Introdução
O Brasil ocupa a segunda e oitava colocação na produção de celulose e papel no ranking mundial, sendo que em 2018 produziu 21,1 milhões de toneladas de celulose e 10,4 milhões de toneladas de papel (Ibá, 2019). Do total produzido, aproximadamente 86% são do segmento de fibra curta, 11% do segmento de fibra longa e 3% de pastas de alto rendimento.
O setor florestal brasileiro contribui de forma expressiva para a economia do país, o qual gerou um produto interno bruto setorial (PIB) de BRL 86,6 bilhões em 2018, um acréscimo de 13,1% em relação ao ano anterior (Ibá, 2019). A última estimativa indica que o país conta com 7,8 milhões de hectares de florestas plantadas, os quais são responsáveis por fornecer mais de 90% da madeira destinada aos diversos segmentos florestais (Ibá, 2018; Ibá, 2019). Na região Sul do país o gênero que mais se destaca é o Pinus, especialmente no Paraná e Santa Catarina. A área plantada do gênero ultrapassa os 1,5 milhão de hectares, com destaque para duas espécies, o Pinus taeda e o Pinus elliottii, que se justifica por seus inúmeros usos, podendo ser destinadas a diversos fins, como para indústria laminadora, indústria de serrados, celulose e papel, painéis de madeira, resinagem, entre outros. A produtividade florestal do P. taeda, que é a espécie mais plantada, varia entre 25 m³/ha/ano e 44 m³/ha/ano (Abraf, 2013; Acr, 2016), já para o Pinus glabra, chega a 31 m³/ha/ano (Dobner Jr., Nicoletti, Novack Jr. e Nunes, 2019).
As diversas espécies de Pinus estão presentes no Brasil há mais de um século, as quais foram trazidas, em sua maioria, para fins ornamentais e para produção de madeira por imigrantes europeus. O primeiro contato, que se tem registro, do gênero Pinus com o solo brasileiro se deu pelo Rio Grande do Sul (Shimizu, 2008). Desde então, a utilização do gênero Pinus na indústria madeireira brasileira tem grande representatividade, se mostrando fundamental para o fornecimento de matéria prima, com destaque para as regiões Sul e Sudeste (Remade, 2009). Entretanto, mesmo com a presença de diversas espécies de Pinus, o setor de polpa celulósica e papel está embasado em apenas duas, como já citado, mas existem muitas que merecem atenção, e que podem vir a fornecer madeira de qualidade para determinados usos. Entre estas encontrase o Pinus glabra, objeto do presente estudo, que não conta com muitas informações sobre a qualidade de sua madeira.
Para Rezende, Saglietti e Guerrini (1995) e Trianoski, Matos, Iwakiri e Prata (2013), os estudos das propriedades da madeira são essenciais, pois oferecem importantes informações sobre o seu possível uso industrial. Mesmo que com relativa importância, o tema é pouco abordado na literatura, com escassez de trabalhos que apresentem as propriedades da madeira para determinadas espécies, como o P. glabra. Nesse sentido o conhecimento das características anatômicas, físicas e químicas da madeira desta espécie é essencial, podendo através destas inferir sua qualidade e seu potencial tecnológico, visando inserila no mesmo rol de usos de espécies de coníferas tradicionais, ampliando as opções da indústria madeireira.
Objetivos
O objetivo do estudo foi avaliar as características físicas, químicas e anatômicas da madeira de P. glabra, visando sua utilização na produção de polpa celulósica e papel, comparandoa com o P. taeda, que atualmente é a espécie de conífera de maior uso no segmento de fibra longa brasileiro.
Materiais e métodos
Título de segundo orden
A madeira de P. glabra foi coletada no município de Campo Belo do Sul, SC, em uma fazenda pertencente a empresa Florestal Gateados Ltda., localizada nas coordenadas geográficas 27° 54' 01.25" S e 50° 44' 38.03" O. Foram utilizadas quatro árvores provenientes de um povoamento que foi implantado em 1990 (26 anos no momento da coleta), com espaçamento de 2,5 m × 2,5 m, não havendo registros sobre o histórico de manejo na área. Os parâmetros dendrométricos médios das árvores coletadas foram: 26,23 cm de DAP (diâmetro a altura do peito), 27,68 metros de altura total, e 14,58 metros de altura comercial.
De cada árvore retiraramse 2 discos com 3 cm de espessura nas seguintes posições: 0% (base), DAP, 25%, 50%, 75% e 100% da altura comercial (considerada na posição de inserção do 1º galho vivo). Os discos retirados na posição do DAP foram utilizados para determinação da composição química, um dos discos da base foi utilizado para anatomia dos traqueídeos, já os demais para determinação da densidade básica média e ponderada. Após a coleta o material foi transportado para o Laboratório de Recursos Florestais, da Universidade Federal de Santa Catarina, para condução das demais etapas do estudo.
Características anatômicas - morfologia dos traqueídeos
Para avaliar a morfologia dos traqueídeos foram utilizados os discos retirados da base, a qual continha todo o histórico de crescimento das árvores. De cada disco foram retiradas amostras (pequenos fragmentos ou palitos) no sentido radial (medula-casca), nas seguintes posições: 0% (próximo a medula), 25%, 50%, 75% e 100% (próximo a casca), visando a maceração das mesmas. O processo de maceração foi conduzido em tubos de ensaio contendo ácido acético, ácido nítrico e água, na proporção 5:2:1, mantidos em banho maria (100 ºC) por um período de 1 hora para que os elementos se individualizem. Na sequência o material macerado foi lavado com água destilada para remover as substâncias utilizadas no processo. A partir do macerado montaramse lâminas com adição de 1 gota de safranina, 1 gota de glicerina e 1 gota de água, das quais foram obtidas imagens em microscópio e lupa Leica, dotados de uma câmera digital acoplada, e software específico para aquisição destas em computador.
Para o comprimento dos traqueídeos utilizouse o aumento de 40x no microscópio para as posições 0% e 50%, e aumento 6,3x na lupa para as posições 75% e 100%, em função do aumento do comprimento dos elementos. Já para a largura e diâmetro do lúmen utilizouse o aumento de 400x no microscópio para todas as posições medulacasca. Após, por meio de software específico foram mensurados 30 traqueídeos para cada posição, totalizando 150 elementos por árvore, dos seguintes parâmetros: comprimento, largura e diâmetro do lúmen. A partir destes calcularamse as seguintes relações para cada elemento, conforme as Equações abaixo:
Onde:
E = espessura da parede celular (µm)
L = largura do traqueídeo (µm)
DL = diâmetro do lúmen (µm)
C = comprimento do traqueídeo (mm)
FP = fração parede (%)
CF = coeficiente de flexibilidade (%)
IE = índice de enfeltramento
IR = índice de Runkel
Característica física - densidade básica
Para determinação da densidade básica utilizouse os discos retirados nas posições de 0%, 25%, 50%, 75% e 100% da altura comercial, dos quais foram confeccionadas duas cunhas simetricamente opostas, que foram mantidas em água até a completa saturação. Em seguida determinouse o volume verde de cada uma das cunhas, através do método de imersão, segundo a norma NBR 11941, da Associação Brasileira de Normas Técnicas [ABNT] (2003). Após a obtenção do volume verde as cunhas foram submetidas a secagem a temperatura de 103 °C ± 2 °C, em estufa com circulação forçada de ar. Após este período obtevese a massa seca de cada cunha.
A partir dos valores de massa e volume calculouse a densidade básica para cada cunha (Equação 6). Após a obtenção dos valores de densidade para cada posição (através da média das duas cunhas), calculouse a densidade básica ponderada, utilizando os diâmetros dos discos nas diferentes alturas e sua respectiva densidade básica, conforme a equação 7.
Onde:
Db = densidade básica (g/cm3)
Ps = peso seco (g)
Vv = volume verde (cm³)
Dbp = densidade básica ponderada (g/cm3)
DB(base), D(25%), D(50%), D(75%) e D(100%) = diâmetros dos discos em diferentes alturas (cm)
dB(base), d(25%), d(50%), d(75%) e d(100%) = densidades básicas em diferentes alturas (g/cm3)
Características químicas
Para determinação da composição química utilizouse os discos do DAP, os quais foram transformados em cavacos e misturados para formar uma amostra composta das quatro árvores. Após esta etapa os cavacos foram transformados em serragem em moinho do tipo Willey, a qual foi classificada em peneiras vibratórias, selecionandose a fração que ficou retida entre 40 e 60 mesh.
Determinaramse os seguintes parâmetros, em triplicata: teores de cinzas, extrativos totais, lignina Klason e holocelulose, seguindo as normas estabelecidas pela Technical Association of the Pulp and Paper Industry [TAPPI], com exceção do teor de holocelulose. Todas as etapas da caracterização química da madeira foram conduzidas no Laboratório de Química da Madeira, da Universidade Federal de Santa Maria, localizado em Santa Maria, RS.O teor de cinzas foi determinado seguindo as recomendações da norma TAPPI (T 211 om-02), calculado com base na equação 8.
Onde:
TC = teor de cinzas (%)
PC = peso de cinzas (g)
P = peso da amostra absolutamente seca (g)
O teor de extrativos totais foi obtido seguindo a norma TAPPI (T 264 cm-97 adaptada pelo laboratório de Química da Madeira, UFSM). Foram pesadas 2 g de amostra completamente seca em uma balança analítica, e então transferidos para cartuchos de extração, levadas em seguida a um extrator de Soxhlet, onde foram mantidos por um período de aproximadamente 7 h (a partir do primeiro refluxo) onde foi extraído em uma solução de 170 mL de álcool etílico e tolueno na proporção 1:2. Em sequência, extraiuse somente em álcool etílico 95% por mais 5 h (a partir do primeiro refluxo). As amostras foram lavadas e filtradas em bomba de vácuo com 300 mL de água deionizada quente, após a extração. Em seguida foram transferidas para béqueres e adicionado 400 mL de água deionizada, e levados a banhomaria à 100 °C por 1 h. Após este período as amostras foram novamente lavadas e filtradas em bomba de vácuo com 100 mL de água deionizada quente.
Os materiais livres de extrativos ficaram 24 h secando ao ar, e após este período foram transferidos para béquers, já devidamente esterilizados e pesados, e levados a estufa onde ficaram mantidos por 24 h a temperatura de 105 ºC. Após o tempo estabelecido, os materiais foram retirados e levados a um dessecador para suo resfriamento, e posteriormente pesados. Para determinação do teor de extrativos totais utilizouse a equação 9.
Onde:
TE = teor de extrativos totais (%)
P1 = peso inicial da amostra (g)
P2 = peso da amostra livre de extrativos, seca em estufa (g)
A análise de lignina Klason foi realizada seguindo a metodologia TAPPI (T 222 om-02), a partir das amostras livres de extrativos. Para determinação do teor de lignina utilizouse a equação 10. A equação 10 considera o teor de extrativos inserido no teor de lignina residual. Portanto, fezse necessário a correção do cálculo a fim para que fosse possível obterse o valor real da porcentagem de lignina na amostra, através da equação 11.
Onde:
TL = teor de lignina (%)
P1 = peso do resíduo (g)
P2 = peso inicial da amostra seca livre de extrativos (g)
%Lcor = teor de lignina corrigida (%)
P1 = peso do resíduo (g)
P2 = peso inicial da amostra seca livre de extrativos (g)
TE% = teor de extrativo da amostra (%)
O teor de holocelulose (celulose+hemiceluloses) foi determinado a partir da diferença do total de 100% dos componentes da madeira, descontandose os componentes quantificados anteriormente, conforme a equação 12.
Onde:
TC = teor de cinzas (%)
TE = teor de extrativos totais (%)
TL = teor de lignina (%)
Análise estatística
A composição química compreendeu apenas uma análise descritiva, assim não foi aplicada análise estatística. Já para densidade e morfologia dos traqueídeos aplicouse a análise de variância (ANOVA) e quando significativo aplicouse o teste Tukey, ao nível de 5% de probabilidade, nos valores axiais (densidade) ou sentido medula-casca (morfologia) da madeira.
Resultados
Características anatômicas - morfologia dos traqueídeos
Quando se analisa a morfologia dos traqueídeos (Fig.1) notase que as dimensões diferiram significativamente no sentido medula-casca, com exceção do diâmetro do lúmen, com valores menores próximos a medula, e maiores próximos a casca. As médias encontradas para os parâmetros de comprimento, largura, diâmetro do lúmen e espessura da parede celular dos traqueídeos foram de 3,14 mm, 27,18 µm, 15,39 µm e 5,89 µm, respectivamente.
Analisando o comportamento do comprimento dos traqueídeos (Fig. 1A), há tendência de estabilização da posição 75% para a 100%, indicando a transição de madeira juvenil para adulta. Em média a posição de 75% representava 14 anos (com base na contagem dos anéis de crescimento). Desta forma podese dizer que a partir de 14 anos iniciase a formação de madeira adulta, que microscopicamente é representada pela estabilização do comprimento dos traqueídeos.
Para a largura dos traqueídeos a posição 0% (próxima a medula) difere estatisticamente das demais (com exceção da posição de 100%), aumentando nas demais posições. Em relação a espessura da parede celular, observa-se diferença significativa da posição 0% para as demais, com elevação do valor quanto mais próximo a casca.
Na figura 2 estão representados os valores médios encontrados para os índices de Runkel, enfeltramento, coeficiente de flexibilidade e fração de parede dos traqueídeos da madeira de P. glabra. As médias encontradas para os parâmetros de fração parede, coeficiente de flexibilidade, índice de Runkel e índice de enfeltramento, foram de 44,72%, 55,28%, 0,90 e 120,72, respectivamente.
É possível observar que todos os parâmetros apresentaram diferença estatística significativa quando analisado radialmente.
A fração parede (Fig. 2A) aumentou em direção a casca, o que está relacionado a maior espessura da parede celular (Fig. 1D) nesta porção. Isto se justifica pela presença de madeira adulta a partir de 75% do raio, que se caracteriza pelo crescimento mais lento e maior proporção de lenho tardio, que apresenta parede celular mais espessa. O coeficiente de flexibilidade (Fig. 2B) representa o comportamento contrário da fração parede, sendo que quanto mais espesso é o traqueídeo (com maior fração parede) menos flexível ele será, dificultando o processo de fabricação do papel. Assim o coeficiente de flexibilidade reduz no sentido medula-casca, pois a fração parede aumenta, assim estes sempre terão comportamento inverso.
O índice de Runkel, que avalia o grau de colapso dos traqueídeos e sua possível aptidão para fabricação de papel, sugere que a madeira de P. glabra se enquadra no grupo III (0,50 a 1,00), indicando que seus traqueídeos são bons para produção de papel, segundo a classificação de Runkel (1952). Analisando seu comportamento radial, há tendência de aumento quanto mais se aproxima da casca. Se levar como base a classificação proposta por Runkel, quanto menor o valor deste, melhor a qualidade para produção de papel.
Já o índice de enfeltramento, que nada mais é que a relação entre o comprimento e a largura dos traqueídeos, aponta que quanto maior for o índice maior será a flexibilidade dos mesmos. Como o comprimento dos traqueídeos aumentou significativamente em direção a casca, e que largura se manteve mais constante, há uma elevação do valor de enfeltramento próximo a casca, indicando melhor qualidade, especialmente para produção de papéis de embalagem.
Como cada indicador avalia determinada característica, devese analisar de forma criteriosa os aspectos relacionados a qualidade dos traqueídeos para produção de papel. De forma geral desejase elementos mais compridos (especialmente se tratando de matéria prima para o segmento de “fibra longa”, destinados a papéis de embalagem), com parede celular/fração parede intermediária (não deve ser muito fina, nem muito espessa), e com boa flexibilidade, para que proporcione o colapso e união entre os elementos.
Característica física - densidade básica
Na figura 3 é possível observar a variação da densidade básica da madeira de P. glabra no sentido longitudinal base-topo, bem como o valor médio e ponderado. A densidade básica média para a espécie foi de 0,421 g/cm3, já a ponderação da densidade em função da altura e diâmetros dos discos correspondeu a 0,424 g/cm3, não diferindo assim da média. De acordo com a classificação proposta por Durlo (1991), a madeira de P. glabra pode ser considerada de baixa densidade, pois situase dentro da faixa de 0,31 g/cm3 a 0,50 g/cm3.
Características químicas
Os valores referentes a caracterização química da madeira de P. glabra podem ser observados na figura 4.
Os teores de extrativos (1,91%) e cinzas (0,25%) podem ser considerados baixos, já o teor de lignina (29,93%) e de holocelulose (67,91%) estão condizentes com o esperado para madeira de coníferas.
Discussão
Características anatômicas - morfologia dos traqueídeos
Foelkel, Ferreira, Nehring e Rolim (1975) mencionam que tanto para coníferas como para folhosas, os elementos fibrosos tendem a ser maiores mais próximos a casca, comparado aos próximos a medula.Notase na figura 1 (B e C) que as médias encontradas para largura e diâmetro do lúmen são menores próximos a casca (100%), apresentando assim comportamento inverso ao comprimento e espessura da parede dos traqueídeos. Andrade (2006) também encontrou essa característica em seus estudos, e explica que estes fatos podem ocorrer em função da maior porcentagem de lenho tardio encontrado a medida que a árvore se desenvolve. Klock (2000) relata em seu estudo que o lenho tardio se caracteriza por apresentar maiores comprimentos e menores diâmetros em relação ao lenho inicial.
Na tabela 1 é possível observar os resultados da caracterização morfológica dos traqueídeos da madeira de P. glabra, bem como a comparação com a madeira de P. taeda, espécie de fibra longa mais utilizada no Brasil.
Espécie | Idade (anos) | Comprimento (mm) | Largura (µm) | Diâmetro do lúmen (µm) | Espessura da parede (µm) |
Pinus glabra a | 26 | 3,14 | 27,18 | 15,39 | 5,89 |
Pinus taeda b | 21 | 3,50 | 40,55 | 27,71 | 6,41 |
Pinus taeda c | 20 | 2,78 | 36,60 | - | - |
Pinus taeda d | 17 | 3,32 | 40,42 | 27,09 | 6,67 |
aPresente estudo; bVivian et al. (2015); cAndrade (2006); dBortoletto Junior (1999).
Comparando os resultados obtidos para o P. glabra ao estudo desenvolvido por Vivian et al. (2015), para espécie de P. taeda, notase que todas as dimensões encontradas para espécie de P. glabra foram inferiores ao citado pelos autores. Já quando comparada ao estudo realizado por Andrade (2006) é possível perceber que a média do comprimento dos traqueídeos do P. glabra foi superior, enquanto que a largura se apresentou inferior, as demais medições não foram apresentadas no estudo do autor. Já Nigoski (2005) encontrou dimensões maiores para o P. taeda, em comparação ao P. glabra.
A fração parede média encontrada para a madeira de P. glabra (44,72%) foi superior aos valores observados por Ampessan (2015) para espécie de P. taeda aos 19 anos (35,12%), bem como por Vivian et al. (2015) também para espécie de P. taeda com 21 anos (32%). Nigoski (2005) ressalta que os valores de fração parede devem ser de até 40%, visando produção de celulose de qualidade e papel de embalagem. A média encontrada para o P. glabra foi superior ao citado, porém analisando o comportamento radial, abaixo de 75% o valor se enquadra na faixa mencionada, assim a madeira mais jovem teria mais aptidão (analisando apenas o parâmetro de fração parede) para produção de papel.
O coeficiente de flexibilidade é a relação entre o diâmetro do lúmen e a largura da fibra/traqueídeo, sendo que quanto maior seu valor, maior a possibilidade de ligação entre os elementos, o que aumenta a resistência a tração e ao estouro do papel (Ampessan, 2015). O coeficiente de flexibilidade encontrado neste estudo (55,28%) foi inferior ao citado por Ampessan (2015) (64,88%) para P. taeda, 19 anos, e foi também inferior ao obtido por Vivian et al. (2015) (68%) para P. taeda com 21 anos.
Para o índice de Runkel obtevese média igual a 0,90, o que sugere que a madeira de P. glabra é boa para produção de papel. Este índice avalia o grau de colapso dos traqueídeos, onde quanto mais baixo for o índice, maior será o grau de colapso e melhor será a superfície de contato, resultando em maior resistência ao rasgo e estouro do papel (Ampessan, 2015). O índice encontrado é superior aos valores citados por Ampessan (2015) e Vivian et al. (2015), que observaram para o P. taeda, índice de Runkel igual a 0,63 (19 anos) e 0,46 (21 anos), respectivamente.
Já o índice de enfeltramento, que nada mais é que a relação entre o comprimento e a largura das fibras, aponta que quanto maior for o índice maior será a flexibilidade das fibras/traqueídeos (Nigoski, 2005). A média encontrada no presente estudo foi de 120,72, valor este superior ao encontrado por Nigoski (2005), para espécie de P. taeda, 17 anos, que foi de 82,23, e também ao encontrado por Vivian et al., (2015), que foi de 86,0 aos 21 anos, e próximo ao encontrado por Ampessan (2015), que encontrou média igual a 108,97, aos 19 anos. O valor encontrado no presente estudo é considerado alto, sendo superior ao mínimo exigido para o índice que é igual a 50, e próximo ao esperado para coníferas que é de 100. Apresentando assim boa qualidade e resistência para produção de papel (Nigoski, 2005).
Característica física - densidade básica
Épossível notar que a densidade decresce no sentido base-topo, o que de acordo com Siqueira (2004) relacionase a fatores como presença de lenho de compressão e também o maior crescimento de lenho adulto na base e menor a medida que a árvore vai ficando mais alta, característica normal desse gênero.
A espécie demonstra densidade básica inferior a encontrada por Trianoski et al. (2013) para a espécie de P. taeda, com 17 anos (0,485 g/cm3), e por Vivian et al. (2015) aos 21 anos (0,435 g/cm3).
De acordo com Silva et al. (2001) é interessante que a madeira apresente densidade básica dentro da faixa que varia de 0,400 g/cm3 a 0,550 g/cm3, na qual o P. glabra se situa. Os mesmos autores ainda mencionam que densidades baixas podem levar a redução do rendimento em polpa e da produtividade industrial, já densidades elevadas dificultam a picagem das toras, causando o desgaste acentuado das facas do picador. Além disso, madeiras de alta densidade apresentam maior dificuldade de impregnação com o licor de cozimento, causando problemas no cozimento e elevação do teor de rejeitos.
Segura (2015) estudando madeiras de alta densidade relata que estas são mais difíceis de picar e de impregnar, podendo elevar o consumo de álcali e o teor de rejeitos, reduzindo o rendimento depurado do processo de polpação. Conforme Camargo, Silva e Costa (2015), as madeiras de coníferas (no qual se enquadra o P. glabra), por apresentarem densidades mais baixas, possibilitam maior impregnação do álcali, o que facilita o processo de polpação.
Características químicas
A tabela 2 referese à comparação entre as médias da composição química entre o P. glabra e o P. taeda.
Espécie |
Idade
(anos) |
Cinzas
(%) |
Extrativos
(%) |
Lignina
(%) |
Holocelulose
(%) |
Pinus glabra a | 26 | 0,25 | 1,91 | 29,93 | 67,91 |
Pinus taeda b | 21 | - | 2,83 | 26,71 | 70,46 |
Pinus taeda c | 20 | 0,23 | 2,40 | 26,55 | 72,73 |
Pinus taeda d | 23 | - | 3,30 | 27,10 | 69,60 |
aPresente estudo; bVivian et al. (2015); cAndrade (2006); dBortoletto Junior (1999).
O teor de cinzas (0,25%) encontrado para a espécie P. glabra foi semelhante ao observado por Andrade (2006) para P. taeda (0,23%), dentro da faixa esperada para espécies coníferas que pode variar de 0,10% a 1% (Balloni, 2009).
Já o teor de extrativos encontrado para a espécie de P. glabra foi de 1,91%, valor este abaixo do encontrado em literatura, onde para coníferas o mesmo encontrase geralmente entre 2% e 10%, os quais podem interferir diretamente na qualidade da madeira (Bortoletto Junior, 1999). Este baixo teor de extrativos da madeira de P. glabra é interessante para a produção de polpa celulósica, pois de acordo com Barbosa, Maltha e Cruz (2005) altos teores são indesejáveis no processo de polpação, pois podem ocasionar “pitch”, que é definido como incrustações nos equipamentos industriais, além de se depositar na polpa, resultando na redução da produção da fábrica em função das paradas mais frequentes para manutenção dos equipamentos.
O teor de lignina observado no estudo (29,93%) está dentro do valor esperado para coníferas (28% a 30%) de acordo com Klock, Muñiz, Hernandez e Andrade (2005), porém acima dos valores citados por Vivian et al. (2015) e Andrade (2006) para o P. taeda, de 26,71% e 26,55%, respectivamente. Balloni (2009) menciona que é importante conhecer as propriedades químicas para determinação do uso da madeira, onde o teor de lignina do Pinus é consideravelmente alto, e sua madeira não é indicada para a celulose branqueada. O mesmo autor ainda justifica que o alto teor de lignina explica o elevado poder calorífico do gênero. Para Coelho (2017), a porcentagem de lignina presente na composição química da madeira é consequência de fatores como origem, condições de plantio, entre outros fatores.
De acordo com Segura (2012), além dos extrativos, o alto teor de lignina também é considerado indesejável no processo de polpação, pois afeta negativamente o rendimento em celulose e o consumo de reagentes. O mesmo autor menciona que um dos principais objetivos do processo de produção de celulose é a remoção da lignina, sendo desejável baixos teores, o que facilitaria a deslignificação, com condições de cozimento mais brandas, e menor degradação das fibras/traqueídeos.
Quanto ao teor de holocelulose encontrado (67,91%), este situase nos valores esperados para coníferas, segundo Klock et al. (2005), onde a madeira pode ser constituída de 65% a 75% de holocelulose. Vivian et al. (2015) e Andrade (2006) encontraram valores superiores de holocelulose para o P. taeda, sendo tal fato já esperado em virtude destas apresentarem menor teor de lignina em comparação ao P. glabra. Bortoletto Junior (1999) também encontrou uma maior porcentagem de holocelulose (69,60%) para a madeira de P. taeda com 23 anos. Segura (2015) menciona que o teor de holocelulose afeta positivamente o rendimento do processo de polpação. Isto se deve ao fato que a holocelulose (celulose + hemiceluloses) ser o objetivo do processo de obtenção de polpa.
Conclusões
A partir da avaliação da madeira de P. glabra é possível concluir que:
Os parâmetros morfológicos indicadores da qualidade da madeira para produção de papel, sugerem boa qualidade para este fim, assemelhando-se aos valores encontrados para P. taeda na literatura;
A densidade básica média (0,421 g/cm³) e ponderada (0,424 g/cm³) da espécie permitem classificála como leve (baixa densidade), sendo inferior a encontrada para o P. taeda;
A espécie apresenta baixos teores de cinzas (0,25%) e extrativos (1,91%), e valores similares a literatura para os teores de lignina (29,93%) e holocelulose (67,91%), dentro do esperado para espécies de coníferas;
A madeira apresenta potencial para produção de polpa celulósica, o qual deve ser comprovado por meio de ensaios de polpação. Suas características anatômicas e físico-químicas são semelhantes ao P. taeda, matéria prima consagrada no segmento de fibra longa brasileiro, mesmo sem nenhum programa de melhoramento e seleção genética, assim com margem para aprimorar ainda mais sua qualidade para este fim.