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América Latina en la historia económica

On-line version ISSN 2007-3496Print version ISSN 1405-2253

Am. Lat. Hist. Econ vol.22 n.1 México Jan./Apr. 2015

 

Reseñas

 

Carlos Gabriel Guimarães, A presença inglesa nas finanças e no comércio no Brasil Imperial: os casos da Sociedade Bancária Mauá, MacGregor & Cia. (1854-1866) e da firma inglesa Samuel Phillips & Cia. (1808-1840), São Paulo, Alameda, 2012.

 

A publicação do livro A presença inglesa nas finanças e no comércio no Brasil Imperial: os casos da Sociedade Bancária Mauá, MacGregor & Cia. (1854-1866) e da firma inglesa Samuel Phillips & Cia. (1808-1840) está separada por quatorze anos da defesa da tese que dá origem a primeira parte deste livro, defendida no Programa de Pós-graduação em História Econômica da Universidade de São Paulo em 1997. A segunda parte refere-se a resultado de pesquisa acerca da firma inglesa Samuel Phillips & Cia., realizada dez anos após a primeira. Podem parecer dois trabalhos distintos e ainda datados, presos ao período em que foram realizados, mas isso é um equívoco. Podemos interpretar como uma continuidade, uma trajetória de pesquisa na busca por entender a presença dos ingleses e suas relações na Praça do Rio de Janeiro em períodos cruciais do século XIX, o que equivale dizer no Brasil Imperial.

A tese sofreu alguns ajustes para esta publicação. Carlos Gabriel Guimarães, autor incansável na seriedade com que encara a pesquisa, incorporou trabalhos surgidos depois de 1997 e percepções que não constavam no trabalho original. Além disso, a pesquisa sobre a empresa de Samuel Phillips é inovadora e complementa a tese; somente recomenda-se ao leitor que inicie a leitura por ela, não somente por questões cronológicas –mesmo assim fundamentais– mas pela maturidade teórica que revela e que ajuda a entender a construção das etapas anteriores da pesquisa.

De todo modo, o livro de Guimarães se propõe a responder algumas perguntas fundamentais para a compreensão do século XIX brasileiro em seu viés econômico. Estas questões se dividem tal qual o livro, direcionadas para a primeira e para a segunda parte em separado, mas em busca das mesmas inquietações. A firma Samuel Phillips & Cia. foi um novo tipo de firma inglesa? A forma de atuação da empresa dependeu de um mercado tipicamente crivado de relações escravistas? E, por fim, que tipo de negócios a firma desenvolveu no Brasil?

As respostas apontam para uma sociedade de organização familiar, onde a família estabelece uma rede de trocas e proteção, ou ainda através de casamentos como é o caso das famílias Samuel e Phillips, ambas de origem judaica inglesa. Seus negócios se concentravam no setor mercantil, como agentes financeiros e importadores na Praça do Rio de Janeiro. Esta atuação estava pautada nas relações políticas (incluindo o imperador D. Pedro I) que possibilitaram a forma como a firma se consolidou na Corte brasileira na primeira metade do século XIX. A firma foi estudada e entendida por Carlos Gabriel Guimarães como inserida e atuando em uma sociedade escravista, funcionando como procuradora do Estado Imperial Brasileiro frente ao capital bancário inglês e credora do mesmo, principalmente através da figura do imperador.

Mas, algumas dúvidas permanecem no que diz respeito às questões levantadas pelo autor. A boa herança da história de empresas praticada por Bárbara Levi e Eulália Lobo levou Guimarães a buscar compreender a forma como esta firma inglesa se inseria e atuava naquela sociedade, como parte da mesma. Entretanto, no que diz respeito à natureza da firma ficamos sem entender exatamente se essa empresa é considerada por Guimarães como de um novo tipo ou se sua natureza familiar a coloca na condição de empresa tradicional. E, ainda, qual a relevância desta natureza para o entendimento de sua atuação naquele momento de construção do Estado Brasileiro. A forma como a firma agia dentro da sociedade escravista nos parece uma questão claramente definida na origem, ou seja, para atuar nesta Praça tipicamente escravista era essencial estabelecer relações com o Estado Imperial.

Em que pese as relações estabelecidas dentro do cenário do Império do Brasil, as estratégias de atuação de Mauá e da firma inglesa Samuel Phillips são diferentes: os ingleses atuam com menor diversificação –quase ousamos dizer uma especialização–, centrando suas ações em um ramo principal de negócio: as finanças e o comércio de importação de produtos, incluindo escravos (mesmo com a proibição por parte da Inglaterra). Isso não é o que ocorre com Irineu Evangelista de Souza no meado do século XIX. Este apresentou uma atuação diversificada, fluída, agindo em várias frentes dentro dos negócios do Império Brasileiro. Podemos dizer que, apesar de liberal, ele atuava e se relacionava próximo ao grupo dominante dentro do Estado Imperial com os conservadores Saquaremas. Mas, como ressalta o autor, Mauá era um homem do império e nele estava inserido, não podendo ser confundido com um empreendedor moderno. Carlos Gabriel classifica Mauá de forma distinta à historiografia que o coloca como um industrial símbolo do século XIX quando afirma que o foco principal de seus empreendimentos estava no setor terciário da economia. Apesar de também possuir investimentos industriais, como o estaleiro Ponta d'Areia, Mauá era, principalmente, um negociante de grosso trato e assim ele é analisado e compreendido neste livro.

Também algumas questões similares as da segunda parte são colocadas na primeira parte do livro (ou a tese propriamente dita). Ao estudar a Sociedade Bancária Mauá, MacGregor & Cia., fundada em 1854, Carlos Gabriel Guimarães faz quatro perguntas fundamentais: 1. Qual o objetivo de Mauá em organizar um banco. 2. Que tipo de banco foi a Sociedade Bancária Mauá, MacGregor & Cia. 3. Qual o significado da criação do banco em uma sociedade escravista (o Brasil do 2º Reinado). 4. Qual a relação do banco com o Estado Imperial? Estas questões são tratadas em quatro capítulos que estruturam a parte inicial do livro: o primeiro sobre a relação entre o Estado Brasileiro e o sistema bancário; o segundo sobre a criação do terceiro Banco do Brasil (1851-1853) e a reforma bancária de 1853 que será consequência da concorrência deste banco com o Banco Comercial do Rio de Janeiro; o terceiro capítulo sobre a Sociedade Mauá, MacGregor & Cia. alvo privilegiado da tese que originou este livro; e, por último, o capítulo que trata a organização do London, Brazilian and Mauá Bank em 1865.

A segunda questão é mais pontual, ou seja, a Sociedade Bancária Mauá, MacGregor & Cia. era um banco comercial. A forma como Mauá se relacionou com o Estado Imperial está na maior parte das discussões que este trabalho apresenta. Foram justamente essas relações entre Mauá, o negociante e homem da classe senhorial, e os homens do Estado Imperial que possibilitaram a atuação deste em várias frentes de negócios no meado do século XIX. A relação do banco, enquanto empresa, com o Estado Imperial tem um maior grau de dificuldade para analisar. Enquanto os Saquaremas atuaram dentro do Estado, em sua construção, centralização e consolidação, Mauá estabeleceu uma Teia de Penélope, fazendo parte do que Ilmar Mattos chamou de classe senhorial. A retirada destes homens do centro do poder imperial significou a queda de Mauá. No momento de sua falência Mauá se comporta como o homem de negócios que sempre foi, como escrito em sua biografia, numa época em que "era um homem de um tempo que estava se esgotando".

Na idade avançada em que me acho, em presença do acontecimento que motiva esta exposição, realizado pelo modo por que foi resolvido, não posso ter outro objecto em vista senão do naufrágio aquillo que para mim vale mais do que quanto ouro tem sido extrahido das minas da Califórnia –um nome puro (cursivo nosso), pois persisto em acreditar que o infortúnio não é um crime.1

Os objetivos de Mauá em organizar alguns bancos ao longo de sua vida profissional são variados e envolvem objetivos pessoais e profissionais dentro daquela sociedade escravista. Mas, as oportunidades eram largamente aproveitadas por este homem de negócios que atuava não somente no Rio de Janeiro, mas também em outros estados brasileiros, em outros países da América Latina e da Europa. As opções de Mauá seguiam os investimentos e empréstimos mais seguros e rentáveis, priorizando o comércio de escravos, transportes, importação e exportação e, principalmente, os empréstimos às casas bancárias e comerciais para incrementar seu capital de giro. Afora a lucratividade e a segurança do negócio, o significado da criação de bancos em uma sociedade escravista talvez deva ser tema de outra pesquisa pois é difícil responder a esta questão. Primeiramente porque é difícil definir economicamente esta sociedade escravista em transição para o capitalismo, entendida aqui como uma Economia Mercantil Escravista Nacional –conceito retirado do capitalismo tardio de João Manoel Cardoso de Mello e que encontra continuidade no conceito cunhado por Ilmar de Mattos. É preciso outras pesquisas para estas respostas.

Um ponto alto da tese e, consequentemente deste livro, foi a análise feita por Carlos Gabriel sobre a construção do mito Mauá. Apesar de não ser uma pesquisa biográfica sobre Mauá, o autor não se furta a análise crítica da importância deste homem do século XIX brasileiro e não escapa da ação de desnudar a sua condição de mito. Talvez esta seja a parte mais corajosa deste trabalho, a análise do mito Mauá através de algumas de suas biografias mais importantes. Nelas percebe o autor que em comum têm a devoção à figura do Mauá empreendedor, moderno e limitado pelo Estado Imperial arcaico e escravista –o que no fundo significava a mesma coisa para essas análises–, além de aliado e dependente do capital inglês. A construção do mito serve adequadamente aos contextos em que as biografias foram escritas. Na crise das oligarquias cafeeiras dos anos 1920 temos o texto de Alberto de Faria (1926) resgatando o perfil "industrial" de Mauá; nos difíceis anos 1940 o trabalho de Lídia Besouchet colocava o liberal Mauá frente ao intervencionismo varguista; e, por último, a biografia escrita por Jorge Caldeira nos anos 1990 (transformada em filme), no período de busca por legitimação de uma "nova era", quando o Estado brasileiro está iniciando o maior processo de privatizações de nossa história.

Mas, quem era Mauá (Barão e Visconde, negociante de grosso) visto no livro de Carlos Gabriel Guimarães? O palco de sua vida é o Rio de Janeiro de meados do século XIX, a "Corte" e centro político, econômico e vitrine do país. Aliás, esse é o resultado do esforço do qual o comerciante Irineu Evangelista de Souza fez parte: a consolidação e centralização do Estado Imperial Brasileiro no Rio de Janeiro. Esse projeto político foi fruto da classe dominante imperial (burocracia, senhores da agricultura mercantil escravista e negociantes de importação e exportação) –o que Ilmar Mattos chamaria de "classe senhorial". Nesta construção política, o crédito e a atividade bancária estariam no centro do debate. Extraindo de Marx a máxima de que o controle da moeda é o controle do poder, Gabriel demonstra que neste contexto da primeira metade do século XIX no Brasil, controlar o crédito significava controlar o poder e consolidar o projeto Saquarema. As mudanças e reformas realizadas pelo governo imperial também serviram para a consolidação do projeto de centralização política Saquarema dentro de um contexto de expansão mundial do capitalismo. Para Ilmar de Mattos, referência neste trabalho, as reformas e mudanças promovidas pelo Estado Imperial Brasileiro podem ser interpretadas como a "recunhagem da moeda colonial" ou um novo acordo da nossa economia com o capitalismo inglês em expansão.

A coroa não só promovia a restauração da hierarquia existente entre os interesses dominantes nas diferentes regiões, herdadas do processo de colonização, como também aprofundava a diferença no interior da região de agricultura mercantil escravista, por meio do priveligiamento dos interesses ligados à expansão cafeeira.2

Este privilégio objetivava construir o Estado Imperial centralizando-o e, ainda, a classe senhorial, não negligenciando o relacionamento que estes homens que compunham esta classe estabeleciam com este Estado e com o Projeto Saquarema. A Coroa aparece como um partido, centralizador.

Carlos Gabriel Guimarães faz esse esforço no sentido econômico, ou seja, a centralização do projeto Saquarema passava pelo controle econômico-financeiro por parte do Estado Imperial e pelas relações estabelecidas entre este e a classe senhorial oriunda, principalmente, do setor mercantil escravista. Outra contribuição significativa do livro para a historiografia econômica brasileira.

Irineu Evangelista faz parte desta classe senhorial como homem de negócios da Praça do Rio de Janeiro. Seus negócios dependem das relações por ele estabelecidas com o Estado Imperial e a Trindade Saquarema. E, à medida que estas relações se ampliam também se ampliam estes negócios. O contrário também procede.

O Rio de Janeiro era a capital cultural, política e econômica do país no século XIX. O negociante Mauá circulava por suas ruas e becos, conversando e negociando, com um e com outro, frequentando casas e festas, traçando sua trajetória de homem ligado ao Estado Imperial Brasileiro, este em sua conotação conservadora. Seus investimentos eram centrados no setor terciário da economia, não sendo atraído pela agricultura, preferindo atuar na órbita mercantil. Esse Rio de Janeiro era o lugar das atenções, onde morava o príncipe regente e, posteriormente, o imperador. A condição de "Corte", de onde se dita a moda e os costumes mais "modernos" não abandonou a cidade do Rio de Janeiro até os dias de hoje. Este é o Mauá deste trabalho, o comerciante de grosso trato, do comércio de cabotagem e da importação e exportação, além de ser ligado ao tráfico de escravos. Não é o símbolo construído no mito Mauá como ícone do processo de industrialização brasileiro, e sim, o negociante do setor terciário. Tanto Irineu, quanto a firma Samuel Phillips & Cia. atuaram nas brechas abertas pelo Estado Imperial brasileiro. A firma como credora e procuradora deste Estado. Mauá com maior fluidez, mais diverso, ocupando todo o espaço que lhe era possível.

Este trabalho teve uma trajetória semelhante a tantos outros. Já era conhecido como "mimeo" (forma "antiga" de dizer que ainda não havia sido publicado o texto) antes de chegar em nossas mãos nesta publicação tão bem vinda. Vem prefaciado pelo orientador da tese da qual se origina e apresentado por uma de suas referências principais. Sua estrutura segue a boa escola da história de empresas herdada das historiadoras a quem dedica este trabalho, Eulália Lobo e Bárbara Levi. Desta última toma emprestada a estrutura de seu livro sobre as Sociedades Anônimas do Rio de Janeiro. Neste tempo, as pesquisas realizadas por Carlos Gabriel Guimarães que resultam neste livro assumiram importante papel nos meios acadêmicos da história econômica e a sua publicação só reforça esta importância.

 

Rita de Cássia da Silva Almico
Universidade Federal Fluminense
Rio de Janeiro, Brasil

 

Notas

1 Mauá, I. E. de S., Visconde de (1996). Exposição aos credores e ao público (1878) (p. 31). Rio de Janeiro: Expressão e Cultura.         [ Links ]

2 Mattos, I. R. de (2004). O Tempo Saquarema (p. 82). São Paulo: Editora Hucitec.         [ Links ]

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