Introdução
A segurança pública tem ganhado relevância entre pesquisadores, imprensa, gestores públicos e na sociedade brasileira como um todo. Infelizmente, tal interesse deve-se a ocorrências de crimes cada vez mais constantes no cotidiano da população, com destaque para a incidência de crimes violentos, que apresentam efeitos negativos consideráveis, sejam físicos e/ou psicológicos. As estatísticas apontam que nos últimos anos o Brasil apresentou um aumento considerável nas taxas dessa categoria de crime, principalmente com o uso de armas de fogo. As vítimas de armas de fogo atingiram 44,861 pessoas em 2014, um crescimento de 415.1% se comparado ao ano de 1980 (8.710) (Waiselfisz, 2016).
Para Minas Gerais, as estatísticas acerca da evolução de crimes violentos, especialmente os homicídios, atravessaram momentos distintos, conforme a Figura 1. Entre 1980 e 1994, as taxas do crime no estado apresentaram declínio, de 8.7 para 6.7 homicídios a cada 100,000 habitantes, enquanto as taxas nacionais cresceram 81.5% (de 11.7 para 21.2 homicídios/100,000 habitantes). Já entre 1994 e 2004, as taxas estadual e nacional reaproximaram-se (22.6 e 27 homicídios por 100,000 habitantes, respectivamente). Em especial, pelo aumento da criminalidade na Região Metropolitana de Belo Horizonte, capital do Estado de Minas Gerais. Em um terceiro momento, de 2004 a 2010, houve uma redução de 20.1% nas taxas de homicídios mineiras, superior à redução do indicador nacional (-3.1%). Contudo, nos anos de 2011 a 2013 as taxas estaduais apresentaram novamente variações positivas, com ligeira estabilidade em 2014 (Waiselfisz, 2011; 2016).
As informações e estatísticas apresentadas extrapolam a análise dos crimes de homicídios, revelando a heterogeneidade da dinâmica da violência no estado, o que requer uma atenção especial no âmbito das políticas de combate e prevenção à violência, seja ela contra pessoa e/ou patrimônio. As dimensões geográficas e socioeconômicas de Minas Gerais ilustram a necessidade de um aprofundamento contínuo quanto à temática da segurança pública1. Minas Gerais, além de ser a quarta unidade da federação em extensão territorial, também se constitui no estado com maior número de municípios no país, 853, sendo, ainda, o segundo estado mais populoso, com quase 21,000,000 de habitantes (IBGE, 2016).
Dessa forma, questiona-se se essas heterogeneidades municipais exercem influências nos indicadores de criminalidade em Minas Gerais. É dentro desse contexto que o presente estudo pretende contribuir para o desenvolvimento de políticas de segurança pública, verificando em que magnitude, e relevância, as variáveis socioeconômicas e demográficas analisadas afetam as taxas de criminalidade e suas variações delituosas, nos municípios do Estado de Minas Gerais, no período de 2000 a 2014. Tais análises são realizadas através da modelagem econométrica de dados em painel, a principal contribuição deste trabalho, já empregada em estudos similares para outros países e para os estados brasileiros.
Além desta introdução, o artigo está estruturado em outras três seções e as conclusões. A próxima seção apresenta a relação entre a criminalidade e a ciência econômica e uma breve revisão de literatura. Na seção 2 faz-se uma exposição da metodologia utilizada, enquanto que a seção 3 contém os resultados da pesquisa. Por fim, são apresentadas as conclusões do estudo.
1. A economia e o crime
O aumento da criminalidade e a necessidade de investimentos crescentes em segurança têm direcionado a literatura econômica para a compreensão da complexidade da temática segurança pública. Não somente no caso brasileiro, mas a violência tem penalizado grande parte das economias em desenvolvimento2, em especial a classe economicamente produtiva, composta, principalmente, pela população entre 16 e 40 anos.
Além das perdas humanas ou de traumas físicos e psicológicos, a criminalidade está associada a altos custos econômicos, envolvendo gastos no tratamento de vítimas e prevenção da violência, bem como perdas de investimentos, que deixam de ser captados em função da existência de crimes e do envolvimento de muitos indivíduos nestes atos ilícitos. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2015), em 2013 a violência custou para o Brasil o equivalente a 5.4% do Produto Interno Produto (PIB), sendo metade desta proporção em custos diretos: dispêndios na área da saúde e sinistros patrimoniais; e a outra metade, correspondente aos custos indiretos: produtividade e investimento, trabalho e consumo, principalmente com a perda do capital humano.
1.1. Análise econômica da criminalidade
A criminalidade é um objeto de estudo multidisciplinar, envolvendo, desde o século XVIII, interpretações sociais, antropológicas, biológicas, psíquicas e ambientais. A partir da segunda metade da década de 1990, duas teorias ganharam destaque: de um lado associando a incidência de crimes a fatores de natureza econômica: privação de oportunidades, desigualdade social e marginalização; e de outro, à forma de agressão ao consenso moral e normativo da sociedade (Beato-Filho, 1998).
Na economia, Becker (1968) insere o indivíduo racional, movido por escolhas e pela tomada de decisões, como ponto central de sua análise, dando origem à denominada Economia do Crime. Entretanto, a abordagem da criminalidade pode ser compreendida em conceitos seminais da Teoria Econômica, como nos estudos de Adam Smith e Jeremy Bentham. Smith (1776) inclui a criminalidade em um contexto de oferta e demanda, em que o crime, e a busca de proteção contra ele, são motivados pela necessidade de manutenção de ativos. Já Bentham (1788) propõe um cálculo hedonístico como modo de revelar a propensão do homem a praticar um crime, ou seja, quando o retorno do crime é superior à força empregada para impedi-lo: custos e punições, o crime será cometido; caso contrário não será atentado.
Utilizando-se da noção de otimização promovida por Bentham (1788) -maximizar o prazer e minimizar o sofrimento- Becker (1968) insere o conceito de criminoso potencial, definindo que o ato criminoso ocorre devido às oportunidades observadas por qualquer indivíduo, contrapondo, assim, à teoria que relaciona a criminalidade estritamente aos transtornos psíquicos. Diante disso, é construído um modelo de otimização da função utilidade, considerando os possíveis retornos a serem obtidos no mercado lícito e no mercado ilícito. Ou seja, quanto maiores a renda obtida licitamente, a probabilidade do criminoso ser capturado e a punição, menor será a probabilidade de se cometer um crime. Assim, o ato criminoso é considerado uma avaliação racional dos benefícios e custos esperados, associados à alocação de tempo e às oportunidades nos mercados legal e criminoso3.
Nesse ínterim, o criminoso pode ser comparado a um empresário que assume riscos da atividade ilegal, direcionando recursos produtivos à atividade e podendo obter lucros ou prejuízos (Schaefer e Shikida, 2001). Dessa forma, Pereira e Fernandez (2000) consideram a especificação de uma curva de oferta de atividades delituosas, reconhecendo a criminalidade como uma atividade econômica.
A Economia do Crime, apesar de já consolidada na literatura econômica, ainda é limitada em sua estrutura teórica, principalmente por considerar a racionalidade e as relações econômicas como pilares irrestritos da atividade criminosa. Na busca de compreender a criminalidade, e os custos de oportunidade conexos, deve-se abarcar toda a conjuntura socioeconômica envolvida, baseada em estruturas educacionais, culturais, laborais, preventivas, institucionais, legais e distributivas. Nesse contexto, há linhas de pensamento que associam o aumento da criminalidade às próprias especificidades da sociedade capitalista, onde a centralização do capital e de avanços tecnológicos podem gerar ambientes sociais mais propensos à atividade criminosa pela via da degeneração moral (Pereira e Fernandez, 2000).
1.2. A criminalidade no Brasil e em Minas Gerais
A análise econômica da criminalidade no Brasil é recente e tem como principal barreira à disponibilidade de bases de dados consistentes e acessíveis, diferentemente de países como os Estados Unidos e países europeus, cuja problemática da Economia do Crime já está mais consolidada debido ampla base de dados temporal disponível e de fácil acesso a pesquisadores e gestores4.
Uma das linhas de pesquisa, que pode ser destacada nos estudos brasileiros sobre o tema, são os determinantes econômicos da criminalidade no país. Cerqueira e Lobão (2004) buscaram relacionar os arcabouços teóricos e empíricos sobre os determinantes do crime; Kume (2004) fez uso de dados longitudinais para determinar as variáveis mais importantes da criminalidade brasileira nas décadas de 1980 e 1990, Santos e Kassouf (2007) analisaram, em uma perspectiva econômica, a relação existente entre o mercado de drogas e a criminalidade; e Santos (2009) e Sachsida et al. (2010) testaram e verificaram a hipótese da existência do efeito inércia nas taxas de crimes violentos letais e intencionais nos estados brasileiros. Em todos esses estudos observou-se a criminalidade como fenômeno complexo e multifacetado, apresentando, inclusive, divergências acerca da direção da relação de importantes determinantes da criminalidade (gastos com segurança, grau de urbanização e PIB, por exemplo). Contudo, a relação positiva entre desigualdade e criminalidade, e os efeitos benéficos da educação para reduzir a prática delituosa, são observados em todos os estudos.5
Regionalmente, Gomes e Paz (2008) e Gaulez e Maciel (2015) analisaram o Estado de São Paulo; Silva, et al. (2011) fizeram uso de análise fatorial para avaliar a Região Sudeste; Fernandez e Lobo (2005) aplicaram dados em painel para a Região Metropolitana de Salvador; Shikida et al. (2006) analisaram os determinantes do comportamento criminoso mediante uso ou não de arma de fogo, direcionada na prática do crime econômico no Estado do Paraná. Oliveira (2008) avaliou os determinantes para o Rio Grande do Sul. Dias (2016) analisou as relações entre índices de criminalidade e indicadores socioeconômicos nas regiões administrativas do Distrito Federal. De um modo geral, todos os trabalhos observaram relações significativas entre a criminalidade e fatores como a desigualdade de renda, o PIB per capita, o nível de escolaridade, o grau de urbanização e o crescimento do PIB.
Quanto à distribuição espacial da criminalidade no país, outra importante linha de análise no Brasil, os trabalhos apresentam objetivos e métodos bastante diversificados. Lemos et al. (2005) identificaram que a infraestrutura dos bairros de Aracaju (SE) é uma das principais causas para a ocorrência de crimes contra o patrimônio. Olivetti e Lombardo (2010) fizeram uso de geotecnologias para mapear o crime na cidade de Rio Claro (SP) e confirmar a discussão teórico-metodológica da espacialidade do crime. Sartoris-Neto (2011) estimou um modelo empírico espacial para três tipos de crime no município de São Paulo (homicídios, roubos e furtos de veículos), constatando diferenças importantes ao tratar de crimes contra a pessoa e contra a propriedade. Enquanto Antonello et al. (2004), Gomes (2009) e Costa e Freitas (2011)) analisaram e identificaram características específicas que diferenciam a criminalidade entre algumas regiões, com destaque para as questões centro-periferia. Por fim, Oliveira (2005) reuniu dois importantes focos da pesquisa de criminalidade, ao observar a relevância do tamanho das cidades na explicação do número de crimes e o papel da desigualdade de renda e da pobreza como fatores que potencializam esse fenômeno.
Na relação entre a criminalidade e Minas Gerais, Andrade e Lisboa (2000) focaram nas possíveis justificativas para o crescimento das taxas de homicídios, relacionadas, principalmente, à renda, ao emprego e à desigualdade; Beato-Filho e Reis (2000) relacionaram os crimes à desigualdade e ao desenvolvimento econômico. Araújo-Junior e Fajnzylber (2000) buscaram apresentar as tendências longitudinais e espaciais das taxas de crimes, no estado, mediante uma estimação econométrica dos determinantes das taxas de criminalidade nas microrregiões. Além deles, Almeida et al. (2005) examinaram o padrão espacial do crime, sugerindo que ele se distribui de modo não aleatório. Gonçalves et al. (2003) analisaram o comportamento das taxas de criminalidade ao longo do tempo a partir do método bayesiano, identificando maior criminalidade em regiões centrais.
Diante da literatura apresentada, verifica-se a importância da temática para a pesquisa em política pública e no direcionamento da tomada de decisão dos gestores públicos, tanto de forma nacional quanto descentralizada, visto que criminalidade é um fenômeno social extraclasses, que não apresenta limites geográficos e encontra-se espalhada por todo o país, em diferentes proporções. Nesse contexto, a análise municipal ganha destaque na identificação de estratégias locais e ao reforçar a importância dos municípios na redução da atividade delituosa.
2. Metodologia
2.1. Modelos para dados em painel
O modelo de dados em painel, analisado para os 853 municípios mineiros durante o período de 2000 a 2014, é utilizado devido ao ganho de unir dados cross-section e séries de tempo, identificando e incorporando a heterogeneidade existente entre os municípios mineiros.6
A análise de painel pode ser realizada para dois modelos básicos: (i) modelo de efeitos fixos e (ii) modelo de efeitos aleatórios. Em ambos, podese pensar em uma especificação estática ou dinâmica. Em uma abordagem moderna, os efeitos não observáveis7 são sempre tratados como variáveis aleatórias retiradas da população (Cameron e Trivedi, 2005). Nesse contexto, a questão chave na definição do modelo é se o efeito não observável é ou não correlacionado com as variáveis explicativas observadas. Se a correlação entre as variáveis explicativas observadas e o efeito não observável for zero, considera-se a utilização do modelo de efeitos aleatórios. Se, pelo contrário, o efeito não observável está sendo permitido correlacionar com as variáveis explicativas observadas, utiliza-se o modelo de efeitos fixos.
O teste proposto por Hausman (1978) utiliza a diferença entre os dois modelos (efeitos fixos e efeitos aleatórios) e sua hipótese nula se estabelece em que o modelo de efeitos aleatórios é o adequado. O teste verifica a existência de correlação entre os efeitos individuais e as diferentes variáveis explicativas. Ao proceder com o teste de Hausman, para a escolha entre os dois modelos, verifica-se a rejeição da hipótese nula, considerando, assim, a existência de correlação entre os efeitos individuais e as diferentes variáveis explicativas e definindo-se pelo estimador de efeitos fixos.
O modelo econométrico de efeitos fixos para as análises realizadas neste trabalho segue a seguinte especificação:
Em que CRIME é a taxa de crime; DENPOP: densidade populacional; POPURB: população urbana; POP1524: proporção da população com idade entre 15 e 24 anos; MORT: taxa de mortalidade padronizada; PI-BPC: Produto Interno Bruto per capita; ESCOLA: taxa de escolarização líquida do Ensino Médio; EMPFOR: taxa de emprego formal; RAZDE-PEND: razão de dependência; HABPOL: habitantes por policial militar; GASTOSEG: gasto per capita com segurança pública; GASTOAS: gasto per capita com atividades de assistência social e cidadania; C: efeitos não observados constantes no tempo; u: erros idiossincráticos.
O referido modelo é estimado para três tipos de crime, sendo as variáveis dependentes: a taxa de crimes de menor potencial ofensivo (CRMPO); a taxa de crimes contra o patrimônio (CRPAT); e a taxa de crimes contra a pessoa (CRPES).
A taxa de crimes violentos contra a pessoa é a razão entre o número de ocorrências registradas de crimes contra a pessoa (homicídio, homicídio tentado e estupro) e a população do município. A taxa de crimes violentos contra o patrimônio é definida pela razão entre o número de ocorrências registradas de crimes contra o patrimônio (roubo e roubo à mão armada) e a população do município. Já a taxa de crimes de menor potencial ofensivo é caracterizada pela razão entre o número de ocorrências registradas de crimes de menor potencial ofensivo (furto e substâncias entorpecentes)e a população do município. Todas as ocorrências foram categorizadas conforme determinado pelo Código Penal Brasileiro.
Os primeiros indicadores explicativos referem-se à estrutura populacional dos municípios estudados. São eles: (i) a densidade populacional do município, que indica a razão entre o número total de pessoas residentes no município e a sua área total, em habitantes/km2, de forma a relacionar o papel da concentração territorial na questão referente a criminalidade; (ii) o percentual de população urbana, que indica a proporção da população que vive em área urbana, para cada município, frequentemente citada na bibliografia sobre o tema, em que áreas urbanas seriam responsáveis por taxas de criminalidade superiores às encontradas nas zonas rurais; e (iii) proporção de jovens de 15 a 24 anos na população total do município, pois, segundo estudos a respeito da característica da criminalidade brasileira, a população que mais amplia sua relação com a criminalidade são os adolescentes.
Outro indicador é a taxa de mortalidade padronizada que é a razão entre o somatório dos óbitos esperados por faixa etária e a população total do município. Esse indicador é importante na identificação das condições de vida e de saúde da população local. Já o PIB per capita (PIBpc) indica o valor médio agregado por indivíduo, em moeda corrente e a preços de mercado, dos bens e serviços finais produzidos em cada município no período analisado. Tal indicador mede a produção do conjunto de setores da economia por habitante do município. Os valores do PIB municipal per capita, em reais, usados neste trabalho, foram deflacionados pelo deflator implícito do PIB nacional, para o último ano de análise (2014).
A taxa de escolarização líquida do Ensino Médio indica a razão entre o número de jovens de 15 a 17 anos matriculados no Ensino Médio e a população total desta faixa etária. Esse indicador tem relação direta com as oportunidades de trabalho e com o custo de oportunidade da atividade criminosa. Desse fato surge um novo indicador a ser analisado, o mercado de trabalho, via a taxa de emprego no setor formal, que tem relevância, pois deveria diminuir os incentivos para a prática de crimes.
Outra variável inserida neste trabalho é a denominada razão de dependência, que é a razão entre a população definida como economicamente dependente, nas faixas etárias de 14 anos ou menos e de 65 anos ou mais de idade, e a população definida como potencialmente produtiva, na faixa etária de 15 a 64 anos.
Quanto aos esforços públicos na redução da criminalidade municipal, são incluídas duas variáveis diretamente relacionadas à segurança pública, a saber: (i) média de cinco anos do gasto municipal per capita com segurança pública, mensurada em R$/habitante; e (ii) quantitativo de policiais militares no município em relação à população local, em habitantes/policial militar. Adicionalmente, de forma a relacionar a assistência social como fator redutor do processo de criminalidade, é incluída no modelo a variável gasto per capita com assistência social e cidadania, computada pela média de cinco anos, em R$/habitante.
Por fim, os modelos em painel assumem homocedasticidade do termo de erro e ausência de correlação serial.8 Assim deve-se ajustar os erros padrões utilizando erros robustos de forma a corrigir eventuais problemas de heterocedasticidade e correlação serial.
2.2. Base de dados
Todos os dados utilizados no presente estudo foram coletados do Índice Mineiro de Responsabilidade Social (IMRS) da Fundação João Pinheiro (FJP, 2015), que compila os dados de diversas fontes e naturezas. Os dados são relativos aos 853 municípios mineiros durante o período de 15 anos (2000 a 2014).
3. Resultados e discussão
3.1. Os efeitos dos indicadores municipais sobre a criminalidade
Ao estabelecer as associações entre fatores econômicos, sociais e demográficos e os indicadores de criminalidade, é possível compreender os determinantes da atividade delituosa, em suas diferentes formas, e direcionar os debates sobre o combate à criminalidade nos municípios mineiros.
Na estimação do modelo de dados em painel, utilizando a taxa de crimes de menor potencial ofensivo como variável dependente, são obtidos os coeficientes apresentados na Tabela 1 para as diferentes variáveis explicativas. A Tabela também apresenta o erro padrão de cada variável e o p-valor da estatística t, ambos já corrigidos para autocorrelação e heterocedasticidade.
Variáveis explicativas | Coeficiente | Erro Padrão | P > t |
---|---|---|---|
Densidade populacional | 0.389 | 0.446 | 0.383 |
População urbana | 10.816 | 1.092 | 0.000 |
População 15-24 anos | 23.664 | 8.437 | 0.005 |
Mortalidade padronizada | 20.520 | 5.385 | 0.000 |
PIB per capita | 0.001 | 0.001 | 0.713 |
Escolarização líquida EM | 0.150 | 0.774 | 0.846 |
Emprego formal | -3.303 | 1.588 | 0.038 |
Razão de dependência | -18.240 | 2.152 | 0.000 |
Habitantes/policial militar | 0.064 | 0.023 | 0.005 |
Gasto pc com segurança pública | -2.852 | 1.264 | 0.024 |
Gasto pc com assistência social | 0.220 | 0.111 | 0.048 |
Constante | 377.051 | 219.612 | 0.086 |
Prob > F | 0.0000 |
Fonte: resultados da pesquisa.
Diante dos resultados verificados, constata-se um resultado que vai de encontro à expectativa e à literatura da teoria do crime. No modelo apresentado, a variável gasto com assistência social relaciona-se positivamente, ao nível de 5% de significância, com a taxa do crime analisada, diferentemente da literatura que indica uma relação negativa entre assistência social e criminalidade (Benoit e Osborne, 1995; Zhang, 1997). Uma explicação para a relação positiva apresentada pode referir-se à ineficiência/insuficiência dos investimentos municipais em assistência social, ou a constatada ampliação das classes de média e alta rendas nos delitos de menor potencial ofensivo, principalmente consumo e comercialização de substâncias entorpecentes e porte ilegal de armas.
As variáveis: população urbana, população de 15 a 24 anos, mortalidade padronizada e habitantes por policial, também são consideradas estatisticamente significativas, e positivamente relacionadas com o quantitativo de crimes de menor potencial ofensivo. Os avanços da criminalidade nas estruturas urbanas são mais evidentes, devido às diferentes e variadas oportunidades que os centros urbanos dispõem, principalmente, para o público jovem.
Especificamente quanto às oportunidades ilícitas, a teoria já explica a relação entre crimes e risco de punição (Becker, 1968), o que justifica o coeficiente positivo e significativo da variável habitantes por policial militar. Ou seja, municípios em que a razão de policiais por habitantes é pequena, o criminoso tende a se sentir mais “seguro” no cometimento do delito, comparativamente a localidades que apresentam esta proporção elevada.
As condições de saúde e qualidade de vida, aqui mensuradas pela taxa de mortalidade padronizada, indicam que em localidades onde a mortalidade padronizada é maior, e consequentemente uma menor qualidade de vida, maior será o índice de crimes de menor potencial ofensivo. Tal resultado, ainda, pode ser um indicador que evidencia a relação desigualdade e criminalidade.
Por outro lado, as variáveis: emprego formal, razão de dependência e gasto per capita com segurança apresentaram resultados significativos, e garantidores, de menores níveis de crimes de menor potencial ofensivo. Os benefícios do emprego formal e a existência de entes que dependem do sustento do indivíduo economicamente ativo, além da ocupação temporal que estas atividades impõem, tendem a reduzir as motivações do mesmo para a prática do ato ilícito. Já quanto aos esforços públicos em segurança pública, observa-se que os investimentos diretos na segurança garantem estruturas municipais estatisticamente mais seguras. Adicionalmente a isso, a questão do quantitativo policial também reforça o papel do esforço público, visto a significância estatística da variável habitantes/ PM já explicada anteriormente.
Por fim, cabe destacar que a variável relativa à concentração populacional (densidade populacional), o PIB per capita municipal e a escolarização líquida não são significativas aos níveis de significância usuais. Apesar dessas variáveis serem indicadas teoricamente como variáveis relevantes na explicação dos índices de criminalidade em geral, acredita-se que os crimes de menor potencial ofensivo podem não ser influenciados por questões quantitativas, mas por aspectos qualitativos relacionados a essas variáveis (condições habitacionais, distribuição de renda e qualidade educacional)9.
A literatura econômica da criminalidade tende a explicar melhor os crimes patrimoniais, pelo fato da ideia da racionalidade dos agentes e de sua capacidade maximizadora. Na Tabela 2 é apresentado o resultado da estimação para os crimes contra o patrimônio, os p-valor das variáveis explicativas, bem como o teste F que valida a significância global da estimação ao nível estatístico de 1%.
Variáveis explicativas | Coeficiente | Erro Padrão | P > t |
---|---|---|---|
Densidade populacional | -0.625 | 0.035 | 0.000 |
População urbana | 0.299 | 0.094 | 0.001 |
População 15-24 anos | -0.446 | 0.651 | 0.493 |
Mortalidade padronizada | 0.666 | 0.429 | 0.121 |
PIB per capita | 0.001 | 0.000 | 0.024 |
Escolarização líquida EM | 0.199 | 0.061 | 0.001 |
Emprego formal | 0.919 | 0.127 | 0.000 |
Razão de dependência | -1.011 | 0.153 | 0.000 |
Habitantes/policial militar | 0.005 | 0.002 | 0.008 |
Gasto pc com segurança pública | -0.217 | 0.099 | 0.028 |
Gasto pc com assistência social | -0.010 | 0.009 | 0.289 |
Constante | 108.751 | 16.832 | 0.000 |
Prob > F | 0.0000 |
Fonte: resultados da pesquisa.
O resultado indica que as variáveis como densidade demográfica, população urbana, escolarização líquida, emprego formal, razão de dependência e habitantes por policial militar são estatisticamente significativas ao nível de 1%, enquanto o PIB per capita e o gasto per capita com segurança pública são estatisticamente significativos ao nível de 5%.
Contudo, nem todos os sinais são os inicialmente esperados.
De forma geral, crimes patrimoniais não violentos, como roubos, estariam mais associados a localidades com maiores concentrações populacionais e menores condições de acesso à educação e ao mercado de trabalho, o que é contrariado no modelo aqui apresentado. Uma explicação para a relação negativa apresentada com as variáveis demográficas pode referir-se ao fato dos indivíduos que cometem tal tipo de crime estarem deslocando-se para centros urbanos de cidades médias e pequenas. Quanto à relação positiva com as variáveis de educação e emprego, buscam-se justificativas nas questões qualitativas destes indicadores, não expressas no modelo, devido à ausência dessas informações. Contudo, ainda procuram-se explicações mais factíveis para tais relações.
Quanto a variável PIB per capita, observa-se que a mesma se relaciona positivamente com a taxa de crimes patrimoniais. Isso é esperado visto que tal estrutura criminosa busca ambientes onde o nível de renda seja superior (e concentrado), a fim de maximizar seus ganhos.
As variáveis razão de dependência, habitantes/policial militar e gasto per capita com segurança pública apresentam explicações semelhantes às expostas para o modelo de crimes de menor potencial ofensivo.
Diferente da criminalidade contra o patrimônio, a dificuldade de explicar os crimes contra a pessoa vem do fato da não racionalidade econômica dos agentes muitas vezes associada a esse tipo de criminalidade. Muitos crimes dessa categoria, normalmente, são cometidos em situações de forte impulso emocional, sustentados pela cultura de violência enraizada por estruturas sociais hierarquizadas (crimes de feminicídio e homofobia, por exemplo). A Tabela 3 apresenta informações importantes na explicação de quais variáveis relacionam-se estatisticamente com as taxas de crimes contra a pessoa e em que proporções.
Variáveis explicativas | Coeficiente | Erro Padrão | P > t |
---|---|---|---|
Densidade populacional | -0.016 | 0.024 | 0.495 |
População urbana | -0.043 | 0.064 | 0.500 |
População 15-24 anos | 2.492 | 0.442 | 0.000 |
Mortalidade padronizada | 1.005 | 0.291 | 0.001 |
PIB per capita | 0.001 | 0.000 | 0.398 |
Escolarização líquida EM | -0.089 | 0.041 | 0.032 |
Emprego formal | 0.358 | 0.086 | 0.000 |
Razão de dependência | -1.059 | 0.104 | 0.000 |
Habitantes/policial militar | -0.002 | 0.001 | 0.104 |
Gasto pc com segurança pública | -0.010 | 0.067 | 0.880 |
Gasto pc com assistência social | -0.012 | 0.006 | 0.065 |
Constante | 44787 | 11.421 | 0.000 |
Prob > F | 0.0000 |
Fonte: resultados da pesquisa
Observa-se que as variáveis população de 15 a 24 anos, mortalidade padronizada, escolarização líquida, emprego formal e razão de dependência foram estatisticamente significativas a pelo menos 5%. A relação positiva da proporção de população entre 15 e 24 anos e a taxa de criminalidade contra a pessoa reafirma a difícil realidade da participação cada vez mais precoce na criminalidade, tanto como vítimas, quanto criminosos. A relação positiva entre a variável mortalidade padronizada -que representa, de forma simplificada, o impacto das estruturas sociais e a garantia de uma dada qualidade de vida- e a taxa de crimes contra a pessoa, pode evidenciar certa importância da estrutura social no combate a ação criminosa, além de apresentar que em municípios com menores taxas de crimes contra a pessoa, maiores são as expectativas de vida, em média. A educação também reforça a questão social, mantendo uma relação negativa com a variável explicada em questão. Ademais, a variável emprego formal apresenta, novamente, direção distinta da esperada, sem que isso tenha alguma explicação efetiva.
Verifica-se, ainda, que as variáveis demográficas, o PIB per capita e os esforços públicos em segurança não foram significativos. Esse resultado pode corroborar com a percepção da teoria econômica do crime, que parte da maximização da utilidade por parte dos agentes e de sua atitude racional, sendo que o crime contra a pessoa, normalmente, não é provido dessas características e, dessa forma, as variáveis supracitadas não tiveram um poder explicativo estatisticamente significante.
Contudo, um fato relevante é a significância estatística, ao nível de 10%, da variável gasto per capita com assistência social, que indica possível efeito benéfico das políticas de proteção social especial no combate ao crime violento contra a pessoa.
A discussão até então realizada se concentrou em análises estatísticas e teóricas sobre as variáveis que são diretamente observáveis. No entanto, a estimação do modelo de dados em painel com efeitos fixos possibilita, ainda, incluir no debate a existência de efeitos não observados, estáveis no tempo, para cada município. Tais características individuais podem relacionar-se de duas diferentes formas com as taxas de criminalidade estudadas. Se o valor relativo ao coeficiente da dummy de efeitos não observados constantes no tempo de um dado município (Ci) for maior que zero, considera-se que as características municipais relacionam-se positivamente com as taxas de criminalidade deste município; caso seja um valor menor que zero, a relação entre efeitos fixos no tempo e criminalidade é inversa.
Na análise dos efeitos fixos para crimes contra o patrimônio (Anexo A), há indícios que os municípios com valores positivos para encontram-se no entorno de municípios de maior atividade econômica em suas respectivas regiões (Belo Horizonte, Juiz de Fora, Ipatinga, Montes Claros e Uberlândia, por exemplo). Tal resultado reforça o argumento de que características econômicas não incluídas no modelo, mas presentes nos municípios de forma permanente, influenciam nas taxas de criminalidade contra o patrimônio. Quando analisam-se os efeitos fixos do modelo de regressão para a taxa de crimes contra a pessoa, observa-se que os municípios com características municipais e taxa de criminalidade positivamente relacionadas encontram-se nas regiões menos desenvolvidas do estado e com elevadas desigualdades sociais (os vales do Jequitinhonha e Mucuri e as zonas Norte e Leste de Minas Gerais). De forma distinta dos crimes citados, para o de menor potencial ofensivo não é possível traçar, de forma evidente, uma relação entre as características municipais e a criminalidade, mesmo se destacando alguns agrupamentos de municípios com valores positivos e negativos de.
Os resultados alcançados indicam construções estatísticas distintas entre os crimes analisados, identificando variáveis relevantes diferentes e que reforçam que a criminalidade é uma estrutura consideravelmente complexa e que não é alicerçada em padrões determinantes.
Conclusões
O presente trabalho buscou analisar os determinantes da criminalidade apresentada pelos 853 municípios do Estado de Minas Gerais no período de 2000 a 2014. O objetivo foi entender a relação entre as taxas de criminalidade e alguns indicadores socioeconômicos e demográficos apresentados pelos municípios no período analisado. Nesse sentido, o trabalho realizou suas análises direcionadas a três diferentes taxas de criminalidade, crimes contra a pessoa, crimes contra o patrimônio e crimes de menor potencial ofensivo, por município, no período de 15 anos. As análises econométricas partiram de dados longitudinais estimados por efeitos fixos.
A análise da criminalidade de menor potencial ofensivo indica a importância da repressão policial, e consequentemente dos investimentos em segurança, principalmente nas regiões mais urbanizadas. Os investimentos em prevenção também devem privilegiar os jovens que, estatisticamente, apresentam maior exposição ao mercado de substâncias entorpecentes e ao acometimento de pequenos delitos inerentes ao consumo de drogas. Além disso, a falta de oportunidades no mercado de trabalho pode estar contribuindo para o agravamento da criminalidade em Minas Gerais, fazendo com que os indivíduos vulneráveis estejam encontrando na atividade criminosa a oportunidade para a obtenção de recursos para sustento próprio e familiar. Apesar dos fatores quantitativos relativos à educação, renda e assistência social não apresentarem significância estatística (ou apresentarem resultado inverso ao esperado), é importante verificar e corrigir as possíveis ineficiências nas políticas educacionais e assistencialistas, privilegiando os aspectos qualitativos destas políticas.
No caso dos crimes contra o patrimônio, os resultados confirmaram o direcionamento deste tipo de ato ilícito aos centros urbanos de pequenos e médios municípios, que normalmente apresentam estruturas de segurança pública inferiores aos grandes centros. Já os resultados inesperados relativos às variáveis educação e trabalho, podem propor que a criminalidade violenta contra o patrimônio não é explicada pela falta de acesso a essas oportunidades (educação e trabalho), mas sim aos baixos retornos inerentes ao mercado de trabalho formal. Apesar das tentativas, não foi encontrada explicação efetiva para tais resultados, o que requer ampliação da base de informações qualitativas, ainda inexistentes no tempo e espaço abarcados neste estudo.
Ao analisar os delitos contra a pessoa, a não significância estatística das variáveis demográficas e econômicas reforçam os caráteres emocional e patológico, envolvidos em parte dos crimes de homicídio (consumado e tentado) e estupro. Contudo, as estruturas sociais (saúde, educação e assistência social) podem alicerçar as políticas de combate à criminalidade contra a integridade do indivíduo, principalmente envolvendo a juventude mineira.
Dessa forma, os resultados aqui apresentados tornamse importantes, pois sugerem que as políticas de enfrentamento à criminalidade devem apresentar frentes distintas, mas convergentes, além de serem conjugadas com outras políticas públicas relacionadas à educação e assistência social. As políticas de escola em tempo integral, integração ensino e esporte, capacitação técnica e ampliação dos serviços socioassistenciais (CRAS e CREAS,10 por exemplo) são importantes exemplos de serviços que melhoram a qualidade de vida, principalmente à população em vulnerabilidade socioeconômica, e contribuem para a redução da criminalidade no Estado de Minas Gerais. Mais eficiente do que o combate ostensivo entre policiais e criminosos é o combate aos incentivos gerados pela criminalidade.
Apesar da proposição de políticas públicas de segurança, educação e assistências serem consideradas fundamentais na adequada gestão de segurança dos municípios mineiros, deve-se observar como as características municipais influenciam na ocorrência das diferentes formas de violência. Dessa forma, políticas nacionais e estaduais de segurança pública devem ser conjugadas com propostas de programas focais, principalmente os referentes ao combate à pobreza, ao desemprego e à desigualdade de renda. Temse, portanto, que as heterogeneidades municipais demandam políticas específicas, que geram grande desafio a gestores públicos, pesquisadores e especialistas em segurança pública.
É importante ressaltar que os resultados deste trabalho devem ser analisados com cautela em função da não presença de dados considerados importantes ao estudo, como índices de distribuição de renda e outros fatores relacionados diretamente à qualidade de vida, dados esses não existentes nos espaços e no tempo estudados. A subnotificação de algumas atividades delituosas, principalmente furtos e estupros, também pode influenciar nas estimações realizadas. Ademais, apesar das características heterogêneas de Minas Gerais, semelhante à estrutura nacional, os resultados não podem ser extrapolados para outras dinâmicas estaduais, sendo necessárias novas pesquisas em outros estados da federação, revelando um importante objeto para pesquisas futuras.