Introdução
Questões relacionadas ao futuro do meio rural são motivos de pesquisas e debates no Brasil (Anjos e Caldas 2005). Dentro desta temática, destaca-se o tema “sucessão rural” e permanência dos jovens no campo, questões diretamente relacionadas ao futuro do campo. A atenção em torno dos jovens rurais é importante, pois a continuidade das propriedades familiares depende destes e do sucesso no processo sucessório (ONUBR 2016).
Ao falar em juventude rural, se reconhece sua complexidade e heterogeneidade. Galindo (2019), opta pela utilização do termo “juventudeS”, por conta da diversidade de formas de auto identificação dos jovens, construídas a partir dos territórios onde vivem. Ou seja, a juventude rural é heterogênea ao mesmo tempo que reúne aspectos em comum. Somado a isso, juventude rural geralmente é definida como contraponto e comparativo da juventude urbana, seja no Brasil (Novaes et al. 2006; Castro et al. 2013) ou nações como o Chile, por exemplo (Aguirre-Pastén, Gajardo-Tobar e Muñoz-Madrid 2017). Comparativamente ao jovem urbano, que encontra condições facilitadas para o ensino profissionalizante e mercado de trabalho, o jovem rural tem menos autonomia e oportunidades no campo (Brumer 2007; Castro et al. 2013).
Ao aprofundar os estudos sobre sucessão e juventude rural, pesquisadores têm constatado a diferenciação de gênero, quais sejam: condições de vida, de tratamento, reconhecimento, remuneração, autonomia e oportunidades (Heredia e Cintrão 2006). Na agricultura familiar1 brasileira e latino-americana, persistem as preferências pelos filhos homens como sucessores familiares nas propriedades rurais (Redin et al. 2013; Coradini 2016; Deere e Léon 2003).
Corroborando com isto, há uma tendência de declínio de transferência de propriedades rurais para sucessores, diminuição do número de novos proprietários e propriedades rurais, com consequente aumento do tamanho médio das propriedades (Viira, Põder e Värnik 2014). Este contexto é cenário para pesquisas e debates, seja na academia, sociedade civil organizada ou poder público, no intuito de compreender os interesses e perspectivas da juventude rural (Viira, Põder e Värnik 2014; Santos 2009; Araujo 2010).
Na agricultura familiar, de modo especial, existe a preocupação da permanência dos jovens no meio rural, pois a presença de um membro da família como sucessor é imprescindível para a continuidade destes estabelecimentos (Breitenbach e Corazza 2019).
No cenário brasileiro, as pesquisas apontam para um ambiente desfavorável para a reprodução social no meio rural. Isso ocorre especialmente pelos seguintes motivos: desvalorização dos atores que vivem no campo; falta de infraestrutura em muitas propriedades; dificuldades relacionadas ao trabalho agrícola e a agricultura; tradições patriarcais que presam pela maior valorização do trabalho do homem em detrimentos do trabalho da mulher e culminam em desigualdade de gênero no processo de sucessão rural (exclusão das mulheres); falta de apoio governamental para os jovens agricultores; precárias condições de infraestruturas no meio rural; baixas opções de escolarização; entre outros (Carneiro 2001; Spanevello et al. 2010; Siqueira 2004; Anjos, Caldas e Costa 2006; Breitenbach e Corazza 2017; Soares da Silva et al. 2011; Castro et al. 2013; Mello et al. 2003; Costa 2006; Savian 2011; Stropasolas 2004).
Portanto, a pesquisa brasileira está se esforçando para compreender o contexto e buscar ações para resolver esta problemática (Troian e Breitenbach 2018). Porém, pesquisas que extrapolam o cenário nacional e buscam compreender a questão numa perspectiva internacional são menos usuais. Diante disto, essa pesquisa buscou mapear como a sucessão familiar rural vem acontecendo em nível mundial. Especificamente, objetivou-se identificar padrões da problemática de sucessão rural no mundo; questões de gênero no processo de sucessão; países que estão agindo para minimizar as dificuldades de sucessão.
Metodologia
Na presente pesquisa se realizou um ensaio teórico, alicerçado na revisão bibliográfica, com auxílio de ferramenta de gerenciamento de referências. A pesquisa caracteriza-se como qualitativa e exploratória, pois busca compreender os significados e características dos objetos de pesquisa (Richardson et al. 1999).
A pesquisa qualitativa se preocupa com um nível de realidade não quantificável, sendo utilizada para definir ou descobrir a causa de um problema com maior exatidão (Minayo et al. 1994; Malhotra 2001; Richardson et al. 1999). A pesquisa exploratória, por sua vez, propicia uma visão geral (Gil 1999) e maior intimidade com o problema em estudo, além de simplificar um problema complexo ou elaborar hipóteses mais ajustadas, auxiliando na compreensão do problema enfrentado pelo pesquisador (Malhotra 2001).
Desta forma, foi realizada uma aprofundada pesquisa teórica focada em artigos científicos que abordassem a temática pesquisada. A pesquisa bibliográfica compreendeu um conjunto sistemático de processos atentos ao objeto de estudo, seguindo as etapas definidas teoricamente por Salvador (1986), conforme Quadro 1.
Etapas pesquisa bibliográfica | Procedimentos | Ações, artigos selecionados e ferramentas utilizadas |
1. Leitura de reconhecimento | Leitura rápida, localizar e selecionar o material que apresentasse informações referentes ao tema. | O pesquisador busca os dados em bibliotecas e bases de dados digitais para localizar as obras relacionadas ao tema. |
2. Leitura exploratória | Leitura rápida - verificar se as informações ou dados selecionados são importantes para o estudo. | Comprovar quais das obras selecionadas têm informações que respondem aos objetivos propostos. Foram selecionados 93 artigos. |
3. Leitura seletiva | Definir o material que de fato interessa, relacionando-o diretamente aos objetivos da pesquisa. | Selecionar informações importantes e descartar as que não auxiliam nos objetivos da pesquisa. Utilizada a ferramenta de gestão de referências QDA Miner Lite®, a partir da qual foram selecionados artigos que continham a temática sobre sucessão rural, gênero e juventude rural. |
4. Leitura reflexiva ou crítica | Estudar criticamente o material, ordenar e sumarizar as informações. | Análise dos pesquisadores focando em responder aos objetivos da pesquisa. |
5. Leitura interpretativa | Catalogar ideias confrontando com o problema de pesquisa. Interpretar as ideias do autor, inter- -relacionando com o propósito do pesquisador. | Associar ideias, comparar propósitos, liberdade de pensar e capacidade de criar são fundamentais nessa etapa. |
Fonte: Realizado com base em Salvador (1986).
O mapeamento da produção científica, na Etapa 1, foi realizado por meio do Google Acadêmico, SciELO, ERIC, Periódicos CAPES, BDTD, Science.gov e ScienceResearch.com., por serem bases de dados que apresentam diversidade de periódicos que publicam artigos relacionados à temática sucessão familiar no contexto internacional. As palavras chave utilizadas para busca dos artigos foram: “agricultura familiar”, “migração rural-urbana”, “jovens rurais” e “permanência no campo”. Desta primeira busca e, posterior a análise de enquadramento, Etapa 2, resultaram 93 artigos.
Na Etapa 3, para seleção de conteúdos que respondessem aos objetivos da pesquisa, foi utilizada a ferramenta de gerenciamento de referências, de versão livre, QDA Miner Lite®. Este software de análise qualitativa permite a categorização de grupo de dados e não sugere interpretações de forma automática, sendo a classificação inserida pelos pesquisadores e, baseado na análise e no agrupamento de conteúdo dentro da plataforma, o pesquisador tira as conclusões sobre os dados de seu objeto de pesquisa (Azevedo 2018). A utilização do software facilita a visualização de relações entre conjuntos de dados e aumenta a velocidade de resposta das análises (Evers 2011). Inclui funcionalidades para os processos de codificação e categorização, criando e mantendo a hierarquia de códigos e associação destes a pontos específicos no material analisado, além de buscas otimizadas (Saillard 2011).
Com inserção das palavras-chaves gênero, género, gender, filha, filhas, hija, hijas, daughter, farm transfer, transferência agrícola, young farmer, jovem agricultor, jovens mulheres, menina, moça e mulher, o programa selecionou trechos em conformidade com a proposta da pesquisa. A partir desta busca, se identificou 70 artigos relacionados com o tema, os quais, a partir da análise criteriosa dos autores, compuseram os resultados da pesquisa.
Padrões da problemática de sucessão rural no mundo
Visando o crescimento e a continuidade da propriedade rural nas mãos da família, a disponibilidade dos sucessores é um dos determinantes da viabilidade da propriedade rural. Todavia, mundialmente a transferência intergeracional da propriedade da família recai sobre a relutância que a geração mais velha tem de afastar-se e retirar-se para facilitar a inserção de jovens agricultores que querem estabelecer uma carreira na agricultura (Conway et al. 2017).
Por outro lado, o jovem rural reconhece as dificuldades relacionadas à valorização do agricultor, a falta de apoio do Estado e a menor diversidade de emprego (Breitenbach e Corazza 2017; Molotla 2018), colocando como opção de vida a migração do campo para a cidade. Outra questão que contribui para a migração é a divisão do trabalho dentro das propriedades e das famílias, feita em função do gênero. Essa divisão geralmente coloca o trabalho da mulher como menos reconhecido, sofrendo diferentes preconceitos, os quais se estendem às atividades de extensão rural no Brasil (Villwock, Germani e Roncato 2016; Menasche e Torrens 1996; Silva 2019). Este preconceito de gênero, ao longo da infância e juventude, resulta em mais autonomia de participação na propriedade para filhos homens (Suess-Reyes e Fuetsch 2016).
Esta realidade pôde ser observada também em outras nações além do Brasil. A presente pesquisa permitiu identificar outros países, regiões ou continentes que, com suas particularidades, apresentam distintas formas de conduzir o processo sucessório, bem como enfrentam problemas neste aspecto. Na Figura 1 pode ser observada a distribuição geográfica em que foram encontrados dados sobre questões de gênero no processo sucessório e, na sequência, a apresentação dos dados por país e região.
a) América Latina - Na América Latina alguns dos principais problemas entre os jovens rurais e a sucessão das propriedades são: o acesso a terra, a pluriatividade como resultado da renda insuficiente gerada pelo trabalho agrícola familiar, as relações familiares patriarcais e a dominação existente sobre as mulheres (Kessler 2006).
Apesar das problemáticas e ainda que estejam presentes muitos desafios, a juventude rural latino-americana conseguiu melhorar suas perspectivas de emprego e renda no meio rural (ONUBR 2016). No entanto, persiste o estímulo e o desejo de jovens meninos serem preferidos para o papel de sucessor da propriedade rural (Deere e Léon 2003). Contudo, alguns países têm distintos problemas relacionados com a juventude rural, conforme segue.
a.1) Brasil - Para boa parte dos jovens rurais brasileiros, a vida, trabalho e estudo encontradas no meio urbano fazem parte das perspectivas e sonhos para o futuro (Brumer 2007). A migração do campo para a cidade na busca de condições mais favoráveis de trabalho, estudo e reconhecimento, implicam na saída de jovens da agricultura, especialmente mulheres (Heredia e Cintrão 2006; Breitenbach e Corazza 2017). Isto tangencia um cenário de alerta à reprodução social na agricultura familiar brasileira.
Breitenbach e Corazza (2019), Breitenbach e Corazza (2017), Castro et al. (2013), Puntel, Paiva e Ramos (2011) e Redin e Silveira (2012) apontam como principais aspectos que interferem na decisão do jovem sair do campo: dificul dades e incertezas do meio rural, mais de uma geração na mesma propriedade, o tardio processo de passagem de patrimônio, a falta de espaço e momentos de lazer no campo, a atratividade dos centros urbanos, o trabalho penoso e difícil e a pouca valorização do trabalho agrícola pela sociedade.
A migração da juventude rural se relaciona com a sucessão rural a sustentabilidade das propriedades e com o envelhecimento da população rural (Cavicchioli, Bertoni e Pretolani 2018). O efeito de um processo de sucessão próspero é positivo para a propriedade, uma vez que o jovem se envolve ativamente na execução das atividades e do processo de tomada de decisão, com gradual passagem da gestão entre gerações (Leonard et al. 2017).
No Brasil, quanto maior o envolvimento dos possíveis sucessores nas decisões da propriedade, maiores as chances de sucesso no processo de sucessão (Breitenbach e Corazza 2017). Porém, as tensões nas relações de autoridade na família comprometem a participação dos sucessores nas decisões (Castro 2006; Breitenbach e Corazza 2019). Ainda, as mulheres estão em situação de desvantagem no processo de tomada de decisões e têm seu protagonismo minimizado quanto à participação nos trabalhos da propriedade (Breitenbach e Corazza 2019; Abramovay et al. 1998). Desta forma, as barreiras de gênero que ainda podem ser encontradas no meio rural, são empecilhos para a permanência de jovens, principalmente jovens mulheres, na agricultura (Troian e Breitenbach 2018).
a.2) Argentina - Ainda que exista a tradição de um único herdeiro nas propriedades da Argentina, em que o filho homem herda a terra e permanece na propriedade, são encontrados sinais de democratização, em que a distribuição de terras inclui filhas mulheres e aqueles filhos que não se encontram mais no meio rural, mas desenvolvem trajetórias de trabalho externas a unidade familiar (Neiman 2013). Além disso, a elegibilidade de um sucessor depende, além do gênero e aptidão física, das trajetórias educacionais/profissionais que os jovens irão traçar, tornando-os aptos ou não a assumir a propriedade (Neiman 2013).
b) Oceania
b.1) Austrália - Na Austrália a religiosidade é marcante nas comunidades rurais e, apesar de ter um papel importante no que tange ao pensamento sobre sucessão nas propriedades rurais, reforça modelos tradicionais e patriarcais. Nestes modelos, os filhos homens são preferidos para assumir o papel de sucessores, independentemente da real qualificação e vontade de o serem (Suess-Reyes e Fuetsch 2016; Crockett 2004).
Os pressupostos patriarcais e a organização social de gênero na agricultura, direcionam e tornam evidente a expectativa de que o sucessor deva ser do gênero masculino. Existe ainda, a preferência de que a propriedade tenha um único sucessor, que receba a transferência intacta dos ativos agrícolas, pois os patriarcas acreditam que é a estratégia mais provável de garantir a continuação das ativida des agrícolas na propriedade (Barclay, Reeve e Foskey 2012; Alston 2004; Santhanam-Martin, Bridge e Stevens 2018).
No decorrer dos últimos trinta anos, houve elevação da idade média dos agricultores da Austrália, que passou de 44 para 56 anos (Oliveira e Vieira Filho 2019). Isso reflete na sucessão rural, uma vez que esta é apenas considerada depois dos 50 anos de idade do patriarca, motivada pelo medo que a geração mais velha tem em entregar o controle da propriedade para o sucessor. Isto tem origem nas instabilidades que podem ocorrer na família caso ocorra o casamento do sucessor e formação de uma nova família. Isto, apesar de ser fundamental para a base da formação da próxima geração, pode trazer mudanças no núcleo familiar agrícola (Oliveira e Vieira Filho 2019; Wilkinson 2009).
c) América do Norte - Protopop (2016) afirma que há possibilidade de mais da metade dos agricultores norte-americanos sair da agricultura nos próximos 20 anos. Corroboram para estas decisões, de sair ou investir no crescimento da propriedade, os fatores: tamanho da propriedade; e o estado de saúde do agricultor. Quanto maior a propriedade e melhor o estado de saúde do agricultor, maiores as chances de o sucessor permanecer no meio rural, na América do Norte (Gale 2003).
Em países desenvolvidos, como Estados Unidos da América (EUA) e Canadá, foram estabelecidas intervenções políticas governamentais para a afirmação de jovens agricultores. Estas intervenções buscam facilitar o acesso ao crédito através da aquisição de terras e outros insumos (Bertoni e Cavicchioli 2016b). Para tais intervenções utilizam-se argumentos, como por exemplo: a idade média dos agricultores é alta e a participação dos jovens agricultores é relativamente baixa; a sucessão agrícola é fundamental para reparar o desequilíbrio demográfico no setor agrícola; e também que as propriedades rurais administradas por jovens agricultores têm maior propensão para inovação, multifuncionalidade agrícola e sustentabilidade ambiental (Bertoni e Cavicchioli 2016b).
c.1) Canadá - No Canadá, em propriedades com maior nível de mecanização, agricultura convencional e produção de capital intensivo, também é maior a exclusão das mulheres de atividades de produção e gestão rural. Por outro lado, propriedades cujo foco são atividades diversificadas, relacionadas à produção de vegetais, pecuária mista e agroturismo, por exemplo, tendem a proporcionar maior valorização e inclusão do trabalho das mulheres, tanto nas atividades de produção quanto gestão (Hall e Mogyorody 2007).
c.2) Estados Unidos da América (EUA) - Nos EUA os agricultores que identificam um herdeiro precocemente têm variedade de estratégias de crescimento horizontal e vertical, como a expansão, intensificação e crescimento (Inwood e Sharp 2012). É significativamente mais provável que os agricultores sem sucessores, ou com baixa expectativa de sucessão, desgostem da agricultura, mantendo gerenciamento estático ou desinvestindo na propriedade (Potter e Lobley 1992; Inwood e Sharp 2012).
Alguns exemplos nos EUA mostraram ser possível uma harmonia no trabalho do homem e da mulher, se complementando. Neste sentido, alguns agricultores, a fim de reagir à queda de preços nos mercados de commodities, começaram a processar frutas. O trabalho era feito em conjunto, o homem permanecia como produtor primário de frutas, a mulher era responsável pelas atividades de valor agregado e varejo e os filhos se envolviam em ambas as operações (Inwood e Sharp 2012).
c.2.1) Nova York - Algumas famílias replicam a divisão tradicional do trabalho. Propriedades orientadas para o mercado são as que mais têm diferenciação de gênero e especialização geracional, gerando invisibilidade da contribuição de diferentes membros da família, especialmente mulheres (Dreby, Jung e Sullivan 2017). Apesar do trabalho agrícola melhorar os laços familiares, ainda há diferenciação de tarefas por gênero. Contudo, para tornar o negócio da família bem-sucedido, é fundamental que os membros tenham, além de um objetivo comum, uma postura de divisão de trabalho que envolva a cooperação, coordenação e especialização por gênero e geração (Dreby, Jung e Sullivan 2017).
c.3) México - Os desafios encontrados pelos jovens rurais do México são a precariedade e os riscos relacionados ao trabalho, bem como salários menores que dos adultos (Molotla 2018). Ainda, a redução das possibilidades de acesso à terra, contribui para que os jovens optem pela migração nacional-interna e em direção a regiões fronteiriças próximas dos EUA (Ramírez 2019; Aquino 2012). O perfil dos migrantes mexicanos, que visavam se inserir em atividades produtivas nos EUA é de campesinos de ascendência “tojolabal”, homens jovens solteiros e casados, com idade de 20 a 40 anos (Ramírez 2019).
d) Europa/União Europeia - Na Europa a sucessão das fazendas agrícolas tem sido amplamente debatida (Piras e Botnarenco 2019), devido ao baixo número de jovens agricultores, em muitos países da União Europeia (McKillop, Heanue e Kinsella 2018). A modernização da agricultura interferiu na hierarquia do trabalho, já que as mulheres se tornaram mais assistentes dos homens no trabalho, do que proativas (Grubbström e Sooväli-Sepping 2012).
Fischer e Burton (2014) alegam que a fase inicial de socialização, das crianças e jovens com o trabalho agrícola, é crítica para a positiva relação sucessor-propriedade. Contudo, persiste a divisão sexual do trabalho nas propriedades agrícolas da Europa, sendo realizada de forma diferente a socialização para filhos meninos e filhas meninas. Assim, durante a infância, a socialização de uma identidade de gênero acaba por envolver diferentes deveres, normas e funções. As filhas acompanham suas mães e os filhos, a partir dos seis ou sete anos, acompanham os pais no trabalho agrícola (Grubbström e Sooväli-Sepping 2012).
Desta forma, em propriedades onde a fonte de renda é a agricultura, geralmente cabe para as mulheres o trabalho doméstico e deveres reprodutivos, enquanto os homens passam mais tempo nos campos e florestas. Quando é necessário que trabalhem juntos, têm tarefas específicas para cada gênero, bem como as mulheres são acompanhadas pelas crianças e recebem ajuda das meninas mais velhas (Grubbström e Sooväli-Sepping 2012). O processo de masculinização da população rural europeia vem preocupando pesquisadores desde a década de 1960 (Froehlich et al. 2011).
Já a migração dos jovens do rural para o urbano ocorre devido: expectativa de renda e oportunidades esperada no setor não-agrícola superior a esperada na agricultura; as condições econômicas e estruturais do setor agrícola; a distância da propriedade até um centro urbano - áreas remotas são menos propensas a serem assumidas pela próxima geração; estrutura da propriedade familiar e os atributos pessoais (idade, escolaridade, gênero) (Olper et al. 2014; Ochoa et al. 2007; Cavicchioli, Bertoni e Pretolani 2018).
Na Europa pode-se encontrar a maior gama de ações e cenários de incentivo para a sucessão geracional na agricultura. Viira, Põder e Värnik (2014) e Suess-Reyes e Fuetsch (2016) deixam claro que o nível de conhecimento e experiência na agricultura tem um efeito positivo sobre as decisões de permanecer na propriedade rural. Para as novas gerações é importante que sejam repassados conhecimentos básicos da proteção do meio ambiente, multifuncionalidade, diversificação das atividades agrícolas em uma propriedade, agricultura biológica e outras questões relevantes que podem ser encontradas na realidade do meio rural (Đuri e Njegovan 2015; Suess-Reyes e Fuetsch 2016).
Outro exemplo é a Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia, a qual tem um conjunto diversificado de medidas para resolver os problemas estruturais do setor agrícola. Estas medidas são úteis para os jovens agricultores, tanto que os subsídios de investimento visam acelerar o crescimento de fazenda (Viira, Põder e Värnik 2014). Neste sentido, uma comunicação boa e clara entre o governo e os agricultores é essencial para a sobrevivência do setor agrícola (Calus 2009). Além desta política, o apoio aos jovens agricultores é realizado através dos recursos do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural, que oferece suporte para o jovem se estabelecer na propriedade e começar seu negócio. Além disso, cada país membro da União Europeia tem programas nacionais de suporte aos jovens agricultores, tais como treinamentos e aconselhamento para facilitar o acesso à informação. Estas são as formas mais comuns de apoio a nível nacional (Đuri e Njegovan 2015).
Đuri e Njegovan (2015) relatam que as políticas e projetos apoiam e encorajam o jovem rural a permanecer no meio rural. Os autores recomendam a maior participação dos jovens rurais na criação de tais programas e projetos, a fim de simplificar procedimentos administrativos e disponibilizar a estes atores maior grau de informações.
d.1) França - Na França a realidade é comum ao que já foi descrito sobre a Europa de modo geral. Lobley (2010) constatou que já no ano de 1993, pouco menos de 30% dos agricultores franceses identificavam um sucessor para a propriedade. Dentre os sucessores identificados, em nenhum caso eram mulheres. Outro desafio encontrado pelos jovens rurais europeus, não comumente discutido, é a homossexualidade e a dificuldade de inserção de jovens que se enquadram como homossexuais, no espaço rural. Estes, buscam na internet e nos centros urbanos construir sua identidade, uma vez que o rural ainda é rodeado por questões de masculinidade e heterossexualidade, sendo a homossexualidade uma questão ignorada por este espaço (Annes e Redlin 2012).
d.2) Irlanda - Na Irlanda, os agricultores com sucessores, se comparado aos que não tem, são mais propensos a investir ou expandir sua propriedade (Leonard et al. 2017). Comparando dados dos anos de 1990 e 1997 do projeto internacional “FARMTRANSFERS”, o percentual de agricultores que identificavam um sucessor na Irlanda passou de 50% para quase 53%. Em 1990 era zero o percentual de agricultores que identificava uma mulher como sucessora e em 1997 passou para quase 5% (Lobley 2010).
A partir de 2010 aumentou o número de jovens candidatos a educação agrícola, impulsionados por instrumentos de políticas de financiamento, propiciando treinamento para futuros agricultores (McKillop, Heanue e Kinsella 2018). Em contraponto, tem-se um setor agrícola dominado por agricultores mais idosos, cujo acesso dos jovens agricultores acaba se tornando uma situação problemática (Leonard et al. 2017). Contudo, estatísticas revelam uma tendência, em escala global, de crescente aumento da idade média dos “jovens agricultores” e o baixo nível de entrada de jovens na agricultura (Leonard et al. 2017), sendo que apenas 7% dos agricultores irlandeses têm 35 anos, ou menos (Hanrahan et al. 2013).
d.3) Itália - Na Itália entender os fatores que estão por trás da vontade dos potenciais sucessores em assumir ou não os negócios da família é crucial para a continuidade da propriedade (Cavicchioli, Bertoni e Pretolani 2018). Para Simeone (2007), a escolha de permanecer no setor agrícola se origina quando o jovem começa a planejar seu próprio futuro. Desta forma, dentre os fatores que afetam na escolha de permanecer na agricultura e conferir rotatividade geracional à propriedade destaca-se o envolvimento na atividade agrícola, considerando o tempo da escola e a residência na propriedade familiar.
Propriedades administradas por um homem são 19,4% mais propensas a ter um sucessor, se comparado a propriedades similares administradas por uma mulher na Itália (Bertoni e Cavicchioli 2016a). Também existe menor propensão por parte das meninas em assumirem a propriedade da família (Simeone 2007), sendo 42,8% menor a probabilidade de sucessão de uma mulher em relação ao homem (Cavicchioli, Bertoni e Pretolani 2018). Em propriedades especializadas na produção de vegetais, por exemplo, têm predominância de homens no processo de sucessão, sendo de 76% para jovens homens e 34% para jovens mulheres (Cavicchioli, Bertoni e Pretolani 2018).
Di Vita e Corsi (2017) alegam que a alteração do número de explorações na agricultura familiar italiana é amplamente determinada pela ausência de sucessores e pela idade média dos gestores da propriedade, uma vez que apenas 4,5% dos agricultores italianos têm menos de 35 anos (Bertoni, Cavicchioli e Latruffe 2016). A escolaridade em nível de graduação do titular da propriedade, a intensidade do trabalho e o aluguel de terras, são fatores que aumentam a probabilidade de sucessão na Itália (Cavicchioli et al. 2015; Simeone 2007). Porém, propriedades com cultivo de hortaliças têm menores chances de sucessão se o agricultor tem um diploma universitário, enquanto o maior número de filhos aumenta a probabilidade de sucessão na propriedade (Bertoni e Cavicchioli 2016a).
d.4) Reino Unido - No Reino Unido propriedades maiores e economicamente bem-sucedidas decidem precocemente sobre a sucessão. Nos casos em que os jovens rurais saem de casa para ter contato com a educação agrícola, retornam para a propriedade mais conscientes de novas tecnologias, bem como desejam implantar a mudança em suas próprias propriedades (Potter e Lobley 1996). Por outro lado, agricultores com pouca ou nenhuma expectativa de sucessão são significativamente mais prováveis de desgostarem e saírem da agricultura (Potter e Lobley 1996).
d.5) Espanha - Ochoa, Oliva e Sáez (2007) constataram que, na Espanha, quanto maior o nível de educação formal que tem o filho ou a filha dos agricultores, menor é a probabilidade de ocorrer a sucessão intergeracional. Não obstante, o celibato masculino é pronunciado, em que homens rurais continuam morando com seus pais ou residindo sozinhos (Costa 2013; Camarero et al. 2009).
d.6) Estônia - Em propriedades onde o homem tem outras fontes de renda além da agricultura, a mulher assume maior protagonismo e responsabilidades pelo trabalho que tradicionalmente era de domínio do homem (Grubbström e Sooväli-Sepping 2012). As famílias rurais, ao buscar estabelecer um filho sucessor que será responsável pela terra e negócio familiar, têm suas decisões permeadas pelo tradicionalismo e reconhecem mais os homens como possíveis sucessores (Grubbström e Sooväli-Sepping 2012).
Durante a infância, filhos e filhas passam por um processo de socialização que envolve diferentes funções e normas. Filhas meninas frequentemente acompanham suas mães, enquanto filhos meninos acompanham o trabalho de seus pais. Portanto, o caminho tradicional para as mulheres é o trabalho doméstico e para homens trabalho de agricultor. Como consequência, as filhas não são preparadas para o papel de sucessoras (Grubbström e Sooväli-Sepping 2012). Por outro lado, uma parcela de proprietários não se importa se a propriedade for herdada por um filho homem ou uma filha mulher, desde que o sucessor esteja interessado e possa cuidar da propriedade/empresa agrícola, dos parentes idosos e dos irmãos mais novos (Grubbström e Sooväli-Sepping 2012).
Os proprietários de terra valorizam, além de motivos econômicos, motivos emocionais para continuar na agricultura e escolher um sucessor, uma vez que os laços emocionais com a terra são fortes. Assim, é importante reconhecer que faz parte do processo de transferência da propriedade a transferência de ativos intangíveis - valores e sentimentos. Dentre eles, o conhecimento sobre a propriedade e o valor e importância da propriedade para o desenvolvimento familiar (Grubbström e Sooväli-Sepping 2012).
d.7) Suécia - Na Suécia, Grubbström e Eriksson (2018) encontraram dificuldades para entrevistar proprietários de terra do gênero feminino. Isto é reflexo da minoridade da participação das mulheres como proprietárias de fazenda, uma vez que 84% das propriedades são gerenciadas por homens (SCB 2017).
No geral, os agricultores suecos não pressionam os filhos para tomar conta da propriedade. Para eles, o filho deve ter real interesse em assumir a propriedade e não deve ser forçado a assumir apenas por razões familiares. Os laços emocionais que os agricultores têm com suas terras é forte, especialmente se são da família há várias gerações, mas, quando a sucessão familiar não é possível, soluções como a locação ou a venda de terras são mais populares (Grubbström e Eriksson 2018).
d.8) Países Baixos/Holanda - Ao norte dos Países Baixos, Paping e Karel (2011) confirmam que, quando a propriedade é transferida ou vendida para pessoas de fora da família, limita as chances de sucesso dos filhos na agricultura. Caso isto ocorra, menos de um quarto dos filhos consegue retornar ao ramo agrícola novamente. Por outro lado, caso a família tenha um sucessor, as chances dos demais irmãos se estabelecerem confortavelmente, aumentam consideravelmente (Paping e Karel 2011).
d.9) Inglaterra - A Inglaterra, apesar de ter maior taxa de sucessão, comparado a Austrália e EUA (Lobley, Baker e Whitehead 2010), tem forte distinção de gênero que pode dificultar a transferência de conhecimento para as filhas, bem como criar preconceitos que afetam negativamente o desempenho geral da sucessão (Glover 2014).
d.10) Bélgica - Na Bélgica a saída do ciclo de sucessão se dá, dentre outros motivos, pela falta de interesse na agricultura ou a limitação da viabilidade das explorações agrícolas (Calus 2009). Contudo, a transferência da propriedade é um processo de longo prazo e complexo. Os jovens que estão dispostos e têm competências para assumir a propriedade rural familiar, devem ser estimulados (Calus 2009).
Para Calus (2009) a transferência da fazenda está ligada a aspectos sociais, econômicos e legais: a) O “social” está ligado ao ambiente humano, opiniões pessoais, percepções e objetivos dentro da decisão de continuar na propriedade da família. O ensino agrícola deveria dar mais atenção para a transferência da propriedade nos currículos escolares; b) O aspecto “econômico” diz respeito aos investimentos agrícolas e a ajuda financeira que os jovens agricultores irão precisar para serem capazes de assumir a propriedade. A transferência gradual da propriedade rural leva anos para se concluir, devendo os envolvidos estarem preparados para concluir o processo de forma harmoniosa; c) O aspecto “legal” diz respeito a questões jurídicas, como por exemplo, impostos e responsabilidades pessoais.
d.11) Hungria - A opção de trabalho fora da propriedade rural, na Hungria, pode levar a saídas dos jovens rurais do campo. Isso ocorre especialmente em grupos etários mais jovens, que podem agregar mais mudanças de carreira (Rizov e Mathijs 2003).
e) Leste Europeu e Norte da Ásia - Rússia (Sibéria) - Na Sibéria a intenção do jovem de sair da área rural e da propriedade diminui se: a) existir apoio dos pais para que o jovem estude em áreas relacionadas à agricultura; b) a família possuir terras agrícolas; c) a juventude rural acreditar que não é difícil estabelecer um negócio próprio (Bednaríková, Bavorová e Ponkinac 2016).
f) Ásia
f.1) Índia - Na Índia, o gênero e a ordem de nascimento são vistos como compromissos fundamentados em normas familiares, socialmente institucionalizados como prática cultural para determinar quem será o sucessor. É uma espécie de obrigação que o herdeiro seja do gênero masculino (Sharma e Rao 2000). A sociedade indiana é patriarcal, de modo que os pais beneficiam mais os filhos homens, marginalizando as filhas mulheres. Os indianos percebem atividades geradoras de renda como trabalho para homens, sendo o trabalho das mulheres nos campos visto como parte integrante do seu trabalho doméstico. As mulheres não tomam decisões de gestão na produção, nem comercializam o produto ou controlam o dinheiro restante (Gupta 1987).
f.2) Japão - No Japão um único sucessor, geralmente o primeiro nascido, é responsável por herdar a terra em sua totalidade ou, pelo menos, sua metade. Porém, a preferência é dada para o homem. Isto inclui casos em que havendo apenas filhas mulheres na família, o sucessor geralmente será o marido da primeira filha nascida (Tsutsumi 2001).
g) África
g.1) Etiópia - A perspectiva de receber maior herança de terra reduz significativamente a probabilidade de migração, é o que concluíram Kosec et al. (2018) em estudo na Etiópia.
g.2) Quênia - No Quênia, as barreiras estruturais e de acesso a terra limitam o interesse dos jovens à participação na agricultura e o interesse de permanência no campo, despertando o desejo de buscar carreira fora do meio rural, inclusive estudos (Noorani 2015).
Considerações finais
Constatou-se nessa pesquisa a tendência para trajetórias comuns no setor agrícola mundial quanto a dinâmica da sucessão familiar (Cavicchioli, Bertoni e Pretolani 2018). Ainda, globalmente na agricultura há um padrão de aumento de idade dos “jovens agricultores”, bem com a diferenciação de gênero nos processos sucessórios que dá maior propensão ao homem para assumir o controle da propriedade familiar.
Estas tendências podem se modificar dependendo do tipo de exploração agrícola (Cavicchioli, Bertoni e Pretolani 2018), uma vez que as mulheres tendem a permanecer em propriedades cujo foco seja a diversificação de atividades, dedicando-se a produção de vegetais, pecuária mista e agroturismo, como é o caso do Canadá (Hall e Mogyorody 2007).
Por outro lado, o investimento em políticas públicas demostra ser o caminho mais oportuno para incentivar e motivar os jovens a permanecer no meio rural. Políticas públicas que voltem seu olhar para as mulheres do campo, para os jovens e as atividades que estes exercem no meio rural, se fazem imprescindíveis para fomentar o processo de sucessão rural familiar. Desta forma, projetos governamentais, através de políticas públicas eficientes, demostram ser a maneira mais promissora de países incentivarem a população de jovens rurais a permanecer no campo. Assim, políticas públicas elaboradas e planejadas com a participação destes agentes possibilitam maior conhecimento e informações referentes ao acesso a estas políticas, cruciais para o futuro próspero da sucessão dos jovens no meio rural.
No contexto internacional, independentemente do país, a agricultura familiar depende da permanência do jovem no campo, seja homem ou mulher. Ainda, os agricultores familiares têm estreito laço afetivo com o meio em que vivem. Por isso, a interação do jovem com as atividades da propriedade corrobora para a positiva inserção destes atores na gestão e sucessão da propriedade.