & Ribal, 2019), a crescente subida do nível do mar (Losada et al., 2013) e o aumento da erosão costeira (Mentaschi et al., 2018; Payo et al., 2018) demandam um melhor conhecimento do comportamento morfodinâmico destes ambientes. Recentemente, Vousdoukas et al. (2020) verificaram que uma proporção substancial da costa arenosa do mundo está sofrendo erosão, uma situação que pode ser acentuada pelas mudanças climáticas. Eles mostraram que as tendências ambientais na dinâmica da linha de costa, combinadas com a erosão costeira impulsionada pela elevação do nível do mar, podem resultar na quase extinção de quase metade das praias arenosas do mundo até o final do século. Em contraponto a este trabalho Cooper et al. (2020) apontam que mesmo que uma praia esteja sofrendo erosão, havendo espaço para acomodação, as praias migram para a terra à medida que o nível do mar sobe e a costa recua. Eles ainda destacam que muitas praias contemporâneas foram formadas há milhares de anos e migraram para a terra durante o aumento do nível do mar pós-glacial.
Para compreender a evolução da linha de costa e seu grau de vulnerabilidade diante dos processos costeiros existem diferentes abordagens e técnicas que podem ser aplicadas. Com o crescente avanço tecnológico, que facilita tanto a obtenção e o armazenamento de imagens de satélite, quanto o processamento e análise das mesmas, inúmeros trabalhos que avaliam a mudança na posição da linha de costa, em especial com uso de imagens de satélite gratuitas (p. ex. Landsat e Copernicus Sentinel), têm sido cada vez mais publicados (Benkhattab et al., 2020; McAllister et al., 2022; Nguyen Hao & Takewaka, 2022; Spinosa et al., 2021). Além de permitir a análise pretérita do comportamento morfológico das áreas costeiras, esses resultados podem auxiliar na elaboração de modelos de previsão da linha de costa futura (Aladwani, 2022; Barik et al., 2021).
Para avaliar o grau de vulnerabilidade costeira que uma área está exposta, os principais métodos utilizados são: (1) os índices, (2) os indicadores, (3) os sistemas de informação geográfica e (4) os modelos dinâmicos computadorizados (Berger, 1997; Bevacqua et al., 2018; Noor & Abdul Maulud, 2022; Satta, 2014). Um dos métodos mais utilizados é o índice de vulnerabilidade costeira (IVC), tendo sido utilizado pioneiramente por (Gornitz et al., 1990) para avaliar a vulnerabilidade à inundação da costa leste dos Estados Unidos. Devido à facilidade de aplicação e customização das variáveis usadas na construção do índice, esse método tem sido aplicado em diferentes áreas costeiras do mundo (Hzami et al., 2021; López Royo et al., 2016; Oloyede et al., 2022; Sekovski et al., 2020; Solari et al., 2018).
Tanto a mobilidade da linha de costa ao longo do tempo, quanto a vulnerabilidade à erosão e à inundação costeira são temas interligados e de certa forma indissociados, assim torna-se importante analisar a zona costeira de maneira integral, incluindo as mudanças na posição da linha de costa na análise da vulnerabilidade costeira (Mahendra et al., 2021; Nazeer et al., 2020; Velasquez-Montoya et al., 2021; Wiles et al., 2022).
No Brasil, de acordo com o panorama mais recente sobre a erosão costeira no país, verificou-se que entre 60 e 65 % da linha de costa das regiões Norte e Nordeste encontravam-se sob erosão, enquanto que nas regiões Sul e Sudeste o percentual erosivo era ligeiramente menor, cerca de 15% (Brasil, 2018). No caso do estado do Rio de Janeiro (SE do Brasil), verificou-se uma tendência erosiva em 38% de sua linha de costa (Brasil, 2018), que devido as suas configuração natural, acaba apresentando risco natural alto e muito alto (Tessler, 2008). A dinâmica do litoral do Rio de Janeiro, em especial seu compartimento oeste-leste, que é voltado para o quadrante sul, tem sido objeto de estudos geológico-geomorfológicos nas últimas décadas (p. ex. Criado-Sudau et al., 2019; Dadalto et al., 2021; Friederichs et al., 2013; Muehe, 1971; Muehe et al., 2018; Muehe & Carvalho, 1993; Muehe & Corrêa, 1989, 1988; Nemes et al., 2019; Oliveira et al., 2008; Silva et al., 2008; Silva et al., 1973), bem como trabalhos sobre o clima de ondas na região também têm sido desenvolvidos (p. ex. Carvalho et al., 2002; Lins-de-Barros et al., 2018; Nascimento, 2013; Parente et al., 2015; Pena & Lins-de-Barros, 2015; Santos et al., 2004; Violante-Carvalho, 1998). Contudo, estes estudos acabam não analisando as formas e os processos de maneira integrada, e muitas vezes são realizados de maneira pontual, no tempo e no espaço.
Desta forma, para compreender melhor o comportamento da linha de costa e o grau de vulnerabilidade das praias arenosas do Rio de Janeiro, este trabalho analisou dois setores costeiros em conjunto com seus processos modeladores, em escalas temporais de longo (décadas) e médio (anos) prazos. A área de estudo compreende a margem oceânica da restinga da Marambaia (Figura 1A) e os arcos praiais Macumba e Recreio-Barra da Tijuca (Figura 1B). Um ponto relevante deste trabalho é o uso de um extenso banco de dados oceanográficos georreferenciados, imagens de satélite gratuitas e pontos de monitoramento in situ para acessar o comportamento dinâmico da linha de costa, a partir de metodologias que podem ser aplicadas em outras praias arenosas do mundo que tenham características similares as apresentadas neste estudo.
2. Área de estudo
Os setores costeiros onde a pesquisa foi realizada estão localizados no litoral sul do Rio de Janeiro: na restinga da Marambaia, uma ilha barreira de 40 km, e nas praias urbanas da Macumba e Recreio-Barra da Tijuca, com aproximadamente 20 km de extensão (Figura 1). Este setor do litoral do RJ é caracterizado por longos e retilíneos depósitos arenosos dispostos como barreiras duplas (Muehe & Valentini, 1998), exceto na Marambaia (Dadalto et al., 2022). Na área há dois tipos de climas atuantes: tropical sem estação seca (Af) e tropical de monção (Am) (Alvares et al., 2013), com temperaturas médias variando entre 22 e 24°C e precipitação anual entre 1300 e 1600 mm. As ondas variam de leste a sudoeste, sendo que as ondas de leste são mais frequentes (condição de tempo bom) e as de sul, mais intensas (Carvalho et al., 2020; Nascimento, 2013; Parente et al., 2015), com alturas superiores a 5 m e períodos de 16 s em alguns episódios. A zona está sob regime de micromaré, com valores variando entre 0,3 e 1,2 m (Criado-Sudau et al., 2019).
3. Materiais e Métodos
3.1 Longo prazo
O clima de ondas da região foi avaliado a partir dos dados de reanálise do modelo WaveWatch3 (WW3) para um ponto de extração próximo à área de estudo, para o período de 1986 a 2018 (detalhes em Carvalho et al., 2020). Além da análise geral dos dados, foi aplicada uma filtragem para caracterizar os eventos de tempestade, usando o método do Índice de Energia da Tempestade (SPI) (Dolan & Davis, 1992) e Energia Total das Ondas (E) (Molina et al., 2019).
Para acessar as oscilações do nível do mar (NM) na costa do Rio de Janeiro, os registros de maré da Ilha Fiscal (GOOS-Brasil, 2019), de 1986 a 2017, foram processados usando as rotinas T-Tide e T-Predict (Pawlowicz et al., 2002), nas quais o nível não astronômico foi extraído. A partir de regressão linear, foi calculada a taxa de subida do NM.
A quantificação da variação da linha de costa foi realizada a partir de 39 cenas (órbita/ponto 217/76) Landsat 5 e 8, entre os anos de 1986 e 2018. A extração da linha de costa, definida como linha seca/úmida (Boak & Turner, 2005), foi realizada por meio do Índice de Diferença Normalizada da Água (McFeeters, 1996). Usando a ferramenta DSAS (Thieler et al., 2017), no ArcMap® 10.5, o envelope da variação da linha de costa (SCE) e as taxas de regressão linear (LRR) foram calculados para 426 transectos, equi-espaçados em 150 m (detalhes em Carvalho et al., 2020).
Valores do Índice de Oscilação Sul (SOI), para detectar anos de El Niño e La Niña, entre os anos de 1986 a 2018, foram utilizados para detectar possíveis teleconexões climáticas.
3.2 Médio prazo
Informações como altura, período e direção das ondas, entre 2016 e 2018, foram extraídas dos registros das bóias oceanográficas de águas profundas (CF2) e águas rasas (RJ-3 e RJ-4) dos programas PNBOIA e SiMCosta, respectivamente.
Durante 22 campanhas amostrais, entre 2016 e 2018, em onze pontos distribuídos ao longo dos arcos praiais Macumba e Recreio-Barra da Tijuca (localização no painel B da Figura 1), foram coletadas amostras de sedimentos da face de praia, processadas em laboratório (Krumbein & Pettijohn, 1938) e tiveram seus parâmetros estatísticos calculados conforme (Folk & Ward, 1957).
O levantamento topográfico dos onze perfis praiais (localização no painel B da Figura 1) foi realizado com um par GNSS pós-processado (Hemisphere GNSS, n.d.), sendo que um equipamento foi usado como estação base e o outro como estação móvel (rover) para realizar o caminhamento ao longo do perfil (detalhes em Carvalho et al., 2021). Esses dados foram processados como programa GNSS Solutions TM. Os dados da estação base foram processados em relação à estação Observatório Nacional da Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo dos Sistemas GNSS (RBMC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e os dados da estação móvel processados em relação à estação base corrigida. Com os dados corrigidos tabulados foi possível elaborar os perfis topográficos e calcular as variações de largura praial nos pontos de monitoramento. As medições aconteceram independentes do nível da maré (baixa ou alta) e sempre foram utilizados os mesmos pontos de referência, para garantir que os perfis fossem sempre medidos no mesmo local, garantindo a comparação entre eles (detalhes nas Tabela 1 e Tabela 2).
Perfis | Longitude | Latitude |
P1 | -43,4921 | -23,0348 |
P2 | -43,4826 | -23,0325 |
P3 | -43,4726 | -23,0319 |
P4 | -43,4799 | -23,0318 |
P5 | -43,4618 | -23,0273 |
P6 | -43,4332 | -23,0196 |
P7 | -43,4043 | -23,0148 |
P8 | -43,3751 | -23,0118 |
P9 | -43,3458 | -23,011 |
P10 | -43,3168 | -23,014 |
P11 | -43,3006 | -23,0154 |
Legenda: Localização dos perfis na Figura 1B.
Data (dd/mm/aa) | Preia e Baixa-mares | Tipo |
27/07/16 | Vazante | Quadratura |
27/09/16 | Enchente / Estofa | Quadratura |
12/12/16 | Enchente / Vazante | Sizígia |
30/01/17 | Vazante / Enchente | Quadratura |
13/02/17 | Vazante / Enchente | Quadratura |
16/03/17 | Vazante / Enchente | Quadratura |
20/04/17 | Vazante | Quadratura |
18/05/17 | Vazante | Quadratura |
29/06/17 | Vazante | Quadratura |
20/07/17 | Enchente / Vazante | Quadratura |
10/08/17 | Vazante / Enchente | Quadratura |
15/08/17 | Vazante | Quadratura |
15/09/17 | Enchente / Vazante | Quadratura |
17/10/17 | Enchente / Vazante | Quadratura |
23/11/17 | Vazante | Quadratura |
04/12/17 | Vazante / Enchente | Sizígia |
08/02/18 | Vazante | Quadratura |
20/03/18 | Vazante / Enchente | Quadratura |
18/06/18 | Vazante / Estofa | Quadratura |
25/07/18 | Enchente / Vazante | Sizígia |
15/08/18 | Vazante / Enchente | Quadratura |
11/10/18 | Vazante / Enchente | Quadratura |
3.3 Índice de Vulnerabilidade Costeira (IVC)
Os níveis de vulnerabilidade foram avaliados a partir da modificação do índice proposto por Gornitz et al. (1990). Doze variáveis (apresentadas na Tabela 3) foram avaliadas ao longo de 426 transectos, distantes 150 m: seis geológicos e geomorfológicos, três oceanográficos, um ecológico e dois antrópicos. Três classes de vulnerabilidade foram atribuídas a cada variável: (1) baixa, (2) média e (3) alta (detalhes em Carvalho & Guerra, 2020). Posteriormente, para cada transecto foi calculado o IVC por meio da seguinte equação (Eq. 1; Gornitz et al., 1990):
Tipo | Variável |
Geológica-Geomorfológica | Geomorfologia |
Declividade (°) | |
Variação da largura da faixa de areia (m) | |
Altitude (m) | |
Erosão / Acreção (m/ano) | |
Tamanho médio do grão (Φ) | |
Oceanográfica | Elevação do nível do mar (mm/ano) |
Altura de onda significativa (m) | |
Amplitude da maré (m) | |
Ecológica | Vegetação |
Antrópica | Estruturas costeiras |
Densidade populacional (habitantes/km²) |
Donde cada letra (a, b, c...) representa o nível de vulnerabilidade de casa variável e o denominador indica o número de variáveis. Para finalizar, classificou-se o IVC em quatro classes (baixa a muito alta) usando os percentis como limites (Carvalho & Guerra, 2020). A construção das classes de vulnerabilidade foi projetada de forma que pudesse ser aplicada a linhas costeiras com características diferentes das da área de estudo e, por esta razão, algumas variáveis apresentam apenas um nível de vulnerabilidade. Todo o processamento foi realizado no ArcMap 10.5.
4. Resultados
4.1 Longo Prazo
Entre os anos de 1986 e 2018, a altura das ondas oscilou entre 0,4 e 5 m, sendo que as alturas entre 1 e 2 m foram as mais frequentes (~33%). O período variou entre 3 e 18 s, com valores mais frequentes entre 6 e 9 s. A direção média das ondas foi de SE, com ondas de L e S mais frequentes (Figura 2).
Após a filtragem dos dados para detecção dos eventos de tempestade, nota-se a maior frequência de ondas de SSW, com predomínio de 10 s. Há uma maior concentração dos eventos entre abril e setembro, em especial os eventos severos e extremos e nota-se o aumento no nº e na magnitude dos eventos a partir de 2006. Pelo Índice de Energia da Tempestade (SPI) foram contabilizados 419 eventos, sendo que os eventos que ocorreram durante os anos de La Niña foram mais intensos. A partir da Energia Total das Ondas (E) foram contabilizados 429. Ao longo de toda série, os meses que tiveram as maiores magnitudes acumuladas pelo SPI não foram correspondentes aos meses com os maiores acumulados calculados pelo E. Por exemplo, no ano de 2002, de acordo com o cálculo do SPI, o mês de março foi o que apresentou maior magnitude acumulada (511 m2 h), ao passo que pelo cálculo do E, o mês de maior magnitude acumulada foi junho (1455,9 kJ/m). Na Tabela 4 é possível ver os meses com maior número de eventos, bem como àquelas com maior magnitude acumulada, entre os anos de 1986 e 2018. Em contrapartida, a detecção dos meses com maior número de eventos foi similar para 85% dos casos.
Ano | SPI (m2 h) | E (kJ/m) | ||||||
N.E. | Mês | M.A. | Mês | N.E. | Mês | M.A. | Mês | |
1986 | 4 | Jul | 739 | Mai | 4 | Jul | 2859 | Jul |
1987 | 4 | Jun | 788 | Mar | 3 | Mai | 3591 | Ma |
1988 | 4 | Jul | 881 | Ago | 4 | Jul | 3522 | Ago |
1989 | 4 | Jun | 665 | Set | 4 | Jun, Set | 3568 | Set |
1990 | 3 | Set | 1003 | Abr | 3 | Abr, Ago, Set, Out | 2590 | Abr |
1991 | 3 | Out | 736 | Ago | 3 | Out | 2346 | Out |
1992 | 3 | Jul | 747 | Jun | 2 | Jul, Ago | 1969 | Jun |
1993 | 2 | Mai, Jun, Jul | 842 | Ago | 2 | Mai, Jun, Jul | 3054 | Jul |
1994 | 4 | Abr | 800 | Jul | 4 | Abr | 4239 | Abr |
1995 | 3 | Set | 681 | Ago | 5 | Mai | 2784 | Mai |
1996 | 3 | Jun | 606 | Jul | 5 | Jun | 3982 | Jun |
1997 | 3 | Mai | 824 | Mai | 3 | Abr, Mai | 4596 | Mai |
1998 | 3 | Set | 450 | Ago | 4 | Set | 1558 | Abr |
1999 | 2 | Abr, Mai, Ago | 1190 | Set | 3 | Ago | 2678 | Ago |
2000 | 3 | Jul | 438 | Mai | 2 | Mai, Jul, Ago | 1682 | Jul |
2001 | 5 | Set | 863 | Mai | 6 | Set | 2973 | Set |
2002 | 3 | Jun, Set | 511 | Mar | 3 | Jul | 1456 | Jun |
2003 | 3 | Mai | 389 | Ago | 4 | Mai | 2261 | Mai |
2004 | 3 | Mai, Jul, Ago | 653 | Nov | 3 | Mai, Jul, Ago | 3565 | Mai |
2005 | 2 | Jul, Set | 696 | Jul | 3 | Jul | 2616 | Jul |
2006 | 3 | Abr, Jun, Set | 647 | Jun | 4 | Jun, Set | 4963 | Jun |
2007 | 5 | Jul | 715 | Mai | 5 | Jul | 3800 | Jul |
2008 | 3 | Abr, Nov | 493 | Dez | 5 | Mai | 1629 | Mai |
2009 | 4 | Jun, Jul | 476 | Set | 4 | Jun | 2514 | Jul |
2010 | 4 | Jun | 1745 | Abr | 6 | Jun | 4911 | Jun |
2011 | 4 | Mai | 755 | Ago | 5 | Mai | 4287 | Mai |
2012 | 3 | Jun, Jul | 317 | Set | 3 | Jun, Jul | 1928 | Jul |
2013 | 4 | Ago | 732 | Set | 4 | Ago | 1882 | Ago |
2014 | 2 | Mai, Ago | 292 | Abr | 3 | Ago | 1439 | Ago |
2015 | 2 | Jul, Set | 260 | Jun | 2 | Ago, Set | 1406 | Set |
2016 | 3 | Jul | 513 | Jun | 4 | Jul | 2880 | Jul |
2017 | 2 | Ago, Set | 657 | Mai | 2 | Jul, Set | 2298 | Ago |
2018 | 1 | Mai | 444 | Jul | 2 | Mai | 1130 | Jul |
Legenda: SPI: índice de energia da tempestade; E: fluxo de energia da tempestade integralizado no tempo; N.E.: número de eventos; M.A.: magnitude acumulada.
Entre os anos de 1989 e 2017, o nível variou entre 1,9 e 2,6 m, assim tendo uma amplitude de 70 cm. Nos anos de 1994 e 1995, houve um aumento nos valores medianos, com posterior queda nos anos seguintes, voltando a subir a partir de 2009. Vemos que durante os anos de El Niño, o nível é afetado positivamente, enquanto que durante a La Niña, a amplitude dos valores é maior, ver Figura 3. Por meio da regressão linear, para o período de 1989 a 2016, observou-se uma taxa de subida do nível do mar a 1,93 mm/ano.
A partir do mapeamento da linha costa, foi possível verificar que entre 1986 e 2018 as maiores variações estão localizadas nos setores leste da restinga e do arco praial Recreio-Barra da Tijuca, com pontos de mais de 100 m de envelope praial. Nos outros setores, o envelope médio é de aproximadamente 60 m (Figura 4). Relativo ao recuo e avanço da linha de costa, nota-se que nos setores oeste e extremo leste da restinga predomina o recuo, com taxas médias de -0,12 m/ano, enquanto que nos arcos Macumba e Recreio-Barra da Tijuca predomina o avanço, com taxas médias de 0,20 m/ano. Em resumo, em toda a área de estudo verificou-se que 18% encontra-se em recuo, 52% estável e 30% em avanço.
Ao analisar as taxas por décadas, verifica-se que entre 1986 e 1996 os pontos de maior erosão encontravam-se nas extremidades oeste e leste da restinga da Marambaia (Figura 5a), com taxas de até −2,8 m/ano e na extremidade oeste do arco Recreio-Barra da Tijuca (Figura 6a), com taxas de até 3 m/ano. No período seguinte, entre 1997 e 2007, os pontos de maior erosão encontravam-se nas extremidades do setor oeste da Marambaia (até −2,7 m/ano; Figura 5b) e no setor leste da praia da Macumba (−1,4 m/ano; Figura 6b). Entre os anos de 2008 e 2018, verificam-se pontos de erosão ao longo de toda a linha, em especial nos setores central e leste da Marambaia (Figura 5c) e do arco Recreio-Barra da Tijuca (Figura 6c), até −4,1 m/ano.
4.2 Médio Prazo
Entre 2016 e 2018, as ondas da boia CF2 variaram entre L e SO, sendo mais frequentes as ondas de L e mais intensas as ondas do quadrante S. Nas boias de Copacabana, as ondas variaram entre SE e SO. Em ambos os registros as alturas máximas foram de ~4 m e período máximo de 17 s, em condições mais energéticas. Ao longo deste período, foram contabilizados 21 eventos de tempestade sendo que foi realizado o monitoramento no início de dois eventos (18 de maio de 2017 e 10 de agosto de 2017) e após quatro eventos (27 de setembro de 2016, 20 de julho de 2017, 15 de agosto de 2017 e 18 de junho de 2018). (Figura 7)
A partir da análise sedimentológica, verificou-se que o tamanho médio dos grãos diminui de oeste para leste, de areia grossa para areia média (Figura 8). As amostras variaram de muito bem a moderadamente selecionadas, predominantemente positivas e quase simétricas e com curtose variada (sem padrão definido tanto espacial, quanto temporalmente).
A partir dos perfis topográficos foi possível avaliar a variação da largura de cada ponto de monitoramento. Na praia da Macumba as maiores variações foram registradas no setor oeste, no P1, com largura máxima de 110 m, enquanto que nos outros perfis, as variações não ultrapassaram 60 m. Já no arco Recreio-Barra da Tijuca, as extremidades exibem grande variabilidade, variando de 50 a 125 m de largura. Também foi observada a diminuição da declividade e da altitude (não apresentado em gráfico) de oeste para leste. Destaca-se no P11, extremo leste da área de estudo, a diminuição de 45 m de largura após um evento de tempestade, que ocorreu em agosto de 2017, em que sua recuperação em relação a largura média só aconteceu após 1 ano. Neste mesmo período, no outro extremo da área de estudo, no P1, verificou-se comportamento oposto, com aumento da largura após o evento e posterior diminuição gradativa da largura ao longo de um ano. Na Tabela 5 são apresentados os valores de largura registrados em cada perfil para cada data em que houve o levantamento topográfico. (Figura 9)
Data (dd/mm/aa) | P1 | P2 | P3 | P4 | P5 | P6 | P7 | P8 | P9 | P10 | P11 |
27/07/16 | 48.6 | 38.1 | 45.1 | - | - | - | - | - | 69.7 | 60.1 | 95.7 |
27/09/16 | 45.8 | 27.5 | 40.5 | 35.5 | 60.1 | 54.3 | 34.4 | 55.3 | 72.5 | 40.9 | 99.8 |
12/12/16 | 46.5 | 42.0 | 55.0 | 30.0 | 73.0 | 50.0 | 41.2 | 54.2 | 49.6 | 45.2 | 73.4 |
30/01/17 | 78.3 | 39.3 | 54.7 | 28.3 | 72.5 | 80.8 | 52.7 | 62.0 | 76.8 | 50.2 | 111.7 |
13/02/17 | 59.7 | 31.5 | 40.6 | 28.9 | 74.0 | 84.1 | 59.5 | 74.4 | 79.4 | 59.1 | 109.2 |
16/03/17 | 74.7 | 36.2 | 52.6 | 27.0 | 75.0 | 79.3 | 61.0 | 71.7 | 77.2 | 57.7 | 109.4 |
20/04/17 | 68.6 | 42.9 | 54.1 | 33.1 | 72.6 | 69.2 | 58.1 | 55.2 | 83.0 | 62.5 | 87.8 |
18/05/17 | 59.3 | 25.3 | 34.5 | 27.7 | 59.8 | 70.3 | 43.3 | 49.5 | 65.6 | 82.8 | 103.7 |
29/06/17 | 83.9 | 42.9 | 48.4 | 27.3 | 83.0 | 81.0 | 69.6 | 73.0 | 93.6 | 76.4 | 83.4 |
20/07/17 | 70.0 | 34.7 | 46.9 | 27.6 | 74.7 | 62.8 | 42.7 | 55.1 | 71.8 | 61.6 | 67.5 |
10/08/17 | 86.0 | 40.4 | 44.7 | 33.0 | 84.7 | 102.9 | 61.4 | 77.2 | 78.4 | 74.9 | 84.3 |
15/08/17 | 79.5 | 33.7 | 49.2 | 30.1 | 66.4 | 57.0 | 46.1 | 68.9 | 89.2 | 74.2 | 51.3 |
15/09/17 | 100.2 | 25.3 | 46.7 | 39.3 | 69.4 | 54.1 | 59.2 | 72.3 | - | -88.3 | 50.7 |
17/10/17 | 109.9 | - | 47.6 | 35.9 | 85.3 | 73.9 | 59.2 | 60.3 | 46.6 | 83.6 | 46.6 |
23/11/17 | 91.7 | - | 42.1 | - | 84.8 | 60.3 | 53.6 | 63.4 | 66.6 | 62.8 | 40.9 |
04/12/17 | 101.6 | - | 55.9 | 32.6 | 120.4 | 80.1 | 53.9 | 54.6 | 69.1 | 67.2 | 62.6 |
08/02/18 | 88.1 | - | 54.2 | 29.5 | 87.0 | 67.8 | 57.0 | 72.6 | 78.1 | 90.8 | 57.3 |
20/03/18 | 77.0 | - | 54.0 | 30.0 | 93.6 | 75.4 | 57.2 | 75.6 | 78.4 | 76.3 | 65.8 |
18/06/18 | 55.7 | 37.1 | 43.1 | 27.1 | 80.6 | 63.1 | 52.4 | 67.3 | 75.1 | 72.5 | 64.1 |
25/07/18 | 53.0 | 22.6 | 53.6 | 27.7 | 79.6 | 76.9 | 29.1 | 47.3 | 59.6 | 63.6 | 72.4 |
15/08/18 | 59.6 | 31.8 | 60.5 | 37.4 | 78.8 | 81.4 | 58.2 | 61.4 | 67.6 | 83.8 | 118.5 |
11/10/18 | 88.8 | - | 44.6 | 30.3 | 90.7 | 72.5 | 48.2 | 58.5 | 84.7 | 75.7 | 78.1 |
Legenda: Localização dos perfis na Figura 1B.
4.3 Vulnerabilidade à erosão e inundação costeira
Os graus de vulnerabilidade da área de estudo são apresentados na Figura 10. Ao longo de toda área de estudo, há predomínio das classes de vulnerabilidade moderada e alta (> 60%). Na restinga da Marambaia, 9% da área encontra-se sob vulnerabilidade muito alta, 35% sob alta, 36% sob moderada e 20% sob baixa vulnerabilidade. Ao longo dos arcos Macumba e Recreio-Barra da Tijuca, há o predomínio da vulnerabilidade muito alta em 54% da linha de costa, 15% da área apresenta alta vulnerabilidade, 21%, moderada e 9% baixa. Na Tabela 6 são apresentados os parâmetros estatísticos das variáveis utilizadas neste estudo.
Fonte das imagens: A: Google Earth Pro, 09 de maio de 2017; B: Rafael Cortez, 16 de abril de 2013; C: Felipe Lucena, 25 de agosto de 2018; D: Jornal O Globo, janeiro de 2005; E: Orla Rio, 2022; F: Breylla Carvalho, 25 de julho de 2018; G: Wikimedia Commons.
Variável | Mínimo | Máximo | Média | Desvio-padrão |
Declividade (°) | 0.00 | 14.52 | 1.16 | 1.04 |
SCE (m) | 32.19 | 145.19 | 58.62 | 12.05 |
Elevação (m) | 0.28 | 2.60 | 1.29 | 1.00 |
LRR (m/ano) | -0.79 | 1.21 | 0.07 | 0.29 |
Tamanho médio do sedimento (Φ) | 0.05 | 3.19 | 1.42 | 0.43 |
SLR (mm/ano) | - | - | 2.38 | - |
Hs (m) | 1.43 | 1.53 | 1.53 | 0.01 |
Amplitude da maré (m) | - | - | 0.5 | - |
Densidade populacional (hab/km²) | 0 | 23447.00 | 1155.70 | 1915.85 |
Legenda: SCE: envelope da mudança da linha de costa; LRR: taxa de erosão/acreção; SLR: taxa de elevação do nível do mar; Hs: altura significativa da onda.
5. Discussão
No que diz respeito a análise dos dados de longo prazo, a influência da La Niña (fase positiva do SOI) se mostrou importante para o aumento na intensidade das condições meteo-oceanográficas e consequente agravamento da erosão costeira. Tal característica já foi observada em outras praias do hemisfério sul, pioneiramente por Short et al. (2000) na praia de Narrabeen na Austrália, por Barnard et. al (2015) em praias australianas e neo-zelandezas, por Dutra et al. (2014) nas praias de Salvador e por Gutiérrez et al. (2016) e Orlando et al. (2019) nas praias uruguaias. Além disto, as taxas calculadas para as oscilações do nível do mar são condizentes com valores calculados para outros pontos da América Latina, como em Salvador e Mar del Plata, em que a taxa média é de 2 mm/ano.
Relativo aos dados de médio prazo, o registro das boias mostrou que as ondas mais energéticas foram observadas entre abril e outubro associadas ao quadrante S, assim como o que foi observado nos dados de longo prazo. Relativo à topografia, nota-se a tendência de acreção ou estabilidade da largura e do volume de novembro a março e de erosão entre abril e outubro, apontando para uma possível resiliência destes perfis em uma escala de médio prazo. A gradação lateral dos sedimentos parece indicar a direção predominante do transporte longitudinal para leste, tendo sido reportada para o arco Recreio-Barra por Coutinho (2007) e para outros setores do litoral fluminense voltados para o sul, como nas restingas da Marambaia e Massambaba (Borges, 1990; Muehe & Carvalho, 1993; Muehe & Corrêa, 1989).
Todo este mapeamento oceanográfico e geológico-geomorfológico da área de estudo, em escalas temporais distintas, permitiu detectar as vulnerabilidades e compreender quais características e processos são responsáveis por esta configuração. Na Marambaia, o alto grau de vulnerabilidade está associado aos seus aspectos físicos, geológicos e ecológicos (Tessler, 2008). No setor oeste, onde há áreas de vulnerabilidade muito alta, verificam-se pequenas lagoas próximas à linha de costa e o início de um setor mapeado como de transposição/canais de drenagem por Dadalto et al. (2022). No setor central, o rebaixamento topográfico e o estreitamento da restinga culminam em alta vulnerabilidade, expressas pelo recuo da linha de costa e na propensão a ruptura diante de cenários de elevação do nível do mar. Na extremidade leste, a alta variabilidade da linha de costa influenciada pela dinâmica dos canais de maré, torna a área suscetível à erosão.
A praia da Macumba apresenta setores erosivos em sua área central, que aliada a implementação de estruturas urbanas que não levaram em consideração a dinâmica costeira, tem sido frequente eventos erosivos, com prejuízos da ordem de milhões de reais e evidentemente exibindo uma vulnerabilidade muito alta (Lins-de-Barros et al., 2019).
Ao longo do arco Recreio-Barra da Tijuca há a gradação de oeste para leste da vulnerabilidade, de moderada a muito alta. A vulnerabilidade moderada se deve em parte a setores da linha de costa com baixa ocupação urbana, por conta da faixa de areia em frente à lagoa de Marapendi fazer parte de uma Área de Preservação Ambiental. Do centro para leste, há o aumento das intervenções urbanísticas e, consequentemente, o aumento da vulnerabilidade. Em especial neste setor, a concentração populacional aumentou muito desde a década de 1970, devido à especulação imobiliária na região e ao aumento da mancha urbana da cidade do Rio de Janeiro (Lins-de-Barros et al., 2019).
Analisando os padrões encontrados neste trabalho com trabalhos realizados em outras praias do mundo, percebe-se um aumento nas taxas erosivas e consequente exposição à riscos costeiros, deixando-as mais vulneráveis. Nos últimos anos analisados (2008 a 2018) nota-se o aumento nas taxas erosivas entre os setores central e leste (máximo de −4,1 m/ano), coincidindo com um leve aumento nas taxas de elevação do nível do mar, culminando no maior grau a de vulnerabilidade à erosão e inundação costeira. Tendências similares são observadas em outras praias do mundo, sendo, em geral, agravadas pela influência antrópica. No Kuwait, foram registradas taxas erosivas de 9,73 m/ano e de acreção de 10,88 m/ano, sendo que os processos erosivos ocorreram em áreas que passaram por mudanças em sua morfologia (engordamento de praia) (Aladwani, 2022). Na costa de Tetouan, no Marrocos, a área que se encontra sob erosão é resultados de efeitos cumulativos de processos naturais e atividades antropogênicas (Benkhattab et al., 2020). Um outro exemplo de costa com tendência erosiva é Nam Dinh, no Vietnã, que apresenta taxas altas (20 m/ano) que se iniciaram no final do século 18 e são resultado dos efeitos combinados de diminuição da carga sedimentar fluvial e de processos de subsidência/elevação do nível do mar (Nguyen Hao & Takewaka, 2022).
6. Conclusões
O mapeamento de diferentes parâmetros oceanográficos e geológico-geomorfológicos em diferentes escalas temporais leva a uma melhor compreensão da dinâmica e dos processos costeiros a que as praias arenosas estão expostas. Neste trabalho, observou-se que cada setor analisado mostrou um comportamento diferente na variabilidade da linha costeira. As teleconexões climáticas interanuais influenciaram as condições meteo-oceanográficas e consequentemente a resposta da linha de costa, onde os anos de La Niña são os mais energéticos com erosão mais intensa. Além disto, nos últimos 18 anos houve o aumento na frequência e magnitude dos eventos de tempestade e elevação do nível do mar, ocasionando a erosão das praias da área de estudo. Com os dados de médio prazo, pode-se deduzir que a resultante do transporte sedimentar seja para leste e que há a recuperação dos perfis praiais erodidos durante eventos de tempestade. Por fim, a vulnerabilidade ambiental na restinga da Marambaia é influenciada pelos aspectos naturais, enquanto que na Macumba e Recreio-Barra há uma clara influência antrópica. Todos os resultados encontrados neste trabalho vão na mesma direção de outros trabalhos realizados em outras praias arenosas do mundo, mostrando a relevância dos métodos utilizados, bem como a importância de se entender os padrões costeiros, já que as áreas sob erosão vêm aumentando ao longo do tempo.
Agradecimientos
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001, como Bolsa de Doutorado (DS) e pelo Programa de Intercâmbio de Doutorado PDSE [processo #88881.132411/206-01, número 19/2016] para a primeira autora. Agradecemos também à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) pelo apoio financeiro para a realização das pesquisas e trabalhos de laboratório. A todos os estudantes da FAOC/UERJ e IGEO/UFRJ que ajudaram nos trabalhos de campo de 2016 a 2018. E agradecimentos especiais para Leonardo Klumb de Oliveira (UFRB) por compartilhar os registros de onda do modelo WW3, e para Mauro Cirano e Fernando Dix, do programa SiMCosta que gentilmente forneceram os registros das bóias de Copacabana. Gostaríamos de agradecer ao revisor por suas sugestões que ajudaram a melhorar substancialmente este manuscrito.