Introdução
As crescentes inovações científicas e tecnológicas, em conjunto com as limitações verificadas na abordagem tradicional de ensino e aprendizagem, têm impulsionado a comunidade científica a encontrar metodologias alternativas que utilizem um tipo de aprendizagem ativa, baseada em competências e que sejam capazes de formar profissionais, que lhe permitam discriminar a natureza de problemas práticos, geralmente particulares a determinados contextos sociais e mutáveis. Devido a esses fatores, a compreensão de tais problemas e a definição de caminhos para a ação demanda diferentes perspectivas de análise e indivíduos que saibam construir conhecimentos através de trocas coletivas e também em práticas de estudo autônomo e reflexivo (Braga, 2013).
Uma das formas de conseguir isto seria através da utilização de metodologias de ensino tais como a aprendizagem baseada em problemas (ABP), na língua inglesa Problem-Based Learning (PBL), já que esta abordagem educacional é reconhecida como uma estratégia instrucional que se organiza ao redor da investigação de problemas do mundo real. Estudantes e professores se envolvem em analisar, entender e propor soluções para situações cuidadosamente desenhadas de modo a garantir ao aprendiz a aquisição de determinadas competências previstas no currículo escolar (Lopes, et. al., 2019).
Nesse sentido, seja pelo reconhecimento da necessidade de formar cidadãos que se integrem no contexto social em que vão desempenhar a sua atividade, seja pelo reconhecimento da necessidade de melhorar os processos de ensino e de aprendizagem, uma ideia que parece consensual é a exigência de dotar os alunos do ensino superior de um conjunto de ferramentas cognitivas que os capacitem para tirar vantagens dos diversos modos de comunicação que se fizeram possíveis pela evolução das tecnologias da informação e comunicação (TIC) e, consequentemente, participarem em comunidades globais de aprendizagem (Bueno; Souza; Bello, 2008).
De acordo Belloni (2012), as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) compreendem o conjunto de recursos tecnológicos que disponibilizam velocidade no processo de comunicação, transmissão e distribuição de informações. Como tal, oferecem uma potencialidade formativa que pode contribuir para transpor os muros da escola, para a flexibilização do currículo e para o aumento da interação entre os sujeitos, dentro e fora da sala de aula, trazendo também novas exigências ao trabalho docente. Desenvolver novas estratégias didáticas para os processos de ensino e aprendizagem são algumas das funções que hoje são exigidas ao docente.
Dessa forma, surge uma pergunta de investigação que norteia o presente trabalho: A implementação da metodologia PBL em uma disciplina de Tecnologia da Informação e da Comunicação no Ensino de Química, pode contribuir para que os licenciandos em Química reflitam sobre as diferentes formas de integração das TIC no ensino de Química?
Marco Teórico
Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL)
A Aprendizagem Baseada em Problemas tem como premissas básicas a experiência de ensino e aprendizagem em torno da explicação, da indagação e da reformulação ou resolução de um problema que atinja diretamente ao interesse dos alunos (Barrows, 2000). Nesse sentido, é um método que faz uso de um problema real para estimular o desenvolvimento de pensamento crítico e habilidades de solução de problemas e a aquisição de conceitos fundamentais da área de conhecimento em análise, surgindo em contraposição aos métodos convencionais que colocam um problema de aplicação ao final de uma aula expositiva de um determinado conteúdo (Ribeiro; Mizukami, 2004).
Esta abordagem, por sua vez, teve sua primeira aplicação e desenvolvimento na década de 1960, na Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade McMaster, no Canadá (Barrows, 1996). Segundo Barrows (1984), o método de aprendizagem baseada em problemas sistematizado por ele e colegas da McMaster foi descrito pela primeira vez na literatura em 1975 (Barrows; Mitchell, 1975). De acordo com Barrows (1996), o crescimento exponencial da informação médica e das “novas tecnologias”, unido ao surgimento de demandas da prática profissional que sofriam mudanças rapidamente, levaram o grupo de educadores daquela universidade a uma nova visão do ensino da Medicina. Assim, o objetivo era melhorar a qualidade da educação médica, modificando a orientação do currículo de um enfoque baseado em uma coleção de temas e exposições do professor para outro, fundamentado em problemas da vida real que para sua resolução confluíssem diferentes áreas do conhecimento.
Nas últimas décadas, o modelo PBL tem sido adotado em todo o mundo por faculdades de Medicina e por outros centros de educação superior que formam diversos tipos de profissionais, ao mesmo tempo em que cresce o interesse por incorporá-lo ao projeto e desenvolvimento de diversas áreas curriculares do ensino médio e superior. Portanto, Ribeiro (2010) considera que, com o decorrer do tempo e por não ser uma abordagem estática, o PBL tem sofrido mudanças em relação ao modelo da Universidade McMaster, em busca à adaptação a outros contextos educacionais.
A elaboração do contexto do problema
De maneira geral, um problema no PBL, deve ser entendido como um objetivo cujo caminho para sua solução não é conhecido. Diferentemente dos problemas nas metodologias convencionais, um problema no PBL é necessariamente de fim aberto, quer dizer, não comporta uma única solução correta, mas uma ou mais soluções adequadas, considerando as restrições impostas pelo problema em si e pelo contexto educacional em que está inserido, tais como o tempo, os recursos, entre outros aspectos (Barrows, 2000).
Nesse sentido, a escolha de um bom contexto problemático é uma das etapas mais importantes, pois pode ser garantia de que a investigação desenvolvida pelos alunos seguirá com grande possibilidade de alcançar o objetivo pretendido, que é a aprendizagem do tema investigado (Carvalho, 2009). Por isso, o problema deve ser escolhido a partir de um contexto real, que faz parte da vida dos alunos, para que haja uma identificação imediata do problema motivando-os a continuar o desenvolvimento da atividade investigativa.
Para a construção de um bom problema, é importante que seja dado um tema que chame a atenção do aluno e que, de imediato, identifique o seu objeto de estudo. Este pode ser apresentado em diversos formatos, por exemplo: pequenos vídeos, diálogos impressos, reportagens jornalísticas, figuras, texto impresso, banda desenhada, entre outros (Barell, 2007; Barrett; Moore, 2011).
Em seguida, apresentamos algumas características básicas e fundamentais para a definição de um bom problema, que são: atrair o interesse dos alunos (Barell, 2007; Carvalho, 2009); haver correspondência entre conteúdos curriculares e aprendizagem (Barell, 2007; Carvalho, 2009); possuir funcionalidade (Barell, 2007; Barrett; Moore, 2011; Carvalho, 2009) e ter o tamanho ideal (Carvalho, 2009). Destacando a necessidade de adaptação à disciplina e ao nível da turma.
Paralelamente, Gordon (1998) estudou problemas comumente usados em metodologias de aprendizagem ativa / centrada nos alunos, nas quais o PBL se insere. O autor divide-os em três categorias: Desafios acadêmicos; Cenários; Problemas da vida real.
Em consonância com o que tem sido relatado pela literatura (Woods, 1985; Wilkerson; Gijselaers, 1996) mostram também que três tipos de problema têm sido utilizados na PBL, precedendo e motivando a aprendizagem da teoria. Para esses autores, o problema deve ser apresentado no contexto concreto em que seria encontrado na vida real, com características de solução aberta ou de estrutura incompleta, destacando que um problema ideal deve ser: Relevante; Pertinente e Complexo.
Competências dos professores frente às TIC
Antes de iniciarmos, efetivamente, a discussão das competências que são necessárias para uso das tecnologias digitais na educação, acreditamos ser pertinente apresentar o conceito de competência. Perrenoud (1999) afirma que se trata de um termo polissêmico e o define como a capacidade de agir de modo eficaz em uma situação específica, apoiado em conhecimentos, mas sem que se limite a eles, para que assim seja possível atuar em contextos diferentes de forma consciente.
Observa-se que as rápidas transformações tecnológicas impõem novos ritmos para a comunicação e, de acordo com Romero (2008, p.237), requerem do professor “a aquisição de novas competências socioprofissionais embasadas na abertura, flexibilidade, conscientização e integração da utilização das TIC e o tratamento da diversidade intercultural”. A autora descreve três competências necessárias aos professores que trabalham com as TIC: competências tecnológicas; competências didáticas e competências tutoriais.
Portanto, diante do exposto, verifica-se que um dos aspectos centrais no trabalho de incorporação das TIC na educação diz respeito a saber fazer escolhas conscientes das tecnologias. Portanto, ter consciência de qual tecnologia deve ser usada para se trabalhar um determinado assunto parece então ser uma competência importante que está relacionada não somente com o uso em si, mas também ao (re)-conhecimento da tecnologia e suas potencialidades para se trabalhar um conteúdo específico. Dessa maneira, a ampliação do repertório tecnológico de docentes não se refere apenas ao domínio da técnica de diferentes tecnologias. Medina Rivilla et. al., (2011) esclarecem que são duas as competências-chave para o desenvolvimento da prática educativa: a competência didático-pedagógica e a competência tecnológico-digital.
De acordo com Garcia et. al., (2011) as tecnologias digitais interativas vislumbram a possibilidade de práticas não apenas mais dinâmicas, mas substancialmente modificadas. E, são estas modificações que engendram no trabalho docente e na formação de futuros professores grandes desafios. Negar a sua entrada na educação não apenas estaria inviabilizando a formação integral de sujeitos como excluiria a possibilidade de pensá-la criticamente neste contexto.
Os autores ainda afirmam que o uso das tecnologias digitais na educação significa como temos defendido ao longo desse trabalho, ir além de tê-la como simples suporte ao professor para a disponibilização de informações e conteúdos. Significa também superar as concepções instrumentalistas e deterministas de seu uso, ou seja, superar a crença de que a tecnologia é neutra e serve como simples instrumento facilitador do trabalho pedagógico, assim como de que ela possui capacidade e autonomia para estabelecer, por si mesma as mudanças e as transformações de paradigmas.
Objetivo
Analisar se a aplicação da metodologia Aprendizagem Baseada em Problemas proporciona aos estudantes um processo formativo mais crítico quanto às discussões sobre a integração das Tecnologias da Informação e Comunicação no ensino de Química.
Metodologia
A abordagem qualitativa foi escolhida para nortear este estudo, uma vez que as ações são mais bem compreendidas no ambiente natural em que ocorrem (Bogdan; Biklen, 1994, p. 48). Além disso, a abordagem qualitativa é descritiva, ou seja, tudo que faz parte do contexto pode ser descrito e oferecer elementos para esclarecer pontos do objeto de estudo (Bogdan; Biklen, 1994, p. 48). Bem como, verificamos que elementos da pesquisa Participante apresentaram características para atender aos objetivos preestabelecidos (Severino, 2007).
O contexto da pesquisa
Esta pesquisa teve como campo de estudo o curso de Licenciatura em Química, ofertado pelo Departamento de Química da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). O foco de investigação foi a disciplina de Tecnologia da Informação e Comunicação no Ensino de Química (TICEQ), componente curricular do 20 (segundo) período do curso. A disciplina de TICEQ é um componente curricular obrigatório e a sua carga horária é de 30 horas. A escolha pela UFRPE e pela disciplina TICEQ aconteceu devido ao vínculo institucional da pesquisadora e pelas experiências vivenciadas no Núcleo de Pesquisa SEMENTE (Sistema para elaboração de materiais educacionais com uso de novas tecnologias), localizado no Departamento de Química da referida instituição.
A estratégia PBL foi desenvolvida no período de 09 de março de 2016 a 29 de junho de 2016, compreendendo o primeiro semestre letivo do referido ano. O formato da PBL nesse caso foi o formato parcial uma vez que foi implantado em uma disciplina de um currículo convencional (Barrows, 1986).
Participantes da pesquisa
Para o desenvolvimento deste estudo, estruturamos a pesquisa em um grupo de sujeitos que foi composto por 16 licenciandos, todos devidamente matriculados na disciplina de Tecnologia da Informação e Comunicação no Ensino de Química (TICEQ) ofertada no primeiro semestre do ano de 2016, no horário noturno e que corresponde ao 2o (segundo) período do curso de Licenciatura em Química. A faixa etária dos licenciandos que participaram de todas essas atividades foi entre 19 a 41 anos.
Os instrumentos de coleta de dados
As observações utilizando a técnica da videogravação (Pinheiro et al., 2005) foram realizadas durante todo o período da pesquisa, e possibilitaram a coleta de dados sobre o comportamento dos alunos na sala e a dinâmica dos encontros propostos com a metodologia PBL. Elas foram registradas em vídeo, sendo transcritas posteriormente e analisadas à luz dos referenciais teóricos pertinentes.
A coleta de documentos desta pesquisa pode ser descrita como uma técnica de Documentação Direta, visto que o levantamento de dados ocorreu no próprio local onde os fenômenos ocorreram (Lakatos; Marconi, 2017, p. 167).
Entre os documentos coletados, confeccionados pelos estudantes, constavam o relatório parcial e o relatório final que foram lidos do princípio ao fim, sendo extraídos trechos relevantes dos mesmos, o que está de acordo com a regra da representatividade de Bardin (2011). Posteriormente, a análise foi realizada à luz dos referenciais teóricos pertinentes.
A implementação do PBL na disciplina de TICEQ
A intervenção iniciou com o convite da pesquisadora aos licenciandos (15 alunos nessa primeira aula) para participarem do estudo, que ocorreu de forma presencial, em um dia específico da aula (01 encontro por semana). Nessa ocasião, o professor apresentou o Plano de Ensino, bem como o objetivo da disciplina, atitudes e habilidades almejadas no decorrer do processo educacional. Trouxe também esclarecimentos quanto à forma de avaliação que no caso da PBL, foram solicitados Relatório Parcial, Relatório final e Apresentação final da solução encontrada pelo grupo para compor a nota do professor.
No encontro seguinte foi dada a informação sobre o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, em seguida, realizada sua aplicação. Após a entrega do documento o professor começou a formação dos grupos que ficaram distribuídos da seguinte maneira: 04 grupos com 04 componentes cada um. Foi solicitado pelo professor que cada grupo escolhesse um líder para coordenar todas as ações em busca da solução para o problema e um secretário que ficou responsável em organizar todas as ideias em conjunto com os demais componentes do grupo. Em seguida a pesquisadora explicou como proceder com a metodologia PBL e apresentou dois vídeos de curta duração sobre as ações do método, descritos a seguir: vídeo 1: Aprendizagem Baseada em Problema - Definições e Conceitos; e vídeo 2: Aprendizagem Baseada em Problema - 7 Passos. Posteriormente, o professor apresentou o Problema a ser trabalhado na disciplina e solicitou que os alunos, em grupos, começassem a pensar a respeito de como poderiam trazer soluções para o mesmo (Conhecimentos prévios). Ressaltando que, para esse trabalho, discutiremos apenas os resultados de 01 (um) dos grupos e os licenciandos foram identificados como L1, L2, L3, L4.
O Problema Como professor recém-contratado, você foi selecionado para ministrar aulas de Química no 2º ano do ensino médio em uma escola na cidade do Recife, estado de Pernambuco. Ao conhecer as dependências da instituição, verificou que a mesma não possui laboratório para realização de aulas experimentais. Desse modo, o diretor da escola, sabendo que você cursou na sua graduação a disciplina de Tecnologia da Informação e da Comunicação no ensino de Química, solicitou a você a preparação de material didático utilizando as TIC que ajudasse os alunos a associar os conteúdos do 2º ano com a prática no ensino de Química. |
Na sequência, foi entregue um roteiro para posterior relatório parcial que serviu de guia para o procedimento da pesquisa. Inicialmente esse roteiro foi dividido em duas partes: com relação ao problema (conhecimentos prévios) e com relação ao grupo (aprofundamento do conteúdo e como pesquisar). Os alunos discutiram em grupos a escolha de um conceito de Química do 20 ano do Ensino Médio como solicitado pelo Problema e as ações preliminares para a busca de uma solução. Esse processo de discussão nos grupos foi gravado em vídeo e áudio para posterior transcrição e análise.
Na aula seguinte, o professor e a pesquisadora se colocaram à disposição dos alunos para que tivessem sessões tutoriais presenciais com os grupos e discutissem o andamento do trabalho. Em seguida, o professor deu continuidade ao conteúdo programático normal da sua disciplina, lembrando que estava disponível para tirar dúvidas sobre o processo da PBL, sempre que fosse necessário.
As sessões tutoriais foram realizadas de acordo com a disponibilidade de horário do grupo, do professor e da pesquisadora, sendo esta realizada, no Núcleo SEMENTE/UFRPE e filmadas para posterior análise. O professor, na data combinada, recebeu os relatórios parciais e posteriormente entregou os mesmos com as devidas correções. Nesse momento, os estudantes foram lembrados da entrega do relatório final e da apresentação da solução encontrada para o Problema. No final da apresentação houve a intervenção do professor que fez alguns questionamentos ao grupo, assim como, a pesquisadora também solicitou que o grupo falasse um pouco da vivência frente ao problema colocado.
Resultados e discussão
Sessão tutorial com o grupo - Quanto ao problema aplicado
Diante dos relatos dos estudantes na tentativa de trazer uma delimitação para o problema trabalhado no PBL, descritos a seguir:
Utilizar recursos acessíveis para todos os presentes para gerar uma interação entre todos. Utilizar aplicativos, softwares e laboratórios virtuais. A ideia seria escolher um tópico sobre o conteúdo Radioatividade, por que ele é bem extenso, né? (Relato L1 - videogravação).
O problema é a falta de estrutura, falta de laboratório, eles não têm uma base do assunto (Relato L4 - videogravação).
Com esse tema, mesmo que a escola tivesse um laboratório não daria para se trabalhar e isso é mais um problema (Relato L4 - videogravação).
Percebemos que o problema proposto para a implementação do PBL na disciplina de TICEQ e as discussões iniciais de soluções para o mesmo se comportaram de maneira condizente com o que descreve a literatura, no tocante à escolha de um bom contexto problemático, pois esse se identificou com a vida dos alunos, bem como, causou uma identificação imediata e, dessa maneira, os incentivou a continuar no desenvolvimento da atividade de investigação, o que condiz com o pensamento de Carvalho (2009).
Assim, verificamos através dos registros seguintes que o problema atraiu o interesse dos alunos, estimulou a pesquisa para aprofundamento dos conceitos, proporcionou a ligação do conteúdo da disciplina com situações do cotidiano dos alunos, o que está de acordo com Barell (2007) e com Carvalho (2009).
Mas, tipo falando em resultados, os resultados são mais satisfatórios (Relato L4 - videogravação). Esse é um ponto que a gente precisa pesquisar (Relato L2 - videogravação).
[...] quando eu fiz o curso de férias no centro de ciências nucleares junto com o Espaço Ciência, o professor fez um experimento usando a partícula de urânio e, ao redor, ele colocou gelo seco e no vidrinho ele colocou a partícula de urânio e colocou uma luneta em cima e fechou todo o vidro. A gente olhava e dava para perceber que, realmente, ele emitia a luz e tem vídeo do You-Tube que mostra esse experimento. Poderia ser utilizado (Relato L3 - videogravação).
[...] pensei em utilizar o You-Tube, como o senhor usou a respeito disso no 1o período pra falar de Radioatividade com seus pontos positivos e negativos, muitas vezes as pessoas pensam que só tem mais o lado negativo [...] (Relato L1 - videogravação).
Dessa maneira, através das discussões que seguem, observa-se que o problema colocado para os estudantes resolver, comportava diferentes caminhos para a solução do mesmo, deixando os estudantes em dúvida quanto às suas escolhas, conforme sequência a seguir:
[...] A gente pensa em uma coisa, aí vai, não dá certo, por que não tem laboratório tal, tal. Aí tem que pensar em outra coisa. Aí sempre tem uma coisa que não dá, né? Ou de um lado, ou de outro (Relato L1 - videogravação).
A gente tem que pensar realmente e fazer aquilo dar certo, então é um trabalho muito maior [...] exatamente, por isso, pelas dificuldades de encontrar esses caminhos (Relato L2 - videogravação).
[...] É um desafio assim né? tipo tem um desafio a cada ideia que a gente tem. Tem um probleminha e tal [...] (Relato L3 - videogravação).
Acho que o vídeo com outras coisas, mas só o vídeo não (Relato L2 - videogravação).
Isto nos remete aos estudos de Gallagher e Stepien (1998) quando tratam da estruturação do problema pois, segundo esses autores, ao trabalharem com problemas pouco estruturados, como deve ser no PBL, os alunos nunca conseguem ter total certeza de que tomaram a decisão correta, mas apenas de que escolheram a melhor alternativa, dadas as informações disponíveis. O que corrobora com o pensamento de Barrows (2000) quando o mesmo ressalta que um problema no PBL deve ser percebido como um objetivo, cujo caminho para sua solução não é conhecido e não comporta uma única solução correta.
Quanto ao posicionamento dos estudantes frente ao problema proposto, verifica-se que os quatro estudantes do grupo 1 (L1, L2, L3 e L4) se sentiram realizando o papel do professor em sala de aula, ou seja, se colocaram em uma situação real de atividade profissional para pensarem como agiriam diante de desafios que envolvessem o ensino de química e o uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação de maneira consciente. Conforme descrito a seguir.
Digamos que a gente se forme aqui e vá pro mercado de trabalho tal, e proponha pra gente, como professora, um problema desses. Se a gente não tivesse tido essa experiência aqui, provavelmente, futuramente, seria muito mais difícil resolver coisa desse modo, mas, como essa é a primeira experiência, provavelmente, futuramente, se a gente precisar disso, a gente vai ter, não vai se desesperar, vai saber por onde começar, vai saber organizar mais as ideias (Relato L1 - videogravação).
Sem falar, essa coisa de você treinar agora, quando chegar lá vai anular a possibilidade de se acomodar, porque, se não houver isso, agora vai ter a possibilidade de se acomodar, fazer uma apostila e trazer o conteúdo como todo mundo faz. Porque você não vai ser retirado, porque, como todo mundo faz, é uma coisa permitida e até acolhida pelo sistema então, esse seria o caminho mais fácil. Então, a gente tendo essa experiência, agora vai fazer que a gente não tenha o comodismo como opção, eu acho (Relato L4 - videogravação).
[...] a gente se colocou dentro do lugar, por que se a gente fosse fazer isso de uma forma análoga, assim, não ia sair nada (Relato L3 - videogravação).
Inicialmente foi desesperador pra gente. Parecia que, realmente, tínhamos uma sala do 2o ano nos esperando (Relato L2 - videogravação).
Para Gordon (1998), os problemas comumente usados em metodologias de aprendizagem ativa como o PBL podem ser cenários fictícios (simulações) nos quais os estudantes se veem em papéis reais, na medida em que desenvolvem os conhecimentos e habilidades necessários para serem bem-sucedidos na escola e além desta. Portanto, nas discussões preliminares da sessão tutorial com o grupo, o problema se mostrou relevante, pertinente e complexo, levando em consideração os estudos de Woods (1985) e de; Wilkerson e Gijselaers (1996), quando esses autores apresentam as características de um problema ideal a ser utilizado no PBL.
Quanto aos pontos relevantes do relatório parcial do Grupo
O Grupo 1 optou pelo tema da “Radioatividade”, especificando o motivo dessa escolha, como descrito a seguir:
Radioatividade é um assunto muito amplo, e muitas vezes os professores negligenciam, por falta de tempo, oportunidade e, quando tratam do assunto, pontuam apenas os pontos negativos (Relato escrito - documento).
Observa-se através do posicionamento do grupo quanto à escolha do conteúdo a ser trabalhado, uma necessidade de se contrapor com o modelo tradicional de ensino, que tem como suporte quase que exclusivamente as aulas expositivas, nas quais as práticas didáticas são centradas no professor e no ensino, sustentadas por um paradigma que pode promover uma visão fragmentada e reducionista, nas mais diversas áreas do conhecimento científico, tecnológico, social e cultural.
Visando uma reorientação de caminhos, nesse contexto, destacamos os estudos de Delisle (2000) que descreve a necessidade de se estimular os professores a pesquisar metodologias diferenciadas que possibilitem o desenvolvimento das competências dos alunos para a problematização, como componente fundamental de um método que seja centrado na aprendizagem.
O que corrobora com os estudos de Lambros (2004) e Delisle (2000), quando os autores afirmam que as atividades desenvolvidas em sala de aula deveriam estar mais conectadas com o contexto de aprendizagem da área em estudo, sendo os currículos direcionados às aprendizagens que se interconectam com o cotidiano, dentro e fora da escola. Dessa maneira, os alunos poderão aprender praticando o que será a sua futura profissão, tornando-se profissionais ativos capacitados a resolver, com autonomia e responsabilidade, os problemas que surgirão no seu dia a dia. Como os professores não são vistos como fontes de respostas, mas como facilitadores da solução de problemas, os estudantes tendem a se tornar mais competentes na busca de informações (Albanese; Mitchel, 1993; Barell, 2007; Barrett; Moore, 2011).
Inicialmente, a proposta do grupo foi utilizar um Blog e como material didático o uso de uma apostila, bem como livros didáticos, como descrito no relato abaixo:
A ideia principal do blog é justamente proporcionar ao estudante interessado na área de química, uma base para esse aluno entrar em um curso de ensino superior ou técnico sabendo, pelo menos, o básico sobre as aulas. O blog entrará com tópicos bem organizados, um acesso rápido e fácil a informação e um bom conteúdo com vídeos de aulas experimentais, video-aulas, enquetes, textos, entre outros. O material didático utilizado será uma apostila, mas também (assim como o blog), servirá como auxílio para o aluno, com curiosidades do dia-a-dia, exercícios, entre outros. A ideia de usar a apostila não pretende excluir a utilização dos livros em salas de aula (Relato escrito - documento).
Diante do registro acima citado, podemos verificar que o grupo, quando descreve os motivos que os fizeram escolher o Blog como forma de integrar as tecnologias da informação e da comunicação no ensino de Química, demonstra uma visão ainda simplista das TIC, ou seja, enxergando-as como simples suporte ao professor para a disponibilização de informações e conteúdos. Entretanto, as ideias de Garcial et al., (2011) e Peixoto (2009) apontam a necessidade de se superar as concepções instrumentalistas e deterministas do uso das tecnologias, ou seja, ir além da crença de que a tecnologia é neutra e serve como simples instrumento facilitador do trabalho pedagógico. Desta forma, aos professores e profissionais da educação responsáveis pela formação de sujeitos não basta apenas introduzir artefatos tecnológicos para dinamizar práticas tradicionais já em vigor. Implica, sobretudo, a construção de competências para incorporar a tecnologia criticamente no processo de aprendizagem dos alunos pois este deve ser, necessariamente, o objetivo último para o qual o professor cria conteúdos e incorpora recursos digitais em sua prática.
Para tal destacamos o trabalho de Romero (2008) que discorre sobre a competência didática que os professores devem ter ao trabalharem com as TIC, embasados na abertura, flexibilidade, conscientização e integração da utilização das TIC.
Pelo o exposto, verifica-se que o grupo ainda necessitava aprofundar mais as suas pesquisas, pois a noção do conceito de material didático ainda estava confusa, por parte dos integrantes, e a escolha da TIC a ser utilizada, ainda limitada.
Quanto aos Pontos Relevantes do Relatório final do Grupo
O relatório do grupo 1 foi elaborado de forma a contemplar uma introdução, objetivos, possíveis soluções para o problema, esquema gráfico das ações de pesquisa, solução para o problema, conclusão e referências. Um ponto a se destacar foram as explicações que os participantes trouxeram com relação à mudança de TIC a ser utilizada, como descrita a seguir:
Foi escolhido o blog como TIC, e uma apostila como material didático. Porém, a apostila é um material didático, mas não é uma TIC; O blog atende as exigências de ser TIC e material didático, mas não seria viável. O fato de criar um blog para abordar apenas um conteúdo, também influenciou na mudança da tecnologia a ser utilizada. Foi escolhida uma Webquest, onde os alunos poderão baixar, acessar de suas próprias casas, seguir os passos e concluir na sala de aula. Na escolha da TIC, a webquest - se destacou entre as demais por agrupar e ligar várias visões de um mesmo assunto (Relato escrito - documento).
De acordo com o registro, verifica-se que o fato do grupo começar a refletir sobre qual TIC deve elaborar e a forma de como integrar o conteúdo de Química já demonstrou que o grupo começou a fazer escolhas mais conscientes para incorporação das tecnologias digitais no processo pedagógico.
Portanto, ter consciência de qual tecnologia deve ser utilizada para trabalhar um determinado assunto parece ser uma competência importante que está relacionada, não somente com o uso em si, mas também ao reconhecimento da tecnologia e suas potencialidades para se trabalhar um conteúdo específico (Amaral, 2008). O que de fato é algo importante para a formação do licenciando em química pois, de acordo com as DCNs do curso, existe a necessidade de formação de um profissional com treinamento em novas tecnologias, de modo que possa ser criativo na utilização e diversificação de materiais didáticos, bem como com capacidade de analisar a qualidade dos mesmos de maneira crítica (Brasil, 2001).
Apresentação do Produto final do Grupo
Foi elaborado pelo grupo um material didático baseado em uma Webquest, utilizando o conteúdo sobre Radioatividade, como forma de responder ao problema proposto.
O grupo iniciou falando dos motivos que levaram à escolha do conteúdo, como por exemplo, “o fato de ser um assunto negligenciado pelos professores no ensino médio” (nesse momento relataram as suas próprias experiências) e destacaram o fato de que “mesmo se a escola tivesse um laboratório seria difícil realizar experimentos presenciais devido à natureza das substâncias a serem utilizadas”, bem como relataram alguns motivos da escolha do tipo de TIC a ser utilizada. Como pode ser verificado em alguns relatos abaixo:
As estudantes L1 e L3 afirmaram que:
Então, a nossa TIC é a Webquest e eu acho que o que motivou a gente foi à facilidade de uso, porque é uma coisa muito simples de criar e é uma coisa independente do que tiver nela, dá pra gerar uma interação muito grande na sala de aula. [...] então a Webquest auxilia muito por que é fácil de manuseio, não tem muitos mistérios para mexer e dentro dela a gente pode colocar links, vídeos, simulações, foi o que a gente procurou trazer (Relato L1 - videogravação).
Como o professor, teria que lidar com uma sala do 2o ano que não teria acesso a laboratório e ele teria que tentar usar uma TIC enquadrando nisso, a escolha da Webquest foi feliz para solucionar essa situação, foi por que a Webquest a gente consegue integrar vários temas. A gente integrou a parte histórica, incluindo o dia-a-dia, o cotidiano por que, com a parte histórica, mostramos os desastres e, paralelamente, com o cotidiano podemos mostrar que ela (Radioatividade) é usada para o bem, digamos assim, entendeu? sendo usada em agricultura, medicina, em alimentos. Isso gera um pensamento crítico no aluno que é o que a gente vem estudando ao longo da nossa licenciatura, essa coisa de fazer o aluno pensar e fazer, ter um raciocínio crítico e a Webquest proporciona tudo isso (Relato L3 - videogravação).
Santos e Barros (2014) conceituam webquest como uma atividade didática, estruturada, de forma que os alunos se envolvam no desenvolvimento de uma tarefa de investigação, usando principalmente recursos da internet. Com os registros podemos perceber que o grupo, com a escolha de uma Webquest como material didático a ser elaborado, utilizando as Tecnologias da Informação e da Comunicação, prezou pela interação que poderia ser gerada em sala de aula, a facilidade de manuseio, a capacidade de integrar várias mídias como vídeo, links, simulações virtuais, entre outras. O que difere da proposta inicial quando os licenciandos tinham pensado na elaboração de um Blog como maneira de trabalhar o conteúdo sobre Radioatividade. Diante dessa mudança, observa-se que o grupo tinha começado a refletir as possibilidades de escolha das TICs e, de acordo com os relatos dos estudantes percebe-se que a webquest se destacou entre as demais, por agrupar e ligar várias visões de um mesmo assunto e o favorecimento de um contexto mais interativo.
Bem como, um meio de trabalhar um conteúdo complexo como a Radioatividade, visando à integração de diferentes temas, historicamente atrelados com exemplos do passado, que impactaram negativamente a sociedade e a relação com o cotidiano do estudante, como maneira de trabalhar exemplos reais do seu dia-a-dia, trazendo aplicações em várias áreas do conhecimento no intuito de demonstrar os seus benefícios com o objetivo de fazer o aluno pensar e, portanto, desenvolver o seu raciocínio crítico. Os autores Mauri e Onrubia (2010) consideram ser relevante o docente ser capaz de utilizar criticamente as tecnologias, bem como ser capaz de criar materiais e tarefas pertinentes, relacionando-se com o fenômeno da tecnologia de forma interativa e consciente.
Na sequência, a estudante L3 apresentou a Webquest para a sala, demonstrando que a mesma foi dividida em: Introdução (com algumas questões problematizadoras); Tarefas (são as atividades que servem para que, ao longo da webquest, possam responder as perguntas da introdução); Processos (com um roteiro do que fazer); Recursos (links dos sites selecionados pelo grupo, livros, entre outros); Avaliação (participação no debate em sala) e Conclusões. No final da apresentação o professor fez - o seguinte questionamento, se dirigindo aos alunos que tinham ficado calados durante a exposição oral, como descreveremos a seguir: Qual foi a contribuição dessa atividade para sua formação enquanto professor? Como destaque trazemos o relato da estudante L1 para esclarecer um pouco as questões do professor:
Uma coisa que fica muito claro pra minha cabeça é a questão do medo que a gente já falou nas aulas. Medo de usar as TIC na sala de aula por que o professor não tem o domínio disso, então eu acho que não só pra mim, mas pro grupo todo. Futuramente, se a gente se esbarrar nessa situação, a gente não vai ter medo de usar uma tecnologia, até porque tá presente na sociedade, não tem por que ter medo, é só uma questão um pouco de conhecimento e saber exatamente como usar, não usar de maneira banal mas, de uma maneira interativa, para ajudar e não atrapalhar, porque senão acaba atrapalhando (Relato L1 - videogravação).
A falta de confiança relatada pela estudante L1 está de acordo com a meta análise da literatura realizada por Bingimlas (2009) quanto à investigação das possíveis barreiras percebidas para a integração da tecnologia na educação. Sendo a falta de confiança, de competência, aparecendo em destaque.
Conclusões
Desenvolveu-se o presente estudo com a finalidade de analisar se a aplicação da metodologia aprendizagem baseada em problemas proporciona aos estudantes um processo formativo mais crítico quanto às discussões sobre a integração das Tecnologias da Informação e Comunicação no ensino de Química.
Percebemos, diante dos resultados encontrados que os estudantes se posicionaram, refletiram, usaram da criticidade e se preocuparam com um uso interativo das tecnologias, sugerindo que essas fossem integradas com várias mídias, na intenção de facilitar o processo de ensino e aprendizagem. Assim como, foi valorizada a interação dentro e fora da sala de aula, sugerindo que a internet fosse utilizada como forma de trocar ideias, informações e realizar pesquisas. Portanto, verifica-se que, com o decorrer do processo PBL, os estudantes foram refletindo, trocando ideias uns com os outros e com o professor/tutor e, dessa maneira, foram fazendo escolhas mais coerentes. Percebe-se esse caminho a partir do momento que no início do trabalho em grupo as ideias surgiram ainda muito incipientes, com o foco ainda em um uso instrumental das TIC, o que foi mudando no decorrer do processo, quando escolhas mais conscientes foram sendo realizadas e propostas de uso das TIC, de forma mais colaborativa e contextualizada foram surgindo.
O que pode ser verificado, com as justificativas que o grupo trouxe quando da mudança do recurso a ser apresentado como produto final para solução do problema, abandonando a ideia de perceber as TIC como repositório de conteúdo para auxiliar o professor, pois, optaram em elaborar um material no qual o conteúdo estivesse integrado com questões históricas e do cotidiano, para que fossem discutidos os benefícios e malefícios de um tema bastante pertinente para a sociedade que é a Radioatividade.
Diante do contexto apresentado, apontamos a importância da implementação da metodologia PBL na disciplina TICEQ, pois essa favoreceu uma melhor reflexão quanto à inserção das TIC no ensino de Química, como também incentivou que os estudantes refletissem sobre a sua futura prática docente e o contexto de uso dessas tecnologias, com o intuito de superar uma formação acadêmica desarticulada das situações complexas que permeiam a atividade profissional do professor de Química.