Delineando o cenário
Os empreendimentos de turismo rural, ao mesmo tempo que podem revelar e valorizar a cultura rural de uma região, também resultam das transformações que ocorrem nesses territórios, como atentam Roscoche e Carvalho (2006) ao discutir as implicações das diferenças regionais na configuração do turismo rural nas regiões brasileiras, destacando que:
As diferentes características de colonização, por exemplo, são responsáveis pelas atuais configurações culturais e socioeconômicas, que estão diretamente ligadas ao modo de lidar com a terra e à independência econômica de seus proprietários. No Nordeste, região caracterizada pelo patriarcalismo e pela monocultura, as propriedades rurais que cultivavam a cana-de-açúcar perderam a importância econômica e tiveram que buscar novas oportunidades para aproveitar os equipamentos ociosos. Já no Paraná, a cultura imigrante [que incentivava as pequenas propriedades autossuficientes] permite que grande parte dos agricultores e pecuaristas possam se dedicar ao turismo, nem necessariamente abandonar as atividades tradicionais (2006: 278).
Isso certamente reflete-se nas características dos produtos e serviços de turismo rural ofertados, mas devem ser consideradas juntamente com outros elementos que, articulados ou não, propiciam condições para que este rural não seja apenas um recurso, mas se conforme como um segmento turístico. Entre elas, destacam-se as organizações e entidades que atuam na facilitação e no apoio à implementação e operação dos empreendimentos de turismo rural.
Nesse sentido, destaca-se o relevante papel que o poder público na esfera federal teve nas discussões e nos avanços que foram implementados na promoção do turismo rural no país, desde meados de 1990. Contudo, essa mesma intensidade de atuação não se verificou no âmbito do poder público no estado de São Paulo, exceto pela criação da Câmara Setorial de Lazer e Turismo no Meio Rural, em 1998, vinculada à Secretaria da Agricultura. Apesar da presença formal na Secretaria da Agricultura, os empreendedores de turismo rural contam com uma atuação bastante incipiente da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), responsável pela atividade de extensão no turismo rural no estado.
Pinho (2014) explica que isso se deve, principalmente, à ausência de um projeto institucional voltado ao turismo rural, que teria capacidade para exercer um importante papel de mediador entre o produtor rural e os demais atores sociais envolvidos no segmento do turismo rural em função da ampla capilaridade que tem no estado, com a presença das Casas de Agricultura e o corpo técnico de extensionistas que atuam com grande proximidade aos produtores rurais. A presença pífia do poder público estadual e municipal na articulação, debate e orientação do desenvolvimento do segmento de turismo rural gera uma lacuna que é ocupada por algumas entidades do Sistema S.
Destaca-se a atuação do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE-SP) desde 1995, quando implementou o programa “Volta ao Campo”, oferecendo palestras de sensibilização e assistência técnica para os pequenos produtores rurais do interior do estado. Esteves (2001) revela que esse esforço atingiu mais de 1.000 produtores rurais em 1996, com a posterior realização de diagnósticos de viabilidade e desenvolvimento de projetos específicos para 15 propriedades. O segmento do turismo rural esteve presente também no âmbito de inúmeros projetos de desenvolvimento turístico elaborados e implementados pela entidade, que restringiu suas iniciativas nessa área nos últimos anos, em decorrência de alteração de suas estratégias de ação.
O Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), em parceria com a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (FAESP), tem presença marcante no cenário do turismo rural paulista desde 2004, quando propôs o Programa de Turismo Rural, que tinha como objetivo ampliar o olhar sobre a propriedade rural, fornecendo ferramentas para identificar e implantar negócios de turismo, de acordo com os recursos encontrados no meio, aliados às habilidades e vocações do produtor rural e sua família. Desde então, tem mantido uma atuação permanente, principalmente na oferta de treinamentos, inclusive com novas abordagens, como monitoria na propriedade de turismo rural, promoção e comercialização de turismo rural e turismo pedagógico no meio rural (FAESP & SENAR, 2010, 2011).
As duas entidades, SEBRAE/SP e SENAR, além de promover a capacitação técnica dos empreendedores de turismo rural, têm grande envolvimento nos debates do segmento, apoiando e participando de vários eventos técnicos, científicos e comerciais no estado.
Em 2002, registrou-se uma única iniciativa do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (SESCOOP/SP), junto a 41 propriedades do Circuito das Frutas, numa ação intitulada “Programa de turismo rural cooperativo”, que tinha por objetivo possibilitar uma renda alternativa ao produtor, além de estimular o associativismo e o cooperativismo.
A essa atuação destas entidades associa-se a capacidade de mobilização dos empreendedores de turismo rural paulistas refletida na organização de inúmeras associações de âmbito municipal e regional. Essa situação permitiu a Bovo (2004) analisar o turismo rural no estado a partir da perspectiva de um conjunto de associações: Associação de Turismo Rural de Ribeirão Preto e Região (ATURP), Associação de Turismo Rural do Circuito das Frutas (ATRCF), Associação do Turismo Rural do Médio Tietê (ASTUR), Associação Brasileira de Turismo Rural (ABTR), Associação Natureza Café com Leite (ANCL), sendo que as regionais têm forte presença até os dias atuais. A representação estadual está sob a responsabilidade da Associação Brasileira de Turismo Rural (ABRATURR/SP), que tem representado os interesses do segmento em todos os espaços de discussão no estado, participando e realizando eventos, acompanhando e dando visibilidade para as demandas dos seus associados.
Uma parceria articulada em 2006 entre a ABRATURR/SP, a Editora Turismo de Campo e a Secretaria de Turismo do Estado de São Paulo resultou no primeiro Guia de Turismo Rural do Estado de São Paulo. Desde então, o documento tem sido amplamente utilizado pelos profissionais, empreendedores e pesquisadores como referência para localizar 844 empreendimentos de turismo rural, contemplando diversas modalidades de negócios de turismo rural em todo o território paulista (Roque, 2006). O Guia disponibiliza informações sobre os serviços oferecidos, apresentando uma breve análise do conjunto de empreendimentos de turismo rural identificados a partir um extenso levantamento de material promocional de empreendedores e de prefeituras e de dados da Secretaria de Turismo, dos circuitos turísticos e das associações, complementado por um questionário respondido pelos proprietários desses estabelecimentos. A sistematização dos dados gerou o documento intitulado Indicadores do Turismo Rural Paulista, disponibilizado como parte do Guia, com informações resumidas sobre as modalidades de turismo rural, a distribuição dos empreendimentos no território e o perfil do público. Infelizmente, foi a única iniciativa que trouxe dados mais detalhados sobre o segmento de turismo rural no Estado de São Paulo, e que ainda é uma referência para subsidiar as ações de gestores públicos, profissionais e pesquisadores da área.
Além desse documento, conta-se com o Levantamento Censitário de Unidades de Produção Agropecuárias (Projeto LUPA), realizado em 2008, pela Secretaria da Agricultura e Abastecimento, que identificou oito categorias de atividades econômicas não agropecuárias, nas 324.601 Unidades Produtivas Rurais (UPA) no Estado (São Paulo, 2008). Embora a quantidade de propriedades com atividades não-agrícolas seja pouco expressiva em relação ao total (1,66%), como apresentado na Tabela 1, o registro da sua existência é um indicador importante de que o rural paulista está sujeito às mesmas transformações observadas em outras regiões do país.
Atividades | Número de UPA | Percentual |
---|---|---|
Agroindústria | 425 | 0,13 |
Esporte e Lazer | 1.999 | 0,62 |
Extração Mineral | 409 | 0,13 |
Hotel Fazenda/Pousada/Spa | 460 | 0,14 |
Pesque-pague | 627 | 0,19 |
Restaurante/Lanchonete | 694 | 0,21 |
Transformação Artesanal | 425 | 0,13 |
Turismo Rural/Ecoturismo | 370 | 0,11 |
Fonte: São Paulo (2008).
Observa-se que, nesse conjunto de atividades não-agrícolas, se sobressaem as relacionadas às atividades de lazer ou de turismo, que podem estar ocorrendo de forma concomitante na mesma propriedade rural (Tabela 1). Dentre elas destaca-se a categoria Esporte e Lazer (0,62%), provavelmente em função da amplitude conceitual considerada, seguida pelos Restaurantes/Lanchonete (0,21%), Pesque-pague (0,19%), Hotéis Fazenda/Pousada/Spa (0,14%) e Turismo Rural/Ecoturismo (0,11%).
Os indícios dessa presença emergem em diferentes documentos, como no Censo Agropecuário realizado pelo IBGE (2011, 2015) e nos artigos de Silva (1996, 2000), que detectam também a expansão dos pesque-pague, mas não compreende que se trata de um fenômeno mais amplo e diverso. As chácaras de recreio, tema discutido profundamente por Tulik (2001), é apenas umas das facetas do movimento de uso do espaço rural para atividades de lazer e turismo.
Entretanto, uma análise mais acurada do significado desses dados não é possível, pois as categorias de análise que foram utilizadas são muitos amplas e não correspondem aos conceitos e atributos discutidos acerca do que pode ser considerado turismo rural. Nesse sentido, vale ressaltar que os dois levantamentos, do Guia de Turismo Rural (Roque, 2006) e do LUPA (São Paulo, 2008), revelam deficiências semelhantes, ocasionadas pelo uso de conceitos diferentes e muito extensos. Além disso, os dados têm quase uma década e provavelmente o panorama atual já está muito diferente.
Então, qual é mesmo a realidade do turismo rural paulista? São os mais de 800 empreendimentos indicados pelo Guia de Turismo Rural? São as 1.999 UPA com atividades de esporte e lazer? Ou são aquelas com turismo rural/ecoturismo? Como pensar em políticas públicas, planejamento, financiamento, capacitação para um conjunto de empreendimentos no estado com tão pouca informação atualizada disponível?
Diante destas questões, parece fundamental realizar um mapeamento dos empreendimentos de turismo rural no estado de São Paulo, a fim de compreender sua dinâmica e expressão. Foi com esse intuito que se realizou este estudo.
Percurso metodológico
Em 2014, a ABRATURR resolveu reeditar o levantamento realizado pela Editora Turismo de Campo, convidando os empreendedores de turismo rural cadastrados na associação, inclusive aqueles que participaram das diferentes edições do Encontro Paulista de Turismo Rural, e também aqueles que estavam relacionados nos bancos de dados da Associação das Prefeituras Estâncias do Estado de São Paulo (APRECESP) e dos Roteiros e Circuitos de Turismo de São Paulo. Com uma lista de 350 endereços eletrônicos de empreendedores e empreendimentos de turismo rural do estado, disponibilizou um formulário online para ser respondido.
A coleta de dados realizada entre junho e setembro de 2014, obteve um retorno de 229 questionários preenchidos, ou seja, 65,42% de questionários respondidos online. Esse é um excelente resultado, considerando que é um público naturalmente distante do uso da tecnologia, seja por estilo de vida ou mesmo pelo acesso por vezes deficiente aos recursos tecnológicos. Portanto, o volume de respostas é um contundente indicador do interesse dos empreendedores e também um reconhecimento da ABRATURR.
Mas em seguida se deparou com um problema, como tratar e analisar os dados levantados? Com o intuito de solucionar essa questão, firmou-se uma parceria entre a ABRATURR e o grupo de pesquisa Centro de Estudos de Turismo e Desenvolvimento Social (CETES). Deu-se início, então, a este estudo, caracterizado como levantamento ou survey (Ferri, 2011) sobre o negócio do turismo rural no estado de São Paulo na visão dos seus empreendedores, com base nos dados levantados na pesquisa da ABRATURR, ou seja, em dados secundários.
Como não havia inicialmente um projeto de pesquisa com preocupações metodológicas, na elaboração do questionário ou mesmo na coleta de dados, o processo exigiu um grande esforço na tarefa de tratamento e sistematização, que demandou um tempo maior do que o esperado para enfim obter uma informação de maior qualidade. Após o tratamento dos dados foram consideradas as respostas relativas ao um conjunto de 198 empreendimentos.
Compreende-se que o resultado obtido tenha algumas limitações metodológicas, mas ao mesmo tempo salienta-se que talvez não fosse possível obter novamente a atenção e a disponibilidade dos empreendedores em um novo estudo, sem apresentar os resultados da consulta anterior. A análise dos dados está disposta em quatro categorias elaboradas para responder a algumas questões-chave: Quem é o empreendedor de turismo rural? Como é a atividade de turismo rural nos empreendimentos? Como está estruturado o negócio? Quem são os visitantes?
Os empreendimentos de turismo rural no Estado de São Paulo
Os empreendedores
A maioria dos respondentes pelos estabelecimentos foram os próprios proprietários (49,0%), seguidos pelos sócios-proprietários (16,2%), funcionários responsáveis pela gerência/coordenação e diretoria (16,6%) e analista/consultor (8,6%), além de outros (3,5%); uma minoria não informou a ocupação (Figura 1). O interesse direto dos proprietários e sócios-proprietários (65,2%) é um indicador positivo do interesse em participar efetivamente de ações que permitam gerar informações de qualidade sobre o segmento. Também significa que precisa haver um compromisso com o retorno e a discussão dos resultados com aqueles que responderam prontamente à solicitação, além de promover uma ampla difusão para aqueles que atuam direta ou indiretamente no segmento.
Essa situação parece apontar também para uma postura de compromisso direto com o negócio que poderia ser melhor esclarecida aplicando, por exemplo, as categorias de empreendedores de turismo rural identificadas por Oliveira (2001): aquele que reside na propriedade (autêntico), propriedade rural como segunda residência (sazonal) e os que não têm vínculos com o meio rural (investidor). Nesse sentido, a indicação da existência de gerente, diretores, coordenadores e consultores parece confirmar que 13,6% destes empreendimentos têm uma gestão profissional.
O estudo de Geraldo (2012) traz mais algumas pistas de como essas relações podem se estabelecer, quando verifica que na sua área de estudo os proprietários indicaram que desenvolvem atividades profissionais como industriais e empresários de outros setores, e também observa que:
Os proprietários mais jovens residem nas áreas urbanas das sedes municipais ou mesmo em outras localidades, além de haver os moradores em tempo parcial, residindo parte do tempo na propriedade e possuindo residências urbanas, semelhante ao que ocorria com os grandes produtores do período cafeeiro (2012: 141).
No entanto, será que essa é a realidade de todos os empreendimentos? Que diferença faz a presença permanente do proprietário no empreendimento? A situação encontrada parece ser diferente da detectada nos estudos europeus que indicam um fluxo de novos moradores para as zonas rurais (Eusébio & Figueiredo, 2014; Wanderley, 2001), com certeza uma questão que merece ser investigada, mas que foge ao escopo deste estudo.
As atividades de turismo rural
Distribuição espacial e inserção no turismo paulista
A partir das informações apresentadas pelos empreendedores que participaram do levantamento da ABRATURR, em 2014, elaborou-se a Figura 2 que, além de mostrar a distribuição dos empreendimentos no território paulista, também permite observar as regiões e municípios onde estão concentrados. Verifica-se que há apenas cinco municípios com mais de 10 empreendimentos: São Bento do Sapucaí (13), Mogi das Cruzes e Louveira (12 cada), São Roque e São João da Boa Vista (11 cada) e dois municípios com de 6 a 10 empreendimentos, geograficamente próximos a grandes centros urbanos. Predominam os municípios com até 5 empreendimentos de turismo rural. Curiosamente, a região que engloba os municípios do Circuito das Frutas parece não estar adequadamente representada no levantamento realizado.
Percebe-se a presença de empreendimentos de turismo rural em maior ou menor escala em quase todo o território paulista, exceto na região do Oeste Paulista, que se caracteriza pela exploração intensiva do agronegócio, caracterizada como:
[...] uma região bastante distante dos grandes centros emissores de turistas e que não dispõe de patrimônio histórico, cultural e/ou natural que seja suficiente para fomentar atividades turísticas. Os espaços rurais da região são marcados pela forte presença de latifúndios dedicados a pecuária de corte e, nos últimos anos, tem havido grande expansão da monocultura da cana-de-açúcar (Hespanhol, 2013: 227).
Geraldo (2012), ao estudar algumas propriedades de turismo rural na região da Cuesta, também aponta essa característica da produção agrícola como um fator relevante na configuração da paisagem por vezes monótona da região.
Também não foram indicadas propriedades de turismo rural na região Sul, onde se localiza uma extensa área de preservação ambiental, talvez a ausência de registro de atividade de turismo rural seja resultado da forte presença do segmento de ecoturismo.
O levantamento do Guia de Turismo Rural já salientava, em 2006, a concentração desses empreendimentos nas regiões próximas a grandes centros urbanos, com uma distância de até 200 km (Roque, 2006: 168). Esse padrão de distribuição dos empreendimentos também foi verificado por Bovo (2004) e Oliveira (2001).
O padrão verificado em diferentes estudos ainda se mantém (Tabela 2), com destaque para os empreendimentos localizados nos municípios da Região Administrativa (RA) de Campinas (31,8%), que abrange a área do Circuito das Frutas, seguido pela RA de São José dos Campos (19,2%), que abarca uma ampla área do Vale do Paraíba, RA de Sorocaba (15,7%) e Região Metropolitana de São Paulo (12,6%). O restante encontra-se distribuído entre sete RA do Centro-Oeste (19,1%).
Regiões | Frequência | % |
Campinas | 63 | 31,8 |
São José dos Campos | 38 | 19,2 |
Sorocaba | 31 | 15,7 |
Metropolitana de São Paulo | 25 | 12,6 |
Bauru | 10 | 2,1 |
Central (Araraquara e São Carlos) | 9 | 4,5 |
São José do Rio Preto | 5 | 2,5 |
Franca | 4 | 2,0 |
Barretos | 4 | 2,0 |
Ribeirão Preto | 3 | 1,5 |
Presidente Prudente | 3 | 1,5 |
Santos, São José dos Campos | 1 | 0,5 |
Santos | 1 | 0,5 |
Registro | 1 | 0,5 |
Total | 198 | 100 |
Fonte: Elaborado pela autora com base em dados de ABRATURR-2014.
Atrativos e diferenciais
Ao serem inquiridos acerca dos recursos ou atrativos de suas propriedades, os empreendedores destacam predominantemente aqueles que têm relação com o meio ambiente natural (Tabela 3), ressaltando a presença de locais que podem promover uma maior aproximação da natureza, como trilha para caminhada (35,9%), área de proteção ambiental (11,1%), gruta e/ou caverna (5,1%), recursos hídricos com possibilidade de realização de atividades de lazer como rio, lago ou represa (20,7%), banhos em cachoeira (14,1%), piscina natural (4,5%) ou praia (1,5%) e mirantes para contemplação (11,1%).
ATRATIVOS TURÍSTICOS | ||
Tipos de Atrativos | Atrativos | % |
Naturais | Trilha para caminhada | 35,9 |
Rio, lago e represa (açude, barragem etc.) | 20,7 | |
Cachoeira | 14,1 | |
Área de proteção ambiental (APA) | 11,1 | |
Mirante | 11,1 | |
Gruta e/ou caverna | 5,1 | |
Piscina natural | 4,5 | |
Praia (marítima, fluvial ou lacustre) | 1,5 | |
Rurais | Horta | 31,8 |
Pomar | 24,7 | |
Criação de animais/aves | 2,0 | |
Culturais | Museu | 1,5 |
Construção de valor histórico (casarão, senzala, capela e/ ou similar) | 13,1 | |
Ruínas de valor histórico | 4,5 | |
Naturais | Turismo de aventura | 0,5 |
Outros | 1,5 | |
Não informado | 6,6 |
Fonte: Elaboração da autora com base em dados de ABRATURR 2014.
Nota: permitidas respostas múltiplas.
Em segundo lugar (Tabela 3) são indicados os atrativos relacionados às práticas agrícolas, distribuídos em: horta (31,8%), pomar (24,7%) e criação de animais/aves (2,0%). Apesar de vários pesquisadores apontarem o turismo rural como estratégia de preservação do patrimônio histórico material e imaterial, isso é pouco percebido pelos empreendedores como um atrativo ou recurso significativo, pois apenas 13,1% dos empreendimentos possuem construção de valor histórico (casarão, senzala, capela e ou similar), além de ruínas de valor histórico (4,5%) e museu (1,5%).
Em relação ao patrimônio imaterial, o entendimento expressado se restringe apenas ao que é edificado, desestimulando respostas nesse sentido no formulário. A análise mais apurada da realidade fica prejudicada principalmente ao considerar que, além do consumo da paisagem e da natureza revelado pelo expressivo número de indicações, as propriedades rurais também têm se apoiado na oferta gastronômica como diferencial desse tipo de negócio, como destaca Carvalho (2012: 52): “Um símbolo bastante característico da hospitalidade rural é a oferta gastronômica de produtos caseiros e artesanais como doces, bolos, chás, café, biscoitos, sucos naturais, entre outros”.
Mas como mensurar ou valorizar o intangível que normalmente é fundamental na construção de uma experiência de viagem? Oliveira (2001: 52) oferece algumas pistas e aponta para questões importantes ao afirmar que o “turismo rural está associado ao chame, à proximidade e simpatia do povo brasileiro, porém maximiza o estereótipo do caipira ingênuo e acolhedor”.
Por um lado, os aspectos positivos associados ao mundo rural têm sido apropriados exemplarmente por alguns empreendimentos, como as fazendas Capoava (Itu) e Águas Claras (Itapira) que, com essa abordagem de negócio, conseguiram se inserir no catálogo da Associação de Hotéis Roteiro de Charme. Por outro, explorar o estereótipo do caipira paulista, que para muitos carrega ainda a imagem negativa do campo, associados a pobreza e ao atraso (Brandão, 1983), é uma abordagem simplista. Essa é uma questão que precisa ser entendida e superada com sensibilidade, perspicácia e criatividade, como aponta Mazuel:
Os agricultores que praticam o acolhimento na fazenda encontram respostas adaptadas. Para evitar a folclorização saudosista, eles criam um ambiente-museu em que evocam os velhos documentos, instrumentos antigos, vídeos, as práticas camponeses antigas. Depois eles dirigem o pequeno grupo de turistas para a propriedade moderna, mostrando a evolução, a vida e as pressões sobre os agricultores atualmente. Trata-se o turista como um adulto, capaz de discernimento. Não se procura vender a ele, a qualquer preço, uma imagem arcaica do campo (2000: 108).
Uma discussão séria e aprofundada sobre atratividade turística no campo pode contribuir para que os empreendedores se sensibilizem e comecem a perceber o que pode ser atrativo para seus visitantes, de forma a ter os elementos fundamentais para a composição de um portfólio de produtos e serviços que possa representar o que têm de melhor. Não se trata apenas de uma preocupação com comercialização, diferencial ou marketing, mas sim de autoestima e valorização do que é rural. A isto se associam preocupações com a sustentabilidade das atividades ofertadas e que pode se tornar uma vantagem competitiva (Figueroa et al., 2015).
Oliveira já salientava que os empreendedores deveriam considerar a mudança no perfil dos visitantes e em suas expectativas, “cada vez mais interessados em obter informações sobre a propriedade, as diferentes culturas agrozootécnicas, formas de manejo, a história e a cultura local etc.” (2001: 58). Observa-se que esse levantamento não indicou nenhuma inovação nesse sentido, com o que se pergunta: Será que não existem? Ou, de novo, os empreendedores não percebem que o seu saber fazer é o diferencial? Onde estão os produtores de orgânicos tão na moda? E as formas de manejo alternativas? Esta é uma discussão atual e relevante que pode trazer contribuições para o aprimoramento da atuação destes empreendedores.
A partir de um rol de atividades preparado com base em conhecimento técnico do pessoal da ABRATURR e do formulário utilizado para o Guia de Turismo Rural (Roque, 2006), buscou-se identificar quais eram as atividades mais comuns ofertadas nos empreendimentos de turismo rural paulista. Para facilitar a análise, as respostas foram organizadas em 11 categorias, considerando aspectos comuns das inúmeras atividades indicadas no formulário (Tabela 4).
ATIVIDADES DESENVOLVIDAS | ||
Tipos de atividade | Atividades | % |
Criação de animais | Hípica/ cavalgadas | 6,1 |
Apiário | 1,0 | |
Pesca | Pesqueiro | 4,5 |
Agricultura | Vinícola | 7,1 |
Alambique | 4,5 | |
Colhe e pague | 4,0 | |
Mostrar a produção | 4,0 | |
Leiteria e queijaria | 2,0 | |
Plantas | Orquidário | 2,0 |
Comércio de plantas | 1,0 | |
Produção artesanal | Produtos orgânicos | 1,5 |
Venda de produtos artesanais | 1,5 | |
Pães artesanais | 1,0 | |
Produção de doces | 1,0 | |
Hospedagem | Hospedagem | 26,8 |
Day use | 13,1 | |
Camping | 1,5 | |
Serviços de alimentação | Restaurante rural | 25,8 |
Café rural | 3,0 | |
Bar | 0,5 | |
Pizzaria rural | 0,5 | |
Culturais | Artesanato | 3,0 |
Visitação histórico-cultural | 2,0 | |
Turismo de aventura | Trilha ecológica | 13,6 |
Paraquedismo | 0,5 | |
Paintball | 0,5 | |
Turismo de aventura | 0,5 | |
Buggy | 0,5 | |
Rapel | 0,5 | |
Turismo pedagógico | Turismo pedagógico | 1,5 |
Turismo de negócios | Turismo de negócios | 0,5 |
Outros | Outros | 3,0 |
Fonte: Elaboração da autora com base em dados de ABRATURR-2014.
Nota: permitidas respostas múltiplas.
Verifica-se que a hospedagem (26,8%) e o restaurante rural (25,8%) destacam-se entre os serviços ofertados nas propriedades, que são serviços turísticos per se e podem estar combinados ou não com a oferta de outras atividades de lazer. Esses serviços, juntamente com a possibilidade de day use (13,1%), camping (1,5%), café rural (3,0%), bar e pizzaria rural (0,5%), são essencialmente de caráter turístico e poderiam ter sido contemplados no formulário como um item exclusivo que permitisse avaliar características específicas, tais como capacidade e diferencial de serviços.
As outras categorias contemplam a oferta de uma série de atividades de lazer e de comercialização de produtos diretamente relacionados a aspectos da vida no campo e da sua produção. Na categoria denominada agricultura, foram indicadas atividades relacionadas à produção, como vinícola (7,1%), alambique (4,5%), leiteria/queijaria e orquidário, com 2,0% cada uma, além de produtos orgânicos (1,5%) e comércio de plantas (1,0%). Também foram indicadas duas atividades que permitem maior interação dos visitantes com a prática agrícola - o colhe e pague e a mostra da produção (4,0%) - e outras ligadas à produção e comercialização de pães e doces artesanais (2,0%) e artesanato (4,5%).
Como atividades de lazer relacionadas à criação de animais se destacam hipismo/cavalgadas (6,1%), pesqueiro (4,5%) e apiário (1%); foi apontada uma única atividade com cunho histórico-cultural (2,0%).
Curiosamente, os empreendedores indicaram algumas modalidades de turismo como atividades, por exemplo turismo de aventura, que contempla uma série de atividades de lazer na natureza como as trilhas ecológicas (13,6%) e outras, como buggy, paraquedismo, paintball e rapel, além de turismo pedagógico e de negócios.
Verifica-se que as atividades propostas no formulário refletem a percepção da prática cotidiana do turismo rural e o documento pouco incorpora os conceitos e o suporte metodológico desenvolvido pelos investigadores dedicados ao tema. Isso pode ser um dos muitos reflexos das fragilidades conceituais encontradas nas discussões sobre o segmento. Ou, ainda, o distanciamento entre a academia e a realidade turística, que precisa ser solucionado a partir de uma maior aproximação entre ambas.
Como comentado anteriormente, a percepção limitada e superficial sobre o que é atrativo ou não, se reflete também na oferta de atividades, seja de lazer ou de comercialização de produtos artesanais. Talvez a estratégia de formulação das questões tenha limitado o levantamento de dados sobre essa realidade, mas alguns pesquisadores que trabalharam com diferentes experiências de turismo rural no estado de São Paulo apontam para uma problemática que emerge com frequência, como relata Gonçalves (2004) em sua avaliação sobre os produtos turísticos do Circuito das Frutas:
Observou-se, durante as visitas realizadas, que o processo de adequação ao serviço turístico pretendido resultou em um empreendimento apenas localizado no meio rural, sem comprometimento algum com questões como identidade e autenticidade que norteiam o turismo rural. (2004:125).
Não é possível saber a frequência de ocorrência dessa situação, mas existem sinalizações de que o cotidiano e a necessidade de atender às demandas dos visitantes muitas vezes podem compelir os empreendedores a se renderem exclusivamente à lógica do mercado. Ao mesmo tempo, muitos deles têm clareza de que o diferencial de seu negócio está em oferecer exatamente o que esses turistas não têm em seu cotidiano.
Carvalho (2012) verifica como esse dilema está bem resolvido em propriedades que têm bem definido seu produto e sua demanda, e percebe que:
[...] o turismo rural, através da ressignificação do lugar e da paisagem, se apropria dos simbolismos da hospitalidade para então gerar um produto/mercadoria que atenda às necessidades físicas e psicológicas dos visitantes, pautando, dessa forma, algumas tendências nesse meio rural, no interior do estado de São Paulo (2012: 125).
Oliveira (2004), ao discutir o perfil dos empreendedores de turismo rural, destacava que uma das questões relevantes para ser considerada no momento da decisão de investimento nessa modalidade de atividade, se relacionava às características dos serviços turísticos, que prescindem de disponibilidade de tempo e podem ocasionar a perda da privacidade.
Os resultados do questionamento acerca da disponibilidade das propriedades pesquisadas para atendimento aos visitantes mostram uma situação que pode se tornar preocupante, pois 51,5% dos entrevistados afirmam que atendem o público todos os dias da semana e 34,9%, nos finais de semana e feriados. Apenas em algumas propriedades há uma grande restrição de disponibilidade de atendimento, e só atendem com agendamento (8,6%); e poucas atendem somente durante a semana (1,0%). Certamente essas situações mais restritivas se relacionam com produtos ou serviços muito específicos.
A estrutura do negócio
Tempo de atuação
As pesquisas sobre o perfil do empreendedor de turismo rural realizadas pelo SEBRAE (2013) e por Roque (2012) apontam para um cenário em que os negócios com mais de 10 anos de atuação na área eram predominantes, detectando inclusive alguns com mais de 20 anos, um indicador de longevidade dos empreendimentos de turismo rural analisados. Em seguida, apareciam os que tinham entre 5 e 10 anos de operação e os com menos de 5 anos. Essa diversidade de tempos de atuação também é verificada nos empreendimentos de turismo rural paulista, como pode ser observado na Tabela 5.
Tempo das Atividades de Turismo Rural | ||
Tempo | Frequência | % |
Até 1 ano | 22 | 11,1 |
De 1 ano a 2 anos | 17 | 8,6 |
De 2 anos a 3 anos | 16 | 8,1 |
De 3 anos a 5 anos | 20 | 10,1 |
De 5 anos a 8 anos | 21 | 10,6 |
De 8 anos a 10 anos | 21 | 10,6 |
Mais de 10 anos | 71 | 35,9 |
Estruturando-se para a atividade | 1 | 0,5 |
Não informado | 9 | 4,5 |
Total | 198 | 100,0 |
Fonte: Elaboração da autora com base em dados de ABRATURR-2014.
Ao considerar as mesmas categorias temporais indicadas acima, observa-se uma distribuição semelhante. No entanto, vale ressaltar a quantidade expressiva de negócios nos seus primeiros anos de existência, de 1 a 3 anos, com quase 27,8% dos empreendimentos. Embora não seja possível depreender em que momento do ciclo de vida organizacional se encontram, pois o único dado disponível é o tempo, pode-se inferir que a maior parte dos empreendimentos já pode estar consolidada ou em vias de, o que significa que superaram as dificuldades de implantação e o momento crucial da sobrevivência do negócio. Os responsáveis por elaborar e implementar políticas e ações para o aprimoramento da gestão desses negócios deverão considerar as demandas específicas de cada estágio de desenvolvimento, uma vez que não é mais possível somente ofertar capacitação e treinamento com vistas a fomentar a implementação de novos negócios.
Trabalhadores
A recente aprovação da Lei do Turismo Rural (Roque, 2014) respondeu a algumas demandas do segmento relacionadas à facilitação das questões trabalhistas nos empreendimentos. No entanto, outras demandas, inclusive aquelas relacionadas à bitributação de unidades produtivas rurais que também atuam como prestadoras de serviços turísticos, ainda estão pendentes.
Uma das principais dificuldades para defender a importância das solicitações contempladas no projeto de lei era, e ainda persiste, a ausência de dados sobre a dimensão dos negócios de turismo rural no país, principalmente a faceta que se refere aos impactos na geração de emprego e renda nas áreas rurais. Até recentemente, as atividades de turismo rural não eram identificadas pelas pesquisas realizadas sobre as UPA, situação que vem se alterando nos últimos censos agropecuários (IBGE, 2015).
Em relação à situação de formalização do negócio (Figura 4), verificou-se que 67,2% dos empreendimentos têm algum tipo de registro junto a órgãos públicos (federal, estadual e municipal) e 1,5% está em vias de registro. Isso demonstra que existe interesse dos empreendedores em serem legalizados. A formalização de empreendimentos traz vantagens significativas para a operação cotidiana, no diz que respeito a impostos e, principalmente, à contratação de empregados. Mas também é representativa a quantidade de empreendimentos trabalhando na total informalidade (26,8%), o que pode estar associado às inúmeras barreiras existentes.
Os empreendimentos de turismo rural são, na sua maioria, negócios familiares (82,3%) e, portanto, têm baixa capacidade de gerar empregos diretos e permanentes (Figura 5). Normalmente são de 2 a 5 pessoas (52,5%) cuidando do negócio cotidianamente, mas, como existem diferentes modalidades de empreendimento, também é possível encontrar propriedades de médio porte com de 6 a 10 pessoas (18,7%) e outras que empregam mais de 11 pessoas (21,2%) (Figura 6).
De modo geral, apesar de familiares, as propriedades contam com o apoio de empregados que são contratados de forma permanente (10,1%), eventual (3,0%) e, na maioria das vezes, com o suporte de trabalhadores com diferentes formas de contrato de serviços, trabalhando juntamente com a família (40,9%) (Figura 7).
Essa situação complexa e diversa está intrinsecamente relacionada à formalização do empreendimento e às restrições de contratação quando é reconhecido legalmente apenas como unidade produtiva rural. Isso poderia ser amplamente explorado em investigações e estudos sobre a questão do trabalho, da geração de renda e da economia nos empreendimentos rurais-turísticos.
Práticas agrícolas
Uma das premissas para ser considerado um empreendimento de turismo rural é que tenha algum tipo de comprometimento com a produção agropecuária. Contudo, a legislação brasileira ainda não contempla a diversidade de atividades não agrícolas que fazem parte da rotina dessas unidades produtivas rurais. Mais difícil ainda é considerar que, além da tradicional produção agrícola, também possam oferecer uma série de serviços de lazer e turismo de modo profissional. De fato, não se trata somente de buscar a atualização das leis brasileiras em adequação ao novo cenário, mas de um grande desafio para os proprietários que ousam atuar em atividades tão diversas do que seriam as de sua natureza.
Apesar desses fatores, 69,7% dos empreendimentos paulistas têm a prática agrícola em seu cotidiano, enquanto 27,3% disseram que não (Figura 8). Trata-se de um registro insólito, uma vez que, ao convidar as pessoas para o preenchimento do formulário, foi informado que se tratava de turismo rural e considerando o conceito do Ministério do Turismo. Isso sinaliza que os empreendedores, mesmo não contando com a presença da prática agrícola em seu cotidiano, se consideram um empreendimento de turismo rural.
Outra questão que é apontada com frequência na literatura é a possibilidade de que as propriedades agrícolas se transformem integralmente em negócios turísticos, porque os rendimentos advindos do turismo podem superar em muito os recebidos pela produção agrícola. Mas, como salienta Geraldo:
A manutenção de produção primária, além de seu valor inerente e apesar de não ser o maior fator gerador de rendimentos, contribui também como fator de atratividade, pois a existência de uma “vida rural” na propriedade é de grande importância para o produto turístico comercializado. Ainda que possa ter certo aspecto “cenográfico”, sem implicações diretas relevantes na vida econômica da propriedade, um empreendimento turístico em meio rural deve contar com aspectos agrícolas e criatórios, para a satisfação das expectativas dos hóspedes, além de atender às necessidades do próprio estabelecimento, como o fornecimento de alimentos ou animais para passeios e cavalgadas, por exemplo (2012: 136).
Serão os empreendimentos de turismo rural uma grande farsa? Manter a produção agrícola apenas porque garante o ambiente rural é equivocado? Essas indagações levam a pensar seriamente na colocação de Mazuel (2000), que sugere ao empreendedor ser honesto com os turistas, já que a realidade rural assim como a urbana é muito dinâmica, e manter um rural que não existe mais pode ser apenas hipocrisia. Carvalho (2012) se depara com essa situação de inexistência da prática agrícola na Fazenda Capoava e verifica que isso não é um problema para os turistas. Mas seria para o turismo rural? Para Sharpley (2004), trata-se fundamentalmente de reconhecer que são muitos os formatos de empreendimentos e atividades no espaço rural. Novamente, as fragilidades conceituais se apresentam.
O perfil da demanda
Como apontado anteriormente, há uma forte relação entre a localização dos empreendimentos e os centros emissores de sua demanda, fato ratificado pela informação sobre a origem dos visitantes dos empreendimentos que participaram do levantamento. Conforme se observa na Figura 9, a cidade de São Paulo (73,2%) e os municípios da Grande São Paulo (32,3%) são os locais de origem da maior parte dos turistas que visitam as propriedades pesquisadas. Depois destacam-se grandes centros urbanos do interior do estado, como Campinas (39,9%), São José dos Campos (20,2%), Ribeirão Preto (19,2%) e Sorocaba (15,7%). A indicação de turistas advindos de outros estados, exceto Minas Gerais (6,6%), provavelmente pela proximidade das regiões onde se encontram os empreendimentos, é muito pequena, assim como a presença de turismo internacional (4,0%).
Tratam-se de negócios familiares, de pequeno porte, com poucos empregados, próximos a grandes centros urbanos, com muitas restrições operacionais, de gestão e de infraestrutura. Essas limitações estão refletidas também nas estratégias comerciais e principalmente na divulgação. Como pode ser observado na Figura 10, predomina o uso da comunicação boca-a-boca (73,7%) e o material impresso como folhetos (53%), cartão de visita (40,4%), além de revistas (19,7%) e jornal (19,2%), que ainda fazem parte das estratégias de comunicação desses empreendimentos.
Na internet há um uso expressivo da rede social Facebook (60,6%), além de site próprio (51,5%), o que não significa que produza resultados efetivos. Uma única ação de comercialização colaborativa foi citada, a presença no site de Circuito ou Roteiro Turístico (20,2%).
O pouco conhecimento sobre o perfil e o comportamento dos visitantes certamente remete à formatação de produtos e serviços e, principalmente, nas estratégias de divulgação e comercialização, de modo geral muito incipientes e amadoras. Apesar da validade da iniciativa da ABRATURR na realização de um levantamento atualizado dos empreendimentos de turismo rural no estado, e do retorno qualificado que conseguiu obter, muitos questionamentos ainda permanecem sem resposta.
Por exemplo, a questão da demanda deveria ser uma prioridade nos estudos e levantamentos do segmento, pois a partir desses resultados os diferentes empreendedores poderiam aprimorar os seus produtos e serviços articulando os princípios do turismo do rural com os interesses dos diferentes públicos. O tema da segmentação nem foi mencionado diretamente, mas se observa uma sinalização tênue de que faz parte da proposta de alguns empreendimentos. Não se trata apenas de identificar nichos de mercado por interesse ou por faixa etária, mas também considerar que a oferta de roteiros e atividades criativas apoiadas no patrimônio e no meio ambiente pode garantir maior fluxo de visitantes, com atitudes coerentes com o desejo de se valorizar a ruralidade.
Nesse sentido Kastenholz e Lima (2011: 71) salientam que “...a questão de como fazer, como planejar e gerenciar com sucesso produto de turismo rural é, além de satisfazer os turistas, contribuir para o desenvolvimento sustentável de destinos turísticos, um tema crucial para as áreas rurais quando escolhem o turismo como um instrumento de desenvolvimento”.
Entende-se que a preocupação em identificar e compreender o comportamento do consumidor de turismo rural, pode trazer informações valiosas para o aprimoramento dos empreendimentos e do próprio segmento.
Considerações finais
A presença de atividades de lazer e turismo no campo tem emergido nos estudos dedicados exclusivamente à questão agropecuária, e até nos censos agropecuários de abrangência nacional e estadual, despertando a atenção dos profissionais e pesquisadores dedicados aos estudos sobre o universo agrícola. Apesar de todos os esforços, ainda não estão disponíveis dados consistentes sobre sua expressão ou mesmo sua dinâmica, informações que seriam essenciais para a elaboração de políticas púbicas adequadas e para subsidiar a ação dos empreendedores.
Aos poucos estudos sobre a realidade paulista associa-se a ausência de dados sobre a presença do turismo e do lazer como atividade nas unidades produtivas rurais do estado, apesar dos esforços realizados em meados da década de 2000, como o levantamento do Guia de Turismo Rural e do Projeto LUPA/CATI. Mesmo assim, verificou-se uma intensa e relevante atuação de entidades como SEBRAE/SP e o SENAR/SP na oferta de apoio técnico e capacitação, estimulando as iniciativas dos empreendedores do turismo rural paulista.
Nesse cenário, o poder público teve uma presença acanhada e pouco articulada, no entanto, isso tem se modificado em função da capacidade de geração de negócios que a atividade demonstra nos pequenos municípios e também em função da permanente e reconhecida atuação da ABRATURR representando o interesse dos empreendedores de turismo rural do Estado.
Com uma trajetória marcada pela superação, os empreendedores de turismo rural têm conseguido manter os seus negócios, sendo que um número expressivo atua no segmento há mais de dez anos, e vários outros estão em processo de consolidação e mesmo iniciando sua jornada. Tratam-se de negócios familiares, de pequeno porte, com poucos empregados, próximos a grandes centros urbanos, convivendo com muitas restrições operacionais de gestão e de infraestrutura. Então, o desafio do segmento não está mais na oferta de condições para a implementação de novos negócios, mas sim de suporte para o fortalecimento e aprimoramento da atuação destes empreendedores diante dos desafios contemporâneos.
Também se destaca o pouco conhecimento dos empreendedores sobre o perfil e o comportamento dos turistas, o que contribui, junto com as necessidades cotidianas e a busca por atender às demandas dos visitantes, para que se rendam exclusivamente à lógica do mercado. Nesse caso, o diferencial pode estar na formatação de produtos e serviços de qualidade, que promovam não apenas o simples consumo da paisagem, contrapondo os ritmos de urbano x rural, mas valorizando diferentes práticas agrícolas e o patrimônio cultural do universo rural paulista. Para tanto, será necessário um trabalho coletivo dos diferentes setores que atuam no segmento.
Assim, esta pesquisa espera ter contribuído na composição de um panorama a partir de dados coletados juntos aos empreendedores que estão em atividade. Seguramente não se configura em um quadro detalhado com as nuances desse complexo cenário, mas pistas que permitem identificar os diversos elementos que o compõem e assim oferecer subsídios para uma próxima investigação.