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Educación química

versión impresa ISSN 0187-893X

Educ. quím vol.31 no.1 Ciudad de México ene. 2020  Epub 22-Dic-2020

https://doi.org/10.22201/fq.18708404e.2020.1.69234 

Didáctica de la Química

O ensino dos processos e usos do alumínio na perspectiva da pedagogia histórico-crítica

The Teaching of Aluminum Processes and Uses in the Perspective of Historical-Critical Pedagogy

Luiz Gonzaga Roversi Genovese1 

Wellington Perreira de Queirós2 

Cinthia Letícia Carvalho Roversi Genovese3 

1Instituto de Física da Universidade Federal de Goiás.

2Instituto de Física da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

3Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás.


Resumo

O objetivo do presente artigo é apresentar uma proposta de sequência didática sobre o tema alumínio com vistas a promover um ensino-aprendizagem que valorize a criticidade, autonomia e emancipação dos indivíduos e coletivos. Utilizamos como fundamento teórico as categorias da Pedagogia Histórico-Crítica (PHC), expressa na sua didática dos cinco momentos: Prática Social Inicial, Problematização, Instrumentalização, Catarse, Prática Social Final. Para subsidiar o desenvolvimento da sequência didática, apresentamos uma discussão das propriedades Físico-Químicas do alumínio, um recorte histórico sobre sua obtenção, bem como seu potencial socioeconômico articulado aos problemas sociais e ambientais. Apontamos as possíveis contribuições da proposta dessa sequência para a formação de sujeitos críticos, autônomos e agentes de ações que visam a transformação da realidade em busca de justiça e igualdade social. Em particular, destacamos a possibilidade dessa sequência didática superar uma apropriação e objetivação para-si alienada sobre o tema abordado.

Palavras Chaves: Sequência Didática; Alumínio; Pedagogia Histórico-Crítica

Abstract

The purpose of this article is to present a proposal for a didactic sequence on the theme aluminum in order to promote a teaching-learning that values the criticality, autonomy and emancipation of individuals and groups. We use as theoretical foundation the categories of Historical-Critical Pedagogy (HCP), expressed in its didactic of the five moments: Initial Social Practice, Problematization, Instrumentalization, Catharsis, Final Social Practice. In order to subsidize the development of the didactic sequence, we present a discussion of the Physical-Chemical properties of aluminum, a historical cut about its obtainment, as well as its socioeconomic potential articulated to social and environmental problems we point out the possible contributions of the proposal of this sequence for the formation of critical, autonomous subjects and agents of actions that aim the transformation of reality in search of justice and social equality. In particular, we emphasize the possibility of this didactic sequence to overcome an appropriation and objectivation for itself alienated on the subject addressed

Keywords: Didactic Sequence; Aluminum; Historical - Critical Pedagogy

Introdução

Incômodo. Termo que representa bem o posicionamento do presente trabalho quanto à relação triádica (Alves-Filho & Pinheiro, 2012) que se estabelece, há algum tempo, entre o professor, o conteúdo de ciências e os alunos, que é fundada, em muitos casos, na transmissão dos conteúdos de ciências em via única, do professor para o aluno, de forma isolada, estática, teoricista e ahistórica, portanto bancária (Freire, 2002).

Desafiadora. Palavra que leva a pensar alternativas para esse processo de ensino-aprendizagem, marcado pela ausência de reflexão sobre a relação do conhecimento clássico produzido historicamente e os conhecimentos intuitivos dos coletivos de aprendizes. Uma delas seria a construção de propostas de ensino de ciências numa perspectiva progressista.

À margem. A relação teoria-prática em uma perspectiva libertadora que poderia ser construída no ambiente escolar. Não sendo pensada e nem posta em ação contribui para uma escola abstraída da sociedade que, por sua vez, promove a consolidação do entendimento de que ela é uma instituição social incapaz de promover o desenvolvimento de seres humanos autônomos.

A favor. Boa parte dos donos do grande capital e de nossos governantes ajudam a manter essa situação deplorável vivida pela maioria dos estudantes, pertencentes a classes sociais oprimidas e seus professores (ex-estudantes, também provenientes de tais classes). Para tanto, se utilizam da midiologia (Vasconcellos & Vidal, 1998) que promove a alienação (Adorno, 1996; Marx & Engels, 1999) via a reprodução dos meios de produção (Althusser, 1998), para se manterem como os principais beneficiários na sociedade.

Ao longo da história, o homem, por meio do trabalho, apropriou-se da matéria-prima presente na natureza, e, posteriormente, lapidou-a e produziu utensílios, equipamentos e máquinas cada vez mais sofisticadas, ora empregadas para a subsistência e existência, ora para exploração do trabalho alheio. Neste processo, a curiosidade, a criatividade, a imaginação do gênero humano estiveram presentes, seja de forma assistemática, seja de maneira sistêmica como aquelas associadas às instituições de cunho científico e tecnológico.

De acordo com Duarte (2001), as objetivações e apropriações humanas como a ciência e a produção material gerou no século passado e no presente, alternativas de existência livre e universal sem precedentes na história. Mas, de forma contraditória, pois estas possibilidades têm sido geradas à custa da miséria, da exclusão, da degradação ambiental e da ignorância de inúmeras pessoas. Neste sentido, as relações sociais de dominação que levam o homem a aceitar essa situação de alienação, portanto, da obediência a um contexto, em que é tido como um objeto de produção dentro da sociedade capitalista (Giardinetto, 1999), devem ser questionadas.

Este trabalho, no sentido definido por Engels (1952) como a “condição básica e fundamental de toda a vida humana”, pretende promover reflexões e ações de maneira dialética (Aranha & Martins, 1993) acerca da realidade pseudo-concreta (Kosik,1995), a fim de contribuir para a mudança do estado de alienação dos estudantes-trabalhadores e seus professores em relação ao conteúdo e ao contexto sócio-histórico, como apresentado nos parágrafos iniciais.

Assim, o objetivo do presente artigo é apresentar uma proposta de sequência didática sobre o tema1 alumínio, que promova uma apropriação pelos estudantes de forma crítica com vistas a promover um ensino-aprendizagem, que valorize a autonomia e emancipação dos indivíduos e coletivos. As categorias da Pedagogia Histórico-Crítica (PHC) foram escolhidas como fundamentação teórica para a proposta, pois resgata a necessidade de problematização na realidade social (Saviani, 1989) pautada pela égide capitalista. Ao mesmo tempo, valoriza e articula dialeticamente o conhecimento clássico e a metodologia de ensino, na busca pela competência técnica e política, perante a contínua formação crítica do educando e do educador na sala de aula (Saviani, 1991), por meio da “compreensão da história a partir do desenvolvimento material, da determinação das condições materiais da existência humana” (Saviani, 1991, p. 75).

É importante destacar ainda que a PHC é uma concepção educacional, originalmente, brasileira, que começou a ser elaborada no final dos anos 70, do século XX. Emergiu como um marco no seio das discussões sobre as perspectivas reprodutivistas e crítico-reprodutivistas, realizadas pelos educadores brasileiros (Saviani, 1984); coloca-se como uma concepção pedagógica ligada à “Escola de Vigotski”, fundamentada no materialismo histórico que, por sua vez, supera as limitações de tal polarização, no contexto da luta pela educação pública no Brasil. Em boa medida, por considerar não só a historicidade e a dialética do processo educativo, como também a promoção da consciência crítica e transformadora da realidade de educadores e educandos sobre e a partir desse processo.

Ainda que a PHC seja um marco na educação brasileira (Gasparin & Petenucci, 2008), sua utilização no cotidiano escolar é parca, mesmo após a construção de uma didática própria, apresentada no livro “Uma didática para a Pedagogia Histórico-Crítica” (Gasparin, 2002), que inicia os educadores e educandos no universo prático. A situação não é diferente no campo do ensino de ciências e matemática, contudo é possível identificar a presença da PHC nas pesquisas desta área de conhecimento (Santos, 2005; Autor1; Geraldo, 2009; Autor2; Anunciação, 2016), ao qual o presente trabalho procura contribuir.

Assim, apresentamos, nas próximas seções, uma discussão das propriedades físico-químicas do alumínio, um recorte histórico sobre sua obtenção, bem como seu potencial socioeconômico, articulado aos problemas sociais e ambientais. Além disso, descrevemos também o referencial da Pedagogia Histórico-Crítica, como fundamento da sequência didática, cuja temática é o alumínio. Por fim, apontamos as possíveis contribuições da proposta para a formação de sujeitos críticos, autônomos, propositores e agentes de ações que visam a transformação da realidade, em busca de justiça e igualdade social.

A História da Obtenção do metal Alumínio e Suas Características Físico-Químicas

O alumínio não é encontrado na forma elementar na natureza, mas sim, na forma combinada, em rochas como feldspatos, micas e minerais, como a bauxita. Embora constitua apenas cerca de 1% da massa da Terra, é o primeiro metal e o terceiro elemento químico mais abundante da crosta, ou seja, da superfície que pode ser economicamente explorada pelo homem (Constatino et al., 2002). Tal metal é explorado por meio de óxidos hidratados, como a bauxita que, embora possa ser considerada como um minério de alumínio, não é uma espécie mineral, mas um material heterogêneo formado de uma mistura de hidróxidos de alumínio hidratados ([AlOx(OH)3-2x], 0 < x < 1), contendo impurezas. A associação brasileira do alumínio (Abal, 2007), no documento sobre fundamentos e aplicações deste elemento químico, expressa as suas principais características físico-químicas, conforme sintetizamos na tabela 1:

Tabela 1.Principais Características físico-químicas do Alumínio. 

Caracter Característicassticas Descrição
Mecânicas Têm uma resistência à tração de aproximadamente 90 MPa, mas por meio do trabalho a frio, térmico e adições de outros metais, sua resistência pode ser aumentada, consideravelmente. O alumínio e suas ligas perdem sua resistência a elevada temperatura, mas em temperaturas abaixo de zero, sua resistência aumenta sem perder a ductibilidade e a tenacidade.
Resistência à corrosão Possui alta resistência à corrosão, devido a sua característica peculiar de autoproteção, pois no estado líquido, ao ser exposto à atmosfera, forma-se uma fina e invisível camada de óxido que o protege de oxidações posteriores. O alumínio é altamente resistente ao tempo, mesmo em atmosferas industriais, que, frequentemente, corroem outros metais. É também resistente a vários ácidos. A não ser que tenha condições propícias, o contato direto com substâncias alcalinas e metais deve ser evitado.
Condutibilidade Elétrica Possui condutibilidade três vezes maior que a do aço e resistividade de 0,00000263 Ohm/cm3. Apesar de ter uma condutibilidade 60% menor que a do cobre, tem sido utilizado, frequentemente, em fios e cabos.
Condutibilidade Térmica O alumínio possui alta condutibilidade térmica, 4,5 vezes a do aço doce. Isto possibilita seu uso na indústria de alimentos e produtos químicos, pois é um importante meio de transferência de energia térmica, tanto no aquecimento como no resfriamento por meio dos trocadores ou dissipadores de calor em alumínio. Seu baixo peso específico (Capelari & Mazzaferro, 2009) permite maior intervalo entre torres de alta tensão, o que, por sua vez, promove redução de custos de instalação e compensa, em parte, a desvantagem de sua menor eficiência elétrica.
Refletividade Possui alta refletividade com aproximadamente 80% da radiação incidente. Isto permite uma ampla utilização em luminárias e em coberturas de edificações.
Propriedade anti- magnética O metal alumínio não é magnético, sendo utilizado como proteção em equipamentos eletrônicos. Como não produz faíscas é utilizado na estocagem de substâncias inflamáveis ou explosivas.
Barreira Tem a função de barreira à luz e possui boa impermeabilidade à ação da umidade e do oxigênio, tornando a folha de alumínio um dos materiais mais utilizados no mercado de embalagens.
Nuclear O alumínio dificulta a absorção de nêutrons, o que contribui para manter a reação nuclear no combustível de urânio, tornando-o um material eficiente e de uso intensivo no núcleo de reatores de baixa temperatura.
Atoxidade Uma particularidade do alumínio é ser atóxico, o que permite sua utilização em utensílios domésticos, sem qualquer efeito nocivo ao organismo humano, sendo muito utilizado em equipamentos na indústria alimentícia e no contato direto com os produtos alimentícios, como embalagens.

Fonte: Os autores de acordo com dados obtidos da Abal (2007).

Os principais constituintes dos minérios de alumínio são a gibbsita [Υ-Al(OH)3], os polimorfos boehmita [Υ- AlO(OH)] e diaspório [α-AlO(OH)], que devido às proporções das três formas, variam de acordo com a localização geográfica do minério. As bauxitas mais ricas em boehmita são encontradas em depósitos do ocidente, França e Grécia; enquanto que aquelas ricas em diaspório, são extraídas na China, Hungria e Romênia. As bauxitas, geologicamente, mais novas possuem alto conteúdo de gibbsita e ocorrem em grandes depósitos em áreas de clima tropical, como Jamaica, Brasil, Austrália, Guiné, Guiana, Suriname e Índia, e apresentam maior interesse comercial (Constantino et al., 2002).

O Brasil detém a terceira maior reserva de bauxita do mundo. Suas principais jazidas encontram-se na região da Amazônia. A obtenção do alumínio, a partir da bauxita, efetuase em três etapas: Mineração, Refinaria e Redução. Após a mineração da bauxita, segue seu beneficiamento para a refinaria, onde passa por tratamento químico para a extração das impurezas, dando origem a um produto intermediário denominado alumina. A etapa final consiste em transformar a alumina em alumínio primário, na forma metálica, por meio da eletrólise. Todo este processo de obtenção do alumínio levou séculos para ser entendido e foi investigado por diversos cientistas de diferentes nacionalidades (Capelari & Mazzaferro, 2009).

O alumínio, da palavra latina alumem, nome dado a um dos seus sais, o sulfato de alumínio, era conhecido na idade antiga e utilizado como fixador de corantes em tecidos. O povo da antiga Babilônia (atual Iraque) produzia cerâmicas de qualidade, contendo alto teor de alumínio. Há aproximadamente 4000 anos, os egípcios e babilônios usavam compostos de alumínio como ingredientes no preparo de vários produtos químicos e medicinais (Peixoto, 2001).

Por volta de 1807, o pesquisador inglês Humphry Davy (1778-1829) tentou, em vão, isolar o alumínio, a partir de um dos seus compostos, que hoje conhecemos como alumina, o óxido de alumínio (Al2O3). Conseguiu, naquela época, apenas nomear o que hoje chamamos de óxido de alumínio, de alumium que, pouco mais tarde, ainda viria a ser chamando de aluminum (Peixoto, 2001), denominação que foi substituída pelo nome atual.

Não se pode rejeitar a contribuição de vários outros pesquisadores, entre eles, Hans Christian Oersted (1777-1851), que nasceu na ilha de Langeland, no sul da Dinamarca, em 1777, no ano em que Lavoisier refutou a teoria do flogisto (Weekes, 1949). Em 1825, Oersted estudou a ação química da corrente voltaica em diversos materiais e fenômenos. Dentre estes materiais estava a alumina, do qual tentou isolar o alumínio, mas inicialmente preparou o cloreto de alumínio (AlCl3), que fora deixado reagir com um amálgama de potássio (liga de potássio com mercúrio), que obteve como resultado um amálgama de alumínio. Por aquecimento, foram obtidos mercúrio e alumínio; já pelo processo de evaporação, o mercúrio foi evaporado e o alumínio foi obtido como resíduo da destilação. O produto encontrado por Oersted foi alumínio metálico impuro, parecido com zinco. No entanto, o trabalho de Oersted com o alumínio não teve muita repercussão, talvez por ter publicado em uma revista dinamarquesa de pouca difusão. No que se refere ao estudo dos fenômenos físicos, ele obteve maior reconhecimento, principalmente, no estudo dos fenômenos eletromagnéticos.

Mesmo não sendo consensual entre os historiadores da química, uma parcela significativa indica que o primeiro a isolar o alumínio, a partir do óxido de alumínio, foi Friedrich Wöhler (1800-1882). De acordo com Peixoto (2001), somente em 1827, o alumínio foi repreparado de uma forma mais pura, que permitiu a sua descrição mais adequada. Em 1825, Wöhler entrou para fazer parte da Universidade de Berlim e tornou-se professor em 1828. Apesar de não ter conseguido obter o alumínio pelo método de Oersted, utilizou algumas de suas ideias, como por exemplo, ao promover a reação do cloreto de alumínio (AlCl3) com carbonato de potássio quente e com uma solução fervente de alumbre. Wöhler lavou e secou o hidróxido de alumínio precipitado e o misturou com carbono pulverizado, açúcar e azeite, até formar uma massa grossa; em seguida, aqueceu-a em crisol cerrado e assegurou uma mistura muito íntima de alumina (Al2O3) e carbono (C). Passou uma corrente de gás cloro seco sobre a mistura e obteve o anidro de cloreto de alumínio.

O primeiro alumínio puro foi preparado pelo químico francês Henri Sainte-Claire Deville (1818-1881), na Escola Normal Superior da França, onde obteve os primeiros lingotes bem formados de alumínio. Em 1854, ao preparar um protocloreto de alumínio, deixou reagir alumínio com o cloreto (AlCl3) e para obter o alumínio necessário usou o trabalho experimental de Wöhler. No entanto, Deville substituiu o potássio por sódio e observou alguns glóbulos brilhantes de alumínio, para, então, imediatamente, trabalhar para fazer um processo industrialmente econômico. O processo industrial de produção de alumínio por Deville requeria grandes quantidades de sódio, que apesar de ser mais abundante que o potássio era mais caro. Com a caída do preço do sódio foi possível a produção de alumínio em larga escala a partir da bauxita (Weekes, 1949).

Muitos contemporâneos de Sainte-Claire Deville tentaram criar um mal-estar entre ele e Wöler, aconselhando o primeiro a buscar o reconhecimento (a honra) pelo descobrimento do metal, já que o alumínio de Wöhler era de pureza duvidosa. No entanto, Deville em vez de perseguir Wöhler, assim que obteve uma quantidade suficiente de alumínio maleável, fundiu uma medalha levando o nome de Wöhler e a data de 1827 e enviou ao grande maestro alemão. Deville e Wöhler permaneceram sempre fiéis amigos e colaboraram em muitas investigações importantes. Deville realizou também importantes investigações sobre boro, silício, magnésio e metais da família da platina. Tinha uma boa relação com sua família e estudantes e veio a falecer no ano de 1881. Seus familiares e cientistas de diversas partes do mundo choraram por sua morte (Weekes, 1949).

O procedimento desenvolvido por Deville tinha feito do alumínio um produto comercial, mas a sua obtenção tinha um alto custo financeiro. Em resposta a esta demanda, em 1886, com apenas 23 anos, Charles Martin Hall (1863-1914) conseguiu uma solução para o problema. Em um laboratório improvisado no sótão e usando baterias de construção caseira, em vez de fundir a alumina, ele a dissolveu em criolita (Na3ALF6) líquida, substância cuja fusão ocorre a cerca de mil graus Celsius. Ao obter alumínio por esse método, Hall fundou a Aluminum Corporation of America.

Quase que paralelamente a Hall, em 1866, o jovem francês Paul Louis-Toussaint Héroult (1863-1914) trabalhando independentemente em seu país, chegou aos mesmos resultados. Ele, aos 15 anos de idade, leu o famoso tratado de Deville. Utilizando a máquina a vapor e um dínamo de uma pequena fábrica de curtumes, por meio da eletrolisação obteve alumínio; processo que ainda é utilizado nos dias atuais, e, é conhecido como processo Héroult-Hall (Weekes, 1949).

Após mais de um século da obtenção do alumínio em larga escala, a sociedade industrial capitalista utiliza este metal em grande quantidade, na fabricação de automóveis, aviões, barcos, embalagens, ferramentas, entre muitos outros produtos. No entanto, O aumento da população atrelado ao consumo de recursos naturais gerou grande preocupação social e ambiental, que será discutida a seguir.

O metal alumínio: Consumo e problemas Socioeconômicos e Ambientais

A produção, o uso e o descarte de artefatos de alumínio em grande escala, uma marca da nossa sociedade de consumo, têm sido alvo de várias discussões de cunho social, econômico e, principalmente, ambiental, mais precisamente, no que se refere à questão do lixo. Estas problemáticas têm sido destacadas pelos ambientalistas, que apontam a necessidade e urgência de elaboração e implementação de propostas que deem encaminhamento a elas, articuladas com a educação. Uma delas é a gestão integrada dos resíduos sólidos na chamada política ou Pedagogia dos 3 Rs2 (Layrargues, 2002).

De acordo com Layrargues (2002), apesar da complexidade do tema, vários programas de educação ambiental, na escola, são feitos de forma reducionista, pois se limitam apenas ao discurso da reciclagem por meio da coleta seletiva de lixo. De acordo com o autor, poucos programas têm levado em consideração ou dedicado atenção à análise do significado ideológico da reciclagem.

No caso particular da lata de alumínio (material que se destaca entre os recicláveis), os programas de educação ambiental têm deixado à margem as implicações ideológicas, restringindo-se somente às técnicas mais eficientes de coleta e tratamento do lixo. Consequentemente, deixam em segundo plano a reflexão crítica sobre a transformação dos valores culturais que norteiam as características de produção e consumo da sociedade atual.

Diante desse quadro, Mariano et al. (2011) apontam a existência de dois discursos sobre a questão ambiental: o primeiro é pautado por uma concepção ecológica oficial, legitimada por uma visão hegemônica ambientalista com o objetivo de manter os valores culturais instituídos na sociedade, inclusive o consumismo; o outro é uma concepção ecológica alternativa que promove uma visão ambiental contra hegemônica, com a finalidade de questionar e promover ações de transformação dos elementos sociais e econômicos dominantes.

No discurso ecológico alternativo, o problema do lixo está situado no consumismo desenfreado. De acordo com Miotto (2003), desde que a produção passou a ter por finalidade o consumo, a economia estabeleceu como objetivo aumentá-lo e a ele associa-se o sinônimo de bem estar. No entanto, esquece-se de que ele é responsável por uma série de danos ambientais e que não pode ser visto de forma ilusória como significado de felicidade.

Nessa sociedade de consumo, os indivíduos são influenciados a consumir bens que se tornam obsoletos em intervalos de tempo cada vez menores, a chamada obsolescência planejada, esquecendo-se de quão difícil, demorado e árduo foi o processo criativo para a elaboração do conhecimento e das técnicas para obtenção de diversos produtos, entre eles o alumínio. Esta prática é um fator preocupante, pois cria demandas de consumo que leva à ilusão de que a vida útil do produto esgotouse, mesmo que os objetos estejam em condições de uso. Segundo Durning (1992), os eletrodomésticos produzidos na década de 50 do século passado eram muito mais resistentes dos que os fabricados na atualidade, tinham maior durabilidade e resistência, e se quebrassem, o conserto era economicamente praticável, enquanto que na lógica consumista atual os consertos se tornaram mais difíceis e dispendiosos do que a substituição por um novo (Young, 1991). Assim, o fim da obsolescência planejada é o caminho para a diminuição dos resíduos, uma vez que ao produzir determinado produto que dure mais tempo, evitaremos mais lixo despejado no meio ambiente.

Nesse momento, uma reflexão ligando a história da obtenção do alumínio com a obsolescência planejada é possível. Mais precisamente, esta reflexão ocorre quando se articula os trabalhos de Héroult-Hall, no século XIX, que tornou viável a obtenção do alumínio, do ponto de vista financeiro, e, a noção de obsolescência planejada, que permitiu a redução dos preços dos artefatos e, consequentemente, o acesso de uma nova parte da sociedade. Dela é possível apreender que a obtenção do alumínio e da obsolescência planejada seguem a mesma lógica do capital. Contudo, a obsolescência planejada provoca problemas socioambientais e econômicos de diversas ordens.

Dentro dessa discussão, temos dois caminhos para a reflexão e compreensão da política dos 3 Rs em relação à sociedade consumista: de um lado, o discurso ecológico oficial não considera o consumismo como o problema, mas a solução para o desenvolvimento e a geração de riquezas, defendendo que o lixo é de ordem técnica, priorizando, desta forma, a reciclagem em detrimento da redução do consumo e do reaproveitamento, que pelo viés do desperdício mantém protegida a base da sociedade capitalista, ou seja, o desenvolvimento, de um lado, e coloca em segundo plano a prática e o entendimento da reutilização e redução. Assim, esta perspectiva articula-se com o projeto liberal, pautado numa prática tecnicista, comportamentalista, em que a reflexão é segregada a uma visão reducionista alicerçada na reciclagem. Por outro lado, no discurso ecológico alternativo, a luta ocorre no combate ao consumismo exacerbado, priorizando a redução e reutilização, articulado com o projeto político ideológico progressista (Layrargues, 2002).

Miotto (2003) analisa que a problemática dos resíduos sólidos tem sido enfocada apenas na reciclagem, que tem a capacidade de produzir um efeito ilusório na consciência das pessoas de que podem passar a consumir mais produtos, sobretudo descartáveis, sem constrangimento algum, pois agora são recicláveis e, portanto, ecológicos.

De acordo com Adams (1995), esse fenômeno é denominado de compensação do risco, em que o ser humano aceita um outro risco, no caso aqui a substituição do consumismo que gera um risco ambiental, para outro, o risco da reciclabilidade. O fato é que esta substituição promove uma ilusória segurança ancorada na ideia de que a reciclagem contribuirá, mas que, na verdade, oculta a lógica do consumismo, ou seja, recicla-se para não se reduzir o consumo (Layrargues, 2002). Mas de acordo com Miotto (2003), a reciclagem foi revestida de responsabilidade socioambiental das empresas e lucrativamente incorporada ao processo produtivo com a finalidade de manter as formas de acumulação do capital. Desse modo, diversos grupos empresariais divulgam a ideia equivocada de desenvolvimento sustentável (Henriques & Porto, 2013).

Diante dessa realidade, como fica a produção, o uso e o descarte dos produtos de alumínio no Brasil? Em 1991, inicia-se, de modo regular pela Reynolds Latasa, a reciclagem da lata de alumínio. Para tanto, em 1993, a empresa buscou estabelecer parceria com várias instituições, de diversos municípios brasileiros, por meio do Projeto Escola, que além de escolas, envolve restaurantes, igrejas, associações de moradores, condomínios, hospitais e unidades militares. No projeto é feita a troca de latas de alumínio vazias, limpas e prensadas por equipamentos como ventiladores de teto, computadores, bebedouros e máquinas copiadoras (Layrargues, 2002). A Latasa utilizou-se de algumas justificativas habituais sobre as vantagens do uso de latas de alumínio em relação a outras embalagens para envolver os agentes dessas instituições no processo:

[...] praticidade, economia de espaço no armazenamento, empilhamento eficiente, leveza no transporte, segurança no manuseio -, agregam-se outros argumentos que sublinham as vantagens da reciclagem, teoricamente significativas para o alumínio, já que ele é 100% reciclável. Os dois primeiros argumentos, de caráter ecológico dizem respeito à diminuição do volume dos resíduos nos depósitos de lixo e à economia do recurso natural necessário para a sua fabricação, a bauxita. O terceiro argumento, de apelo econômico, refere-se ao fato de o alumínio ser trocado por bens de consumo pelo consumidor ou pelas instituições participantes do Projeto Escola. O quarto argumento, de caráter social, refere-se aos be-nefícios sociais da geração de renda pelos catadores e sucateiros, e o quinto argumento, de caráter econômico, refere-se à economia de energia elétrica (Layrargues, 2002, p.7).

Certo é que o Brasil não limitou sua produção de alumínio primário e a extração de bauxita devido à reciclagem. O fato é que no mundo do capital, o investimento na exploração de alumínio depende da necessidade interna ou externa e à medida que a economia cresce, a busca por alumínio aumenta e, consequentemente, a exploração da bauxita também cresce. O Brasil alcançou um índice de 73% de reciclagem de latas de alumínio, superior ao índice americano de 63%, que tem experiência na reciclagem e um consumo de alumínio 15 vezes maior que o Brasil (Layrargues, 2002).

Nesse sentido, Layrargues (2002, p.10), questiona: “por que então, o alumínio se tornou o ícone da reciclagem? Esse índice foi conquistado à custa de conscientização ecológica, ainda que enganadora ou econômica? Que tipo de motivação induz indivíduos a reciclarem latas de alumínio?”

O fato é que no Brasil, com índices altos de desigualdade social, a coleta seletiva, em especial, da lata de alumínio, é uma alternativa que pode gerar uma renda superior ao salário mínimo. De acordo com Almeida Jr. (1997), o aumento da reciclagem das latas de alumínio, além de ter grande influência do Projeto Escola e dos postos de troca voluntária, deve-se principalmente aos catadores. Estes últimos, por sua vez, foram utilizados como justificativa pela indústria para disseminar a importância de se reciclar as latas de alumínio. Entretanto, para Calderoni (1998, apud Layrargues, 2002), a distribuição dos rendimentos na cadeia produtiva da reciclagem é desigual. A pesquisa realizada pelo autor em São Paulo indicou que a indústria detém a maior quantidade, com 66%, a prefeitura 11%, os sucateiros aproximadamente 10% e os catadores quase 13% dos rendimentos.

Do ponto de vista da geração de renda, mesmo que informal, para a indústria o melhor caminho é eliminar os intermediários, como por exemplo, o catador. Talvez o Projeto Escola ajude a indústria a cumprir esse papel, uma vez que há troca de latinhas e outros objetos de alumínio por equipamentos, alternativa economicamente viável para empresas. Outro ponto é o discurso midiático da reciclagem levando a uma falsa conscientização ecológica por parte do consumidor, pois ele mesmo faz a separação dos resíduos sólidos em sua residência, eliminando o catador do processo.

Para Layrargues (2002), o discurso ecológico oficial valorizou o R da reciclagem, em detrimento dos demais para torná-la um ato ecológico, desconsiderando sua função social. Nesse sentido, quando as latas de alumínio chegam à indústria sem passar pelas mãos dos catadores, ocorre a exclusão deste elemento social da cadeia produtiva da reciclagem. Para a indústria é mais fácil disseminar o discurso ecológico salvacionista e a adesão acrítica à coleta seletiva por parte do consumidor, já que não vê mais pelas ruas da cidade esse agente social. Contudo, sem saber, ao aderir a esse ideário ecológico não percebe que ele mesmo passou a ser o “catador”, o que aumenta ainda mais o lucro das empresas e o problema social associado à exclusão dos catadores do processo produtivo ligado à reciclagem das latas de alumínio.

Do ponto de vista material da produção do alumínio, Meldoniam (1998) afirma que na fabricação de alumínio por meio de matéria-prima virgem há um gasto de 95% de energia elétrica em relação ao processo de reciclagem. Em síntese é muito mais econômico reciclar latas de alumínio do que produzi-las, a partir do metal novo. Além disso, a reciclagem de alumínio, se comparada a outros produtos, tem um rendimento melhor, ou seja, 100% do material reciclado é transformado em um novo produto.

O fato é que não se pode negar completamente a reciclagem das latas de alumínio; já que a exploração da bauxita provoca impactos ambientais, como o esgotamento, o desmatamento, a erosão e o assoreamento e, que, portanto, a reciclagem contribuiria indiretamente para evitar tais problemas, mesmo que as empresas utilizem métodos de controle e recuperação ambiental dessas áreas. No entanto, de acordo com Layrargues: “a busca da eficiência que se traduz na racionalidade econômica não pode ser confundida com consciência ecológica e muito menos com responsabilidade social” (2002, p. 13).

Enfim, o que está fortemente imerso no paradigma da reciclagem é o estabelecimento de uma parceria de mercado com a sociedade, na qual o mais importante para indústria de latas de alumínio é a obtenção de matéria prima com menor custo possível, eliminando os atravessadores - catadores e sucateiros. Assim, apesar do meio ambiente ser beneficiado com a reciclagem das latas de alumínio, a verdadeira intencionalidade é a maximização dos lucros das empresas, uma vez que a reciclagem é vista mais como uma atividade econômica do que de preservação ambiental.

Diante dessas constatações da problemática ligada à reciclagem e ao consumismo, qual o caminho a tomar? A educação seria uma das possibilidades de conscientização da problemática, mas também pode ser um instrumento de dominação, já que oculta as intencionalidades de ações, como por exemplo, o Projeto Escola. Ele é contraditório, pois o motivo principal de muitas escolas aderirem ao programa é a aquisição de equipamentos e assume-se que a reciclagem é a solução da questão ambienta;, porém, esquece-se de fazer uma reflexão ao consumismo, ou seja, há uma carência de propostas didático-pedagógicas de cunho progressista que problematizem a ideologia dominante consumista. Nesse sentido, é mister desenvolver propostas de ensino de cunho progressista sobre a temática do alumínio, como por exemplo, a Pedagogia Histórico-Crítica, aqui adotada.

As categorias da Pedagogia Histórico-Crítica: o referencial

Para cumprir o objetivo proposto, utilizaremos como referencial teórico, a Pedagogia Histórico-Crítica, cujo pressuposto fundamental é:

[...] o empenho em compreender a questão educacional a partir do desenvolvimento histó-rico objetivo. Portanto, a concepção pressuposta nesta visão da Pedagogia Histórico-Crí-tica é o materialismo histórico, ou seja, a compreensão da história a partir do desenvolvi-mento material, da determinação das condições materiais da existência humana (Saviani, 1991, p.91).

O processo histórico sobre a obtenção de metais e suas ligas, que explicitamos, neste estudo, dependeu basicamente do homem e sua relação de trabalho sobre a natureza, o que ocasionou transformações sociais. Isto gerou e gera conflitos sociais, econômicos, políticos e culturais ao longo da história. Esta reflexão para o processo educacional, apresentado na próxima seção, é de suma importância, pois subsidia uma prática pedagógica de Ciências que visa a problematização e a busca da superação da alienação, com o objetivo de desenvolver o espírito crítico com a finalidade de ações transformadoras na sociedade.

De acordo com Saviani (2003), o trabalho representa a ação do homem num processo de transformação da natureza que é feito por uma ação pensada, planejada para atingir finalidades, num determinado contexto histórico. Em cada período da humanidade, desde a Pré-História, iniciada há quatro milhões de anos e subdividida em Paleolítico e Neolítico; e a partir da escrita, há seis mil anos com a origem da História, que abrange as Idades Antiga, Média, Moderna e Contemporânea, o homem se apropriou da matéria, dos saberes, de valores morais e éticos de formas diferentes e construiu a sua história social como, por exemplo, a história da obtenção dos metais e suas ligas, especificamente, a do alumínio.

Um dos produtos dessa relação homem-natureza são os saberes construídos, que permitem ao ser humano pensar e mediar suas ações no mundo. Um dos espaços para a apropriação destes saberes é a escola e uma de suas principais funções é fornecer instrumentos para que os sujeitos adquiram os saberes construídos ao longo da história da humanidade. Infelizmente, estes saberes são ensinados de forma transmissiva, como se fossem construídos de forma neutra, linear e estática. Tal perspectiva de conhecimento e de seu ensino-aprendizagem contribui para a formação de um indivíduo alienado na sociedade.

Assim, acreditamos que o referencial da Pedagogia Histórico-Crítica pode contribuir para a superação desta realidade, pois, ao contrário das perspectivas crítico-reprodutivistas de educação, fornece uma análise crítico dialética de mundo. Para esta corrente de pensamento, a educação é determinada pela sociedade, mas interfere na sociedade, podendo contribuir para a transformação de ambas. Assim, de acordo com Saviani:

Em suma, a passagem dessa visão crítico-mecanicista, crítico-a-histórica para uma visão crítico dialética, portanto histórico-crítica, da Educação, é o que queremos traduzir com a expressão Pedagogia Histórico-Crítica. Esta formulação envolve a necessidade de se com-preender a Educação no seu desenvolvimento histórico-objetivo e, por consequência, a possibilidade de se articular uma proposta pedagógica cujo ponto de referência, cujo o compromisso, seja a transformação da sociedade e não sua manutenção, a sua perpetuação. Esse é o sentido básico da expressão Pedagogia Histórico-Crítica. Seus pressupostos, por-tanto, são os da concepção dialética de história (1991, p. 95-96).

Tal entendimento da Pedagogia Histórico-Crítica está assentada nos seguintes fundamentos, que também orientarão a Sequência Didática: objetivação e apropriação, humanização, alienação, gênero humano, indivíduo para si. Estas categorias são primordiais para uma teoria de formação do indivíduo e sua relação com a produção material, por meio do trabalho no paradigma histórico-social (Duarte, 2001).

A categoria Objetivação e Apropriação representa o processo contínuo de transformação da matéria pelo homem. Unem-se, dialeticamente, gerando, no homem, novas necessidades e conduzindo a novas formas de ação, num constante movimento de superação por incorporação. Neste processo de objetivação e apropriação acontece a humanização, que pode ser alienante ou libertadora. A humanização alienante é quando não há reflexão sobre as ações no cotidiano, ou seja, quando o indivíduo participa da vida social sem questionamentos, sem pensar sobre as diversas situações nas quais atua. Na humanização libertadora, o indivíduo estabelece uma relação consciente com o seu cotidiano, e, suas ações e decisões são intencionais e refletidas. Assim, características humanas formadas ao longo da história social e que não são transmissíveis pela herança genética formam o gênero humano (Duarte, 1999).

Nesse processo de humanização, dado o nível de desenvolvimento do gênero humano, a objetivação divide-se em objetivação em-si (a linguagem, os costumes e os utensílios) e objetivação genérica para-si (a ciência, a filosofia, a arte, a moral, etc.).

As objetivações para-si são intencionais e representam a superação do caráter espontâneo, enquanto as objetivações em-si são cotidianas, prático-utilitárias, que não exigem questionamentos e reflexões. Assim, o indivíduo apropria-se do mínimo de objetivações do gênero humano, apenas o necessário para que se situe em um contexto social (Heller, 1977).

Segundo Heller (1977) , a vida de um indivíduo que se limita ao cotidiano compromete o seu desenvolvimento pleno e quando isto acontece, a relação do indivíduo com o cotidiano é uma relação alienada. Entretanto, as objetivações genéricas em-si, assim como a estrutura das formas de pensamento e ação da vida cotidiana, não podem ser identificadas como alienação; mas podem se tornar alienadas, a partir do momento em que o indivíduo ou o coletivo são impedidos de se apropriarem das objetivações genéricas para-si, fundamentais no processo de conscientização da sua própria vida.

O homem, durante as suas relações sociais, por meio da objetivação e apropriação, forma o gênero humano, e, conforme for o estabelecimento da relação social, pode ser humanizador ou alienante. Pensar o indivíduo nesta relação dialética entre humanização leva-nos a outra categoria que é o indivíduo para-si e em-si. De acordo com Duarte (1999), a formação da individualidade tem início no em-si, ou seja, sem que haja uma relação consciente para com esta individualidade. O autor cita o exemplo da linguagem:

Citemos como exemplo o caso da linguagem. O indivíduo, quando criança, apropria-se da linguagem oral sem que seja necessária nenhuma forma de relação consciente com essa lin-guagem. No entanto, essa linguagem não deixa de assumir contornos individuais, ou seja, a forma como cada pessoa utiliza a linguagem não é totalmente igual à forma de nenhuma outra pessoa. O mesmo vai se dando com as características da personalidade do indivíduo. Não necessariamente o indivíduo mantém uma relação consciente com essas característi-cas. Ele simplesmente “é assim”. Trata- se, nesse caso, da formação da individualidade em-si, de uma individualidade espontânea, entendendo-se por espontâneo tudo aquilo que não é acompanhado de reflexão, de uma relação consciente (Duarte, 1999, p. 27).

Corroborando com Heller (1977), Duarte (1999) entende que não há nenhum problema se a formação do indivíduo começar no plano da individualidade em-si. De acordo com o autor, o problema existe, quando em toda a sua existência, o indivíduo não supera este plano e sua individualidade imobiliza-se enquanto indivíduo em-si, o que consequentemente conduz a individualidade em-si alienada. O fato é que a característica do em-si destas categorias não quer dizer algo absoluto, do em-si ser sempre alienante: “Frisamos que não se trata de identificar o âmbito do em-si com a alienação, esta existe quando toda a vida do indivíduo não ultrapassa esse âmbito” (DUARTE, 1999, p. 27).

A teoria da formação do indivíduo proposta por Duarte (1999) tem como princípio básico que o indivíduo só se desenvolve plenamente, quando ele, a partir da individualidade em-si, forma sua individualidade para-si; ou seja, quando o indivíduo, no processo de apropriação e objetivação, busca superar as formas de alienação do gênero humano na sua interação com o meio social. Este indivíduo é caracterizado no referencial da Pedagogia Histórico-Crítica, como indivíduo para-si.

Duarte (1999) salienta que este sistema inicial de categorias não constitui por si mesmo uma teoria da formação do indivíduo, mas é uma reflexão que auxilia para estabelecer as bases que propiciam a construção desta teoria. Entendemos que estas categorias podem subsidiar uma análise do processo e humanização na formação do gênero humano, na abordagem histórico-crítica da produção da liga de alumínio; desde que se elabore uma reflexão que explicite as formas de alienação, bem como formas de superação, em busca da formação de uma individualidade para-si libertadora, no processo educativo da educação em ciências.

Nesse sentido, fundamentados na teoria da Pedagogia Histórico-Crítica utilizaremos os cinco momentos propostos por Gasparin (2012) que são: Prática Social Inicial, Problematização, Instrumentalização, Catarse e Prática Social Final. Mostraremos, na seção seguinte, como cada um destes momentos pode ser utilizado no ensino sobre a questão do alumínio e ainda apontaremos como as categorias apropriação, objetivação e indivíduo em-si e para-si estão relacionadas, mostrando os limites e desafios associados a cada um deles. Portanto, as quatro categorias mencionadas anteriormente serão discutidas de maneira articulada aos cinco momentos propostos pela Pedagogia Histórico-Crítica.

Contribuições da Pedagogia Histórico-Crítica para o Ensino do Conteúdo Alumínio

O ensino do tema alumínio pode ser entendido na perspectiva da PHC, porque permite abordar as necessidades que determinaram as condições materiais da existência humana (Saviani, 1984), ou seja, da prática histórica e seu processo de estruturação do conhecimento clássico que, por exemplo, se manifesta na linguagem. Nesse sentido, a estratégia adotada, por este trabalho, parte da linguagem comum a alunos e professor sobre a temática, contidas no universo de vivência de ambos.

Indo além, é necessário recuperar a problematicidade do tema, portanto, da linguagem, como salienta Saviani (1989), daquela comunidade envolvida com a produção e/ou utilização do alumínio. Os problemas econômicos, sociais, ambientais, tecnológicos e científicos em que vivem os envolvidos, ou seja, trabalhar uma questão, em que a resposta se desconhece e se necessita conhecer para que no contexto da sua própria existência o homem seja capaz de continuar existindo.

Daí, dentro de um determinado contexto, acreditamos ser necessário, tanto para professor quanto para alunos, o conhecimento da relação “dialética entre o trabalho material e não material” (Saviani, 1991). Parte-se da realidade, a fim de compreender, num processo contínuo, as relações globais e suas interferências locais, na contínua busca de uma apropriação e objetivação para-si do saber produzido (a produção de alumínio, até então, um saber em-si) ao longo da história e suas consequências econômicas, ambientais e sociais. Assim, a sequência didática é apresentada como uma alternativa para o ensino de um determinado conteúdo, alumínio, numa perspectiva de pedagogia progressista, que tem por finalidade desenvolver a emancipação dos indivíduos e coletivos. Tais elementos estão presentes na proposta de Gasparin (2012) que tem cinco momentos para o desenvolvimento de um conteúdo, segundo os pressupostos da Pedagogia Histórico-Crítica, são eles: Prática Social Inicial, Problematização, Instrumentalização, Catarse, Prática Social Final. Cabe aqui salientar que os cinco momentos estão alicerçados com a finalidade de se buscar uma objetivação e apropriação para-si, com vistas à formação de indivíduos para-si críticos, autônomos, capazes de realizar a transformação social.

Prática Social Inicial:

Na PHC, a prática social é comum ao professor e alunos; parte-se dos conhecimentos prévios dos alunos e do professor (que estão em diferentes níveis) sobre o tema a ser ensinado. De acordo com (Gasparin 2012 , a prática social inicial é sempre uma contextualização do conteúdo, um momento de conscientização do que ocorre na sociedade em relação àquele tópico a ser trabalhado. O professor toma conhecimento do ponto em que deve iniciar sua ação e o que falta ao aluno para atingir os objetivos inicialmente estabelecidos, ou seja, o conhecimento clássico para-si. Esse primeiro momento poder ser realizado de duas maneiras: 1) apresentação dos conteúdos e seus objetivos de aprendizagem, que destaca a objetivação e apropriação para-si; 2) valorização da vivência cotidiana dos conteúdos dos alunos, ou seja, levantar e considerar suas concepções e desejos de conhecimento associados à objetivação e apropriação em-si. O quadro 1 apresenta a fase inicial:

Quadro 1 Contato inicial com o tema Alumínio. 

Apresentação dos Conteúdos Consiste na seleção e no contato inicial com o conhecimento científico, que debe ser ensinado e apropriado pelos estudantes. Neste primeiro quesito, os objetivos devem ser apresentados em conjunto com cada conteúdo.
Anúncio dos conteúdos Unidade, tópicos e objetivos. Unidade: Alumínio Objetivo geral: Compreender a origem, as propriedades, a obtenção e as aplicações do alumínio em suas diversas dimensões, a fim de adquirir uma consciência crítica sobre o tema, assumindo o compromisso efetivo de seu uso social crítico.
Tópicos e objetivos específicos
I- O que é o Alumínio Objetivo específico: Conceituar cientificamente o alumínio como um elemento natural e socioeconômico. Além disso, diferenciá-lo de outros metais utilizados na vida cotidiana das pessoas.
II- Propriedades Físicas e Químicas do Alumínio Objetivo específico: Identificar os processos de obtenção do alumínio, bem como suas propriedades Físico-Químicas e o uso técnico científico em benefício do homem.
III- Importância do Alumínio para as pessoas e para a economia Objetivo específico: Descrever a importância do alumínio na vida das pessoas, bem como o seu ciclo econômico.
IV- Reciclagem do Alumínio Objetivo específico: Discutir a relação na cadeia de reciclagem dos produtos oriundos do alumínio do ponto de vista socioeconômico, desde a sua produção, consumo, coleta por meio de catadores e sucateiros até o seu retorno para a indústria de reciclagem.
Vivência Cotidiana dos Conteúdos É o momento da contextualização do conteúdo a ser estudado, procurando aguçar a consciência crítica sobre o que ocorre na sociedade em relação ao alumínio. São os saberes individuais e coletivos do conteúdo social que passam a ser reconstruídos pelo aluno de forma sistematizada (Gasparin, 2012, p.27). Nesse sentido, o professor inicialmente identifica as concepções iniciais dos alunos, ou seja, aquilo que já conhecem (objetivação e apropriação em-si). Isso pode ser feito por meio de questionamentos relacionados à lista de tópicos do programa. Neste caso, tópicos ligados ao alumínio no cotidiano do grupo social em foco. Seguem algumas sugestões de questões: O que é o alumínio? Como é obtido? Quais os principais agravantes da exploração do alumínio ao meio ambiente? Onde o alumínio é empregado? O que é feito com os materiais de alumínio após sua utilização? Quais as vantagens da reciclagem do alumínio?

Fonte: os autores.

Essas questões iniciais presentes no quadro 1 foram propostas com o objetivo de instigar os estudantes a pensarem os conteúdos de maneira contextualizada com a realidade social. Fazendo uma leitura, a partir dos pressupostos da Pedagogia Histórico-Crítica, não basta o conhecimento do que é o Alumínio e suas formas de obtenção, é necessário também refletir sobre os impactos sociais e ambientais da exploração da matéria-prima até a reciclagem e seus limites considerando a pedagogia dos 3 Rs. Desta maneira, as perguntas elencadas anteriormente visam o conhecimento do ciclo completo do Alumínio, desde sua origem até seu destino final, para um novo começo.

Um detalhe importante no levantamento é que os tópicos e as questões elaboradas não precisam ter uma ordem, é natural o surgimento desordenado, espontâneo. É importante também que o professor, ao saber das concepções dos estudantes, aceite-as sem julgamentos depreciativos. Tal atitude motiva os estudantes a participarem da busca de soluções para os problemas apontados pela prática social.

Na outra fase da vivência dos estudantes é recomendável ao professor explorar o que os alunos gostariam de saber a mais, ou seja, em várias situações, eles poderão, por meio de orientação exporem seus interesses em aspectos que ainda não foram apontados e que gostariam de aprofundar, ou, conhecer melhor. É possível que apareçam questões do tipo: Como se dá o processo de obtenção do alumínio? Por que alguns dos utensílios domésticos são feitos de alumínio? As latinhas de alumínio recicladas são de confiança?

Um ponto importante a destacar é que a Prática Social Inicial não é uma motivação que é realizada no início da prática educacional de uma unidade, e, posteriormente, esquecida, na medida em que os demais momentos da aprendizagem vão acontecendo. A ideia da Prática Social Inicial é ser uma contextualização da temática escolhida para o ensino, que permita a compreensão do que pensam e fazem os alunos em relação à mesma. Neste sentido, quando necessário, deve ser retomada em cada uma das outras fases da metodologia.

Problematização

A Prática Social Inicial, primeira fase da prática pedagógica, significa ver a realidade e tomar consciência de como se situa no seu todo e seus vínculos com o conteúdo que será desenvolvido no processo. A problematização tem como finalidade selecionar e discutir as principais questões levantadas na Prática Social Inicial a respeito de determinado conteúdo.

De acordo com Saviani (1999), a escolha das questões deve ir de encontro a grandes problemas que desafiam a sociedade que precisam ser resolvidos no âmbito da prática social que, por sua vez, permite identificar os conhecimentos necessários a dominar, confrontado o conteúdo escolar com a prática social. Uma observação importante: tal dinâmica possibilita que a escola tenha uma prática social crítica e significativa e não repetitiva e estática, promovendo sobre si alterações que são, em muitos casos, pretendidas que os alunos façam além dos muros escolares, ou seja, no seu contexto vivencial social mais amplo.

Assim, de acordo com Gasparin (2012, p. 43-44), na fase da problematização, temos duas tarefas principais: “a) identificação e discussão sobre os principais problemas postos pela prática social e pelo conteúdo; b) transformação do conteúdo e dos desafios da prática social inicial em questões problematizadoras/desafiadoras”. Para subsidiar o professor nessa tarefa, ele poderá utilizar como norte os textos produzidos na seção 2 e subseção 2.1 do presente trabalho. Vejamos:

  • a) Questionamento da prática social e do conteúdo

  • Na realização desse momento com relação ao alumínio, o professor pode propor questões controversas, tais como: Como a reciclagem do alumínio é considerada pelas diversas classes sociais em suas dimensões econômica, social e ambiental? A poluição advinda do uso do alumínio é resultado do progresso econômico? Quais os usos sociais do alumínio, no estado sólido, líquido e gasoso? Algumas instituições públicas e privadas recomendam que se recicle o alumínio, enquanto a maioria das empresas quer vender bastante para obter lucro. Como entender esta problemática?

  • b) Transformação do conteúdo e dos desafios da prática social inicial em questões problematizadoras nas seguintes dimensões3:

  • Científica/Conceitual/Tecnológica: O que é o alumínio? Qual o seu processo de obtenção? Quais são as suas propriedades físico-químicas? Por que existe um limite de exploração do alumínio? Esse limite é diferente dos outros metais? Qual a importância da reciclagem dos produtos de alumínio?

  • Cultural: Como a reciclagem dos objetos de alumínio é entendida e praticada?

  • Histórica: Como foi o desenvolvimento do processo de obtenção do alumínio? Desde quando a humanidade utiliza o alumínio?

  • Econômica: Qual é o tamanho da ajuda que a reciclagem da lata de alumínio proporciona ao meio ambiente? Qual é o tamanho da redução da mineração de bauxita e da minimização do espaço nos depósitos de lixo? Por que o alumínio se tornou o ícone da reciclagem? Esse índice foi conquistado às custas de conscientização ecológica, ainda que enganadora, ou econômica? Que tipo de motivação induz indivíduos a reciclarem as latas de alumínio? Quais são as vantagens econômicas para as indústrias no processo de reciclagem do alumínio?

  • Social: Como sensibilizar a população a evitar o consumo excessivo dos produtos de alumínio? Como sensibilizar a população que somente o processo de reciclagem não é suficiente? Quem são os maiores beneficiários desse processo? O processo de reciclagem do alumínio gera emprego digno?

  • Política: Quais são as medidas tomadas pelo governo e pelas empresas privadas para diminuir o impacto ambiental da exploração do alumínio? Quais são as políticas públicas e privadas para a profissionalização do catador e do sucateiro na cadeia de reciclagem do alumínio?

Instrumentalização

É a fase em que ocorre a apropriação dos instrumentos teóricos e práticos necessários para organizar e/ou resolver, ainda que teoricamente, as questões sociais que desafiam o professor, os alunos e a sociedade. De acordo com Saviani (1999), esta aprendizagem não é neutra, mas política e ideológica direcionada intencionalmente às classes trabalhadoras. Nessa etapa da prática pedagógica:

  1. Em sentido prático, retomam-se os conteúdos e a cada tópico ou subtópico anunciado na Prática Social Inicial, especificamse os objetivos, os processos metodológicos, as dimensões e os recursos que serão utilizados para a efetiva incorporação dos conteúdos, não apenas como exercício mental, mas como uma necessidade social.

  2. Esta fase torna-se possível com as ações didático-pedagógicas, docentes e discentes, como já foi visto, para a (re)construção do conhecimento mediante a apresentação sistemática do conteúdo científico, em comparação com o conhecimento cotidiano. É o exercício didático da relação sujeito-objeto, concretizando a teoria do conhecimento.

  3. Cada tópico do conteúdo deve responder às questões que a partir dele foram levantadas, na Problematização, ao serem apresentadas suas diversas dimensões.

  4. O trabalho consiste em confrontar a dinâmica social, em suas diversas faces, com o conteúdo elaborado historicamente, a fim de que os educandos se apropriem desse conhecimento tornando-o seu e transformando-o em um instrumento de sua nova ação social (Gasparin, 2012, p. 119-120).

Para atender essas indicações, professor e alunos poderão realizar entrevistas com os catadores de reciclado, entrar em contato com os SAC (Serviço de Atendimento ao Cliente), elaborar estudo dirigido, realizar visitas a lixões ou aterros sanitários, implementar a coleta seletiva na escola e/ou em casa. Para subsidiar a prática didática nesta fase, o professor poderá utilizar os textos produzidos na seção 2 e subseção 2.1.

Catarse

Nessa fase, o educando entende o porquê das questões sociais postas na Prática Social Inicial, na Problematização e na Instrumentalização utilizando os conteúdos vinculados à temática de maneira a realizar uma aprendizagem mais significativa, ou, dito de outra forma, ressituando o conteúdo e a prática transformadora em uma nova totalidade social. Enquanto na fase de instrumentalização, o foco é a análise, na Catarse é a síntese, ou seja, é o momento da efetiva aprendizagem pautada pelas questões problematizadoras, mas que também pode ocorrer nas outras fases (Gasparin, 2012).

Por síntese é entendido o estabelecimento da conexão crítica entre o conhecimento prévio (Prática Social Inicial e Problematização) e o conhecimento historicamente construído (Instrumentalização), no qual indica uma mudança de postura dos estudantes no processo de Apropriação em-si para o para-si.

A forma dos estudantes exprimirem de forma prática a nova síntese pode ser feita de várias maneiras. A primeira, pela produção de um texto, do novo conceito sobre o consumo de alumínio e seus produtos do ponto de vista científico, histórico, econômico, político e social. A segunda por meio de questões que explicitam as dimensões estudadas na Problematização e na Instrumentalização.

Nesse processo, o professor ocupa o papel de mediador na elaboração mental da nova síntese pelos estudantes. Ele tem papel auxiliar na promoção da articulação entre as ideias e práticas dos estudantes e os propósitos do objetivo geral da unidade estudada, dos objetivos específicos das subunidades, bem como das dimensões dos conteúdos que foram abordados anteriormente, principalmente na problematização. Em relação ao conteúdo alumínio, o aluno evidenciará que conseguiu se apropriar dos conhecimentos estudados, à medida que sua síntese contiver elementos discutidos na seção 2 e subseção 2.1 deste trabalho.

Prática Social Final do Conteúdo

Essa fase representa a transposição do entendimento teórico das outras fases, sobretudo a Catarse, para ações de cunho social. A prática social final é o sinal mais forte de que de fato o estudante se apropriou do conteúdo, aprendeu e por isso o aplica (Gasparin, 2012). Neste sentido, o estudante é desafiado a pôr em prática, numa determinada direção política, os conhecimentos construídos na escola. Assim, temos uma proposta de ação que tem como base o conteúdo estudado. O procedimento prático pode ser caracterizado tanto por ações intelectuais, manuais, físicas quanto a trabalhos de ordem social, política e econômica, considerando a dialeticidade da realidade local e global dos sujeitos.

No caso do alumínio, os estudantes anunciam, num primeiro momento, suas intenções de ação com base no estudo realizado. No segundo momento, diretamente relacionado ao primeiro, expressam quais ações poderão ser desenvolvidas. Vejamos um exemplo, de como poderia ser com o tema alumínio no quadro 2:

Quadro 2 Intenções do Professor e dos Alunos e Compromisso de Ação local e global. 

Intenções Proposta de Ação
1-Diminuir o consumo de produtos de Alumínio no contexto social local. Não só reciclar, mas também reutilizar e reduzir o uso de produtos fabricados por meio do alumínio.
2-Aprender mais sobre o alumínio. Fazer leituras sobre o tema do ponto de vista histórico, científico e socioeconômico
3- Conhecer e atuar junto às empresas e órgãos públicos ligados ao processo produtivo que utilizam o alumínio. Entender o processo de uso do alumínio, segundo suas características físico-químicas pelas empresas e propor formas de redução no uso do alumínio, sem esquecer de apontar os impactos que seu uso causa no meio ambiente e na sociedade;
4- Conhecer as empresas de reciclagem da região onde mora e do país. Entender o processo de reciclagem do alumínio, bem como as vantagens econômicas das empresas e as ações do cidadão ao fazer a coleta seletiva do lixo;
5- Aprofundar os conhecimentos sobre a cadeia econômica da reciclagem. Buscar junto aos órgãos competentes, como câmara dos vereadores da cidade, Ministério do Trabalho formas de valorizar o catador e o sucateiro na cadeia de reciclagem do alumínio, ou seja, compreender e atuar no contexto social em que tais agentes desenvolvem suas ações.

Fonte: os autores.

Ao fim desse processo, o professor e os estudantes fazem uma análise da aprendizagem destacando aspectos positivos e negativos, tendo em vista, a possibilidade de avançarem no processo de leitura da realidade envolvendo o alumínio e, quem sabe, instaurando uma nova problemática.

É importante mencionar que a proposta da Sequência Didática trabalhada neste estudo está voltada para o Ensino Médio, devido à complexidade de alguns conceitos apresentados e discutidos. No entanto, um professor pode adequá-la para o Ensino Fundamental, ao fazer uma seleção adequada dos conteúdos a serem abordados, tendo como pressupostos iniciais as questões sociais envolvidas nos diferentes contextos. Pois, para Gasparin (2012), as questões sociais precedem a seleção de conteúdos escolares.

Assim, o Contexto social é importante, pois é nele e sobre ele que ocorrem, principalmente, as primeiras elaborações de senso comum, por parte das pessoas, muito antes do que aquelas realizadas de forma sistemática no contexto escolar. Neste sentido, é importante explicitar tais elaborações desde a prática social inicial até a prática social final tendo em vista a construção de novas elaborações e ações, mais críticas e sistemáticas.

Além, é claro, de destacar o papel motivador que estas elaborações com o tema alumínio podem promover nos alunos ao servirem de base para as reflexões no e para além do contexto escolar.

A Pedagogia Histórico-Crítica valoriza a interação em sala de aula dos estudantes, as suas concepções informais e a participação contínua nos cinco momentos da Sequência Didática. Entretanto, é importante que durante todo o processo de ensino-aprendizagem, o docente preste atenção à qualidade dos argumentos dos estudantes para que os objetivos almejados sejam alcançados. As discussões podem ser iniciadas com diálogos mais informais, mas à medida que o conhecimento científico e seu complexo movimento histórico social de construção e transformação for abordado é esperado que as falas sejam mais fundamentadas pelos conteúdos estudados. Não apenas as falas, pois as atividades escritas e as ações também precisam ser observadas atentamente.

Considerações Finais

A aprendizagem dos estudantes e professores sobre os princípios físico-químicos que caracterizam as propriedades do alumínio, no processo ensino-aprendizagem, não dá conta de subsidiar uma formação crítica sobre a construção da ciência, sob o ponto de vista histórico-social e político. Desta forma, este tipo de abordagem é uma apropriação e objetivação para-si alienada, pois é feita uma descrição interna dos elementos experimentais e racionalistas da ciência esquecendo-se de uma abordagem mais crítica fundamentada em valores histórico-socioculturais, éticos, morais e políticos. Esta análise é corroborada por Giardinetto (1990), para quem apesar de ser necessária uma ação consciente para que haja a possibilidade de superação da alienação, dependendo da ação, ela ainda pode ser alienada:

A necessária ação consciente não significa a exclusão da alienação. Uma atividade cons-ciente pode ser também alienada. Enquanto atividade é atividade social no seio de relações sociais de dominação que geram alienação. Toda atividade é consciente, pois é humana, é dirigida por fins idealmente presentes na consciência. A questão é que essa atividade consciente pode apontar para a humanização do indivíduo ou para a perpetuação da sua alienação. A formação do indivíduo pode apontar para sua humanização se sua individua-lidade cooptar as possibilidades historicamente produzidas de objetivação consciente, social, livre e universal. Do contrário pode apontar para sua crescente alienação (Giardinetto, 1990, p. 40).

Dessa forma, a abordagem, em sala de aula, com a explicitação somente os elementos lógicos do conhecimento, como as propriedades físico-químicas das ligas de alumínio, constitui um reducionismo epistemológico e sociológico no ensino de ciências, numa análise da PHC, pois é uma apropriação e objetivação do gênero humano alienante. Esta interpretação é corroborada por Autor 2, os quais acreditam que um ensino de conceitos científicos sem uma abordagem sociológica, cultural e política é uma apropriação para-si alienada do gênero humano. Para termos uma Apropriação e Objetivação para-si não alienante é necessária a busca da prática social e uma problematização que valorizem além dos elementos científicos, os históricos, econômicos e sociais como a discussão feita sobre o consumo e reciclagem dos produtos oriundos do alumínio, na subseção 2.1.

Dessa forma, as questões e atividades apresentadas, na sequência didática sobre o alumínio, permitem uma reflexão e apontam para ações que podem proporcionar uma ligação dialética entre o conhecimento científico estruturado das propriedades físico-químicas do elemento, atrelado ao conhecimento histórico, social e político em sala de aula. Isso contribui para uma problematização do conhecimento em uma perspectiva crítica, que possibilita a apropriação e objetivação para-si não alienada do ensino-aprendizagem do tema alumínio; cumpre-se mais uma parte de nossa proposta de uma metodologia de ensino na visão da PHC, com vistas à formação escolar de indivíduos para-si críticos.

Cabe, agora, salientar que os aspectos e objetivos propostos, inicialmente, só podem ser realmente alcançados, quando os princípios norteadores da PHC forem respeitados e servirem de estímulo para uma prática docente crítica, alicerçada pelos ideais políticos e pela competência técnica do agente transformador, que busca o rompimento com o atual modelo de sociedade injusta e desigual. Dito de outra forma, a proposta ora apresentada precisa sofrer apropriação e objetivação para-si por parte de seus leitores para que a mesma não seja algo alienante, ou seja, uma verdade absoluta. Portanto, é imperativo compreender que a apropriação e objetivação para-si crítica torna-se, num momento posterior, apropriação e objetivação para-si alienada, o que requer que a proposta passe por novo processo de construção histórico-dialética.

Referências

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1 O conceito de tema aqui adotado remete-se à concepção do materialismo histórico na perspectiva da PHC, pois é considerado sob múltiplos olhares, buscando compreender seu processo de construção histórica de produção e transformação, sem abrir mão do compromisso político de sua abordagem.

2A política ou Pedagogia dos 3 Rs recebeu essa nomenclatura debido à junção das iniciais das palavras Reduzir, Reutilizar e Reciclar, formando um slogan de grande eficácia pedagógica.

3A política ou Pedagogia dos 3 Rs recebeu essa nomenclatura devido à junção das iniciais das palavras Reduzir, Reutilizar e Reciclar, formando um slogan de grande eficácia pedagógica.

Recebido: 23 de Março de 2019; Aceito: 10 de Setembro de 2019

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