SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.56 número168Los criterios de dominialidad y congruencia en el desarrollo de la jurisprudencia constitucional en BoliviaEl modelo peruano de sistema de precedentes. Una propuesta de reconstrucción índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Links relacionados

  • No hay artículos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Boletín mexicano de derecho comparado

versión On-line ISSN 2448-4873versión impresa ISSN 0041-8633

Bol. Mex. Der. Comp. vol.56 no.168 Ciudad de México sep./dic. 2023  Epub 29-Nov-2024

https://doi.org/10.22201/iij.24484873e.2023.168.18868 

Artigos

Os precedentes no sistema brasileiro de justiça multiportas1

Los precedentes en el sistema brasileño de justicia multipuertas

* Universidade Federal da Bahia. Brasil. Correo electrónico: frediedidier@gmail.com

** Universidade Federal da Bahia. Brasil. Correo electrónico: fernandez.leandro@hotmail.com


Resumo:

O artigo propõe que o respeito aos precedentes seja compreendido como uma norma fundamental do sistema brasileiro de justiça multiportas. Para isso, analisa, em um primeiro momento, a configuração do sistema de justiça no Brasil, estruturado em múltiplos modos de solução de problemas jurídicos, e suas características (auto-organização, abertura, adequação, preferência pela solução consensual e integração). Na sequência, aborda o conteúdo jurídico do art. 926 do Código de Processo Civil brasileiro, dispositivo central no sistema de precedentes. Ao final, examina a abrangência e o significado dos deveres de coerência, integridade e estabilidade no sistema brasileiro de justiça multiportas.

Palabras chave: justiça multiportas; sistema de justiça; precedentes

Resumen:

El artículo propone que el respeto a los precedentes sea comprendido como una norma fundamental del sistema brasileño de “justicia multiportas” (multidoor courthouse system). Para ello, en un primer momento, analiza la configuración del sistema de justicia en Brasil, estructurado en múltiples modos de resolución de problemas jurídicos, y sus características (autoorganización, apertura, adecuación, preferencia por la solución consensual e integración). A continuación, aborda el contenido jurídico del artículo 926 del Código de Proceso Civil brasileño, dispositivo central en el sistema de precedentes. Finalmente, examina el alcance y el significado de los deberes de coherencia, integridad y estabilidad en el sistema brasileño de “justicia multiportas”.

Palabras clave: sistema de justicia multipuertas; sistema de justicia; precedente

Sumário: I. Introdução. II. Sistema de justiça e solução de problemas jurídicos. III. O sistema multiportas. A necessidade de reconstrução da ideia dos anos 70 do século XX: do átrio para a praça. IV. Características do sistema brasileiro de justiça multiportas. V. Heterocomposição e respeito aos precedentes no sistema brasileiro de justiça multiportas. VI. Conclusões. VII. Referências bibliográficas.

I. Introdução

Em março de 2015 foi promulgado o novo Código de Processo Civil brasileiro (CPC), com vigência a partir de março de 2016. Um dos pilares do novo Código é a estruturação dogmática de um sistema de precedentes judiciais obrigatórios. Essa transformação deve-se muito ao modo pelo qual a jurisdição vem sendo examinada pelos estudiosos do Direito no Brasil.

A novidade introduzida pelo Código de Processo Civil de 2015 tem influenciado o legislador em outras áreas do Direito e, também, o modo de compreensão do sistema de solução de problemas jurídicos no Brasil.

É interessante perceber que os §§ 2º e 3º do art. 3º2 do CPC estabelecem, ao lado de outros dispositivos, diretrizes do sistema brasileiro de justiça multiportas,3 que, por opção legislativa, reconhece a existência de múltiplos modos para a solução de problemas jurídicos.

Isso é, de um lado, curioso, porque a um Código de Processo Civil se costuma destinar o papel de regular o exercício da atividade jurisdicional, e, de outro, sintomático, porque revela, com clareza, que o “processo”, atualmente e ao menos entre nós, brasileiros, deve ser compreendido como método de solução de problemas jurídicos, não necessariamente método de solução do problema por meio da jurisdição, que deixa de ser compreendida como via preferencial para essa finalidade.

Diversas normas extraídas do Código de Processo Civil não têm, por isso, seu âmbito de incidência limitado ao processo civil. Elas são, antes de tudo, integrantes de um bloco normativo que estrutura o sistema brasileiro de justiça multiportas, em qualquer dos seus modos de manifestação.

O propósito deste ensaio é apresentar, a partir da premissa da existência de um sistema brasileiro de justiça multiportas, a influência do regime jurídico dos precedentes judiciais, previsto no Código de Processo Civil, sobre outras portas de acesso à justiça dedicadas à heterocomposição, e algumas diretrizes de interação entre essas diferentes portas.

II. Sistema de justiça e solução de problemas jurídicos

Sistemas são compostos por um repertório (um conjunto de elementos) e por uma estrutura (um complexo de comandos que definem o modo de interação entre os elementos)4.

Uma teoria sobre o sistema de justiça de determinado país tem por objeto de investigação as instituições e os agentes, públicos e privados, responsáveis por oferecer à sociedade a solução adequada de problemas jurídicos e as normas, diretrizes e mecanismos de interação entre esses sujeitos. Dito de outra maneira, uma teoria sobre o sistema de justiça ocupa-se, essencialmente, do estudo do repertório e da estrutura desse sistema.

O sistema de justiça, como se nota, é plural,5 poliédrico ou multinível,6 multiportas,7 com o oferecimento de modos variados de resposta a problemas jurídicos existentes na sociedade.

É importante perceber que um sistema de justiça não se destina exclusivamente a solucionar conflitos. Essa visão restritiva é produto de um período histórico em que se negava o aspecto promocional do Direito, a possibilidade de tutela preventiva e a existência de problemas jurídicos sem caráter conflituoso, por exemplo. Sistemas de justiça ― inclusive o sistema brasileiro de justiça multiportas ― servem para a solução de problemas jurídicos e a tutela de direitos.

Problema jurídico é um tipo de problema8 que pode ser resolvido com base no Direito.

Problemas filosóficos, morais, econômicos e políticos, por exemplo, são igualmente encontrados na sociedade e, em sua evolução e interação, contribuem para a formação de aspectos da identidade de uma comunidade, mas, por maior que seja a sua relevância, a sua solução é objeto de outros sistemas que não o de justiça. Questões como o significado de uma vida boa, a identificação do início da vida humana, a relação entre inflação e taxa de juros e a melhor forma de governo para determinada nação não interessam, de modo direto, ao sistema de justiça, mas apenas quando estejam associadas a uma situação cuja solução dependa de uma definição à luz do ordenamento jurídico.

Há problemas jurídicos de configuração concreta, cuja solução constitui o objeto dos sistemas de justiça, e problemas jurídicos em tese, que são resolvidos pelos entes que produzem normas jurídicas de caráter geral, de que o Legislativo é o principal exemplo.

Um sistema de justiça, portanto, não se ocupa da solução de qualquer tipo de problema, mas apenas de problemas jurídicos concretos.9

A determinação do significado do termo justiça é um tema clássico da Filosofia em todos os tempos. Não se pretende, aqui, propor a resposta a esse problema filosófico. Para os fins deste ensaio, é suficiente a percepção de que, sob perspectiva jurídica, o signo “justiça”, na expressão “sistema de justiça”, refere-se à solução adequada de um problema jurídico.

A solução do problema será adequada se estiver em conformidade com o Direito, em sua unidade e complexidade ― isto é, quando observar o postulado da integridade10 (art. 926,11 CPC).

No sistema de justiça, a solução do problema jurídico será alcançada através de alguma das suas portas -das portas de acesso à justiça.

Porta, aqui, tem sentido figurado: por onde se entra, por onde se sai ou por onde se vai (caminho). E note: nem sempre a porta de entrada é a mesma da saída (como veremos, as portas se entrelaçam em nosso sistema), pois uma porta pode dar acesso a outras tantas, assim como há situações em que não há propriamente um lugar para entrar (uma infraestrutura pré-estabelecida, como um prédio ou uma plataforma virtual, ou um arranjo institucional, previsto pelo legislador ou criado por ente administrativo, ou convencional), mas apenas um caminho a seguir, que será construído, como costuma ocorrer, durante a própria caminhada. Daí que o Judiciário pode ser uma porta (por onde se entra) e a negociação direta e a autotutela, também (por onde se vai); daí que, tendo entrado pela porta de uma câmara de mediação, se possa sair pela porta de uma arbitragem ad hoc. Mesmo o percurso não é, necessariamente, isolado. Portas diferentes podem ser provisoriamente agregadas para permitir a construção compartilhada da solução de um problema, como se dá com a cooperação interinstitucional, por exemplo.

Atente, também, para não confundir a porta com o que se busca ao atravessá-la: a justiça. Justiça é, aqui, como visto, a solução adequada de um problema jurídico. Essa solução pode dar-se por vários modos (heterocomposição, autocomposição, autotutela e execução extrajudicial). Uma mesma porta pode dar acesso a vários modos de solução do problema jurídico: indo ao Judiciário, pode-se sair com um acordo ou com uma decisão judicial, por exemplo.

III. O sistema multiportas. A necessidade de reconstrução da ideia dos anos 70 do século XX: do átrio para a praça

A ideia de um tribunal multiportas foi proposta inicialmente -embora não com essa denominação-12 por Frank Sander, em conhecida palestra proferida na Pound Conference, em 1976, posteriormente convertida no artigo Varieties of Dispute Processing.13

Sander percebeu a vantagem da criação, em tribunais ou em centros de resolução de disputas, de uma espécie de saguão, em que um funcionário de triagem direcionaria os litigantes para a porta mais adequada para a solução do conflito, considerando critérios como a natureza da controvérsia, a relação entre as partes, a dimensão econômica dos direitos envolvidos, os custos e o tempo exigidos para a solução do caso14. O grande valor da ideia residia em uma premissa singela: a única certeza numa política de uniformização absoluta do tratamento de conflitos dotados de características substancialmente distintas é a sua inadequação às especificidades dos casos.

No Brasil, essa ideia foi difundida com a denominação de justiça multiportas, em grande medida em razão do título de obra coletiva de referência sobre o tema, coordenada por Hermes Zaneti Jr. e Trícia Cabral,15 cuja primeira edição foi publicada em 2016. Essa imagem proposta por Sander é interessante como referência inicial, mas não representa da maneira mais adequada a complexidade dos espaços de acesso à justiça, ao menos não no cenário brasileiro. Talvez a visão mais apropriada seja a de uma ampla praça, em constantes reforma e expansão, em que se situam e interagem diversas instituições dedicadas à solução de problemas jurídicos -a exemplo do Poder Judiciário-, essas sim com seus respectivos átrios, a partir dos quais é possível acessar diferentes portas internas para a resolução do problema.

Pela praça circulam transeuntes meramente casuais (os litigantes eventuais) e aqueles que são presença frequente no local (os litigantes habituais). Determinadas áreas da praça costumam ser mais acessadas por certos perfis de cidadãos, embora, como regra geral, seja possível transitar, com maior ou menor liberdade, entre os diferentes ambientes, inclusive para solucionar apenas parcelas específicas de problemas mais complexos. Os próprios indivíduos envolvidos em um problema jurídico, aliás, podem definir entre si o caminho a ser percorrido ao longo da praça. Há, ainda, algumas áreas da praça destinadas necessariamente a dadas finalidades específicas.

A interação e a recíproca influência entre indivíduos e instituições, a criação de novas técnicas para a solução de problemas jurídicos e o aparecimento de novas instituições fazem da praça e dos átrios das suas edificações um espaço dinâmico, quase como um organismo vivo, que se auto-organiza e evolui para configurações cada vez mais complexas.

Na realidade brasileira, então, é mais apropriado falar de um sistema de justiça multiportas do que de tribunais (ou centros de resolução de disputas) multiportas. Isso porque o sistema brasileiro não é organizado a partir de um átrio central, ainda que virtual, mantido e controlado por um único órgão, seja do Poder Judiciário, seja de outra instituição governamental.

Não há dúvidas de que o Conselho Nacional de Justiça desempenha um papel muito importante na organização do sistema. No entanto, nem mesmo ele controla a criação e o funcionamento das demais portas de acesso à justiça, embora desempenhe uma espécie de função de supervisor do sistema, coordenando políticas de justiça e promovendo a articulação entre diferentes instituições.

A praça imaginária em que as partes se situam é, portanto, do sistema de justiça como um todo. A partir dela, diversas portas podem ser acessadas.

IV. Características do sistema brasileiro de justiça multiportas

É possível identificar algumas características presentes no sistema brasileiro de justiça multiportas: a) auto-organização; b) abertura; c) preferência pela solução consensual; d) adoção do meio adequado para a solução do problema jurídico; e) integração.

Essas características serão examinadas adiante.

1. Auto-organização

O sistema brasileiro de justiça multiportas pode ser compreendido como um sistema auto-organizado, em sentido semelhante ao empregado por Michel Debrun.16

Sistemas auto-organizados são caracterizados por sua capacidade de estruturação e reorganização a partir da interação dos seus elementos integrantes, com crescimento não linear, mas em condições variáveis e progressivamente mais complexas.

Essa complexidade pode decorrer dos efeitos recíprocos originados do contato entre seus elementos constitutivos, da agregação de novas partes componentes, da evolução do contexto em que se situa o sistema e da eventual atuação de um supervisor -sujeito que pode interferir na conformação do sistema, mas não a determina. Sistemas com essa feição, que podem ser encontrados no âmbito, por exemplo, das Ciências Naturais e das Ciências Sociais,17 nunca são um resultado consolidado, mas necessariamente um processo em desenvolvimento.18

Dito de outro modo, um sistema auto-organizado, como o sistema brasileiro de justiça multiportas, é marcado por uma construção paulatina, progressiva e sem planejamento.

Inicialmente limitado, de modo quase exclusivo, à atuação do Poder Judiciário, o sistema expandiu-se com a agregação de figuras como o agente fiduciário (arts. 31 a 37,19 Decreto-lei n. 70/1966), o árbitro e as câmaras arbitrais (Lei n. 9.307/1996), os tribunais administrativos (inclusive os tribunais de contas), o conciliador e o mediador (Lei n. 13.140/2015), as agências reguladoras, os comitês de resolução de disputas (dispute boards), os entes de autorregulação, o terceiro responsável pela realização de avaliação imparcial, associações e autoridades (formais ou informais) reconhecidas como legítimas por povos tradicionais ou por determinados grupos sociais, o Conselho Nacional de Justiça e, mais recentemente, as instituições responsáveis pela manutenção de ODR’s20. Sujeitos cuja função já estava diretamente associada à administração da justiça também tiveram, ao longo do tempo, suas atribuições reconfiguradas, permitindo mais facilmente sua visualização como elementos integrantes do sistema, a exemplo do Ministério Público (Resolução n. 118/2014 do CNMP), da Advocacia Pública (art. 1921, Lei n. 10.522/2002) e das serventias extrajudiciais.

2. Abertura

A partir de qualquer perspectiva sob a qual se examine o sistema brasileiro de justiça multiportas, facilmente se constata sua vocação à não exaustividade.

De maneira analítica, é possível visualizar a abertura do sistema em relação aos sujeitos, ao modo de solução de problemas jurídicos, aos institutos utilizados para a resolução do problema, às fontes normativas e à forma de sua estruturação.

O sistema é, por definição, progressivamente mais complexo, e a constante agregação de novos fatores permite visualizá-lo como um ever-expanding system22. O sistema brasileiro de justiça multiportas encontra-se em estado de permanente expansão, realidade que acentua o desafio de elaboração de diagnósticos completos (conquanto necessariamente provisórios) sobre o acesso à justiça no país.

No Brasil, a existência de uma infraestrutura normativa com autorizações como as decorrentes do art. 5º, XXXV,23 CF/1988, e do art. 3º, § 3º, CPC, a ampla arbitrabilidade dos problemas jurídicos e uma organização institucional com Poder Judiciário independente, Conselho Nacional de Justiça, tribunais administrativos, agências reguladoras e serventias extrajudiciais (com cada vez mais competências), leva essa característica de “permanente-expansão” quase ao paroxismo.

3. Preferência pela solução consensual

As balizas que orientaram a concepção da política nacional de tratamento adequado dos problemas jurídicos de interesses pelo Conselho Nacional de Justiça (Resolução n. 125/2010) foram acolhidas e aprofundadas pelo legislador no processo de elaboração do Código de Processo Civil de 2015, tendo a promoção da solução consensual dos problemas jurídicos sido consagrada como norma fundamental do processo.24

Os §§ 2º e 3º do art. 3º do CPC refletem o espírito democrático que orientou a elaboração do Código. Sua relevância política é evidente: a solução negocial é um importante instrumento de desenvolvimento da cidadania, em que os interessados passam a ser protagonistas da construção da decisão jurídica que regula suas relações. Neste sentido, o estímulo à autocomposição pode ser entendido como um reforço da participação popular no exercício do poder ― no caso, o poder de solução dos problemas jurídicos.

Os dispositivos simbolizam, então, uma mudança substancial de paradigma no sistema brasileiro de justiça e, ao fazê-lo, incentivam uma transformação cultural ― da cultura da sentença para a cultura da paz25.

Mas sua relevância não se esgota aí.

O caput e os §§ 2º do art. 3º do CPC devem ser interpretados em conjunto. Isso significa que, sempre que compatível com as circunstâncias do caso, o processo -não somente judicial- deve garantir meios que favoreçam a autocomposição, sob pena de concretização insuficiente do direito de acesso à justiça.

Ao determinar que o “Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos”, o art. 3º, § 2º, do CPC assegura ao cidadão um direito ao estabelecimento de normas de organização e procedimento26 compatíveis com o estímulo à autocomposição, exigível perante todos os entes estatais, nas esferas legislativa, judiciária, administrativa e controladora.

Além do dever de estruturação do procedimento em condições favoráveis à autocomposição, o que pode incluir, por exemplo, a previsão de sanções premiais processuais,27 os poderes públicos devem conceber arranjos institucionais que facilitem o alcance desse resultado.

4. Adoção do meio adequado para a solução do problema jurídico

A preocupação com a adequação é característica central do sistema brasileiro de justiça multiportas. Em verdade, a própria existência do sistema justifica-se pelo propósito de assegurar o oferecimento de soluções adequadas a problemas jurídicos. Perceber isso é essencial para a compreensão das diretrizes do sistema e das variadas modalidades de interação entre seus elementos.

Ressalvadas as hipóteses nas quais determinados meios, por imposição do ordenamento jurídico, são necessários ou exclusivos em certas situações, deve-se buscar o meio que, no caso concreto, se revele mais adequado para a solução do problema.

As questões, perceba-se, são de duas ordens: pragmática, consistente na incapacidade estrutural do Judiciário para solucionar todos os problemas jurídicos, e jurídico-sociológica, relativa à compreensão da existência de meios mais adequados do que outros para a solução de certas espécies de problema jurídico28 - um dos núcleos da terceira onda de acesso à justiça.29 O desenvolvimento de um sistema de justiça multiportas encontra seu fundamento no delicado equilíbrio entre esses dois fatores.

Em uma renovada interpretação do acesso à justiça, os modos de solução de problemas jurídicos distintos da tradicional atuação do Judiciário em heterocomposição devem ser utilizados pela sociedade por sua maior adequação ao caso, nem sempre por uma necessidade de fuga do Estado-juiz, motivada por um quadro de ineficiência em seu funcionamento. Em outros ter-mos, como observado por Taruffo,30 o Judiciário deve possuir condições reais de ser uma alternativa aos “meios alternativos” de solução de conflitos (como foram inicialmente denominados,).

A adequação deve ser avaliada a partir de elementos como a) a aptidão para resolução do problema jurídico, b) o interesse e o comportamento das partes, c) o custo e o tempo exigidos para o oferecimento da solução, d) as características do objeto do problema, e) a existência de urgência e f) o exame de eficiência do sistema, inclusive a partir de uma análise das capacidades institucionais.31

5. Integração

Uma das mais importantes características do sistema brasileiro de justiça multiportas é a integração entre as suas portas. As diferentes portas de acesso à justiça não são isoladas.

Não é por acaso que o Direito brasileiro tem convivido com um movimento de progressivo estímulo à articulação institucional para a construção conjunta de soluções em âmbito administrativo (como na celebração de consórcios públicos, nos termos da Lei n. 11.107/2005), normativo (como na atuação integrada entre agências reguladoras, prevista na Lei n. 13.848/2019) e decisório (a exemplo do que se verifica na cooperação judiciária, regulada pelos arts. 67 a 6932 do CPC e na Resolução n. 350/2020 do CNJ, e na decisão administrativa coordenada, disciplinada pela Lei n. 14.210/2021). A solução de problemas complexos pode exigir, de modo concomitante ou sucessivo, subsídios provenientes de diferentes entes, como aproveitamento das respectivas capacidades institucionais.

Por isso, em um sistema de justiça multiportas, o acesso à justiça deve ser compreendido a partir da premissa da possibilidade de fracionamento da condução e da solução de problemas jurídicos, com a interação entre diferentes portas de acesso à justiça.

V. Heterocomposição e respeito aos precedentes33 no sistema brasileiro de justiça multiportas

1. Generalidades

A heterocomposição é o modo de resolução de problemas jurídicos em que um terceiro determina a respectiva solução.

No ordenamento jurídico brasileiro, a autocomposição é modo de solução de problemas jurídicos preferencial em relação à heterocomposição (CPC, art. 3º, §§ 2º e 3º). O Estado tem o dever de assegurar a possibilidade de resolução do problema por meio da decisão de um terceiro ― do que se extrai, ao menos, um dever de edição de normas de organização e procedimento relativas aos processos judicial estatal e de normas de competência para amparar a instituição da arbitragem ―, mas, prioritariamente, deve estimular e garantir condições para a construção consensual da solução pelas partes.

A heterocomposição pode ser realizada por diferentes sujeitos integrantes do sistema de justiça multiportas. Ela pode ser visualizada na solução de problemas jurídicos pelo Poder Judiciário, por árbitros e tribunais arbitrais, por tribunais administrativos, por agências reguladoras, por tribunais desportivos, por cortes eclesiásticas, por instituições reconhecidas como legítimas no seio de povos tradicionais ou de determinados grupos sociais, por comitês de resolução de disputas e por entes de autorregulação, por exemplo.

Duas observações, no entanto, devem ser destacadas desde logo.

O ingresso em uma das portas para a obtenção da heterocomposição não necessariamente significa sua permanência nela até o ato decisório final. Negócios processuais multiportas34, atos de cooperação judiciária e técnicas de articulação administrativa podem permitir a interação e o trânsito entre diferentes portas destinadas à solução do problema jurídico por um terceiro, como visto anteriormente neste ensaio.

O segundo aspecto relevante diz respeito à percepção da necessidade de observância, na heterocomposição no âmbito das diferentes portas de acesso à justiça, de um conjunto de garantias estabelecidas pelo ordenamento jurídico, que podem assumir conformações específicas no âmbito de determinadas portas. O cumprimento dessas garantias está asociado à concretização do princípio do devido processo em um sistema de justiça multiportas, temática que será explorada em capítulo específico.

Motivação, respeito aos precedentes e imparcialidade formam um trio de características que integram o modo de ser da heterocomposição no sistema brasileiro de justiça multiportas. Para o propósito deste ensaio, interessa especificamente o respeito aos precedentes, que, no Direito brasileiro, encontra seu principal fundamento no art. 926 do Código de Processo Civil.

O art. 926 do CPC impõe aos tribunais, além do dever de uniformização da sua jurisprudência, o de sua preservação com estabilidade, integridade e coerência. Embora situado no Código de Processo Civil, o dever de manter a jurisprudência estável, íntegra e coerente alcança todos os entes estatais que desempenhem a função de promover a heterocomposição.

Trata-se, em verdade, de situações jurídicas integrantes do regime jurídico geral relativo às decisões estatais em processos judiciais e em processos administrativos35 ― em consonância, ainda, com o art. 1536 do CPC.

O art. 926 do CPC não pode ser interpretado como um comando destinado apenas ao Poder Judiciário. Integridade, coerência e estabilidade devem ser observadas no âmbito interno de cada uma das portas de acesso à justiça e, sempre que possível, entre diferentes portas, havendo, no mínimo, um dever de consideração das manifestações provenientes de cada uma delas, sobretudo nos temas relacionados diretamente à sua atuação.

Essa conclusão é reafirmada por vários dispositivos da LINDB (arts. 24, parágrafo único37, e 3038) e da Lei de Liberdade Econômica39 (art. 3º, inciso IV40, além do acréscimo do art. 18-A41 na Lei n. 10.522/2002), todos no sentido da garantia de tratamento isonômico e previsível ao administrado perante o Poder Público.

Há, ainda, repercussões de tais deveres em relação às portas de acesso à justiça de natureza privada, como será visto mais adiante.

Além de tudo isso, os precedentes orientam a atuação de sujeitos públicos e privados. Ilustrativamente, a) o art. 35, I,42 da Lei n. 13.140/2015 prevê que controvérsias de natureza jurídica que envolvam a Administração Pública federal direta, suas autarquias e fundações poderão ser objeto de transação por adesão, desde que haja autorização do Advogado-Geral da União, com base na jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal ou de tribunais superiores; b) o art. 19 da Lei n. 10.552/2002 dispensa a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional de contestar, oferecer contrarrazões e interpor recursos, bem como autoriza a desistir de recursos já interpostos, entre outros casos, em relação a temas decididos em sede de repercussão geral ou recurso repetitivo; c) o art. 24 da LINDB prevê que as situações plenamente constituídas com base em jurisprudência “judicial ou administrativa” majoritária devem ser protegidas de mudanças posteriores de orientação.

2. Deveres previstos no art. 926 do Código de Processo Civil43

A. Dever de uniformização da jurisprudência

O dever de uniformizar pressupõe que o órgão decisor não possa ser omisso diante de divergência interna, entre seus órgãos fracionários, sobre a mesma questão jurídica44. Ele tem o dever de resolver essa divergência, uniformizando o seu entendimento sobre o assunto.

O art. 926, §1º, CPC, desdobra o dever de uniformizar, dele extraindo o dever de os tribunais (órgãos decisores) de sintetizar sua jurisprudência dominante, sumulando-a, ao determinar que, “na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante”. Esse dever fica condicionado ao cumprimento do disposto no art. 926, §2º, CPC: “ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação”45.

O objetivo é esclarecer que o correto exercício deste dever de editar enunciados sumulares pressupõe a fidelidade do tribunal à base fática a partir da qual a jurisprudência sumulada foi construída. Cumpre preservar o caráter de concretude do Direito judicial que se constrói. Produz-se norma geral, mas a partir de casos concretos.

Com isso, o legislador “neutraliza o problema histórico dos enunciados das súmulas criados de forma abstrata, sem referência aos precedentes que levaram à sua conformação”.46

B. Dever de coerência

A coerência entre duas normas pode ser visualizada em dimensão formal ou em dimensão substancial.

A coerência formal está ligada à ideia de não contradição; a coerência substancial, à ideia de conexão positiva de sentido.47 O dever de coerência deve ser concretizado em ambas as dimensões.

A exigência de coerência produz efeitos também em duas dimensões: interna e externa.

Do ponto de vista externo, os tribunais devem coerência às suas próprias decisões anteriores e à linha evolutiva do desenvolvimento da jurisprudência. A coerência é, nesse sentido, uma imposição do princípio da igualdade -casos iguais devem ser tratados igualmente, sobretudo quando o tribunal já tem um entendimento firmado.48 Não pode o tribunal contrariar o seu próprio entendimento, ressalvada, obviamente, a possibilidade de sua superação.

Julgar um caso é essencialmente distingui-lo de outro. É preciso, porém, que as distinções feitas pelos tribunais sejam coerentes.

Além disso, a dimensão externa do dever de coerência reforça o inafastável caráter histórico do desenvolvimento judicial do Direito: o direito dos precedentes forma-se paulatinamente, em uma cadeia histórica de decisões, que vão agregando sentido e dando densidade à norma jurídica geral construída a partir de um caso concreto.49

A coerência impõe o dever de autorreferência, portanto: o dever de dialogar com os precedentes anteriores, até mesmo para superá-los e demonstrar o distinguishing. O respeito aos precedentes envolve o ato de segui-los, distingui-los ou revogá-los, jamais ignorá-los50.

É bem conhecida a metáfora, elaborada por Dworkin, de que a construção judicial do Direito é um romance em cadeia: cada julgador escreve um capítulo, mas não pode deixar de dialogar com o capítulo anterior51, para que a história possa resultar em algo coerente. “A prática jurídica precisa se preocupar com o que foi feito anteriormente [...] [a autorreferência] torna a prática mais comprometida com a coerência no discurso jurisdicional, por meio da criação de uma espécie de linha sequencial de decisões”.52 Às vezes, nem mesmo o próprio julgador observa a sua própria cadeia decisória, submetido que está “às idiossincrasias decisórias de uma multiplicidade de assessores e analistas”.53

Muito a propósito, no particular, o enunciado n. 166 do Fórum Permanente de Processualistas Civis:54 “A aplicação dos enunciados das súmulas deve ser realizada a partir dos precedentes que os formaram e dos que os aplicaram posteriormente”.

A coerência deve, ainda, ser observada no espaço e no tempo: “geograficamente, não se autorizando que a mesma situação jurídica seja tratada de forma injustificadamente diferente por órgãos de locais díspares; e historicamente, precisando respeitar sua atuação anterior ou justificar a modificação da posição que foi adotada com referência e cuidado com o passado e suas consequências”.55

A dimensão interna do dever de coerência relaciona-se à construção do precedente e, por isso, ao dever de fundamentação. Coerência, nesse sentido, é uma dimensão da congruência que se exige de qualquer decisão judicial. Mas essa congruência não se limita ao aspecto lógico (dever de não produzir decisão contraditória);56 ela impõe outros atributos à decisão.

C. Dever de integridade

O dever de integridade relaciona-se com a ideia de unidade do Direito. Embora o termo “integridade” esteja muito relacionado a Ronald

Dworkin, não se adota, aqui, interpretação do enunciado normativo do art. 926 do CPC brasileiro exclusivamente com base no seu pensamento. As ideias de Dworkin são importantíssimas para a compreensão do assunto, mas não são a única fonte para a concretização do dever de integridade no Direito brasileiro. Essa opção decorre da premissa teórica do professor estadunidense, segundo a qual somente há uma resposta correta para um problema jurídico. Neste ponto, essa prestigiada teoria da interpretação do Direito não é a seguida neste ensaio. A interpretação é, essencialmente, uma atividade de recriação e, também, de escolha de significado, “ainda que lógica e argumentativamente guiada”.57 A teoria da “única resposta certa” não resolve, por exemplo, o problema da interpretação das cláusulas gerais e dos conceitos jurídicos indeterminados, textos normativos genuinamente ambíguos.58

A observância do dever de integridade supõe que o tribunal adote certas posturas ao decidir. Eis algumas delas.

a) decidir em conformidade com o Direito, observada toda a sua complexidade (normas constitucionais, legais, administrativas, negociais, precedentes etc.); não se admite, por exemplo, decisão com base em “Direito alternativo”.

Nesse aspecto, o dever de integridade impede o voluntarismo judicial e argumentações arbitrárias59. Sendo assim, um “caso judicial só se pode resolver pela totalidade do ordenamento jurídico, e não por uma só de suas partes, tal como o peso todo de uma esfera gravita sobre a superfície em que jaz, embora seja só um o ponto em que toma contacto”.60

b) decidir em respeito à Constituição Federal, como fundamento normativo de todas as demais normas jurídicas. O dever de integridade é, nesse sentido, uma concretização do postulado da hierarquia, “do qual resultam alguns critérios importantes para a interpretação das normas, tais como o da interpretação conforme a Constituição”.61

c) compreender o Direito como um sistema de normas, e não um amontoado de normas. O dever de integridade é, nesse sentido, uma concretização do postulado da unidade do ordenamento jurídico, “a exigir do intérprete o relacionamento entre a parte e o todo mediante o emprego das categorias de ordem e de unidade”.62

E, consequentemente, reconhecer a existência de microssistemas normativos para, quando for o caso, decidir conforme as regras desse mesmo microssistema.

d) observar as relações íntimas e necessárias entre o Direito processual e o Direito material.

e) enfrentar, na formação do precedente, todos os argumentos favoráveis e contrários ao acolhimento da tese jurídica discutida. Esse desdobramento do dever de integridade está expressamente consagrado no §2º63 do art. 984 e no §3º64 do art. 1.038 do CPC - também nesse sentido o enunciado 305 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “No julgamento de casos repetitivos, o tribunal deverá enfrentar todos os argumentos contrários e favoráveis à tese jurídica discutida”.65

4. O sistema brasileiro de precedentes administrativos obrigatórios

A autovinculação é uma característica do Direito Administrativo brasileiro contemporâneo.66 Acompanhando a lição de Paulo Modesto, é possível visualizá-la em duas perspectivas. A primeira, mais abrangente, refere-se à limitação da discricionariedade administrativa por meio do detalhamento, em atos unilaterais ou convencionais, da interpretação a ser adotada diante de textos normativos dotados de imprecisão ou vagueza semântica, de maneira a estabelecer critérios específicos de padronização da atuação do Poder Público.67 Em uma segunda perspectiva, ela diz respeito à impossibilidade de alteração injustificada dos parâmetros decisórios adotados pela Administração,68 sobretudo por meio de seus tribunais, diretriz refletida há tempos no art. 50, inciso VII69, da Lei n. 9.784/1999 e reforçada na LINDB (art. 30).

O caráter obrigatório do precedente administrativo70 em relação ao próprio órgão administrativo julgador que o proferiu e àqueles que lhe são subordinados é, portanto, uma das manifestações do fenômeno mais amplo da autovinculação administrativa. Decorrência da igualdade (na dimensão da isonomia na aplicação do Direito) e da proteção da confiança, o reconhecimento da eficácia vinculante do precedente administrativo acentua a complexidade da teoria das fontes do Direito Administrativo, ao identificar a legalidade administrativa não apenas às manifestações do legislador, mas também aos pronunciamentos da própria Administração.

A expansão e o fortalecimento dos tribunais administrativos, que resolvem problemas jurídicos de modo imparcial e por heterocomposição, é uma das principais causas que justificam a criação desse sistema de respeito aos precedentes administrativos. A cognoscibilidade do Direito, dimensão da segurança jurídica que garante a todos saber como o Direito é compreendido e aplicado, e a igualdade, que garante aos administrados o direito de ser tratado de modo semelhante pela Administração Pública, o que significa ser tratado de modo isonômico perante as decisões administrativas, impõem o desenvolvimento desse sistema de formação e aplicação de precedentes administrativos.71

Há extenso rol72 de dispositivos que consagram a autovinculação da Administração Pública, inclusive por intermédio de precedentes obrigatórios.

O art. 4º73 da Lei Complementar n. 73/1993 atribui ao Advogado-Geral da União as competências para fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal (inciso X), unificar a jurisprudência administrativa, garantir a correta aplicação das leis, prevenir e dirimir as controvérsias entre os órgãos jurídicos da Administração Federal (inciso XI) e editar enunciados de súmula administrativa, resultantes de jurisprudência iterativa dos Tribunais (inciso XII).

O art. 2º, parágrafo único, XIII,74 da Lei n. 9.784/1999, determina que, nos processos administrativos, se confira “interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação”. A vedação de interpretação retroativa é claro sinal de que o precedente (interpretação anterior) deve ser aplicado, até que haja justas razões para revisão do entendimento.75

O art. 50, VII, da Lei n. 9.784/1999, ao concretizar o dever de motivar as decisões administrativas, impõe o dever ao órgão administrativo decisor de expor as razões para deixar “de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais”.76

O art. 496, §4º, IV,77 CPC, dispensa a remessa necessária ao tribunal de sentença proferida contra o Poder Público que veicule “entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa”.

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro78 (LINDB, Decreto-lei n. 4.657/1942, alterado pela Lei n. 13.655/2018) não apenas consagra a “jurisprudência administrativa majoritária” (art. 24, parágrafo único), como também impõe o dever de proceder a uma transição no caso de essa mesma jurisprudência vier a ser revista (art. 2379).

A mesma LINDB, no art. 30, determina que “as autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas”. O parágrafo único do referido artigo prevê que tais instrumentos “terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão”. Assim, a lei não só supõe a existência de precedentes administrativos, como impõe a consolidação de seus enunciados em súmula administrativa e confere a eles força vinculante até futura revisão de entendimento,80 concretizando o comando do art. 2º, parágrafo único, XIII, da Lei n. 9.784/1999.

Exatamente por isso, o Decreto Presidencial n. 9.830/2019, ao regulamentar os arts. 20 a 30 da LINDB no âmbito federal, consolida esse sistema de precedentes obrigatórios no âmbito da Administração federal (arts. 19-2481, Decreto n. 9.830/2019).

O art. 3º, IV, da Lei n. 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), estabelece que é direito de toda pessoa, essencial ao desenvolvimento econômico do país receber tratamento isonômico de órgãos e de entidades da Administração Pública em relação ao exercício de atos de liberação da atividade econômica, prevendo que o ato de liberação estará vinculado aos mesmos critérios de interpretação adotados em decisões administrativas análogas anteriores. Trata-se, aqui, de manifestação pontual de um dever que, como visto, possui caráter geral.

O art. 19 da Lei n. 10.522/2002, alterado pela Lei n. 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), determina que

Fica a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional dispensada de contestar, de oferecer contrarrazões e de interpor recursos, e fica autorizada a desistir de recursos já interpostos, desde que inexista outro fundamento relevante, na hipótese em que a ação ou a decisão judicial ou administrativa versar sobre: [...] II - tema que seja objeto de parecer, vigente e aprovado, pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional, que conclua no mesmo sentido do pleito do particular; [...] IV - tema sobre o qual exista súmula ou parecer do Advogado-Geral da União que conclua no mesmo sentido do pleito do particular; [...] VII - tema que seja objeto de súmula da administração tributária federal de que trata o art. 18-A desta Lei.

A existência de precedentes administrativos, além de influenciar o comportamento do Poder Público no processo judicial, também provoca repercussões processuais que não dependem da sua manifestação de vontade, como se observa na dispensa da remessa necessária quando a sentença estiver fundada em entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa (art. 496, § 4º, IV, CPC).

Não bastassem todas essas regras, e mesmo independentemente delas82, o sistema de formação e aplicação de precedentes administrativos é desdobramento inexorável dos princípios da segurança jurídica (incluindo sua dimensão subjetiva, a proteção da confiança, porque respeitar o precedente é manter a coerência administrativa e proteger a confiança do administrado83) e da igualdade.84 O próprio art. 926 do CPC é, aliás, um comando dirigido também aos tribunais administrativos.85

Esse complexo normativo torna desnecessária a criação, na esfera administrativa, de um dispositivo equivalente ao art. 92786 do CPC. A eficácia vinculante dos precedentes administrativos já é uma característica do sistema jurídico brasileiro.87

Há ainda um aspecto a ser destacado. É necessário perceber que, em órgãos ou entidades que cumulam funções decisórias, ao modo de um tribunal administrativo, e regulatórias, o processo de decisão de casos concretos integra a dinâmica do processo regulatório. A solução de lacunas nos atos administrativos de regulamentação do setor e a própria interpretação desses atos ocorrem a partir da via contenciosa ou de consultas, gerando decisões que vinculam o ente regulador.

Interessante exemplo pode ser extraído do Regimento Interno da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que expressamente prevê que os casos solucionados pela agência serão usados como precedentes para novas decisões e como subsídio para futura regulamentação da matéria objeto do problema jurídico (art. 49, IV88).

5. Perspectiva externa

A. Generalidades e o dever de consultar

No Brasil, o estudo do tema dos precedentes no processo judicial já é bastante consolidado. Também é notável o amadurecimento do tema no âmbito do processo administrativo. Merece mais aprofundada reflexão doutrinária, no entanto, a questão da eficácia do precedente no âmbito de outras portas de acesso à justiça, como a arbitragem e os dispute boards, por exemplo ― em tais casos, a necessidade de observância (ou, ao menos, de diálogo) em relação às decisões anteriores da própria instituição (ou pessoa, no caso do árbitro singular) pode ser abordada como uma decorrência da boa-fé objetiva, observadas, é claro, as peculiaridades de cada uma das diferentes portas.

Mesmo assim, em todos esses casos, aquilo que se examina é uma perspectiva interna da eficácia dos precedentes.

Mas é possível pensar, ainda, em uma perspectiva externa da eficácia dos precedentes.

Geralmente, ela é abordada a partir da ótica de uma das portas de acesso à justiça e em único vetor, isto é, do ponto de vista dos precedentes do Poder Judiciário (notadamente aqueles de caráter obrigatório) em relação às demais portas de acesso à justiça.

Essa abordagem é necessária, mas não suficiente. Em uma realidade com múltiplos centros decisórios, com diferentes capacidades institucionais, muitas vezes com sobreposição de espaços de atuação entre eles, o conteúdo normativo do art. 926 do Código de Processo Civil pode ser compreendido à luz da característica da integração do sistema brasileiro de justiça multiportas, permitindo que dele se extraia um dever de consideração das manifestações provenientes de outras portas de acesso à justiça.

O ente responsável pela solução de determinado problema jurídico deve, no mínimo, dialogar com os precedentes oriundos de portas de acesso à justiça distintas, uma vez que a coerência e a integridade devem ser preservadas, na maior medida do possível, não somente no âmbito interno de cada uma delas, como também entre as diferentes portas de acesso à justiça.

Ilustrativamente, a partir da conjugação do art. 313, VII,89 do Código de Processo Civil com os arts. 1890 e 1991 da Lei n. 2.180/1954 é possível identificar um dever de consideração, pelo Poder Judiciário, das manifestações provenientes do Tribunal Marítimo.92

A suspensão do processo, prevista no citado dispositivo do CPC, não é a única técnica apta a permitir o diálogo interinstitucional. A consulta é outro possível instituto a ser utilizado para o alcance dessa finalidade.93

O ordenamento jurídico brasileiro prevê a possibilidade de formulação de consultas, por exemplo,94 à Justiça Eleitoral, ao Tribunal de Contas da União, ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica e à Comissão de Valores Mobiliários. Em termos bastante abrangentes, o art. 30 da LINDB prevê a possibilidade de formulação de consultas a autoridades públicas. A Resolução n. 499/2023 do Conselho Nacional de Justiça introduziu na Resolução n. 350/2020, do mesmo órgão, a expressa possibilidade de utilização da cooperação judiciária, inclusive interinstitucional, para fins de consulta.

Além de contribuir para a proteção de expectativas de incidência normativa, a prevenção e solução de problemas jurídicos e o aperfeiçoamento do diálogo institucional95, a consulta também colabora para a concretização dos comandos contidos no art. 926 do Código de Processo Civil, compreendidos no contexto de um sistema de justiça multiportas, como o brasileiro.

B. Arbitragem e precedentes judiciais

Nos precedentes judiciais obrigatórios, a norma jurídica geral estabelecida possui eficácia vinculante em relação ao próprio órgão jurisdicional e àqueles que lhe são subordinados (art. 927, CPC). A norma do precedente integra, portanto, o ordenamento jurídico brasileiro. Por isso, não tendo as partes escolhido a arbitragem por equidade, eles vinculam o árbitro como qualquer outra fonte de hard law.

Não há razão, portanto, para que se confira à relação entre arbitragens e precedente judicial obrigatório tratamento distinto em comparação com sua relação com as demais fontes do Direito96.

Se a decisão arbitral aplica mal ou deixa de aplicar precedente judicial obrigatório, trata-se de hipótese de error in iudicando, não de invalidade, insuscetível, então, de controle pelo Poder Judiciário.

Por outro lado, se o precedente obrigatório foi invocado pela parte, e o árbitro deixar de se manifestar sobre ele, haverá vício de fundamentação ― aliás, exatamente o que ocorre também com o juiz estatal ―, o que pode ser causa de invalidação da decisão.

Há, ainda, duas observações adicionais.

As partes podem celebrar um negócio de certificação para eliminar um estado de incerteza em relação, por exemplo, ao conteúdo e à abrangência dos efeitos de um precedente judicial obrigatório, estabelecendo a interpretação a ser adotada a respeito dele no contexto de determinada(s) relação(ões) jurídica(s).

Além disso, é necessário observar que o art. 2º, § 1º97, Lei n. 9.307/1996 autoriza a escolha, pelas partes, da norma de Direito material a ser aplicada. Trata-se de negócio jurídico conhecido como choice of law98, cuja utilização apenas não é admitida em arbitragens celebradas com a Administração Pública, submetida a um regime de indisponibilidade normativa99 para escolha do ordenamento jurídico aplicável.

Celebrado negócio jurídico para a escolha da aplicação de ordenamento jurídico distinto do brasileiro, evidentemente o árbitro não estará vinculado ao precedente judicial de tribunal do Brasil.

VI. Conclusões

O sistema brasileiro de justiça compreende múltiplos modos de solução de problemas jurídicos, oferecidos por diferentes portas de acesso à justiça ― trata-se de um sistema de justiça multiportas.

No Brasil, a heterocomposição pode ser realizada por diferentes sujeitos integrantes do sistema de justiça. Ela pode ser visualizada na solução de problemas jurídicos pelo Poder Judiciário, por árbitros e tribunais arbitrais, por tribunais administrativos, por agências reguladoras, por tribunais desportivos, por cortes eclesiásticas, por instituições reconhecidas como legítimas no seio de povos tradicionais ou de determinados grupos sociais, por comitês de resolução de disputas e por entes de autorregulação, por exemplo.

Em todos esses casos, o respeito aos precedentes é uma das normas de observância fundamental no exercício da heterocomposição, observadas, naturalmente, as peculiaridades de cada uma das portas de acesso à justiça.

VII. Referências bibliográficas

Aarnio, A. (2011). The procedure of legal reasoning. In Essays on the doctrinal Study of Law. Springer. [ Links ]

Aarnio, A. (1987). The rational as reasonable - a treatise on legal justification. D. Reidel. [ Links ]

Alexy, R. (2008). Teoria dos direitos fundamentais (Virgílio Afonso da Silva, trad). Malheiros. [ Links ]

Amaral, G. R. (2021). Arbitragem e precedentes. In L. G. Marinoni y C. B. Leitão, Arbitragem e Direito Processual. RT. [ Links ]

Aragão, A. S. de (2006). Teoria das autolimitações administrativas: atos próprios, confiança legítima e contradição entre órgãos administrativos. Revista de Direito do Estado, 1(4). [ Links ]

Arguelhes, D. W., e Leal, F. (2016). Dois problemas de operacionalização do argumento de ‘capacidades institucionais’. Revista Estudos Institucionais. 2(1). [ Links ]

Arguelhes, D. W., Leal, F. (2011). O argumento das ‘capacidades institucionais’ entre a banalidade, a redundância e o absurdo. Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia, (23). [ Links ]

Ávila, H. (2021). Teoria da segurança jurídica (6a. ed.). Malheiros. [ Links ]

Ávila, H. (2011). Teoria dos princípios (12a ed.). Malheiros. [ Links ]

Barboza, E. M. Q. (2014). Precedentes judiciais e segurança jurídica - fundamentos e possibilidades para a jurisdição constitucional brasileira. Saraiva. [ Links ]

Barreiros, L. M. S. (2017). Convenções processuais e Poder Público. Juspodivm. [ Links ]

Barros, M. A. L. L. (2016). Processo, precedentes e as novas formas de justificação da Administração Pública brasileira. Revista Digital de Direito Administrativo (RDDA), 3(1). [ Links ]

Batista, A., Palermo, F. H., Pereira jr. A. (2014). “Michel Debrun em Botucatu, 1990: o conceito de auto-organização”. Simbio-Logias, 7(10). [ Links ]

Borges, J. S. M. (1996). O contraditório no processo judicial (uma visão dialética). Malheiros. [ Links ]

Cabral, A. P. (2021). Juiz natural e eficiência: flexibilização, delegação e coordenação de competências no Processo Civil. Thomson Reuters Brasil. [ Links ]

Cabral, A. P. (2023). Jurisdição sem decisão: non liquet e consulta jurisdicional no direito brasileiro. Juspodivm. [ Links ]

Cabral, T., Navarro, X., y Zaneti jr., H. (Coord.) (2016). Grandes Temas do CPC - Justiça Multiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de solução adequada para conflitos. Juspodivm. [ Links ]

Cadiet, L. (2017). Perspectiva sobre a Justiça do Sistema Civil Francês. RT. [ Links ]

Cappelletti, M., e Garth, B. (1988). Acesso à justiça (Ellen Gracie Northfleet, trad.). Sergio Antonio Fabris Editor. [ Links ]

Debrun, M. (1996). A ideia de auto-organização. In M. Debrun, M. E. Q. Gonzales, O. Pessoa Jr. (Orgs.). Auto-Organização: estudos interdisciplinares em filosofia, ciências naturais e humanas, e artes (Coleção CLE , Vol. 18). CLE/UNICAMP. [ Links ]

Debrun, M. (1997). Auto-organização e ciências cognitivas. In M. E. Q. Gonzales, C. A. Lungarzo, C. B. Milidoni (Org.). Encontro com as ciências cognitivas (2a. ed.). Faculdade de Filosofia e Ciências. [ Links ]

Dewey, J. (1938). Logic: the theory of inquiry. Henry Holt and Company. [ Links ]

Didier jr., F. (2020a). Curso de Direito Processual Civil (22a. ed.). Juspodivm v.1. [ Links ]

Didier jr., F. (2020b). Intervenção de amicus curiae em processo apto à formação de precedente administrativo obrigatório. Civil Procedure Review, 11(2). [ Links ]

Didier jr., F. (2016). Sistema brasileiro de precedentes judiciais obrigatórios e os deveres institucionais dos tribunais: uniformidade, estabilidade, integridade e coerência da jurisprudência. In Scritti in onore di Nicola Picardi. t. II. Pacini Giuridica. [ Links ]

Didier jr., F. (2021). Sobre academia, memória e imaginação: uma vida em processo. Memorial apresentado como pressuposto para a promoção a Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Edição do autor: Salvador. [ Links ]

Didier jr., F., Braga, P. S., y Oliveira, R. A. (2023). Curso de Direito Processual Civil (18a. ed.). Juspodivm, v.2. [ Links ]

Didier jr., F., y Cunha, L. C. (2014). Curso de Direito Processual Civil (12a. ed.). Juspodivm. v. 3. [ Links ]

Didier jr., F., y Fernandez, L. (2024). Introdução à justiça multiportas. Editora Juspodivm. [ Links ]

Didier jr., F., y Fernandez, L. (2023a). Justiça multiportas como um ever-expanding system: um ensaio sobre a abertura como característica do sistema de justiça no Brasil. In G. Mendes et al. (Org.). Ensaios sobre Direito Constitucional, Processo Civil e Direito Civil: uma homenagem ao Professor José Manoel de Arruda Alvim (pp. 149-162). Editora de Direito Contemporâneo. [ Links ]

Didier jr., F., y Fernandez, L. (2023b). O sistema brasileiro de justiça multiportas como um sistema auto-organizado: interação, integração e seus institutos catalisadores. Revista do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Norte, 3, 13-41. [ Links ]

Dworkin, R. (2003). O Império do Direito. (Jeferson Luiz Camargo, trad.). Martins Fontes. [ Links ]

Fernandez, L. (2021). Proteção de dados pessoais no sistema de justiça multiportas: publicidade processual, cooperação judiciária e o papel do Conselho Nacional de Justiça e da Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito. [ Links ]

Ferraz jr., T. S. (2003). Introdução ao estudo do Direito: técnica, decisão, dominação (4a. ed.). Atlas. [ Links ]

Giannetti, E. Gênio de Adam Smith ainda espanta nos 300 anos de seu nascimento. https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2023/05/genio-de-adam-smith-ainda-espanta-nos-300-anos-de-seu-nascimento.shtml?utm_source=sharenativo&utm_medium=social&utm_campaign=sharenativo. [ Links ]

Hartmann, G. K. (2021). Competência no processo civil: da teoria tradicional à gestão judicial da competência adequada. Juspodivm. [ Links ]

Hachem, D. W. (2015). Vinculação da administração pública aos precedentes administrativos e judiciais: mecanismo de tutela igualitária dos direitos sociais. Revista de Direito Administrativo & Constitucional, 15(59). [ Links ]

Hayek, F. (1985). Direito, legislação e liberdade: uma nova formulação dos princípios liberais de justiça e economia política. v. 1: Normas e ordem. Visão. [ Links ]

Jordão, E. (2016). Controle judicial de uma Administração Pública complexa: a experiência estrangeira na adaptação da intensidade do controle. Malheiros. [ Links ]

Komesar, N. (1994). Imperfect Alternatives: Choosing Institutions in Law, Economics, and Public Policy. University of Chicago Press. [ Links ]

Lessa Neto, J. L. (2015). O Novo CPC adotou o modelo multiportas!!! E agora?!. Revista de Processo, (244). [ Links ]

Macêdo, L. B. (2014). Precedentes Judiciais e o Direito Processual Civil. Juspodivm. [ Links ]

Marinoni, L. G., y Cruz Arenhart, S. (2021). Comentários ao Código de Processo Civil (artigos 294 ao 333) (3a. ed.) RT. [ Links ]

Matos, J. I., Lopes, J. M., Mendes, L. A., y Coelho, N. (2015). Manual de gestão judicial. Almedina. [ Links ]

Mazzola, M. (2022). Sanções premiais no Processo Civil: previsão legal, estipulação convencional e proposta de sistematização (standards) para sua fixação judicial. Editora Juspodivm. [ Links ]

Mitidiero, D. (2013). Cortes superiores e cortes supremas - do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. RT. [ Links ]

Mitidiero, D. (2012). Fundamentação e precedente - dois discursos a partir da decisão judicial. Revista de Processo. RT. [ Links ]

Mitidiero, D. (2018). Precedentes: da persuasão à vinculação (3. ed.). RT. [ Links ]

Mitidiero, D. (2023). Ratio decidendi: quando uma questão é idêntica, semelhante ou distinta? RT. [ Links ]

Modesto, P. (2010). Autovinculação da Administração Pública. Revista Eletrônica de Direito de Estado, (24). http://www.direitodoestado.com.br/codrevista.asp?cod=466. [ Links ]

Moreira, E. B. (2016). O novo Código de Processo Civil e sua aplicação no processo administrativo. Revista de Direito Administrativo. 273. [ Links ]

Navarro, T. (2023). Teoria da Justiça Multiportas. Revista de Processo. 343. [ Links ]

Neves, M. A “desrazão” sem diálogo com a “razão”: teses provocatórias sobre o STF. http://www.conjur.com.br/2014-out-18/desrazao-dialogo-razao-teses-provocatorias-stf. [ Links ]

Nunes, D., Bahia, A., Theodoro Jr., H. (2010). Breves considerações da politização do judiciário e do panorama de aplicação no direito brasileiro: análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da padronização decisória. Revista de Processo. 189. [ Links ]

Oliveira, R. C. R. (2018). Precedentes no Direito Administrativo. Forense,. [ Links ]

Oliveira, W. L. (2019). Precedentes judiciais na administração pública - limites e possibilidades de aplicação. Juspodivm. [ Links ]

Peczenik, A. (2000). Certainty or coherence. The reasonable as rational? On legal argumentation and justification. Festschrift for Aulis Aarnio. Duncker & Humblot. [ Links ]

Peczenik, A. (2009). On law and reason. Springer. [ Links ]

Salles, C. A. (2011). Arbitragem em contratos administrativos. Forense. [ Links ]

Sanchez Badin, A. (2013). Controle judicial das políticas públicas: contribuição ao estudo do tema da judicialização da política pela abordagem da análise institucional comparada de Neil K. Komesar. Malheiros. [ Links ]

Sander, F. (1978). Varieties of Dispute Processing. Hearings Before the Subcommittee on Courts, Civil Liberties, and the Administration of Justice of the Committee on the Judiciary, House of Representatives, Ninety-fifth Congress, Second Session on S. 957. US Government Printing Office. [ Links ]

Sander, F., e Hernandez Crespo, M. (2012). Diálogo entre os professores Frank Sander e Mariana Hernandez Crespo: explorando a evolução do Tribunal Multiportas. In R. Alves de Almeida, T. Almeida, e M. Hernandez Crespo (Org.). Tribunal Multiportas: investindo no capital social para maximizar o sistema de solução de conflitos no Brasil. Editora FGV. [ Links ]

Santos, E. F. (1998). Manual de Direito Processual Civil (6. ed.). Saraiva. vol. 1. [ Links ]

Santos, R. B. (2021). Convenção Processual Sobre Norma Aplicável ao Mérito. RT. [ Links ]

Silva, P. C. (2009). A nova face da justiça: os meios extrajudiciais de resolução de controvérsias. Coimbra Editora. [ Links ]

Silveira, B. B. (2021). Litigiosidade repetitiva, processo e regulação: interações entre o Judiciário e o Regulador no julgamento de casos repetitivos. Editora Juspodivm. [ Links ]

Smith, A. (1983). A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas (Luiz João Baraúna, trad.) v. 1. Abril Cultural. [ Links ]

Smith, A. (2015). Teoria dos sentimentos morais. (Lya Luft, trad.) Martins Fontes. [ Links ]

Sunstein, C., e Vermeule, A. (2003a). Interpretation and Institutions. Michigan Law Review. 101(885). https://repository.law.umich.edu/mlr/vol101/iss4/2/. [ Links ]

Sunstein, C. e Vermeule, A. (2003b). Interpretative Theory in Its Infancy: a reply to Posner. Michigan Law Review. 101(972). https://repository.law.umich.edu/mlr/vol101/iss4/4/Links ]

Susskind, R. (2019). Online Courts and the Future of Justice. Oxford University Press. [ Links ]

Taruffo, M. (2007). Un’alternativa alle alternative: modelli di risoluzione dei conflitti. Revista do Curso de Mestrado em Ciência Jurídica da FUNDINOPI,(7). [ Links ]

Temer, S. (2018). Precedentes judiciais e arbitragem: reflexões sobre a vinculação do árbitro e o cabimento de ação anulatória. Revista de Processo. 278. [ Links ]

Talamini, E. (2023) Fundamentação da sentença arbitral e devido processo. Revista de Processo, 344. [ Links ]

Vigliar, J. M. M. (2003). Uniformização de jurisprudência - segurança jurídica e dever de uniformizar. Atlas. [ Links ]

Watanabe, K. (2019). Cultura da sentença e cultura da pacificação. Acesso à ordem jurídica justa: conceito atualizado de acesso à justiça, processos coletivos e outros estudos. Del Rey. [ Links ]

Zaneti jr., H. (2014). O Valor Vinculante dos Precedentes. Juspodivm. [ Links ]

1Investigación realizada gracias al Programa UNAM PAPIIT IN302422. Este ensaio é resultado do grupo de pesquisa “Transformações nas teorias sobre o processo e o Direito processual”, vinculado à Universidade Federal da Bahia, cadastrado no Diretório Nacional de Grupos de Pesquisa do CNPq respectivamente nos endereços dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/7958378616800053. O grupo é membro fundador da “ProcNet - Rede Internacional de Pesquisa sobre Justiça Civil e Processo contemporâneo” (http://laprocon.ufes.br/rede-de-pesquisa). Em homenagem a Daniel Mitidiero.

2

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

  • § 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.

  • § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

  • § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

8Em termos gerais, um problema é uma situação em estado de indeterminação, ainda sem definição (Dewey, 1938, pp. 107-108).

9

Perceba que o estabelecimento de precedentes judiciais apenas ocorre a partir de casos concretos e que, mesmo nos processos de controle concentrado de constitucionalidade, há uma situação concreta, embora não relacionada a qualquer direito individual, submetida à apreciação do Supremo Tribunal Federal, em que se discute a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de algum específico ato normativo (Didier jr., 2020, v.1, p. 205-206).

Para Trícia Navarro, a dimensão do objeto da justiça multiportas “pode ser compreendida qualquer coisa, ponto, tema ou interesse que precise ser discutido, tratado ou resolvido e que tenha ou possa ter repercussão no ambiente jurídico” (grifos no original) (Navarro, T., 2023, p. 453-471).

10Sobre o art. 926 do CPC (Didier jr., 2016).

11

Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

  • § 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.

  • § 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.

12Originalmente, Sander referiu-se a um “centro abrangente de justiça” (comprehensive justice center). A expressão tribunal multiportas foi apresentada, ainda em 1976, na capa de uma revista da American Bar Association, que publicou o artigo relativo à famosa palestra proferida na Pound Conference, conforme relata o próprio Sander (Sander e Hernandez Crespo (2012), p. 32).

15 Cabral, Navarro, e Zaneti jr. (2016). A coleção “Grandes Temas do CPC”, atualmente com dezesseis volumes, é coordenada por Fredie Didier Jr., um dos autores deste ensaio. Trícia Navarro conceitua a justiça multiportas como “um sistema que compreende variados espaços e ferramentas de prevenção e solução de disputas, com potencialidade de interconexão, proporcionando à sociedade formas eficientes de alcance da pacificação social. Em outros termos, a Justiça Multiportas é a ressignificação do acesso à justiça, para contemplar diferentes ambientes e métodos interrelacionáveis, capazes de garantir o adequado e proporcional tratamento das controvérsias” (Navarro, 2023).

16“Há auto-organização cada vez que o advento ou a reestruturação de uma forma, ao longo de um processo, se deve principalmente ao próprio processo ― a características nele intrínsecas ―, e só em menor grau às suas condições de partida, ao intercâmbio com o ambiente ou à presença eventual de uma instância supervisora” (Debrun, 1996, p. 4).

17Ilustrativamente, a noção de auto-organização tem destaque na Teoria Econômica pelo menos desde Adam Smith, para quem o desenvolvimento das atividades econômicas decorria do interesse espontâneo e descoordenado dos agentes sociais, cuja interação, embora planejada na perspectiva de uma organização geral, contribuía para o progresso do sistema (Smith, 2015, p. 312; Smith, 1983, pp. 436-438). Essa ideia é posteriormente retomada e aprofundada por Friedrich Hayek, que identifica o funcionamento da sociedade como uma ordem espontânea, não concebida como produto da ação deliberada de um agente externo (embora certos indivíduos possam dela extrair especial proveito), mas como sistema tendencialmente complexo, organizado a partir da estrutura de relações entre seus diversos integrantes, das normas que regulam as ações de cada um deles, das reações de cada membro aos comportamentos dos demais e do ambiente em que estão situados (Hayek, 1985, pp. 116-133). Essa noção, no âmbito da Economia, é sintetizada por Giannetti da seguinte maneira: “O mercado regido pelo sistema de preços [...] não é a criação inspirada de algum demiurgo intelectual em seu gabinete, mas fruto de um longo e incremental processo evolutivo por meio do qual foram se constituindo as regras que presidem a valoração dos bens e as trocas em uma sociedade baseada na divisão social do trabalho. Ele não é resultado da intenção, mas sim da ação humana” (Giannetti). É interessante perceber que o compartilhamento dessa estrutura de organização no âmbito dos objetos de diferentes ciências permite a substituição, nessa passagem, sem prejuízo de sentido, do termo “mercado” pela expressão “sistema de justiça”, como defendido neste ensaio.

19Dispositivos revogados pela Lei n. 14.711/2023 (Marco Legal das Garantias), que estabeleceu novo regramento para a execução extrajudicial do crédito hipotecário.

20As ODR’s (online dispute resolutions) podem ser compreendidas a partir de duas perspectivas: a) em seu sentido original — e que ainda conta com grande prestígio —, referem-se à utilização de plataformas tecnológicas para instrumentalização dos (à época) denominados meios “alternativos” de resolução de conflitos desenvolvidos fora do Judiciário. Sob essa ótica, a incorporação pelos tribunais de ferramentas baseadas no uso da internet não se insere no conceito de ODR, mas no de online courts (Susskind, 2019, pp. 61-63); b) mais recentemente, a expressão tem sido empregada em sentido mais amplo, aludindo a qualquer método de solução de conflitos por meio eletrônico, em setores privados ou públicos, inclusive no âmbito dos tribunais e para fins de heterocomposição (Susskind, 2019, p. 62). É neste segundo sentido que a expressão é utilizada neste ensaio.

21Art. 19. Fica a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional dispensada de contestar, de oferecer contrarrazões e de interpor recursos, e fica autorizada a desistir de recursos já interpostos, desde que inexista outro fundamento relevante, na hipótese em que a ação ou a decisão judicial ou administrativa versar sobre: I - matérias de que trata o art. 18; II - tema que seja objeto de parecer, vigente e aprovado, pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional, que conclua no mesmo sentido do pleito do particular; III - (VETADO); IV - tema sobre o qual exista súmula ou parecer do Advogado-Geral da União que conclua no mesmo sentido do pleito do particular; V - tema fundado em dispositivo legal que tenha sido declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso e tenha tido sua execução suspensa por resolução do Senado Federal, ou tema sobre o qual exista enunciado de súmula vinculante ou que tenha sido definido pelo Supremo Tribunal Federal em sentido desfavorável à Fazenda Nacional em sede de controle concentrado de constitucionalidade; VI - tema decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional, ou pelo Superior Tribunal de Justiça, pelo Tribunal Superior do Trabalho, pelo Tribunal Superior Eleitoral ou pela Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência, no âmbito de suas competências, quando: a) for definido em sede de repercussão geral ou recurso repetitivo; ou b) não houver viabilidade de reversão da tese firmada em sentido desfavorável à Fazenda Nacional, conforme critérios definidos em ato do Procurador-Geral da Fazenda Nacional; e VII - tema que seja objeto de súmula da administração tributária federal de que trata o art. 18-A desta Lei.

22Nos domínios da Física, fala-se em ever-expanding system em alusão à propriedade do universo de encontrar-se em expansão constante e acelerada (<https://blogs.scientificamerican.com/observations/how-will-our-species-survive-in-an-ever-expanding-universe/>). Neste ensaio, utilizamos a expressão em referência ao fato de o sistema brasileiro de justiça multiportas estar em ampliação constante ― de sujeitos, portas e fontes ―, em crescente complexidade. Há, ainda, na Física, uma curiosidade científica relacionada ao tema. Percebendo que um modelo baseado essencialmente na ação da força gravitacional não poderia corresponder à realidade, já que necessariamente levaria o universo a um colapso causado pela atração entre os corpos, Einstein introduziu em suas equações aquilo que denominou de constante cosmológica, uma força física (traduzida em índice matemático) que geraria repulsão suficiente para compensar a atuação da gravidade. Isso asseguraria o caráter estático do universo, uma das premissas da sua visão. Anos depois, Edwin Hubble demonstraria que, na verdade, o universo se encontra em expansão. Essa descoberta levou Einstein a admitir que a constante cosmológica foi o maior erro da sua vida. O universo não era estático, afinal. Ainda mais curioso é que, décadas mais tarde, com o avanço das medições por telescópio, com a constatação de que a expansão do universo está submetida a uma aceleração constante, a ideia de existência de uma força de repulsão tem sido resgatada, o que pode significar a necessidade de reincorporação de uma constante cosmológica para explicar o funcionamento do universo ― agora não mais como meio para afirmar seu caráter estático, mas para retratar a dinâmica da sua expansão. A vida é movimento.

23Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

27Sobre o tema: Mazzola (2022, pp. 208-211).

32

Art. 67. Aos órgãos do Poder Judiciário, estadual ou federal, especializado ou comum, em todas as instâncias e graus de jurisdição, inclusive aos tribunais superiores, incumbe o dever de recíproca cooperação, por meio de seus magistrados e servidores.

Art. 68. Os juízos poderão formular entre si pedido de cooperação para prática de qualquer ato processual.

Art. 69. O pedido de cooperação jurisdicional deve ser prontamente atendido, prescinde de forma específica e pode ser executado como: I - auxílio direto; II - reunião ou apensamento de processos; III - prestação de informações; IV - atos concertados entre os juízes cooperantes.

§ 1º As cartas de ordem, precatória e arbitral seguirão o regime previsto neste Código.

§ 2º Os atos concertados entre os juízes cooperantes poderão consistir, além de outros, no estabelecimento de procedimento para: I - a prática de citação, intimação ou notificação de ato; II - a obtenção e apresentação de provas e a coleta de depoimentos; III - a efetivação de tutela provisória; IV - a efetivação de medidas e providências para recuperação e preservação de empresas; V - a facilitação de habilitação de créditos na falência e na recuperação judicial; VI - a centralização de processos repetitivos; VII - a execução de decisão jurisdicional.

§ 3º O pedido de cooperação judiciária pode ser realizado entre órgãos jurisdicionais de diferentes ramos do Poder Judiciário.

33O tema dos precedentes é analisado longamente em Didier jr., Braga, y Oliveira (2023). Aqui, o exame do tema limita-se aos aspectos relevantes para o sistema brasileiro de justiça multiportas.

36Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.

37

Art. 24, A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.

Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.

38

Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas.

Parágrafo único. Os instrumentos previstos no caput deste artigo terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão.

39A Lei n. 13.874/2019, conhecida como Lei de Liberdade Econômica ou Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador.

40Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal: [...] IV - receber tratamento isonômico de órgãos e de entidades da administração pública quanto ao exercício de atos de liberação da atividade econômica, hipótese em que o ato de liberação estará vinculado aos mesmos critérios de interpretação adotados em decisões administrativas análogas anteriores, observado o disposto em regulamento;

41Art. 18-A. Comitê formado de integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional editará enunciados de súmula da administração tributária federal, conforme o disposto em ato do Ministro de Estado da Economia, que deverão ser observados nos atos administrativos, normativos e decisórios praticados pelos referidos órgãos.

42Art. 35. As controvérsias jurídicas que envolvam a administração pública federal direta, suas autarquias e fundações poderão ser objeto de transação por adesão, com fundamento em: I - autorização do Advogado-Geral da União, com base na jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal ou de tribunais superiores; ou II - parecer do Advogado-Geral da União, aprovado pelo Presidente da República.

43As ideias expostas neste tópico foram inicialmente desenvolvidas em Didier jr. (2016).

44Defendendo a existência de um dever de uniformizar a jurisprudência ainda sob a vigência do CPC-1973, e apenas com base na previsão do incidente de uniformização de jurisprudência do CPC-1973 (arts. 476 e segs.), Vigliar (2003, p. 203); Santos (1998, p. 600); Didier jr. y Cunha (2014, p. 555).

45A súmula é uma consolidação de enunciados que consagram as teses jurídicas que têm prevalecido no tribunal. O enunciado da súmula propõe-se a ser o texto da ratio decidendi do precedente que vem sendo reiteradamente seguido em determinado tribunal.

52 Macêdo (2014, p. 271). O texto entre colchetes é de Fredie Didier Jr.

53

Neves.

Embora se referindo ao dever de integridade, o que reforça a interseção que há entre ele e o dever de coerência, a lição de Dierle Nunes, Alexandre Bahia e Humberto Theodoro Jr. merece reprodução: “Em face da pressuposição brasileira de que os Ministros (e juízes) devem possuir liberdade decisória, cria-se um quadro de ‘anarquia interpretativa’ na qual nem mesmo se consegue respeitar a história institucional da solução de um caso dentro de um mesmo tribunal. Cada juiz e órgão do tribunal julgam a partir de um ‘marco zero’ interpretativo, sem respeito à integridade e ao passado de análise daquele caso; permitindo a geração de tantos entendimentos quantos sejam os juízes” (Nunes, Bahia, e Theodoro jr., 2010, p. 43).

54O Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) é um grupo despersonalizado, fundado por Fredie Didier Jr. em 2013, dedicado ao estudo sobre o Direito Processual Civil e o sistema de justiça no Brasil. O Fórum realiza encontros periódicos (a partir de 2016, com frequência anual, ressalvados os anos de 2020 e 2021, em razão das medidas de isolamento adotadas durante a pandemia da Covid-19) para discussão e aprovação de enunciados e, desde 2022 (XI FPPC), também para o reconhecimento de boas práticas desenvolvidas no sistema de justiça. O evento é realizado em dois dias. A metodologia de debates e votação funciona da seguinte maneira: a) no primeiro dia, os processualistas são distribuídos em grupos temáticos, livremente escolhidos, que se debruçam sobre os respectivos assuntos e propõem enunciados interpretativos e, sendo o caso, boas práticas a serem levados para reunião plenária; b) na plenária, os grupos apresentaram suas propostas e apenas os enunciados e boas práticas aprovados por unanimidade são consolidados em uma coletânea (Didier jr., 2021, p. 276). O rol de enunciados e o repertório de boas práticas processuais do Fórum Permanente de Processualistas Civis podem ser encontrados em: <https://www.fppc.com.br/>. Em março de 2023, o Fórum Permanente de Processualistas Civis foi admitido pelo Superior Tribunal de Justiça como amicus curiae no Recurso Especial n. 1.955.574 (Tema Repetitivo n 1.137), em que se discute a possibilidade de o magistrado, com fundamento no art. 139, IV (“O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária “), do Código de Processo Civil, observando a devida fundamentação, o contraditório e a proporcionalidade da medida, adotar, de modo subsidiário, meios executivos atípicos.

56 Peczenik (2009, p. 131). A teoria sobre coerência desenvolvida por Alexsander Peczenik serve para a compreensão do sistema jurídico, da dogmática jurídica e da decisão judicial (Peczenik, 2000, p. 169).

60Lição de Carlos Cossio, extraída de Borges (1996, p. 91).

63Art. 984, § 2º O conteúdo do acórdão abrangerá a análise de todos os fundamentos suscitados concernentes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários.

64Art. 1.038, § 3º O conteúdo do acórdão abrangerá a análise dos fundamentos relevantes da tese jurídica discutida.

65Para Ávila, a “completude” (conjunto de proposições contém todos os elementos e suas negações) é um atributo da coerência e está relacionada à ideia de integridade (Ávila, 2011, p. 140).

66A autovinculação da Administração Pública e o caráter obrigatório dos precedentes administrativos já foram objeto de reflexão dos autores: Didier jr. (2020b, pp. 209-218); Fernandez (2021, pp. 504-506).

69Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: [...]VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;

70“O precedente administrativo pode ser conceituado como a norma jurídica retirada de decisão administrativa anterior, válida e de acordo com o interesse público, que, após decidir determinado caso concreto, deve ser observada em casos futuros e semelhantes pela Administração Pública” (Oliveira, 2018, p. 96).

71Sobre a relação entre cognoscibilidade do Direito, igualdade e segurança jurídica, Ávila, H. (2021, pp. 286 e 495-498).

72Conforme exposto em Didier jr. (2020b, pp. 212-214).

73Art. 4º - São atribuições do Advogado-Geral da União: I - dirigir a Advocacia-Geral da União, superintender e coordenar suas atividades e orientar-lhe a atuação; II - despachar com o Presidente da República; III - representar a União junto ao Supremo Tribunal Federal; IV - defender, nas ações diretas de inconstitucionalidade, a norma legal ou ato normativo, objeto de impugnação; V - apresentar as informações a serem prestadas pelo Presidente da República, relativas a medidas impugnadoras de ato ou omissão presidencial; VI - desistir, transigir, acordar e firmar compromisso nas ações de interesse da União, nos termos da legislação vigente; VII - assessorar o Presidente da República em assuntos de natureza jurídica, elaborando pareceres e estudos ou propondo normas, medidas e diretrizes; VIII - assistir o Presidente da República no controle interno da legalidade dos atos da Administração; IX - sugerir ao Presidente da República medidas de caráter jurídico reclamadas pelo interesse público; X - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal; XI - unificar a jurisprudência administrativa, garantir a correta aplicação das leis, prevenir e dirimir as controvérsias entre os órgãos jurídicos da Administração Federal; XII - editar enunciados de súmula administrativa, resultantes de jurisprudência iterativa dos Tribunais; XIII - exercer orientação normativa e supervisão técnica quanto aos órgãos jurídicos das entidades a que alude o Capítulo IX do Título II desta Lei Complementar; XIV - baixar o Regimento Interno da Advocacia-Geral da União; XV - proferir decisão nas sindicâncias e nos processos administrativos disciplinares promovidos pela Corregedoria-Geral e aplicar penalidades, salvo a de demissão; XVI - homologar os concursos públicos de ingresso nas Carreiras da Advocacia-Geral da União; XVII - promover a lotação e a distribuição dos Membros e servidores, no âmbito da Advocacia-Geral da União; XVIII - editar e praticar os atos normativos ou não, inerentes a suas atribuições; XIX - propor, ao Presidente da República, as alterações a esta Lei Complementar;

74Art. 2º, Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: (...) XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.

75Vendo neste artigo uma das bases normativas para a aplicação de precedentes administrativos no Brasil, Barros (2016, p. 138).

76Vendo neste artigo uma das bases normativas para a aplicação de precedentes administrativos no Brasil, Modesto (2010, pp. 2-4); Hachem (2015, p. 71); Barros (2016, p. 139).

77Art. 496, § 4º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em: [...] IV - entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.

78As normas extraídas da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro podem ser consideradas metanormas, uma vez que disciplinam a aplicação de outras normas jurídicas. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei n. 4.657/1942) possui a natureza jurídica de lei ordinária e disciplina temas como vigência, eficácia, aplicação no tempo e no espaço e fixação de critérios de integração e de interpretação jurídica. A Lei n. 13.655/2018 introduziu os arts. 20 a 30 da LINDB, com a regulamentação de um conjunto de temas de Direito Público, como o dever de observância das consequências práticas de decisões administrativas, judiciais e dos órgãos de controle e o dever de fixação de regime de transição nas situações de alteração de interpretação ou orientação sobre norma de conteúdo indeterminado.

79Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.

80Vendo neste artigo uma base normativa para a aplicação de precedentes administrativos no Brasil, Oliveira (2019, p. 153-154).

81

Art. 19. As autoridades públicas atuarão com vistas a aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de normas complementares, orientações normativas, súmulas, enunciados e respostas a consultas.

Parágrafo único. Os instrumentos previstos no caput terão caráter vinculante em relação ao órgão ou à entidade da administração pública a que se destinarem, até ulterior revisão.

Art. 20. O parecer do Advogado-Geral da União de que tratam os art. 40 e art. 41 da Lei Complementar nº 73, 10 de fevereiro de 1993, aprovado pelo Presidente da República e publicado no Diário Oficial da União juntamente com o despacho presidencial, vincula os órgãos e as entidades da administração pública federal, que ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento.

§ 1º O parecer do Advogado-Geral da União aprovado pelo Presidente da República, mas não publicado, obriga apenas as repartições interessadas, a partir do momento em que dele tenham ciência.

§ 2º Os pareceres de que tratam o caput e o § 1º têm prevalência sobre outros mecanismos de uniformização de entendimento.

Art. 21. Os pareceres das consultorias jurídicas e dos órgãos de assessoramento jurídico, de que trata o art. 42 da Lei Complementar nº 73, de 1993, aprovados pelo respectivo Ministro de Estado, vinculam o órgão e as respectivas entidades vinculadas.

Art. 22. A autoridade que representa órgão central de sistema poderá editar orientações normativas ou enunciados que vincularão os órgãos setoriais e seccionais.

§ 1º As controvérsias jurídicas sobre a interpretação de norma, instrução ou orientação de órgão central de sistema poderão ser submetidas à Advocacia-Geral da União.

§ 2º A submissão à Advocacia-Geral da União de que trata o § 1º será instruída com a posição do órgão jurídico do órgão central de sistema, do órgão jurídico que divergiu e dos outros órgãos que se pronunciaram sobre o caso.

Art. 23. A autoridade máxima de órgão ou da entidade da administração pública poderá editar enunciados que vinculem o próprio órgão ou a entidade e os seus órgãos subordinados.

Art. 24. Compete aos órgãos e às entidades da administração pública manter atualizados, em seus sítios eletrônicos, as normas complementares, as orientações normativas, as súmulas e os enunciados a que se referem os art. 19 ao art. 23.

83Relacionando o respeito aos precedentes administrativos com a proibição do venire contra factum proprium pela Administração, Aragão (2006, pp. 231-244); Barros (2016, p. 141).

84Longamente sobre o tema, Hachem (2015, pp. 63-91).

86

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

  • I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

  • II - os enunciados de súmula vinculante;

  • III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

  • IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

  • V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

  • § 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º , quando decidirem com fundamento neste artigo.

  • § 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.

  • § 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

  • § 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

  • § 5º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.

88Art. 49. A ANP, mediante conciliação e arbitramento, atuará de forma a: [...] IV - utilizar os casos já mediados pela Agência como precedentes para novas decisões e como subsídios para a eventual regulamentação do conflito resolvido.

89Art. 313. Suspende-se o processo: [...] VII - quando se discutir em juízo questão decorrente de acidentes e fatos da navegação de competência do Tribunal Marítimo;

90Art. 18. As decisões do Tribunal Marítimo quanto à matéria técnica referente aos acidentes e fatos da navegação têm valor probatório e se presumem certas, sendo porém suscetíveis de reexame pelo Poder Judiciário.

91Art. 19. Sempre que se discutir em juízo uma questão decorrente de matéria da competência do Tribunal Marítimo, cuja parte técnica ou técnico-administrativa couber nas suas atribuições, deverá ser juntada aos autos a sua decisão definitiva.

92Dada a natureza e a relevância da manifestação do Tribunal Marítimo, Marinoni e Arenhart consideram que a hipótese prevista no art. 313, VII, do Código de Processo Civil aproxima-se daquela contida no inciso V, b, do mesmo artigo, em que a decisão judicial depende da “produção de certa prova, requisitada a outro juízo”, sendo a decisão proferida pelo Tribunal Marítimo essa prova especial. Diferentemente, porém, do que ocorre nos casos previstos no art. 313, V, não há prazo para a suspensão do processo judicial (Marinoni y Cruz Arenhart, 2021, pp. 317-318).

93Sobre o instituto da consulta e a função jurisdicional consultiva, Cabral (2023, pp. 112-218).

94Os exemplos foram extraídos de Cabral (2023, pp. 132-140).

96Adota-se, aqui, o posicionamento de Talamini (2023, pp. 441-447). Sobre o tema, vide, ainda, com visões ora distintas, ora complementares, Temer (2018, pp. 523-543); Amaral (2021, pp. 347-370).

97Art. 2º, § 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.

98Sobre o tema, longamente, inclusive com a exposição de critérios de admissibilidade e casuística da celebração da cláusula choice of law, Santos (2021, pp. 187-228).

Cómo citar

Sistema IIJ

Didier jr., Fredie y Fernandez, Leandro, “Os precedentes no sistema brasileiro de justiça multiportas”, Boletín Mexicano de Derecho Comparado, México, vol. 56, núm. 168, julio-diciembre de 2023, pp. 81-119. https://doi.org/10.22201/iij.24484873e.2023.168.18868

APA

Didier jr., F. y Fernandez, L. (2023). Os precedentes no sistema brasileiro de justiça multiportas, Boletín Mexicano de Derecho Comparado, 56(168), 81-119. https://doi.org/10.22201/iij.24484873e.2023.168.18868

Recebido: 19 de Janeiro de 2024; Aceito: 10 de Maio de 2024; Publicado: 18 de Junho de 2024

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons