1. O Sublime
É sabido que Fichte1 não concebeu uma estética em sentido estrito e tampouco dedicou à arte uma parte especial de seu sistema filosófico.2 Apesar de ter sido crítico literario e amante de poesia, sem dúvida ele nao foi um conhecedor de pintura. Famoso é o relato da visita à coleção de quadros de Dresden junto com os irmãos Schlegel: "Você teria rido se tivesse visto como os Schlegel arrastavam Fichte de um lado para outro e tentavam persuadi-lo" (Fuchs, 1980: 10), escreve Dorothea Stock a Charlotte Schiller.
Apesar disso, Fichte fornece em contexto sistemático uma chave para a interpretação de pintura, tanto no que diz respeito à produção quanto à recepção, e que pode ser de interesse para interpretar obras de arte que não tem imediatamente algo a ver com sua filosofia, o presente ensaio não pretende demonstrar essas afirmações 3, mas sim usar o conceito de sublime para entender a doutrina da pintura não publicada do filósofo alemão e a originalidade dessa teoria em relação à teoria de Kant.
O sublime foi investigado na antiguidade por pseudo-Longinus em sua obra Do sublime, sobre poesia e oratória. Para pseudo-Longinus, o sublime é a qualidade suprema de toda poesia e de todo discurso. Sua doutrina do sublime contém dois elementos centrais que serão importantes para a história posterior desse conceito: por um lado, o ouvinte ou expectador é humilhado pelo sentimento do sublime e, por outro, é elevado. Ele vai de um espanto terrível até a mais profunda alegria e orgulho, visto que é elevado ao divino e absoluto. Pseudo-Longinus nao encontra grande repercussão na antiguidade, mas sua obra experimenta um verdadeiro renascimento nos séculos XVII e XVIII. Na segunda metade do século XVIII, filósofos importantes começam a considerar o sublime em conexão com o belo: o sublime passa a ser um conceito contraposto ao belo.4 Na quarta parte da Investigação filosófica sobre a origem de nossas ideias do sublime e do belo, Edmund Burke (1729-1797) observa a semelhança dos mecanismos fisiopsicológicos do sublime com aqueles que causam dor. Trata-se basicamente de uma tensão dos nervos que surge do instinto de autoconservação. Essa caracterização do efeito subjetivo do sublime é ancorada em uma estrutura objetiva. A saber, Burke ressalta aquelas qualidades dos objetos das quais resulta o sentimento do sublime: ao sentimento do sublime associam-se objetos incomensuravelmente grandes, irregulares, ásperos, maciços, escuros ou fortemente intimidadores. Ao contrário disso, o sentimento do belo é descrito em termos psicológicos como distensão dos nervos, resultante do desenvolvimento e apelo do instinto de sociabilidade. Como no caso do sublime, essa caracterização subjetiva do efeito do belo sobre o corpo e a alma é fundada nas qualidades dos objetos que produzem aquele efeito: os objetos do sentimento do belo destacam-se desse modo por tamanho relativamente pequeno, superfície polida, clareza cristalina, ondulação suave e maciez solúvel, evanescente.5 Daí para frente, o contraste entre o belo e o sublime no debate estético será o tema dominante ao longo de todo o século XVIII.
Kant6 transpõe a reflexão sobre a beleza e o sublime para um nível transcendental. Aqui já não se trata mais de efeitos meramente psicológicos de tais experiências, mas do princípio a priori que possibilita essa experiência. Mas também Kant distingue o belo do sublime: belo diz respeito à forma apreendida pela imaginação, sublime à ausência de forma e brutalidade da natureza.
Contra essa orientação dominante, o jovem Friedrich Schlegel, teórico do primeiro romantismo, forçou conceitualmente a superação das diferenças qualitativas entre belo e sublime e, simultaneamente ao lado de Kant e contra ele, converteu enfaticamente o sublime a elemento essencial das belas artes. Com isso, ele formulou uma estética que suspende a tensão de natureza e arte ao passo em que se dissolve a tensão entre o belo e o sublime (Mathy, 1989).
Na concepção fichtiana do belo, à qual pertencem as reflexões sobre pintura, evidencia-se o processo tipicamente romântico de incorporação do sublime ao belo. Trata-se também nesse caso de um desdobramento de conceitos kantianos a partir da Crítica do Juízo. No escrito Filosofia prática, não se trata porém de uma suspensão da tensão entre arte e natureza, mas do aprofundamento da tensão entre natureza e liberdade. A arte pertence para Fichte ao domínio da liberdade e, precisamente por isso, encontra-se em oposição à natureza.
É justamente a aproximação almejada por Fichte entre dois conceitos até então complementares - do belo e do sublime - que permite por exemplo uma tematização radical e original das cores na pintura, contra a teoria da supremacia do desenho na teoria kantiana de cunho neoclassicista.
2. A arte no escrito Filosofia prática
Os manuscritos Meditações próprias sobre a filosofia elementar e Filosofia prática representam a primeira tentativa de Fichte para fornecer uma apresentação nova e própria da filosofia transcendental. Eles remontam ao inverno de 1793/94. o primeiro trata de filosofia teórica, o segundo de filosofia prática. Essa nova apresentação da filosofia transcendental dividida em dois passos deveria constituir um sistema unitário e científico que unificaria liberdade e mundo sensível sob o primado do primeiro e, com isso, permitiria uma compreensão mais profunda e unificada das estruturas subjetivas do pensamento e ação do homem como um ser racional finito.7 As reflexões de Fichte sobre о belo e о sublime se desenvolvem nesse contexto puramente sistemático e filosófico-transcendental.
Filosofia prática deve solucionar a contradição que aparece na filosofia teórica entre, por um lado, o Eu como Eu absoluto e independente e, por outro, entre о Eu como inteligencia e dependente do Não-Eu. Fichte introduz o esforço para eliminar essa contraposição central, о esforço representa a exigencia do Eu absoluto por independência e autoatividade. Contudo, o Eu jamais pode exercer uma causalidade efetiva sobre o Não-Eu, esforçando-se apenas para ultrapassar o limite de sua dependência (GA, II, 3,181-182).Filosofia prática percorre todos os momentos da filosofia teórica - ou seja, sensação, intuição, faculdade do juízo - e mostra como deve se formar em cada um desses momentos um grau elevado de esforço por autoatividade e libertação dos limites do conhecimento. O agradável corresponde à sensação, o belo e o sublime correspondem à intuição e o bem deveria representar o último passo, mas o escrito não foi terminado (GA, II, 3, 206-209).
As reflexões de Fichte sobre o belo e o sublime se mantêm bastante próximas das observações de Kant, mas também oferecem sugestões originais e interessantes, especialmente em relação à valorização da sensibilidade em geral e das cores em particular. Por isso mesmo, justifica-se uma comparação com Kant que será até de grande auxílio para o entendimento da amplitude das inovações de Fichte.
Na compreensão fichtiana do prático, a sensibilidade contribui para desenvolver a autoatividade: o agradável, o belo e o sublime nada mais são do que níveis distintos da libertação do Eu do que é dado no mundo objetivo. O que é profundamente diferente em relação a Kant é a presença do estético (em sentido mais estritamente kantiano, a saber, relacionado ao sentimento, mas também, em sentido contemporâneo, relacionado à beleza e à arte) em um contexto prático. Isso quer dizer que deixa de existir a separação essencial e inevitável para Kant entre sensibilidade e determinação da lei, na medida em que ambas pertencem de modos variados e com peso distinto ao dominio do pratico. Fichte valoriza claramente a sensibilidade em seu aspecto prático, demonstrando com isso que a liberdade da razão pode aparecer mesmo na escuridão e indeterminação dos sentimentos e emoções.
Segundo a doutrina fichtiana do belo, como também a de Kant, o prazer diante do belo é despertado pela apreensão da forma (GA, II, 3, 206). A forma é o produto subjetivo da imaginação que compõe o múltiplo das impressões sensíveis dadas no tempo e no espaço. Mas a forma, como atividade ordenadora da imaginação, respeito ao material sensível, também se reporta a um objeto determinado e representa com isso o primeiro passo na direção do conhecimento objetivo.8
A imaginação é autoatividade na apreensão do múltiplo, mas a ordenação do composto é forçada e o Eu é consequentemente dependente do Não-Eu. O Eu precisa portanto se libertar das coisas dadas no tempo e no espaço. Isso é possibilitado pela diferenciação kantiana entre perspectiva teórica e estética.9
Em perspectiva teórica, a forma de um objeto constitui a condição do conhecimento, mas se considerada esteticamente, a saber, sem finalidade de conhecimento e livre de conceitos e de toda relação a objetos determinados, pode suceder que o Eu se compreenda como causa dessa forma do Não-Eu em sua absoluta espontaneidade do esforço (GA, II, 3, 208). Essa representação ocasiona um prazer inesperado e espontâneo que desvela algo originário no ser humano, ou seja, a essênaa prática do homem, ou ainda, nosso esforço para sermos livres de determinação externa e para determinarmos as coisas fora de nós. Mas esse esforço nunca é completamente satisfeito, ele é um processo infinito de autodeterminação do homem contra a determinação externa.
Fichte assume os elementos mais importantes da teoria kantiana do belo: a forma como ordenação subjetiva da sensação, a intenção não-cognitiva do artista e do expectador, o prazer puramente não-sensível e seu poder de expressão. Mas se em Kant a experiência do belo remete à harmonia originária entre homem e natureza (KU, V, 240), o belo representa em Fichte a causalidade do esforço sobre a forma contra a determinação externa a partir do Não-Eu e da natureza. Como resultado da incorporação da questão da beleza à filosofia prática e ao lado da valorização fichtiana de elementos emocionais e sensíveis da beleza, a diferença mais importante entre Kant e Fichte repousa em sobre como é considerada a relação da forma aos objetos do mundo do conhecimento. Segundo Fichte, o componente subjetivo da forma, ou seja, a atividade livre da imaginação, nao se harmoniza com o componente objetivo, ou seja, com a relação a um objeto. Ao contrário, ambos contrastam. A bela forma representa uma ruptura com a atividade limitante da imaginação teórica que visa conhecer objetos determinados. Em conexão com o belo, o esforço não se satisfaz com a ordenação espaço-temporal das impressões sensíveis, mas almeja uma unidade ainda maior das formas particulares e das formas distintas entre si.10 Em outras palavras: por um lado, o objetivo do esforço é o de nos tornar independentes das coisas fora de nós, o que funda a exigência de destruição da ordem espaço-temporal que determina as coisas e as separa umas das outras. Por outro lado, a forma mesma é, como já vimos, produzida por essa atividade determinante e limitante. Assim, a forma do belo é para Fichte simultaneamente forma e não-forma (GA, II 3, 211). Essa definição da bela forma restitui o caráter mais importante do belo: a beleza torna contraditório tudo o que é teoricamente determinado e seguro (GA, II 3, 200). Com isso, a beleza mostra que a ordem do mundo, na qual o Eu é pensado como determinado pelo Não-Eu, é ilusória e ingénua. Ao mesmo tempo, a beleza contribui para a superação dessa ilusão e para a construção de uma ordem nova e livre do mundo. Por isso, o prazer sentido na experiência da beleza não é meramente positivo, não é, como na concepção de Kant, algo no qual gostamos de nos demorar porque ele nos tranquiliza acerca de nosso pertencimento e adequação ao mundo do conhecimento.11 Ao contrário, a consciência comum se torna imediata e repentinamente estranha para nós de tal modo que buscamos ainda mais unidade e mais liberdade do que as disponíveis no mundo do conhecimento.
O prazer diante do belo pressupõe um momento desagradável que resulta do espanto com a destruição da referência comum ao mundo. Esse sentimento é marcado por uma rápida alternância entre prazer e desprazer e se equipara a uma luta entre dois ordenamentos de mundo.
3. Sublimidade das cores
A compreensão fichtiana do belo como forma e não-forma e do prazer como não apenas positivo é bastante próxima da concepção kantiana do sublime. Na Crítica do Juízo, há primeiro o sentimento de dor e humilhação diante da força e grandiosidade da natureza, mas em seguida há a elevação espontânea por meio desses sentimentos negativos a um grau mais alto de prazer, uma vez que por essa via surge o sentimento de pertença a um ordenamento de mundo superior, o moral (KU, V, 264). Em Filosofia prática, há inicialmente a surpresa provocada pela experiência da arte e o afastamento do mundo cotidiano - por isso, o sentimento de prazer não é imediatamente positivo. Mas então, a imaginação é libertada da tarefa de apresentar o mundo "como ele é" e pode assim construir uma nova ordem das impressões sensíveis, buscando ao mesmo tempo novas conexões. A libertação da imaginação da ordem dada do apreendido é aquilo que causa propriamente o prazer positivo e mostra que somos essencialmente livres.
Fichte utiliza até mesmo as definições "matemático" e "dinâmico", com as quais Kant distinguiu dois tipos de sublime, para identificar dois subtipos de belo (GA, II, 3, 211-212)12 o belo matemático diz respeito à ordem das sensações no espaço, o belo dinâmico à ordem das sensações no tempo.
Em relação à pintura, o desenho pertence ao belo matemático. Fichte pensa com isso na síntese das sensações no espaço como o contorno que pode ser remetido à forma geométrica. Em concordância com a definição do belo enquanto "forma e não-forma", aquilo que é relevante para a perspectiva estética é a indeterminidade do contorno - seu flutuar entre determinações distintas. Quanto mais a forma se descola da determinidade dos objetos, tanto mais ela agrada, visto que também exige mais atividade e liberdade do expectador (GA II, 3, 213).
No âmbito das reflexões sobre o belo matematico, Fichte observa que Kant considerou as cores como elemento meramente adicional da beleza, supérfluo e em todo caso não decisivo. As cores pertencem para Kant não à forma, mas ao conteúdo das impressões sensíveis, e por isso elas não podem ser reduzidas a relações espaço-temporais. Por conseguinte, elas podem ser agradáveis, podem estimular e comover, mas não podem ser propriamente belas, pois há uma diferença qualitativa entre o belo e o agradável. Só o desenho serve para o ajuizamento do belo, já que segundo as reflexões críticas de Kant a beleza precisa estar livre de estímulo e comoção. Com isso, Kant se alinha à longa tradição que vai da renascença ao neoclassicismo e que defende a primazia do desenho sobre as cores.13
Fichte rompe com essa tradição. Para ele, as cores e seus efeitos emocionais são momentos constitutivos da beleza. Especialmente a comoção remete à mesma estrutura do sentimento típico da beleza: uma rápida sucessão de estados de ânimo diversos e mesmo contraditórios. Beleza e comoção são tão próximas uma da outra que Fichte escreve: "não pode haver comoções belas [...]. Mas uma obra de arte que não comove, certamente não é bela" (GA II, 3,215). Fichte só pode afirmar isso porque ele concebe o agradável e o belo como dois níveis da libertação do esforço distintos apenas quantitativamente, enquanto segundo Kant as emoções não pertencem nem podem pertencer ao sentimento que acompanha o juízo de gosto e são qualitativamente diferentes com respeito a este sentimento pelo fato de ser materiais e não podem ser reconduzidos a elementos formais.
No âmbito das reflexões do belo dinâmico, a questão das cores é retomada e colocada em relação com a temporalidade.
Com base no pano de fundo de sua doutrina da bela forma enquanto "forma e não-forma", Fichte pode considerar como belos em si a coloração e, em especial, um aspecto da mistura de cores, a saber, a confluência das cores (GA II, 3,220). Esse desaparecer das cores umas nas outras diz respeito não apenas à impressão das cores particulares, mas à ordenação, à disposição especial e sempre nova, singular, das impressões no tempo. A forma da transição das cores remete inequivocamente ao que Fichte tem em mente com a expressão "forma e nao-forma". Além disso, ela representa não o esforço de destruição do limite da imaginação cognitiva, mas um nível já mais elevado do esforço pela libertação da forma em geral. Isso significa que o esforço tenta dissolver a primeira condição de nossa finitude que é como se fosse um "filtro" de todas as nossas experiências, a saber, o próprio tempo.14 O belo dinâmico diz respeito à síntese das sensações no tempo, corresponde nas reflexões de Fichte à passagem do belo para o sublime que reivindica um grau ainda mais elevado de liberdade. Segundo as reflexões das Meditações próprias que se reportam imediatamente à Crítica da razão pura de Kant, o tempo tem apenas uma dimensão: ele decorre infinitamente do passado para o futuro, ou melhor, não é realmente assim que o tempo flua, mas o múltiplo da intuição flui, de maneira sucessiva, no tempo. Nós tomamos consciência do tempo apenas mediante modificação do Eu: percebemos que ocorre uma modificação de um tempo para outro. Todas as determinações do tempo nada mais são do que a limitação da totalidade do tempo; a imaginação limita cada momento b por uma percepção precedente a e uma subsequente c; cada momento é necessariamente afugentado pelo próximo (GA II, 3, 216-220). Ora, a percepção da transição das cores é bela para Fichte porque nesse caso o desaparecimento das cores é perceptível, e isso é de fato uma forma, uma organização do múltiplo, que não é forma, ou pelo menos à qual falta um elemento importante da forma, ou seja, a relação a um objeto: a confluência das cores não se reporta de fato a um objeto, pois ela e um desaparecer. Além disso, nesse caso, é como se a imaginação captasse intuições distintas em um momento sem poder diferenciar onde começa uma e termina outra. Desse modo, surge uma percepção do desaparecer: percebem-se várias impressões de cor, embora nenhuma especificamente determinada, e com isso apenas uma ordenação do indeterminado que tende à destruição da própria forma. Se considerarmos que toda intuição determina um momento, temos aqui vários momentos em um. Nessa simultaneidade de momentos distintos - que poderíamos denominar compressão do tempo -, a estrutura fundamental do tempo, a sucessão dos momentos, é submetida a uma tensão. Na confluência das cores, o esforço mostra a força do sujeito de investir, por um lado, contra a objetividade e, por outro, contra a forma do sentido interno: o tempo - ou seja, contra uma das condições que nos torna finitos. O esforço dirige-se à infinitude, à destruição de todos os limites no tempo e no espaço. O sublime, cuja abordagem em Filosofia prática se segue imediatamente à do belo dinâmico, almeja "o sem limites no tempo e espaço, acompanhado pela representação de que o Eu está preso a tempo e espaço" (GA II, 3, 239). A força do ser humano contra tudo que limita sua liberdade se mostra potente na experiência do que podemos denominar de belo sublime. A dinâmica sobre a qual o filósofo lança luz na confluência das cores se aproxima bastante da tensão entre tempo e eternidade ou entre finitude e infinitude na perspectiva da destinação do homem: por um lado, o homem deve seguir sua destinação, por outro, esse fim é a princípio inalcançável. O homem deve almejar a perfeição, mas seu destino é um "aperfeiçoamento ao infinito". O homem é finito no tempo, mas em sua destinação a perseguir o fim definitivo ele é eterno e livre daquela limitação. O poder da natureza e mesmo da morte como símbolo supremo de nossa finitude e temporalidade não provoca medo, pois o ser humano é eterno na realização de nossa destinação, exatamente como ele o sentiu na experiência volátil da confluência das cores.
Fichte infelizmente não aprofundou essas reflexões. Mas apesar disso, o tempo já estava maduro para uma reação ao neoclassicismo e para o surgimento de um novo modo de fazer e compreender a arte e uma nova concepção do gênio artístico que já supera os limites cuidadosamente traçados pela Crítica da faculdade de julgar, o sublime da natureza não aponta mais apenas para moralidade, que eleva o homem finito além do sensível, mas para grandeza e eternidade do homem, neste caso do artista, que na luta contra a natureza afirma a própria liberdade. Como exemplo deste deslocamento, mostra-se especialmente oportuna uma passagem de Algumas preleções sobre a destinação do erudito, de Fichte:
Oh! este é o mais sublime de todos os pensamentos: (...). O que se denomina morte não pode interromper minha obra, pois minha obra deve ser acabada; mas como em tempo algum pode ser acabada, tempo algum está determinado para a minha existência - e sou eterno. Levanto ousadamente minha cabeça para a montanha ameaçadora, para a estrondosa catarata, para as nuvens trovejantes, flutuando num mar de fogo, e digo: eu sou eterno.15