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Acta zoológica mexicana
versión On-line ISSN 2448-8445versión impresa ISSN 0065-1737
Acta Zool. Mex vol.26 spe 2 Xalapa ene. 2010
Artículos originales
Uso das minhocas como bioindicadoras ambientais: princípios e práticas o 3° Encontro Latino Americano de Ecologia e Taxonomia de Oligoquetas (ELAETAO3)
Uso de las lombrices de tierra como bioindicadoras ambientales: principios y prácticas el 3° Encuentro Latino Americano de Ecología y Taxonomía de Oligoquetos (ELAETAO3)
George G. BROWN1 & Jorge DOMÍNGUEZ2
1 Embrapa Florestas, Estrada da Ribeira km. 111, C.P. 319, Colombo, PR, 83411000, Brasil. Email: browng@cnpf.embrapa.br
2 Departamento de Ecoloxía e Bioloxía Animal, Universidade de Vigo, Vigo E36310, España. Email: jdguez@uvigo.es
Recibido: 16/05/2008.
Aceptado: 08/01/2010.
RESUMO
Dentre os animais que vivem no solo, as minhocas figuram como um dos mais importantes, por serem engenheiras do ecossistema e realizarem vários serviços ambientais, incluindo o controle biológico, a decomposição da matéria orgânica, a ciclagem de nutrientes, a formação e a agregação do solo, fatores estes que afetam geralmente de forma positiva o crescimento das plantas. Além disso, as minhocas também são muito úteis como bioindicadores da qualidade ambiental, estando relacionadas às condições ambientais como a fertilidade do solo e sendo susceptíveis à perturbação e contaminação do hábitat. No entanto, seu uso como indicadoras ambientais tem sido reduzido, e a pesquisa sobre a ecologia desses animais e sua importância para os ecossistemas latinoamericanos ainda é incipiente. Apesar de já existir um conhecimento razoável sobre algumas das espécies mais comuns, o conhecimento da biologia básica e ecologia geral da maioria das mais de 960 espécies de minhocas latinoamericanas, a maioria delas nativas e endêmicas, continua ínfimo. No 3° Encontro Latino Americano de Ecologia e Taxonomia de Oligoquetas (ELAETAO3), realizado em Curitiba, em dezembro de 2007, discutiramse diversos temas relacionados aos princípios e práticas e limitações do uso das minhocas como bioindicadoras ambientais. Os trabalhos publicados nesse número especial abordam diversos temas relacionados ao uso das minhocas como bioindicadoras de perturbação ou de condições ambientais em ecossistemas naturais; da fertilidade e potencial produtivo do solo; da contaminação do solo; do manejo de ecossistemas; e métodos de coleta e estudos quantitativos (incluindo a genética molecular) para avaliação do potencial como indicadoras. Outros trabalhos abordaram temas mais gerais, como a biodiversidade de oligoquetas na América do Sul, o conhecimento tradicional sobre minhocas e sua importância na compostagem de resíduos orgânicos, incluindo a biologia das espécies envolvidas e o uso do húmus como biofertilizante. Esperamos, portanto, que esse número especial contribua, para o melhor conhecimento do potencial das minhocas como indicadoras ambientais na América Latina.
Palavraschave: Qualidade do solo, Oligochaeta, manejo sustentável, biodiversidade, perturbação, produtividade.
RESUMEN
Entre los animales que viven en el suelo, las lombrices de tierra figuran como uno de los más importantes, pues son ingenieras del ecosistema y realizan varios servicios ambientales, incluyendo el control biológico, la descomposición de la materia orgánica, el ciclado de nutrientes, la formación y la agregación del suelo, factores éstos que afectan generalmente de forma positiva el crecimiento de las plantas. Las lombrices también son muy útiles como bioindicadoras de la calidad ambiental, estando relacionadas con las condiciones ambientales como la fertilidad del suelo y son susceptibles a la perturbación y contaminación del hábitat. Sin embargo, su uso como indicadoras ambientales ha sido reducido y la investigación sobre la ecología de estos animales y su importancia para los ecosistemas latinoamericanos aún es incipiente. A pesar del conocimiento razonable sobre algunas de las especies más comunes, se sabe muy poco sobre la biología básica y ecología general de la mayor parte de las más de 960 especies de lombrices latinoamericanas, la mayoría de ellas nativas y endémicas. En el 3er Encuentro Latino Americano de Ecología y Taxonomía de Oligoquetas (ELAETAO3), realizado en Curitiba, en diciembre del 2007, se discutieron diversos temas relacionados con los principios y prácticas y limitaciones del uso de las lombrices como bioindicadoras ambientales. Los trabajos publicados en este número especial abordan diversos temas relacionados con el uso de las lombrices como bioindicadoras de perturbación o de condiciones ambientales en ecosistemas naturales; de la fertilidad y potencial productivo del suelo; de la contaminación del suelo; del manejo de ecosistemas; y métodos de colecta y estudios cuantitativos (incluyendo la genética molecular) para evaluar el potencial como indicadoras. Otros trabajos abordaron temas más generales, como la biodiversidad de lombrices en América Latina, el conocimiento tradicional sobre lombrices y su importancia en el compostaje de residuos orgánicos, incluyendo la biología de las especies involucradas y el uso de los excrementos como biofertilizantes. Esperamos, por lo tanto, que este número especial contribuya para el mejor conocimiento del potencial de las lombrices como indicadoras ambientales en Latinoamérica.
Palabras clave: Calidad del suelo, Oligochaeta, manejo sostenible, biodiversidad, perturbación, productividad.
INTRODUÇÃO
A fertilidade do solo é a base da produtividade e da viabilidade dos ecossistemas terrestres. Essa fertilidade só pode ser mantida ou melhorada se a qualidade do solo for garantida (Doran & Zeiss 2000). A qualidade do solo é um conceito abrangente, envolvendo todos os seus componentes físicos, químicos e biológicos, e pode ser definida como a capacidade do solo de funcionar, dentro de seus limites ambientais, como sustento para a produtividade biológica, para a manutenção da qualidade ambiental e promoção da saúde animal e vegetal (Doran & Parkin 1994).
Como raramente é possível analisar todas as características e os processos físicos, químicos e biológicos do solo para avaliar sua qualidade, principalmente devido a limitações de tempo e custo, temse buscado encontrar parâmetros que possam ser avaliados como indicadores da qualidade geral do solo e do ambiente, reduzindo, assim, a lista de parâmetros a ser avaliados. Os parâmetros biológicos tendem a ser mais sensíveis e reacionar mais rapidamente que os parâmetros físicos e químicos, e por isso tem sido usados frequentemente para indicar a qualidade do solo (Brussaard et al. 2007). Entre esses parâmetros está a população de minhocas, organismos que possuem um apelo especial aos agricultores, por serem fáceis de visualizar e coletar.
MINHOCAS COMO AGENTES E REAGENTES DE TRANSFORMAÇÃO AMBIENTAL
A diversidade e abundância das populações de minhocas presentes em um local particular são determinadas e controladas por uma série de fatores (determinantes) hierárquicos, operando em diferentes escalas do tempo e do espaço (Lavelle 1996, Brown et al. 2006b; Fig. 1). No topo da hierarquia, o clima determina os regimes hídricos e de temperatura que, por sua vez, moldam o tipo da vegetação e solos na região, que determinam a natureza e abundância de minerais de argila e a fertilidade do solo (também determinada pelo tipo de rocha mãe). Nesse nível, a variabilidade da paisagem, topografia, e o "pool" (a diversidade) de espécies na vegetação também são importantes. Superimposto sobre esse "background" estão as escolhas realizadas pelas comunidades locais, que determinam o tipo de uso do solo e as práticas de manejo associadas (Fig. 1 e 2).
Portanto, podese dizer que a comunidade de minhocas presente em um dado lugar é uma função das condições edáficas (tipo de solo, minerais predominantes, temperatura, pH, conteúdo de matéria orgânica (MO), umidade, textura e estrutura), vegetais (tipo de vegetação e cobertura), históricas (especialmente humana, mas também geológica), topográficas (posição fisiográfica, inclinação) e climáticas (precipitação, temperatura, vento, umidade relativa do ar) do local (Reynolds & Jordan 1975, Lavelle 1996) do local (Fig. 1).
Essas condições, além de diversas barreiras geográficas (cursos de água doce e salgada, montanhas, desertos, geleiras ou regiões geladas/pedregosas) e climáticas presentes e passadas (Reynolds 1994), podem gerar uma forte pressão de especiação e endemismo nas minhocas. Portanto, as populações de minhocas podem servir como indicadores da cobertura vegetal, do uso, do manejo e da qualidade do solo e seu potencial produtivo (Paoletti 1999, Doube & Schmidt 1997), algo que os agricultores normalmente reconhecem (Lima & Brussaard, este número).
As minhocas são sensíveis e reagem a mudanças induzidas por atividades antrópicas e naturais ao solo e sua cobertura vegetal (Fig. 2). Portanto, elas podem dar noções do estado atual dos ecossistemas e de mudanças induzidas aos mesmos, por forças internas e externas (bióticas e abióticas) através do tempo. Essas características são úteis para programas de avaliação e monitoramento da qualidade ambiental. Na Holanda, por exemplo, as minhocas fazem parte de um programa nacional de avaliação e monitoramento da qualidade do solo e da sustentabilidade de agroecossistemas (com amostragem em dezenas de fazendas em nível nacional, a cada 4 anos), junto com diversos outros parâmetros físicos, químicos e biológicos (Rutgers et al. 2009).
Porém, além de reagentes a mudanças, as minhocas também são agentes transformadores do solo mudando suas características físicas, químicas e biológicas através da construção de galerias (túneis) no solo e a deposição de coprólitos na superfície e na matriz edáfica (Lavelle 1988). A drilosfera, resultado da ação das minhocas no solo pode ocupar uma proporção importante do volume do solo (Brown et al. 2000), e resultar numa transformação profunda de seu funcionamento. Lavelle et al. (1997) chamam esse processo de "engenharia do ecossistema".
Portanto, considerando que as minhocas não somente agem sobre seu ambiente, mas também reagem a, ou são sensíveis às suas características, e às transformações nas mesmas, elas podem ser úteis para indicar tanto o "statusquo", quanto as tendências de mudanças no seu ambiente. A aplicação desses conceitos inclui o uso das minhocas como indicadoras de perturbação ambiental, da qualidade, contaminação, e potencial produtivo do solo, da biodiversidade de outros grupos de animais e microorganismos edáficos, e da sustentabilidade de diferentes práticas de manejo em ecossistemas agrícolas e florestais. A seguir, providenciamos alguns detalhes sobre cada um desses temas.
MINHOCAS COMO INDICADORAS DA QUALIDADE E POTENCIAL PRODUTIVO DO SOLO
As minhocas estão entre os organismos edáficos mais importantes para vários processos considerados críticos para a manutenção da fertilidade e qualidade dos solos de agroecossistemas e ecossistemas naturais (Lavelle et al. 2001). Dentre esses processos estão a agregação do solo e a decomposição da MO do solo e resíduos vegetais, incluindo a liteira superficial (Lavelle 1988). As minhocas formam estruturas biogênicas (coprólitos) constituídas de agregados altamente estáveis que garantem boa porosidade ao solo e, geralmente, resistência à degradação, seja erosão hídrica, eólica ou mecânica (Blanchart et al. 2004). Por consumirem MO em diferentes estágios de decomposição, as minhocas também alteram de forma importante sua dinâmica de decomposição e mineralização (Lavelle 1997, Hernández et al. e Bartz et al., este número).
No curto prazo, as minhocas epígeas (que vivem na liteira e consomem MO mais fresca) e anécicas (que vivem no solo, mas consomem uma mistura de serapilheira e MO do solo) facilitam a decomposição da MO por fragmentar as partículas maiores e aumentar seu contato com o solo e a atividade de outros organismos (especialmente microorganismos) (Brown 1995). A ação das espécies epígeas Eudrilus eugeniae (Kinberg, 1867), Eisenia andrei Bouché, 1972 e Eisenia fetida (Savigny, 1926) sobre a decomposição de resíduos orgânicos (de origem animal e vegetal) se conhece razoavelmente bem (Domínguez & GómezBrandón, este número), e essas espécies são usadas amplamente para a minhocultura na América Latina. Os coprólitos dessas espécies (vulgarmente chamado de "húmus de minhoca") têm sido amplamente usados em jardins e hortas, e também podem ser usadas como adubo orgânico bioestimulante em culturas agrícolas ou ornamentais de alto valor (Domínguez et al. e Steffen et al., este número).
O efeito das espécies endógeas (que vivem no solo e consomem MO do solo) na dinâmica da Mo continua sendo debatido, pois parece depender do tipo e da dinâmica dos coprólitos (agregados) produzidos (Six et al. 2004). Nos coprólitos, a ação mineralizadora iniciada no intestino pode continuar por um curto período, mas com a estabilização e secagem, a atividade química e biológica tende a diminuir (Lavelle 1997). Em longo prazo, a ação das minhocas (especialmente endógeas) pode até contribuir para a conservação da MO em coprólitos compactados, onde a atividade microbiana é restrita (Martin 1991).
U das poucas espécies endógeas latinoamericanas para a qual se conhecem razoavelmente bem os efeitos em diversos parâmetros e processos edáficos, é a espécie nativa Pontoscolex corethrurus (Müller, 1857) (Lavelle et al. 1987, Brown & James 2007, Hernández et al. e Bartz et al., este número). Para prever adequadamente o efeito e a importância relativa de diversas espécies de minhocas (nativas e/ou introduzidas) na decomposição e/ou estabilização da MO, é necessário estudar as comunidades e atividade das minhocas no campo, em diferentes ecossistemas agrícolas, florestais e naturais, e cultivar essas espécies em condições controladas, analisando os coprólitos produzidos. Para tal finalidade diversas técnicas espectroscópicas e morfológicas parecem ser especialmente úteis (Velázquez et al. 2007, Millori et al. 2006).
De modo geral, os agricultores consideram as minhocas (mesmo espécies exóticas ou peregrinas) como organismos benéficos e importantes para a manutenção da fertilidade do solo (Lima & Brussaard, este número). Muitos relacionam altas populações de minhocas com "terra boa". Até o nome do "Clube da Minhoca," (usado pela associação de produtores de Plantio DiretoPD) na região dos Campos Gerais do Paraná, foi inspirado neste fato (Brown et al. 2003). O aumento nas populações e atividade das minhocas é geralmente associado a melhoras na fertilidade do solo, na produção de grãos e na sustentabilidade agrícola (Peixoto & Marochi 1996), a pesar de existirem poucos dados que comprovem este fenômeno em nível de campo.
A atividade das minhocas afeta direta ou indiretamente o crescimento vegetal (Brown et al. 2004), mas apenas algumas espécies de minhocas e plantas têm sido avaliadas até o momento, e pouquíssimos estudos foram realizados na América Latina (Brown et al. 1999, Scheu 2003, Huerta et al., Brown et al. e Avila et al., este número). Geralmente, o efeito das minhocas é positivo, aumentando a produtividade das plantas (Brown et al. 1999, Scheu 2003), via alterações nas propriedades físicoquímicas do solo, no crescimento das raízes (Brown et al., este número), na atividade e populações de fitoparasitas, microorganismos patogênicos e benéficos, na produção de fitohormônios, e na germinação e distribuição de sementes (Brown et al. 2004, Domínguez et al., este número).
Portanto, na maioria dos casos, pode ser interessante buscar aumentar suas populações, em prol da fertilidade do solo e sustentabilidade agrícola e ambiental. Porém, ainda são necessários mais dados de coleta e correlações das propriedades biológicas com os demais parâmetros físicoquímicos importantes na descrição e identificação de solos férteis e altamente produtivos. Para melhor aproveitar os benefícios gerados pelas minhocas à produtividade agrícola e florestal, é preciso também conhecer os fatores (e combinações dos mesmos) que promovem suas populações, atividade e efeitos positivos ao solo. Porém, apenas alguns trabalhos científicos nesse sentido foram realizados, até o momento, na América Latina (Brown & Fragoso 2007).
Apesar dos efeitos benéficos das minhocas sobre as plantas serem predominantes (Brown et al. 1999), há casos em que as minhocas podem se comportar como pragas, causando danos às lavouras. Esse fenômeno tem sido observado especialmente em cultivos de arroz nas Filipinas, na Austrália (Barrion & Litsinger 1997, Kale et al. 1989, Stevens & Warren 2000, Simpson et al. 1993ab) e, empiricamente, no Brasil (Barrigossi et al. 2009). O dano está normalmente associado a altas populações de minhocas em arroz irrigado, cuja atividade de bioturbação do solo enfraquece o sistema radicular, causando tombamento das plantas e dificultando a colheita. Diversos relatos de agricultores e técnicos confirmaram que esse fenômeno vem ocorrendo em alguns locais no Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e no Rio Grande do Sul, onde pesticidas (carbamatos) estão sendo usados para eliminálas das lavouras (Bartz et al. 2009). Segundo os produtores, a redução da produção de grãos em campos com altas populações de minhocas pode chegar a 15%, comparada a de campos com baixas populações (J.A. Barrigossi, comunicação pessoal). Suspeitase que as práticas de manejo estejam causando uma explosão demográfica das minhocas e, consequentemente, esses efeitos negativos, mas o fenômeno ainda não foi bem estudado e existe controvérsia na literatura sobre o assunto em nível internacional. Alguns autores afirmam que as minhocas não causam danos, enquanto outros afirmam que sim. Claramente, estes fenômenos devem ser mais bem pesquisados para comprovar as espécies envolvidas, suas populações, os danos causados e os possíveis métodos de controle a ser em efetuados (com o mínimo de impacto ambiental negativo).
MINHOCAS COMO INDICADORAS DE CONTAMINAÇÃO AMBIENTAL
O uso de insumos externos é essencial para manter a alta produtividade e fertilidade dos solos cultivados intensamente. Contudo, o uso indiscriminado desses insumos (especialmente pesticidas) pode afetar negativamente a biota do solo, incluindo as minhocas (Edwards & Bohlen 1996). Alguns produtos possuem efeitos diretos, enquanto outros causam alterações mais sutis, indiretas, nas populações de minhocas. Algumas minhocas podem evitar áreas contaminadas por substâncias xenobióticas tais como pesticidas, metais pesados e hidrocarbonetos de petróleo (Loureiro et al. 2005, Römbke 1996), o que, evidentemente, impede sua ação benéfica no solo, refletindo no funcionamento de todo o ecossistema.
Atualmente, a avaliação do potencial toxicológico de substâncias químicas para o solo tem sido feita usando testes de toxicidade aguda e de reprodução (efeito crônico) (OECD 1984, ISO 112681 1993, ISO 112682 1998). Testes de repelência ou fuga, baseados na resposta comportamental das minhocas, têm sido propostos como uma alternativa para a rápida avaliação de solos contaminados, inclusive em baixas concentrações do produto (Yeardley et al. 1996, Slimak 1997, HundRinke & Wiechering 2001). Ambos os testes são úteis para avaliar os efeitos e possíveis riscos da contaminação de solos, mas normalmente envolvem solo artificial e condições que não refletem adequadamente a realidade do produto quando aplicado no campo. Além disso, foram desenvolvidos para a espécieteste padrão E. fetida, que vive em hábitats ricos em MO como resíduos orgânicos de origem animal ou vegetal, e não sobrevive em solos tropicais, como as espécies endógeas nativas. Contudo, muitos estudos latinoamericanos foram realizados com outra espécie, E. andrei, e erroneamente atribuídos à espécie E. fetida, por serem espécies bastante similares externamente (Andrea e Domínguez et al., este número).
Embora E. fetida e E. andrei possam ser consideradas menos relevantes para estudos toxicológicos, por não representarem a fauna de minhocas de solos tropicais, estas têm sido amplamente utilizadas, já que ainda não foi encontrada uma espécie tropical adequada para testes toxicológicos em laboratório (Andréa, este número). Para tal finalidade, é necessário encontrar e criar em cativeiro espécies nativas (por exemplo, P. corethrurus) ou exóticas (por exemplo, Dichogaster ou Amynthas spp.) comumente encontradas em solos manejados (agrícolas e florestais), e reproduzir condições de solo mais semelhantes à realidade do campo nas regiões neotropicais. Avaliações preliminares usando a espécie nativa P. corethrurus e solos tropicais têm sido realizadas com êxito, e demonstram potencial para aplicação mais ampla (Garcia 2004). Esses testes precisam ser mais bem desenvolvidos e padronizados para garantir uma maior relevância ecológica e agronômica dos estudos ecotoxicológicos.
MINHOCAS COMO INDICADORAS DA BIODIVERSIDADE DO SOLO
Sendo engenheiras do ecossistema, as minhocas alteram o solo como um hábitat físico para os demais organismos edáficos (Lavelle et al. 1997). Sua atividade pode levar ao aumento ou diminuição na população de diversos organismos no solo, incluindo representantes da macro, meso e microfauna. Especificamente, têmse observados efeitos da atividade das minhocas na diversidade, abundância e atividade de diversos fungos (incluindo micorrizas), bactérias, protozoários, nematóides (de vida livre e fitoparasíticos), enquitreídeos, colêmbolos, ácaros, milipéias, tatuzinhos e outros animais (Brown 1995, Brown & Doube 2004, Edwards & Arancón 2005). Mas o efeito final das minhocas sobre a comunidade edáfica e sua biodiversidade varia conforme a composição específica da comunidade de minhocas, sua abundância num determinado solo, a composição do ambiente (tipo de solo e vegetação) e as interações com outros organismos habitando o solo no local (Brown et al. 2000). Os organismos mais susceptíveis à competição por recursos ou àqueles incapazes de se adaptar à drilosfera criada pelas minhocas podem sofrer uma diminuição de suas populações e/ou atividade. Já aqueles capazes de competir ou de utilizar as estruturas e recursos disponibilizados ou alterados pelas minhocas, podem se manter ou até aumentar em abundância.
Contudo, existem pouquíssimos dados sobre as características da drilosfera produzidas pelas espécies mais comuns em agroecossistemas (Fragoso et al. 1999a), e pelas centenas de espécies presentes na vegetação nativa nos diversos biomas latinoamericanos (Fragoso & Brown 2007). Além disso, a comunidade edáfica tem sido avaliada geralmente de forma restrita (Moreira et al., 2006, Aquino et al. 2008), e maiores estudos são necessários sobre a biodiversidade do solo em geral e sobre os possíveis impactos da engenharia do ecossistema induzida por comunidades de minhocas (especialmente espécies nativas) sobre o solo e sua comunidade/diversidade.
MINHOCAS COMO INDICADORAS DE PERTURBAÇÃO AMBIENTAL
Devido à alta correlação de algumas espécies de minhocas com certas propriedades ambientais (tipo de solo, vegetação, etc.), sua baixa capacidade de dispersão e grande susceptibilidade a mudanças no tipo de vegetação, à contaminação, à perturbação do solo, e a outras mudanças físicas, químicas ou biológicas nos ecossistemas, as minhocas podem ser usadas como indicadores de perturbações ambientais antrópicas e naturais (Paoletti 1999). Por exemplo, no Brasil, das 260 espécies nativas conhecidas, 80% estão associadas à hábitats particulares, têm distribuição restrita (encontrada em apenas um ou dois locais) e poderiam ser consideradas endêmicas (Brown & James 2007). Várias dessas espécies poderiam servir como indicadores de paleoambientes e de vegetação primária ou em bom estado de preservação.
Porém, até o momento, as minhocas não têm sido usadas para esse fim, principalmente pela falta de conhecimento das espécies nativas e sua distribuição nos países LatinoAmericanos, pela falta de pessoal qualificado para realizar tais estudos (existem poucos pesquisadores e taxonomistas de minhocas na América Latina), e pela pouca interação entre pesquisadores de minhocas e biólogos da conservação.
Uma exceção fortuita ocorreu numa viagem realizada em fevereiro de 2006, quando os pesquisadores James & Brown (este número) encontraram, em um fragmento de Mata Atlântica do Parque Estadual do Itacolomi (Ouro Preto, Brasil), uma espécie de minhoca (Fimoscolex sporadochaetus Michaelsen, 1918) que havia sido declarada extinta (Machado et al. 2005). Felizmente, os pesquisadores também conheceram nessa viagem, uma pesquisadora envolvida na elaboração do plano de manejo do parque. Assim, o local onde essa minhoca foi encontrada, e seu entorno, foi usado no plano de manejo, visando melhor preservação da espécie e seu hábitat e, conseqüentemente, de outros animais, plantas e microorganismos que habitam o local. Esse tipo de informação é importante e deveria ser gerado e utilizado em outros casos onde ocorrem alto endemismo e espécies que poderiam estar ameaçadas.
Muitas espécies exóticas (oriundas de outros países e não nativas ao país) de minhocas são amplamente distribuídas no Brasil (Brown et al. 2006a) e na América Latina (Fragoso & Brown 2007), e estas quase sempre estão associadas a ambientes antropogênicos, e a atividades humanas de dispersão (Righi 1997). Por serem espécies adaptadas a essas áreas, elas são úteis indicadoras de ecossistemas perturbados. Algumas espécies exóticas são fáceis de coletar e identificar sendo, portanto, úteis para avaliar a integridade de ecossistemas e o histórico de perturbação (Fernandes et al., este número), dados essenciais para conhecer a biodiversidade de um ecossistema, determinar a necessidade de sua preservação, e elaborar um plano de manejo. Esses dados seriam também úteis na escolha de novas áreas para unidades de conservação, e para determinar áreas melhor preservadas que precisam maiores esforços de conservação.
Além disso, a atividade de espécies exóticas pode ter conseqüências tanto positivas como negativas para o solo, as plantas e as populações de espécies nativas do local invadido (Righi 1967, Hendrix & Bohlen 2002). Porém, sabese muito pouco do efeito da presença e da invasão de novas áreas por estas espécies nas propriedades e processos edáficos, e sobre as populações (diversidade, abundância, biomassa) de espécies de minhocas nativas e outros organismos edáficos (González et al. 2006, Brown et al. 2006a). Considerando a crescente pressão antrópica sobre os ecossistemas naturais latinoamericanos, a fragilidade de muitos destes, e o poder invasor de certas espécies exóticas, a integridade da flora e fauna desses ambientes pode estar comprometida.
Esses fenômenos e o potencial uso das espécies nativas e exóticas (e a proporção de ambas; Fragoso et al. 1997, Brown & James 2007) como indicadores do estado de preservação precisam ser mais bem investigados. Além disso, as coletas realizadas até o momento ainda são insuficientes para determinar com precisão o endemismo de muitas espécies nativas latinoamericanas (Fragoso & Brown 2007). Um maior esforço de coleta deve ser feito, não só para determinar a diversidade total de minhocas latinoamericanas, mas também para verificar aquelas que têm distribuição restrita e/ou estão ameaçadas, devido a necessidades ambientais específicas, comportamento, e/ou pressão antrópica sobre suas populações.
MINHOCAS COMO INDICADORAS DO MANEJO DE ECOSSISTEMAS
As decisões humanas sobre o manejo do solo e dos ecossistemas jogam um papel crucial na determinação de diversos fatores importantes para a manutenção das populações e diversidade de minhocas. A ausência de preparo do solo, o uso (ou não) de insumos agroquímicos (calcário, fertilizantes, herbicidas, pesticidas, fungicidas) ou orgânicos (esterco/adubos orgânicos), cultivos de cobertura/adubos verdes, rotações, irrigação, fogo e máquinas pesadas são fatores importantes (Fig. 2). O efeito dessas práticas é variável e pode aumentar ou diminuir a diversidade, abundância e atividade da população de minhocas de um determinado local (Hendrix et al. 1990). As espécies anécicas e epígeas são especialmente afetadas por práticas que alteram a quantidade e qualidade da liteira, como queimadas, compactação, preparo do solo (efeitos negativos), ou o uso de coberturas vegetais, adubo orgânico e plantio direto (efeitos positivos). Já as espécies endógeas parecem ser menos afetadas e mais resistentes a muitas práticas agrícolas, e tendem a ser mais abundantes em solos de agroecossistemas (Fragoso et al. 1999b).
A qualidade e quantidade de MO produzida e depositada dentro do solo e na sua superfície, e o tipo e combinação de plantas usadas ou presentes no ecossistema, são importantes determinantes das populações e diversidade de minhocas em um determinado local (Fig. 1). Ecossistemas com proteção da superfície do solo e maior aporte de recursos orgânicos tendem a ter maiores populações de minhocas (Lavelle et al. 2001). A presença de árvores (Lavelle & Spain 2001) e de gramíneas (Decaëns et al. 2004) também é importante, pois altera o microclima local e as propriedades do solo e, portanto, suas condições como hábitat para as minhocas.
Na América Latina em geral, e no Brasil, em particular, diversos estudos têm avaliado populações de minhocas em diferentes ecossistemas, vegetação e práticas de manejo do solo, mas apenas alguns estudos foram realizados em sistemas agroflorestais e agrosilvopastoris, e plantações florestais (Lavelle et al. 1994, Fragoso et al. 1999b, James & Brown 2006, Bautista & Delgado 2003, Baretta et al. 2007, Baretta et al., Rousseau et al., Falco & Momo, Momo & Falco e Zerbino, este número). Sabese que algumas técnicas como o plantio direto ou coberturas verdes perenes como plantações de árvores e pastagens, aumentam suas populações (Brown et al. 2003, Decaëns et al. 2004, Barros et al. 2003). Porém, sabese muito pouco do efeito de sistemas mais integrados e menos intensivos de manejo (produção orgânica, sistemas florestais ou agroflorestais) sobre as populações de minhocas nativas latinoamericanas.
Portanto, para melhor entender e aproveitar o potencial das minhocas como indicadoras do manejo e da sustentabilidade das técnicas adotadas, especialmente em agroecossistemas, é ainda necessário aumentar o conhecimento das populações de minhocas em diferentes condições de solo, clima, vegetação e em diferentes tipos de agroecossistemas. Como há várias metodologias para coletar minhocas, e suas populações são afetadas pelas condições climáticas, é necessário possuir dados de coletas em diferentes épocas e anos e padronizar os métodos e épocas de coleta (Baretta et al. 2007, Martins et al., este número). Esses dados podem ser usados tanto para fazer uma avaliação do estado atual, quanto para conhecer e prever as tendências positivas ou negativas do manejo adotado nos ecossistemas sobre as populações de minhocas. Uma base de dados como essa poderia ser usada para comparar e prever mudanças induzidas por práticas de manejo, e para escolher as técnicas que promovem as espécies desejadas, visando estimular seus efeitos benéficos ao solo e seu funcionamento.
O 3° ENCONTRO LATINO AMERICANO DE ECOLOGIA E TAXONOMIA DE OLIGOQUETAS (ELAETAO3)
Seguindo a tradição iniciada com o 1° Encontro Latino Americano de Ecologia e Taxonomia de Oligoquetas (ELAETAO 1) realizado em Londrina, Brasil (2003) (Brown & Fragoso 2007), e continuada pelo ELAETAO2 em San Juan, Puerto Rico (2005) (SastredeJesús & González 2006), realizouse, em Curitiba, Brazil, o ELAETAO3, de 36 de dezembro de 2007.1 O tema do encontro foi "Minhocas como bioindicadoras ambientais: Princípios e práticas." Participaram 49 pessoas de 10 países (Fig. 3), e se apresentaram 30 palestras e mais de 30 pôsteres, em quatro sessões: 1) Importância ecológica das minhocas; 2) Princípios e práticas do uso de minhocas como bioindicadoras de perturbação em ecossistemas naturais; 3) Princípios e práticas metodológicas do uso de minhocas como bioindicadoras ambientais; 4) Princípios e práticas do uso de minhocas como bioindicadoras de perturbação em ecossistemas produtivos.
Os trabalhos escolhidos para publicação nesse número especial abordam diversos temas relacionados ao uso das minhocas como bioindicadoras: a) de perturbação ou de condições ambientais em ecossistemas naturais (Fernandes et al., James & Brown, Momo & Falco); b) da fertilidade e do potencial produtivo do solo (Bartz et al., Brown et al., Avila et al., Huerta et al., Hernández et al. ); c) da contaminação do solo (Andréa); d) do manejo de ecossistemas (Lima & Brussaard, Ruiz et al., Falco & Momo, Baretta et al., Zerbino, Feijoo et al., Rousseau et al.); e e) métodos de coleta e estudos quantitativos (incluindo a genética molecular) para avaliação do potencial como indicadoras (Martins et al., Baretta et al., Siqueira et al., Rousseau et al.). Outros trabalhos abordaram temas mais gerais, como a biodiversidade de oligoquetas na América do Sul (Christoffersen) e o conhecimento tradicional sobre minhocas (Schiedeck et al.). Finalmente, uma série de trabalhos também enfocou a importância de processos ecológicos que ocorrem durante a minhocultura (Brandón et al., Domínguez et al., Aira & Domínguez, Steffen et al.), a biologia das espécies envolvidas (Domínguez & GómezBrandón, Domínguez et al.), e o uso do húmus como biofertilizante (Domínguez et al., Steffen et al.).
Um tema amplamente comentado durante o evento foi a necessidade urgente de treinamento em taxonomia de minhocas, um processo complexo e de longa duração. Com a morte do Prof. Gilberto Righi e a aposentadoria iminente de outros taxonomistas Latino Americanos, restam poucos pesquisadores que podem identificar as espécies de minhocas nativas da América Latina (Christoffersen, este número). Esse problema é ainda exacerbado pela existência provável de (no mínimo) outras 1000 espécies de minhocas a serem encontradas e descritas na América Latina. Usando a taxa anual de descrição de espécies de minhocas do Dr. Righi (6,4 espécies por ano; Fragoso et al. 2003), seriam necessários 5 taxônomos trabalhando durante 43 anos, para descrever essas espécies.
Porém, esses recursos humanos não estão disponíveis/existentes e devese, portanto, buscar capacitar urgentemente novos taxonomistas para apoiar os esforços de reconhecimento, conservação e manejo da megadiversa fauna latinoamericana. Além disso, devese buscar digitalizar e disponibilizar as informações taxonômicas (fotos, diagramas, descrições) existentes das espécies conhecidas e produzir chaves de identificação para as espécies mais comuns, tanto nativas como exóticas na América Latina. Essas atividades estão sendo realizadas pelos membros do ELAETAO e em breve as informações serão disponibilizadas na internet, visando facilitar os trabalhos de pesquisa com minhocas no continente Americano.
Em conclusão a presença, abundância e diversidade de minhocas podem indicar o impacto causado por diversas atividades antrópicas em ecossistemas agrícolas e naturais, incluindo seu manejo, nível de perturbação, conservação, contaminação e produtividade potencial. Contudo, o uso das minhocas como indicadores ambientais, continua sendo restrito na América Latina, principalmente devido às limitações no conhecimento da biologia básica, da taxonomia e da ecologia da maioria das espécies presentes nos ecossistemas latinoamericanos. Alternativas para contornar essas dificuldades estão sendo desenvolvidas e esperase que futuras pesquisas e cooperação na área, assim como realizado nos ELAETAO tragam grandes avanços no conhecimento e no uso das minhocas como indicadoras ambientais.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem o apoio recebido durante o evento pelos colegas K.D. Sautter, Cláudia Garbuio e Décio Adams Júnior, e as organizações que financiaram o evento: Agrisus, Iguaçu Celulose e o CNPq.
LITERATURA CITADA
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NOTA
1 O evento foi organizado pela Universidade Positivo e a Embrapa Florestas e recebeu financiamento do CNPq, Embrapa (Agrofuturo), Iguaçu Celulose S.A., Fundação Agrisus e Universidade Positivo.