Introdução
Diante de amplas discussões sobre a utilização dos recursos naturais e a presença de populações humanas nos espaços protegidos, foram estabelecidas categorias de unidades de conservação especialmente protegidas que possibilitassem a permanência dessas populações e o seu usufruto em áreas específicas (Brasil, 2000; Iucn, 1994; Un, 1992). O Brasil, seguindo a tendência mundial para esta questão, promulgou a Lei no 9.985/2000 (Brasil, 2000), legitimando o proposto no Art. 225, §1o, Inciso III da Constituição Federal de 1988 de “definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos” (Brasil, 1988), criando assim o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC.
O SNUC buscou organizar a ampla gama de áreas protegidas existentes que se sobrepunham ou se confundiam (Medeiros, 2006; Milaré, 2007). Além disso, entre seus objetivos visa “(iv) promover o desenvolvimento sustentável a partir do uso dos recursos naturais” e “(xiii) proteger recursos necessários à subsistência de populações tradicionais” (Brasil, 2000). Tais objetivos deixam evidente a preocupação com a permanência das populações locais nas unidades de conservação de uso sustentável, possibilitando o usufruto dos recursos naturais por essas populações e pelo Estado.
As áreas protegidas abrangidas pelo SNUC, Unidades de Conservação (UC), são divididas em dois grupos com características específicas: Unidades de Proteção Integral e de Uso Sustentável (Brasil, 2000). A divisão identifica e conceitua 12 categorias de UC, e cada modalidade de área protegida realça, em maior ou menor escala, um ou vários objetivos estabelecidos pela Lei no 9.985/2000 (Milaré, 2007).
As Unidades de Uso Sustentável objetivam compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais (Art. 7o, II, §2o do SNUC), enquanto as Unidades de Proteção Integral visam a preservação da natureza, se possível, sem interferência humana (Brasil, 2000). Explicitamente, as UC de Uso Sustentável visam conciliar a exploração do ambiente de forma a garantir a perenidade dos recursos naturais, manter a biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável (Milaré, 2007). Porém, encontrar o equilíbrio apropriado entre preservação e desenvolvimento continua sendo um dos principais desafios dos administradores/legisladores dessas áreas (Gorini et al., 2006).
Ecoturismo, conservação da natureza e participação local
A atividade de ecoturismo cresceu como consequência da insatisfação com as formas convencionais de turismo que, num sentido geral, ignoraram as questões sociais e ecológicas de regiões em países estrangeiros (Fenell, 2002). O turismo de massa é uma das formas convencionais de praticar a atividade turística, e seu desenvolvimento é pouco equitativo, produzindo uma variedade de impactos sociais, ambientais e econômicos (Mowforth e Munt, 1998).
Os debates sobre desenvolvimento sustentável em relação ao uso inadequado dos recursos naturais também contribuíram para promover novas formas alternativas de praticar o turismo de maneira responsável, frente ao turismo de massa. Assim, o ecoturismo se fundamentou nas noções de sustentabilidade social, ecológica e econômica, propostas pelo Relatório de Brundtland (1988), passando a ser visto como alternativa de desenvolvimento sustentável, possibilitando a desconcentração econômica, distribuindo renda e possibilitando a inclusão social (Peralta, 2012).
O ecoturismo, como forma de desenvolvimento sustentável, incorpora o compromisso com a natureza e com a responsabilidade social. Tais responsabilidades também devem ser assumidas pelo viajante (Western, 2002). Além disso, a atividade de turismo na natureza tem por preceitos ser uma viagem responsável a áreas naturais, visando preservar o meio ambiente e promover o bem estar da população local (Ties, 2008).
No Brasil, o ecoturismo é uma atividade turística que utiliza de forma sustentável o patrimônio natural e cultural, incentiva a conservação da natureza e cria uma responsabilidade ambiental nos usuários, além de promover o bem-estar das populações locais, sendo uma nova conduta frente ao turismo de massa, apontado como agressor da paisagem natural e cultural (Brasil, 2010).
As áreas naturais, em particular as legalmente protegidas (caso das UC no Brasil), são grandes atrações, tanto para os residentes das quais as áreas pertencem, como para os turistas (Ceballos-Lascuráin, 2002). Além disso, são locais onde estão os elementos naturais singulares do país, os quais carregam apelos motivacionais somente pelo fato de serem reconhecidas como tal, tornam-se, por si só, atrativos de excepcional importância para o ecoturismo (Brasil, 2008a; 2010; Ikemoto et al., 2009).
A gestão de áreas naturais protegidas necessita de recursos humanos e financeiros adequados, infraestrutura básica e de locais delimitados para pesquisa, visitação, uso comunitário e produtivo (Vedoveto et al., 2011). Essa necessidade de manejo e gestão dessas áreas é reconhecidamente deficiente (Bovarnick et al., 2010; Drumm, 2008; Godoy, 2006; Medeiros e Pereira, 2011; Vedoveto et al., 2011).
Uma das fontes potenciais de recursos para promover a sustentabilidade financeira dessas áreas protegidas, em particular, é o uso público, por meio do ecoturismo (Veríssimo et al., 2011). A atividade é, cada vez mais, uma alternativa viável, como meio de conciliar a manutenção dessas áreas com as necessidades de renda das comunidades locais (MMA, 2009). Apesar de contribuir positivamente para o desenvolvimento socioeconômico e a proteção ambiental, seu crescimento descontrolado também pode causar degradação, destruição de ecossistemas frágeis e conflitos sociais e culturais, debilitando as bases do ecoturismo (UN, 2011).
O ecoturismo é uma oportunidade de gerar benefícios à população local, porém muitas das vezes não é desenvolvido de maneira que possa aumentar o apoio local para os objetivos da conservação (Drumm et al., 2011). O governo brasileiro reconhece que o envolvimento comunitário, principalmente em áreas protegidas, é fundamental para a proteção dos recursos naturais e o sucesso do desenvolvimento do ecoturismo (Brasil, 2008a; 2010).
A participação da população local (no interior e no entorno das áreas protegidas) no processo de planejamento do uso da área é fundamental para o desenvolvimento de atividades que promovam a geração de renda, a conservação e proteção dos recursos naturais (Brasil, 2008a; Constantino et al., 2012). Nenhum processo político-administrativo pode ser desencadeado sem a participação comunitária se quiser obter legitimidade e eficácia (Milaré, 2007). A inserção da população local neste processo permite identificar impactos causados pela sua ação (atual e futura) e atividades potenciais nas áreas protegidas, observados seus objetivos de criação e características locais.
Dentre as formas de participação local do processo de desenvolvimento do turismo está a gestão participativa. Tal processo participativo depende da capacitação e fortalecimento de lideranças locais, por meio de oficinas de cidadania, cursos de capacitação de lideranças locais e de intercâmbios com outras áreas e instituições para partilha de experiências (Queiroz, 2005). Esse é o caso do ecoturismo e da conservação dos recursos naturais nas áreas protegidas do Brasil.
O objetivo do presente trabalho foi analisar as características e fonte de renda das comunidades locais residentes na Floresta Nacional Saracá-Taquera, no estado do Pará, Brasil. Complementarmente, foram avaliadas as percepções dessas comunidades sobre ecoturismo e a conservação da natureza, visando propor alternativas de desenvolvimento sustentável, alinhadas à conservação e proteção da natureza.
Material e métodos
Área de estudo
O estudo foi desenvolvido na Floresta Nacional de Saracá-Taquera (Figura 1), localizada nos municípios de Oriximiná, Terra Santa e Faro, no oeste do Estado do Pará, com área de 429.600 mil hectares, limitando-se ao norte com a Reserva Biológica do Rio Trombetas (REBIO Rio Trombetas). O clima da unidade é Equatorial Quente Úmido (Aw de Koppen) com verão úmido e inverno seco. A estação chuvosa se estende de dezembro a maio, e a estação seca de julho a outubro. A umidade relativa do ar é superior a 80%. A cobertura vegetal predominante é a Floresta Ombrófila Densa, com variações que estão associadas às feições geomorfológicas (Ibama, 2001).
A gestão da unidade é realizada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). A UC conta com infraestrutura de apoio às atividades de gestão, fiscalização e de pesquisa científica. A infraestrutura é composta por uma sede administrativa (Porto Trombetas) e três bases no entorno da Floresta Nacional. Possui sistema de comunicação e acesso à internet na sede, veículos 4x4 e embarcações para deslocamento e fiscalização por via fluvial.
Na Floresta Nacional a exploração de bauxita é desenvolvida, mediante convênio de cooperação celebrado entre o IBAMA e a Mineração Rio do Norte - MRN. Esse convênio possibilitou a instalação de infraestrutura (Saúde, Educação, Bancos, Vila de Moradores e demais serviços) em Porto Trombetas pela MRN, para atender seus funcionários e consequentemente, melhorar a qualidade de vida na localidade.
O acesso à UC pode ser realizado por via área, com voos regulares de Manaus (AM), Belém e Santarém (PA), e por via fluvial a partir do rio Amazonas, subindo pelo rio Trombetas até a sede da MRN.
A cidade de Oriximiná é o maior centro urbano localizado próximo à Floresta Nacional e seu acesso ocorre por via fluvial, pelo rio Trombetas. O tempo de deslocamento entre Porto Trombetas e Oriximiná é de aproximadamente cinco horas, em barco regional de passageiros. A cidade dispõe de infraestrutura de serviços de saúde, educação, bancário e outros serviços atendendo as necessidades das comunidades locais.
O turismo de pesca ocorre de forma regular na região, fomentado por meio de agências de viagens e turismo situadas na cidade de Belém, capital do estado do Pará.
Metodologia
Realizamos pesquisa social, visando melhorar a compreensão de ordem, de grupos, de instituições sociais e de éticas (Lakatos e Marconi, 2008) regionais. Compreender questões sociais relacionadas com áreas protegidas é um passo importante para o desenvolvimento de estratégias que promovam o bem-estar social e a proteção ambiental (Medeiros et al., 2004).
Utilizamos formulários para a coleta de informações, contendo questões abertas e fechadas, obtendo informações diretamente do entrevistado (Lakatos e Marconi, 1991; Gil, 1988), que auxiliaram a caracterizar o perfil dos comunitários, perspectivas e identificar receitas e despesas. Cada participante assinou um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), concordando em participar no estudo.
A população residente no interior e entorno da Floresta Nacional Saracá-Taquera é caracterizada como ribeirinhas (705), rurais (385) e remanescentes de quilombos (1.395), estimada em 2.485 moradores (Ibama, 2001).
Nesta pesquisa determinamos o tamanho amostral mínimo para populações finitas (Gil 1988), representado a seguir (equação 1):
Equação 1. Cálculo do tamanho amostral
Onde:
n = tamanho da amostra;
p = percentagen do fenômeno verificado;
q = tamanho da população (100 - p); e
Fonte: Gil, 1988.
Buscamos atingir 10% da população na pesquisa, com nível de confiança de 95%, totalizando uma amostra de 131 pessoas.
Realizamos reuniões com as comunidades locais para coleta de informações (Figura 2), que consistiram em levantar informações socioeconômicas e suas percepções relativas à “Uso dos recursos naturais, Conservação da natureza, Unidade de Conservação, Turismo e Ecoturismo” mediante a aplicação de formulários.
Para conhecer a realidade da população local estimamos a renda liquida mensal total dos residentes na Floresta Nacional Saracá-Taquera, mediante a quantificação das despesas e receitas. Consideramos receitas o pagamento de aposentadoria, a venda de produtos agrícolas e do extrativismo, dentre outras, e como despesas os gastos com alimentação, produtos de higiene e limpeza, equipamentos, educação e outros gastos.
Para estimar a renda média mensal bruta das comunidades utilizamos a fórmula adotada pela Embrapa Amazônia Oriental (Nascimento Júnior et al., 2000), conforme o modelo abaixo (equação 2):
Equação 2. Cálculo para estimar a renda média mensal bruta das comunidades locais
Fonte: Nascimento Junior et al., 2000.
Para verificar existência de variações no nível de renda média per capita (Y) da população local utilizamos uma análise de regressão linear (equação 3):
Equação 3. Modelo de regressão linear da renda média
Onde:
Y = Renda média per capita; β= Parâmetros a serem estimados; X = Variável exógena (castanha, farinha, outras receitas); u = Erro admissível.
Fonte: Gujarati, 2003.
Utilizamos o método dos mínimos quadrados ordinários para ajustar o modelo. As receitas obtidas pelas atividades exercidas pelas famílias residentes na UC e de outras fontes (programas governamentais) foram analisadas, visando verificar influências na renda líquida total.
Resultados e discussão
Perfil socioeconômico, percepção e expectativas locais
Identificar o perfil da população residente na Floresta Nacional Saracá-Taquera, no estado do Pará, permitiu avaliar as suas características, conhecer suas realidades e compreender formas de utilização da área. Aplicamos 134 formulários às famílias residentes na UC.
A maior parte da população é composta por homens. No entanto, não há grande diferença de participação para ambos os gêneros (Figura 3A). A faixa etária dos comunitários distribui-se uniformemente dos 26 aos 35 anos (25,2%), 36 aos 45 anos (23,3%), seguido por comunitários com faixa superior aos 55 anos (21,3%) (Figura 3B).
Grande parte da população possui o ensino fundamental (72,8%) (Figura 3C), vivem há mais de 15 anos na localidade (73,8%) (Figura 3D), tem como fonte de renda (Figura 3E) o trabalho autônomo (64,1%), baseado no cultivo da mandioca (Manihot esculenta Crantz) para produção de farinha e no extrativismo da castanha do Brasil (Bertholletia excelsa H.&B. Lecythidaceae). Dentre os produtos comercializados (Figura 3F ), destacam-se a farinha de mandioca (43,7%) e a castanha do Brasil (21,3%). A farinha de mandioca geralmente é comercializada em sacas de 50 quilos, com valores variando entre R$ 50,00 e R$ 120,00, dependendo da qualidade da farinha de mandioca e da demanda. A caixa de 0,42 m3 de castanha do Brasil é vendida entre R$ 20,00 a R$ 35,00.
A principal via de deslocamento é a fluvial. A maior parte da população (53,4%) depende do pagamento de passagem de barco, seguidamente por aqueles que possuem embarcação própria (30,1%), os quais gastam apenas com combustível e manutenção da embarcação para se locomoverem até a cidade de Oriximiná (Figura 3G), efetuar a venda e a compra de produtos, e demais atividades que não conseguem realizar em Porto Trombetas. Uma família possui, em média, três filhos e, aproximadamente 39% das mesmas fazem parte do programa bolsa família, mantido pelo Governo Federal (Figura 3H).
Em resumo, a população residente na Floresta Nacional Saracá-Taquera possui baixo nível de formação educacional e, em geral vivem há mais de 15 anos na região. A produção de farinha de mandioca (Manihot esculenta Crantz) e o extrativismo da castanha do Brasil (Bertholletia excelsa H.&B. Lecythidaceae) são as principais atividades econômicas e atendem em grande parte as necessidades das famílias.
Quanto às percepções dos entrevistados sobre os temas “Uso dos recursos naturais, Conservação da natureza, Unidade de Conservação, Turismo e Ecoturismo”, questionamos “Deve haver restrições no uso de recursos como madeira, coleta de frutos e caça na localidade?”. Foram favoráveis à restrição no uso dos recursos naturais 61,5% dos entrevistados, incluindo comunitários internos e externos à Floresta Nacional, essa restrição é importante para que possam usufruir de tais recursos de forma perene.
A realização de oficinas informativas sobre a utilização dos recursos naturais nas comunidades locais é importante para melhorar o entendimento sobre conservação da natureza. A subsistência de populações locais depende da natureza e a utilização dos recursos naturais é prática comum em comunidades na Amazônia (Ribeiro et al., 2007). A realização de reuniões, curso de capacitação e assistência técnica para o manejo adequado destes recursos são essenciais para a manutenção dos recursos existentes.
Na Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá, considerado por alguns autores como exemplo promissor em gestão comunitária (Peralta, 2012; Queiroz, 2005; Lima, 1996), no estado do Amazonas, a gestão participativa foi promovida, e todo processo participativo é baseado em sistema de capacitação e fortalecimento de lideranças locais, realizado por meio de oficinas de cidadania, cursos de capacitação de lideranças e de intercâmbios com outras áreas e instituições para partilha de experiências (Queiroz, 2005), além de contar com a elaboração e aprovação de normas de uso dos recursos naturais, definição do zoneamento para a utilização dos recursos e de zonas de completa preservação. Algumas estratégias adotadas em Mamirauá poderiam ser utilizadas na Floresta Nacional de Saracá-Taquera para alcançar os objetivos de conservação.
No segundo questionamento “A conservação da floresta é importante para você?”, todos concordam que a floresta é de suma importância, por ser fornecedora de insumos para os comunitários, na forma de frutos, madeira, pescado, caça e fitoterápicos, contribuindo decisivamente para a sua subsistência. Estudos anteriores, em outras localidades, indicaram o mesmo resultado (Oliveira et al., 2010; Ribeiro et al., 2007).
A maioria (76,9%) gostaria de receber incentivos financeiros para proteger a floresta (terceiro questionamento). A ausência de renda mensal e a instabilidade financeira dos comunitários favorece este resultado, pois percebem a possibilidade de auferir renda por meio de incentivos. Tal fato indica a ausência de projetos de desenvolvimento local, que proporcionem benefícios reais e visem dar maior responsabilidade às comunidades em atividades de manejo e proteção da floresta.
A garantia de envolvimento duradouro e a formação de um compromisso claro entre as populações locais e as ações de conservação só são atingidas por meio do estabelecimento de uma clara relação entre conservação dos recursos naturais e benefícios concretos para esta população (Queiroz, 2005), que é promovida pela geração de renda, ações de educação e saúde, acompanhamento e monitoramento do manejo dos recursos naturais.
O ecoturismo é uma importante fonte de desenvolvimento de empregos, especialmente para grupos com acesso limitado ao mercado de trabalho (Oit, 2011), justamente o caso da Florestal Nacional Saracá-Taquera, que possui 20 sítios de interesse para o desenvolvimento ecoturístico identificados em seu plano de manejo. O desenvolvimento da atividade turística nestes locais poderia favorecer a população local. A atividade se apresenta como alternativa para a geração de receitas nas áreas protegidas, frequentemente apontada como fonte de criação de oportunidades para as populações locais (Drumm et al., 2011; Drumm, 2008). Porém, é importante ressaltar o adequado planejamento e gestão para que o turismo se desenvolva e agregue valor à economia (Freitas et al., 2014).
Quanto ao questionamento “A relação com o ICMBio é?”, a maioria dos comunitários (92,3%) classifica como “boa” a relação com o órgão gestor da UC. A boa relação entre as comunidades e o órgão gestor da Floresta Nacional Saracá-Taquera se deve, possivelmente, a medidas participativas, como consultas públicas, reuniões e ações do gestor da UC para melhorar o relacionamento com as comunidades e orientar os moradores sobre as normas e usos na área, e da necessidade e importância destas áreas protegidas. Resultado semelhante também foi verificado em estudos prévios, ressaltando a importância da aproximação do órgão gestor com as comunidades (Hauff e Milano, 2005).
Em relação ao questionamento “Você sabe o que é turismo?”, 57,7% afirmaram conhecer a atividade de turismo, fazendo menção aos termos “pessoa de fora, de outro país, passeio e visita”, denotando um conhecimento superficial sobre a atividade. Outros estudos realizados na região amazônica indicaram diferentes percepções vinculadas ao tema “turismo”, com enfoque geralmente difuso ou indireto (Oliveira et al., 2010). Para melhorar o conhecimento sobre a atividade é importante a realização de oficinas de capacitação sobre turismo e suas implicações (Pinheiro et al., 2011). A falta de conhecimento sobre a atividade de turismo resultou em 100% de desconhecimento sobre o questionamento “você sabe o que é ecoturismo?”.
Mesmo sem conhecer plenamente a atividade de ecoturismo e seus possíveis impactos, sua inserção na localidade é visto pelos comunitários (53,8%) como possibilidade de geração de emprego e renda e, consequentemente, melhorias na qualidade de vida local. Diversos estudos indicam que os comunitários anseiam por projetos que lhes proporcionem retorno financeiro e melhore sua qualidade de vida (Oliveira et al., 2010; Santos e Tello, 2009; Queiroz, 2005) e veem esta possibilidade no ecoturismo.
Em relação aos impactos negativos que a atividade de ecoturismo pode promover, 69,2% acredita que a sua exploração na localidade não gerará impactos negativos. Munir a população local de conhecimento para reconhecer os impactos negativos que o ecoturismo pode gerar, auxilia na tomada de decisão pelo seu desenvolvimento na região. Como mostrado em outros trabalhos, é relevante a realização de palestras e reuniões de sensibilização quanto à importância do planejamento prévio da atividade e como atuar para prever, ou pelo menos minimizar, os impactos negativos (Pinheiro et al., 2011).
A visitação turística foi bem aceita por 65,4% da população local. Outros estudos realizados na região amazônica indicam que a maioria dos comunitários geralmente mantém relação favorável ao desenvolvimento da atividade turística (Oliveira et al., 2010; Santos e Tello, 2009). Por fim, no questionamento “Você gostaria de trabalhar com turismo”, a maioria (76,9%) possui interesse em trabalhar com a atividade turística. Tal fato pode estar relacionado aos benefícios econômicos que a atividade pode proporcionar, mediante a geração de empregos diretos (Oit, 2011; Stronza e Gordillo, 2008).
Composição da renda nas comunidades locais
A renda líquida familiar média foi estimada a partir de observações realizadas com 83 famílias. As famílias residentes na Floresta Nacional Saracá-Taquera possuem como fonte de renda o extrativismo da castanha do Brasil e a produção de farinha de mandioca, com exceção de alguns comunitários que dispõem de aposentadoria.
A coleta da castanha do Brasil pode ser realizada o ano inteiro. No entanto, o período de safra da castanha no interior da UC é de cinco meses (Idesp, 2013; Nascimento Júnior et al., 2000), iniciando em 15 de janeiro e finalizando em 31 de maio (Idesp, 2013). Existem acordos com prazos e restrições, estipulados pelo ICMBio para a exploração de castanhais localizados na Floresta Nacional Saracá-Taquera e na Reserva Biológica do Rio Trombetas.
A produção média no período de cinco meses de safra da castanha foi de 85 caixas por família, enquanto a produção média no mesmo período para a farinha de mandioca foi de 15 sacas por família. Para comparar a rentabilidade do extrativismo da castanha do Brasil e a produção de farinha de mandioca, consideramos o período de cinco meses. A renda média mensal bruta das famílias foi R$ 467,50 para comunitários que fazem o extrativismo da castanha e R$ 255,00 para aqueles que produzem farinha de mandioca.
A receita bruta (1) foi gerada pelas atividades, as despesas (2), a receita líquida (RL) obtida pelo desconto dos custos e a renda mensal com a comercialização da castanha do Brasil e produção de farinha de mandioca (3), dividida pelo período da safra (cinco meses) (Tabela 1). Inserimos na Tabela 1 outras receitas (4) com a renda líquida das atividades de extrativismo da castanha do Brasil e produção de farinha de mandioca, resultando na renda mensal total (3+4).
Receita Líquida (RL) = receitas (1) - despesas (2); Renda Mensal com Castanha do Brasil ou Farinha de mandioca (RMC/F) = receita líquida / no de meses da safra; Renda Mensal Total (RMT) = renda mensal com castanha ou farinha (3) + outras receitas.
Fonte: elaboração do autor.
Foram retirados da análise os dados dos comunitários que possuem aposentadoria (15 do total de 83), por não realizarem exploração de castanha do Brasil e nem produzirem farinha de mandioca, e por influenciarem no nível de renda mensal total da comunidade (Tabela 2).
A receita bruta, gerada pelo extrativismo da castanha do Brasil e produção de farinha de mandioca, cobre as despesas com alimentação, produtos de higiene e limpeza, material escolar e equipamentos de trabalho, necessários para a manutenção familiar, o acesso à educação e o desenvolvimento de atividades produtivas. Contudo, a renda mensal média com a venda de castanha e farinha de mandioca (RMC/F), descontadas todas as despesas foi de R$ 21,87 (baixa lucratividade). Porém, ao retirar os gastos com equipamentos das despesas, o valor da renda média mensal sobe para R$ 50,33. O resultado indica que as famílias são mal remuneradas e que trabalham basicamente para garantir a manutenção familiar. Ao utilizar os critérios de classificação do Governo Federal para definir a linha de pobreza no Brasil, os comunitários residentes na Floresta Nacional SaracáTaquera, são classificados na faixa dos “extremamente pobres”, com renda inferior a R$ 70,01 (Ipea, 2013; Paes-Sousa, 2013).
As outras receitas que complementam a renda da população local são provenientes do programa bolsa família, um programa de transferência condicionada de renda voltada à população pobre, com ênfase na extremamente pobre (Paes-Sousa, 2013), e faz parte do Plano Brasil Sem Miséria - PBSM, criado para diminuir a desigualdade socioeconômica e reduzir a taxa de extrema pobreza de grupos vulneráveis no país (Ipea, 2013; Paes-Sousa, 2013).
Na área de estudo, uma família é composta, em média, por três filhos e recebe o valor médio de R$ 96,00 mensais. Desta forma, a renda mensal total das comunidades passa a ser R$ 62,82. Entretanto, retirada as despesas com equipamentos (que podem ser utilizados por, no mínimo, um ano) a renda mensal média total aumenta para R$ 91,27, representando um crescimento de 45,3%.
As receitas provenientes da participação dos comunitários no Programa Bolsa Família abrange toda família com renda mensal de até R$ 140,00 por pessoa. Famílias com filhos até 15 anos de idade recebem o benefício variável, no valor de R$ 32,00 por filho (limitado a cinco filhos) (Ipea, 2013; Mds, 2002). Com o recebimento do benefício, a população local passa a ser classificada como “pobres” pelos critérios de pobreza do Governo Federal (Ipea, 2013; Paes-Sousa, 2013).
O programa bolsa família é importante para melhorar as condições de vida das famílias (Ibase, 2008), sendo uma importante fonte de renda complementar às receitas obtidas com a comercialização da castanha do Brasil e farinha de mandioca, além de influenciar (63%) positivamente na variação da renda mensal total.
Todos os comunitários possuem renda inferior a um salário mínimo, não ultrapassando meio salário mínimo, em média 0.09 do salário mínimo (1.0 = R$ 622,00). Alguns comunitários apresentaram receita líquida negativa. Retiradas as despesas com equipamentos da análise, o valor aumenta para 0.15 em média (varia entre 0.00 e 0.45).
As famílias que residem em localidades de difícil acesso tendem a pagar mais caro pelos produtos alimentares (Ibase, 2008), e este é o caso das comunidades residentes na Floresta Nacional SaracáTaquera, que tendem a pagar mais caros por produtos em Porto Trombetas, além dos gastos com combustível e passagem de barco para se deslocar até a cidade mais próxim a, Oriximiná, para receber o benefício e realizar compras de produtos.
Pela regressão linear, a renda mensal com a comercialização de castanha do Brasil e farinha de mandioca exercem pouca influência (R2 = 0,20) na variação da renda mensal total dos comunitários. Entretanto, os benefícios obtidos junto ao programa bolsa família (outras receitas) pela população local, influenciam significativamente a variação da renda mensal total (R2 = 0,63).
O desenvolvimento da atividade de ecoturismo é uma oportunidade para ampliar as receitas das comunidades e reduzir as disparidades sociais, uma vez que existem sítios de interesse turístico identificados e delimitados no plano de manejo da UC (Ibama, 2001), havendo, no entanto, necessidade de planejamento para sua exploração. Além disso, há o interesse por parte das comunidades locais em participar de atividades econômicas. Tal oportunidade vem de encontro com os objetivos propostos pela Política Nacional de Turismo no país (Art. 5o da Lei no 11.771/2008) sendo: II - reduzir as disparidades sociais e econômicas de ordem regional, promovendo a inclusão social pelo crescimento da oferta de trabalho e melhor distribuição de renda; IV - especialmente as regiões de menor nível de desenvolvimento econômico e social (Brasil, 2008b), sendo o caso da região em questão.
Conclusões
A coleta e venda da castanha do Brasil apresenta a melhor renda no período de safra, frente à produção de farinha de mandioca. Porém, a produção de farinha de mandioca é relevante no período de baixa produção de castanha para a população local. A receita bruta mensal com comercialização da castanha e farinha de mandioca cobre as despesas mensais com alimentação, produtos de higiene e limpeza, equipamentos de trabalho e material escolar. No entanto, representa uma renda mensal muito baixa (R$ 21,87). Duas situações contribuem para a baixa renda da população local: a) o preço comercializado no período de safra é mais baixo; b) a baixa produtividade e valor agregado da castanha do Brasil e a escala de produção da farinha de mandioca.
Os custos com equipamentos de trabalho são as maiores despesas (R$ 142,29) nos custos da população local e influenciam fortemente na diminuição da renda mensal gerada com a venda da castanha do Brasil e farinha de mandioca, bem como na renda mensal total. Linhas de financiamento para aquisição de equipamentos poderiam amenizar tal problema, além de, proporcionar melhores condições para venda dos produtos. O acesso a créditos pode garantir a manutenção familiar até o período ótimo de venda da castanha do Brasil e da farinha de mandioca, bem como a capacidade de agregar valor aos produtos.
A receita financeira proveniente do Programa Bolsa Família contribui para o incremento da renda local, principalmente no período em que não há atividade produtiva. Além de influenciar positivamente (63%) na variação da renda mensal total.
Para o desenvolvimento do ecoturismo na Floresta Nacional Saracá-Taquera e a participação ativa das populações residentes no processo de planejamento e exploração da atividade, medidas como a realização de reuniões, oficinas, palestras e cursos são essenciais. Além disso, a exploração do ecoturismo poderá ser um meio de contribuir para melhorar a renda das famílias que é muito baixa, e diminuir o forte extrativismo da castanha do Brasil e, consequentemente, oportunizar a valorização da Unidade de Conservação por estas comunidades.