1. Introdução
No quadro das orientações curriculares internacionais para o ensino da Matemática tem vindo a afirmar-se cada vez mais o valor de uma abordagem exploratória no ensino da Matemática (Ponte, 2005) na qual o aluno assume um papel ativo na construção do conhecimento matemático. Esta abordagem coloca um sério desafio aos professores.
A abordagem exploratória representa um corte com a tradição em que o professor começa por apresentar um método de resolução de um certo tipo de tarefa, muitas vezes com base em um ou dois exemplos, e depois indica novas tarefas para os alunos praticarem esse método. Ou seja, neste caso, o professor primeiro demonstra o método e depois dá tarefas para o aluno praticar. Em contrapartida, na abordagem exploratória, o papel do professor é selecionar e propor tarefas adequadas e promover o envolvimento dos alunos na sua resolução. Cabe-lhe acompanhar e apoiar os alunos, mas sem se substituir a estes na resolução das tarefas e, na sequência, proporcionar momentos em que os alunos apresentam as suas resoluções e em que se sistematizam as aprendizagens.
No caso da abordagem exploratória, são os alunos que têm de começar por construir os seus próprios métodos para resolver as questões propostas, usando os seus conhecimentos prévios. Numa etapa seguinte, confrontam-se as diferentes estratégias seguidas por diversos alunos e procura-se chegar a um método robusto e eficaz que possa ser assumido por todos os alunos da turma. O trabalho de cunho exploratório cria múltiplas oportunidades para os alunos construírem e aprofundarem a sua compreensão de conceitos, procedimentos, representações e ideias matemáticas. Os alunos são assim chamados a desempenhar um papel ativo na interpretação das questões propostas, na representação das informações dadas e na conceção e concretização de estratégias de resolução das tarefas. Além disso, devem ser capazes de apresentar e justificar as suas resoluções aos colegas e ao professor. Pela imprevisibilidade das situações que o professor enfrenta ao longo deste processo (Rowland e Zazkis, 2013; Schön, 1983), trata-se um papel muito mais complexo e exigente do que aquele que assume num ensino de cunho mais tradicional baseado na exposição e prática.
As perspetivas atuais sobre a formação de professores, nomeadamente dos professores em serviço, enfatizam o valor da investigação pelo próprio professor (Llinares e Krainer, 2006) e salientam a importância da mobilização de aspetos da prática do professor, tanto quanto possível em situações autênticas (Smith, 2001). O presente estudo debruça-se sobre uma oficina de formação1 que valoriza um olhar investigativo sobre a prática, que envolveu professores dos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico2 sobre o ensino dos temas de números e álgebra, numa perspetiva exploratória. O nosso objetivo é analisar as mudanças que os professores referem ter sentido nas suas perspetivas sobre o ensino destes temas bem como o modo como avaliam o trabalho de formação realizado.
2. Prática profissional e processos de formação
A prática profissional do professor pode ser caraterizada por dois aspetos fundamentais: as tarefas propostas aos alunos e a comunicação que se estabelece na sala de aula (Ponte, Branco, Quaresma, Velez e Mata-Pereira, 2012). No que respeita às tarefas, Pólya (1945) distingue entre exercício e problema, conforme os alunos disponham ou não de métodos de resolução já anteriormente aprendidos para a questão em causa. Stein e Smith (1998) falam de tarefas de nível cognitivo elevado ou reduzido, conforme o tipo de dificuldades que colocam ao aluno. Por sua vez, Ponte (2005) aponta duas dimensões fundamentais nas tarefas, a estrutura e o grau de desafio. Na sua perspetiva, as tarefas com um grau de desafio mais elevado são os problemas (mais estruturados) e as investigações (mais abertas). Além disso, sublinha o interesse educativo das explorações enquanto tarefas relativamente acessíveis e com aspetos abertos, nas quais os alunos têm que conceber e concretizar estratégias de resolução a partir dos seus conhecimentos prévios.
Pelo seu lado, a comunicação que se estabelece na sala de aula pode assumir um caráter sobretudo unívoco, que se processa essencialmente num só sentido, com uma voz (a do professor) dominando todas as outras, ou um caráter dialógico, se existe um relativo equilíbrio de vozes, tendo os alunos possibilidade de participar de modo significativo na aula e ter iniciativas de intervenção no discurso (Brendefur e Frykholm, 2000). Nos últimos anos, as discussões coletivas têm vindo a ganhar um interesse crescente como momento de trabalho particularmente produtivo na sala de aula. Relativamente à atuação do professor na preparação destas discussões, Stein, Engle, Smith e Hughes (2008) salientam a importância de uma boa preparação, propondo quatro “práticas” para o efeito: antecipar, monitorizar, selecionar e sequenciar. No que respeita à condução das discussões propriamente ditas estes autores propõem uma prática adicional relativa ao estabelecimento de conexões. Pelo seu lado, na condução das discussões coletivas, Wood (1999) destaca sobretudo a importância da exploração de desacordos entre os alunos, enquanto Sherin (2002) aponta a necessidade do professor manter o equilíbrio entre promover a participação dos alunos no discurso matemático e promover a abordagem de assuntos matemáticos importantes.
Para promover o desenvolvimento da prática profissional do professor é necessário proporcionar-lhe oportunidades de formação de qualidade. Na verdade, o problema central da formação de professores de Matemática é a construção, colocação em prática e aperfeiçoamento de dispositivos de formação que proporcionem um efetivo desenvolvimento dos professores envolvidos, tendo em conta as suas capacidades e interesses e os objetivos formativos definidos (Goodchild, 2014; Goodchild, Fuglestad e Jaworski, 2013; Loucks-Horsley, Hewson, Love e Stiles, 1998). Como indica Smith (2001), é muito frequente, a formação dar pouca ou nenhuma atenção ao conhecimento sobre o modo como os professores aprendem, para se centrar apenas no modo de transmitir um conjunto de conteúdos. Tanto na formação inicial como na formação de professores já em serviço, predominam os processos centrados nos conteúdos de formação, aquilo que Lesne (1984) considera o modo de trabalho pedagógico de “tipo transmissivo”. Ao fazer isso, a formação acaba por reproduzir a lógica do ensino que pretende que o aluno aprenda um certo conteúdo com base na “apresentação” desse mesmo conteúdo pelo professor, de modo mais ou menos atrativo, mas sem tomar em consideração a atividade que o aluno pode ser chamado a desenvolver, para além de prestar atenção ao que é dito e tomar notas no seu caderno. Segundo Watson e Mason (2007), um modo de trabalho pedagógico alternativo, capaz de proporcionar oportunidades de formação de qualidade, poderá envolver tarefas como a resolução de problemas matemáticos pelos professores, a construção de sequências de tarefas, o estudo e reflexão sobre a prática e o estudo de referenciais teóricos.
As ideias-chave da abordagem exploratória podem ajudar a construir dispositivos de formação ajustados aos mais diversos contextos. Nesta perspetiva, a formação deve proporcionar oportunidades para que os professores trabalhem com artefactos próprios da prática de ensino da Matemática - tarefas, materiais didáticos, representações de situações da sala de aula em transcrições de diálogos ou em registos vídeo, resoluções de problemas realizadas por alunos, etc. (Smith, 2001). Deve, igualmente, criar oportunidades para a conceção de tarefas a realizar na sala de aula pelos próprios professores e posterior reflexão sobre a sua realização na sala de aula, com vista a novas intervenções, de novo na sala de aula.
Na construção de dispositivos de formação é igualmente necessário conhecer bem os participantes - saber o que os preocupa, o que lhes interessa, e sobretudo saber até que ponto estão dispostos a questionar-se e a expor-se perante os outros, bem como a investir na formação para a sua aprendizagem. O levantamento de necessidades de formação pode proporcionar informação muito útil, mas muitas vezes só nas primeiras sessões da formação se consegue perceber qual é efetivamente a disponibilidade dos formandos para se envolverem nas propostas de trabalho que lhes são apresentadas. Por isso, a criação de dispositivos de formação e desenvolvimento profissional do professor apropriados para cada situação constitui um campo de trabalho que coloca sempre fortes desafios aos educadores matemáticos.
Como indica Ponte (1999), a construção de dispositivos de formação apropriados implica articular dois movimentos contraditórios - por um lado, os processos de desenvolvimento profissional do professor que seguem a sua lógica e ritmos próprios e, por outro lado, valorizar os contributos da Didática que presidem à definição dos objetivos e conteúdos do processo formativo. Não se pode ignorar nem uns nem outros. Para conseguir essa articulação é necessário saber colocar objetivos exequíveis, prescindindo da ideia tão comum que, com uma simples ação de formação, é possível proporcionar uma profunda mudança nos participantes. Por outras palavras, é necessário identificar em cada situação o que pode ser o contributo específico do processo formativo para o desenvolvimento do professor. Depois, tendo em conta que, tal como os alunos, também os professores aprendem a partir da sua atividade e da reflexão sobre a sua atividade (Christiansen e Walther, 1986), ou seja, através da participação nas práticas educacionais (Crawford e Adler, 1996), é preciso criar oportunidades para atividade significativa, mobilizando para isso problemas e situações da prática profissional. Tal como os alunos aprendem Matemática trabalhando em tarefas matemáticas e argumentando com os seus colegas ou refletindo sobre os seus raciocínios e os seus resultados, também os professores fazem as suas aprendizagens profissionais sobretudo a partir da sua atividade e da reflexão sobre a sua atividade realizada em contextos tanto quanto possível próximos da sua prática profissional. Deste modo, professores aprendem por processos basicamente análogos aos dos alunos, estando a diferença no objeto fundamental da sua atividade - num caso a Matemática, no outro o ensino-aprendizagem da Matemática.
Em resumo, a conceção de uma ação de formação de professores é essencialmente um processo de design (Loucks-Horsley et al., 1998) que deve ter em conta uma perspetiva teórica sobre os processos de aprendizagem profissional dos professores bem como sobre as condições que os influenciam. Para cada situação concreta é preciso construir processos formativos adequados. É preciso saber quem são os participantes, quais os objetivos definidos para a formação, quais os processos formativos que se irão privilegiar, que recursos e materiais se podem mobilizar, que obstáculos é provável encontrar e como se irão ultrapassar. É também fundamental saber que necessidades de formação sentem os participantes e que investimento estão dispostos a fazer. Entre todos estes aspetos, a questão da relação dos processos formativos com os conhecimentos prévios, as necessidades e a disponibilidade dos participantes sobressai como essencial. Na verdade, faz uma grande diferença proporcionar aos professores a possibilidade de aprenderem através da experimentação, reflexão e discussão sobre as suas próprias experiências de trabalho com alunos em sala de aula ou por processos distanciados das suas práticas. No entanto, é preciso ter em atenção que os processos formativos mais significativos são também os que requerem maior disponibilidade e investimento pessoal por parte do professor.
3. A oficina
A oficina de formação foi realizada a solicitação de um Centro de Formação de Professores, situado numa zona rural a cerca de 50 km de Lisboa. A oficina decorreu de janeiro a maio de 2013 em 8 sessões de cerca de três horas (a última sessão teve quatro horas) em horário pós-laboral, com uma frequência aproximadamente quinzenal. Atendendo ao forte pendor prático que carateriza este tipo de formação, a oficina envolveu a produção, experimentação e reflexão coletiva sobre o uso de tarefas matemáticas em sala de aula, bem como momentos de discussão de orientações curriculares, conceitos e processos matemáticos, e problemáticas de cunho didático. De acordo com os normativos oficiais para este tipo de formação, ao trabalho realizado presencialmente (25 horas) correspondeu idêntico período para trabalho autónomo por parte dos formandos. Os participantes eram 19 professores, dos quais 16 dos quatro primeiros anos de escolaridade e três dos 5.º e 6.º anos, todos com vínculo profissional a escolas do ensino público e mais de 6 anos de experiência profissional. A maioria destes professores tinha participado anteriormente no Programa de Formação Contínua para Professores do 1.º e 2.º Ciclo do Ensino Básico (Serrazina, 2013), que decorreu de 2006 a 2011.
Os objetivos e a natureza da formação foram acordados com o Centro de Formação, tendo em conta os interesses e necessidades sentidos pelos professores que se prendiam com a concretização das orientações curriculares em vigor (Ministério da Educação, 2007). Deste modo, o objetivo que orientou a formação foi dar a conhecer aos professores as potencialidades de uma abordagem exploratória ao ensino da Matemática, tendo por base tarefas desafiantes mas acessíveis aos alunos e uma comunicação dialógica na sala de aula, em que se salientam os momentos de discussão coletiva. Procurávamos, também, que, no quadro desta abordagem, os professores pudessem valorizar as estratégias dos alunos na resolução das tarefas.
Um resumo dos assuntos trabalhados e das atividades realizadas na oficina encontra-se na Tabela 1. Em cada sessão alternaram-se momentos de apresentação de ideias e informações relevantes por parte da equipa de formadores, com trabalho prático por parte dos professores na sequência dessas apresentações (em pares ou trios) e, finalmente, momentos de discussão coletiva. Nestes momentos era dada a palavra aos professores para apresentarem as suas resoluções ou as dos seus alunos e era encorajado que se interpelassem mutuamente apresentando ideias concordantes ou discordantes. Nestas discussões o papel dos formadores era o de procurar valorizar o trabalho dos professores e, ao mesmo tempo, enquadrá-lo nas perspetivas curriculares e relacioná-lo com resultados de investigações sobre a aprendizagem dos alunos.
No final das sessões 1, 3, 5 e 7 foram propostas tarefas relacionadas com o tema nelas trabalhado que os professores adaptaram aos seus alunos e propuseram nas suas aulas. Nas sessões 2, 4, 6 e 8, em momentos de discussão coletiva, os professores relataram os aspetos que consideraram mais salientes do trabalho que teve lugar nas suas turmas, interpelando-se uns aos outros e respondendo a questões colocadas pelos formadores, nomeadamente sobre as estratégias seguidas pelos alunos, sobre as dificuldades sentidas pelos alunos na interpretação e realização das tarefas e sobre a condução da aula. Em quase todas as sessões (sessões 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8) os professores realizaram explorações matemáticas, tendo oportunidade de trabalhar em pares ou trios em tarefas semelhantes às que poderiam propor aos alunos e de apresentar depois as suas estratégias e soluções, durante a discussão coletiva. Assim, por exemplo, na sessão 3 os formandos trabalharam a tarefa “explorações com números” (figura 1), relacionada com o tópico Sequências e regularidades e na sessão 5 trabalharam a tarefa “O caracol” (figura 2), relacionada com as Representações matemáticas.
Em quatro sessões (3, 4, 5, 7) os formandos analisaram respostas dadas pelos alunos a tarefas matemáticas e em três (1, 6, 8) tiveram oportunidade de observar em vídeo e discutir a condução por parte do professor da atividade na sala de aula, alternando o trabalho em pares ou trios com a discussão coletiva. Algumas sessões (em especial a 2) deram bastante atenção à discussão de documentos curriculares, materiais de apoio e manuais escolares. Houve um forte paralelismo entre as situações de trabalho nas sessões de formação e as propostas feitas para a prática profissional: em ambos os casos propunham-se tarefas para trabalhar, havia momentos de trabalho autónomo e momentos de discussão coletiva, procurava-se valorizar as estratégias e soluções dos formandos/alunos, prestando atenção aos conceitos e representações matemáticas e também à comunicação e ao raciocínio.
Neste conjunto de atividades é de destacar: (i) a análise das orientações curriculares atuais no que respeita ao ensino dos números e da álgebra no 1.º e 2.º ciclo e recursos para o professor; (ii) a organização da aula de Matemática em três fases, tendo por base tarefas de natureza exploratória - introdução da tarefa, trabalho autónomo dos alunos, discussão coletiva de toda a turma; e (iii) a abordagem dos temas sequências, números naturais e algoritmos, números racionais e proporcionalidade. Nas sessões 2, 4 e 6, a discussão das tarefas realizadas pelos professores nas suas aulas foi efetuada na parte final para poder beneficiar dos contributos conceptuais introduzidos no início da sessão e por proporcionar uma forma natural de encerrar os trabalhos do dia. Na sessão 8, essa discussão foi feita logo no início, uma vez que esta sessão encerrou com um balanço da formação.
As atividades de formação estiveram a cargo de três formadores3 que alternavam papéis de formador e observador durante as sessões de formação. Após cada sessão presencial da oficina, a equipa de formação reunia-se para refletir sobre o trabalho realizado pelos professores e reajustar os objetivos e atividades previstas para a sessão seguinte.
4. Metodologia de investigação
Este estudo tem caraterísticas de uma investigação realizada no contexto da sua própria prática de formação, numa abordagem de observação participante (Jorgensen, 1989). Para isso, a equipa identificou à partida um conjunto de questões que pretendia ver respondidas, estabeleceu diversos procedimentos de recolha de dados e empreendeu uma análise e reflexão final sobre os dados recolhidos. Três dos membros da equipa alternaram papéis de formador e observador e o quarto membro assumiu o papel de observador em todas as sessões.
Um dos processos de recolha de dados foi a utilização de um diário de bordo (informações provenientes deste instrumento são assinaladas por DB) escrito por um dos membros da equipa e completado com contribuições dos restantes. Também entrevistámos (informações assinaladas por E), através de entrevistas semiestruturadas, três formandas, selecionadas entre aquelas que tinham tido maior envolvimento nas sessões de formação. Estas entrevistas procuravam saber qual a perspetiva das professoras sobre as diversas atividades realizadas, nomeadamente (i) a apresentação e discussão de documentos curriculares, (ii) a realização de tarefas matemáticas e análise das possíveis dificuldades dos alunos, (iii) a análise do trabalho de alunos em tarefas matemáticas, (iv) a análise e discussão de situações de sala de aula apresentadas em vídeo, e (v) a adaptação de tarefas, a sua realização na sala de aula, reflexão e partilha de experiências com os colegas e ainda a sua perspetiva sobre a dinâmica da formação, em especial os momentos de discussão coletiva bem como a correspondência entre o trabalho realizado e as necessidades de formação sentidas. Além disso, como parte do processo de avaliação da formação, todos os professores responderam a um questionário (assinalado por Q) com cinco questões de resposta aberta sobre o modo como encaravam diversos aspetos da formação e as aprendizagens por si realizadas. A análise de dados envolveu dois movimentos complementares de interpretações diretas e de agregação em categorias (Stake, 1995). Como pontos principais de análise, em primeiro lugar, procuramos perceber as perspetivas dos formandos quanto aos aspetos de ordem didática que receberam especial ênfase durante a formação, nomeadamente em relação (i) à análise de documentos curriculares, (ii) às tarefas exploratórias, (iii) à discussão coletiva e (iv) às suas expectativas em relação aos alunos. Em segundo lugar, relativamente à formação, procuramos também saber o modo como encaram dois aspetos que foram centrais na conceção da dinâmica da formação (i) os momentos de partilha de experiências entre os professores e (ii) a relação entre a atividade realizada na formação e a prática profissional. Os registos em diário de bordo proporcionam informação sobre o desenrolar das atividades, dando indicações sobre os aspetos mais marcantes da oficina tal como foram sendo percebidos pelos formadores. Por outro lado, os questionários e as entrevistas mostram como a formação foi percebida pelos professores participantes.
5. Perspetivas dos professores sobre as atividades realizadas
Nesta seção analisamos as perspetivas dos professores sobre o trabalho feito na formação na análise de documentos curriculares, na análise das potencialidades das tarefas exploratórias e dos momentos de discussão coletiva. Selecionámos estas questões por representarem momentos marcantes do trabalho realizado na formação. As informações e reflexões registadas no diário de bordo apresentam a perspetiva dos formadores e as respostas dos professores ao questionário e à entrevista proporcionam evidências sobre a sua própria perspetiva.
5.1. Análise de documentos curriculares
Durante a formação, especialmente nas sessões iniciais, por diversas vezes foram analisados documentos curriculares nacionais e internacionais. A equipa de formação considerou que a apresentação com algum detalhe destes documentos e o seu uso pelos professores para identificar as orientações relativas aos tópicos abordados era um trabalho importante a realizar. De acordo com o que registámos no diário de bordo (DB), os professores seguiram tal análise com atenção mas sem revelar um grande envolvimento. O modo como os professores trabalharam nas sessões de formação leva-nos a pensar que não usam estes documentos no seu dia-a-dia profissional, organizando as suas aulas sobretudo a partir dos manuais e outros materiais que interpretam os documentos curriculares oficiais.
Nas respostas ao questionário, esta atividade é referida apenas por uma pequena parte dos formandos. Aqueles que a referem perspetivam-na como um aspeto positivo:
Nas escolas nem sempre existem momentos para se explorarem detalhadamente os documentos estruturantes, neste caso em particular o Programa da Matemática. (Luísa, Q)
Podemos afirmar que se conseguiu obter uma maior consciência dos conteúdos de ensino, das metas curriculares e do programa dos diferentes ciclos. (Filipa, Q)
Nas suas reflexões, Luísa e Filipa consideram que a análise de documentos curriculares deveria ser realizada no contexto escolar, e o modo como se exprimem sugere que tal não acontece com frequência. Assim, ter presente estes documentos parece ser um aspeto a ter em conta na formação, para que os professores tomem conhecimento do seu papel e conteúdo e, eventualmente, reflitam sobre eles.
5.2. Tarefas exploratórias
Logo no início da formação foi possível verificar que a proposta de tarefas exploratórias na sala de aula aos seus alunos não fazia parte da prática profissional da maioria dos professores. Durante a formação foram vários os momentos em que os professores trabalharam em tarefas de tal natureza e diversas as situações em que as realizaram na sua sala de aula. Os registos realizados no diário de bordo (DB) dos formadores mostram que, no decurso da oficina, os formandos valorizaram a realização de tarefas exploratórias nas suas aulas, com os seus alunos e o seu relato posterior nas sessões de formação. Como eles próprios indicaram, apesar de muitos deles terem frequentado anteriormente outras ações de formação, nunca tinham apresentado aos alunos tarefas como as que lhes foram aqui propostas e muito menos discutido com os colegas as resoluções dos alunos. Inicialmente, quando a proposta foi feita, a maioria dos professores sentiu indisfarçável incomodidade e alguns ensaiaram propostas para anular este trabalho. No entanto, no final da formação vários professores identificaram estas tarefas como potencialmente interessantes para promover a aprendizagem dos alunos.
Catarina é uma das formandas que valorizaram a introdução de propostas de trabalho exploratório:
[A formação] fez-me abrir mais um bocadinho e pensar assim, não Catarina, tens que começar também… A deixar que os meninos descubram. Mas estar a dar a matéria diretamente, eles se calhar não apreendem tanto aquilo que eu estou a dizer ou a fazer, eles aprendem muito mais, se forem eles a descobrir. (Catarina, E)
Também Paula referiu a influência da formação na proposta de tarefas de exploração na sala de aula, destacando ainda as potencialidades destas tarefas no desenvolvimento do pensamento matemático dos alunos:
[A formação] também me permitiu promover e pensar em atividades de exploração e de investigação que posso realizar em contexto sala de aula, ou seja [levar os alunos a] “pensar matematicamente”. (Paula, Q)
A professora referiu-se ainda a possíveis situações de sala de aula em que se podem usar tarefas de exploração para que os alunos passem de uma fase mais concreta para situações mais abstratas:
Num grupo de quarto ano e depois de os alunos já terem passado por inúmeras etapas experimentais e de manipulação concreta pretende-se já que estes consigam resolver situações um pouco abstratas desenvolvendo estratégias e explorando-as com os seus pares. (Paula, Q)
Apesar de valorizarem as potencialidades das tarefas de exploração na aprendizagem dos alunos, alguns dos professores refletiram sobre algumas dificuldades e desafios que estas tarefas podem trazer às suas práticas profissionais, como é o caso de Catarina:
Este tipo de atividades exploratórias, este tipo de atividades que nós podemos fazer com eles, às vezes deixa o professor… Pelo menos eu falo por mim… Deixamos um bocadinho para trás… O que é pena porque eles aprendem muito assim… Das que nós fizemos, qualquer uma delas, para trabalhar bem aquela atividade, explorá-la com eles… Trabalhá-la com eles… Um dia, uma hora não dá, duas horas não dá… Até pode ser para a semana toda… (Catarina, E)
A professora salientou que a proposta de tarefas de exploração pode implicar dificuldades na gestão do tempo, ainda que destaque o potencial destas tarefas para a aprendizagem dos alunos.
Já Teresa apontou um desafio que se coloca em turmas com características particulares:
No trabalho de natureza exploratória, em turmas demasiado grandes e com dificuldades de aprendizagem, o acompanhamento de todos os alunos na fase de exploração é complicado porque é preciso tempo para ajudar todos os alunos através da reformulação de questões a compreender o problema e a resolvê-lo. (Teresa, Q)
Na sua reflexão, Teresa destacou o tempo necessário ao acompanhamento dos alunos como um desafio para o professor, mas evidenciou uma compreensão da importância do questionamento no trabalho de natureza exploratória. Pelas intervenções apresentadas, a formação parece ter contribuído para uma compreensão mais aprofundada, por parte dos formandos, do conceito de tarefas de natureza exploratória e também das suas potencialidades para a aprendizagem dos alunos.
5.3 Discussão coletiva
Um momento de trabalho muito significativo das sessões de formação foram as discussões coletivas. Estas discussões eram realizadas após a concretização das mais diversas atividades - após a exploração matemática de tarefas, a análise de trabalho dos alunos, a análise de sítios web, a análise de manuais ou a análise do trabalho do professor. Com o decorrer do tempo, as discussões passaram a ser um modo de trabalho valorizado como forma de construir coletivamente conhecimento na sequência de um trabalho preparatório adequado (DB).
Nas suas reflexões, os professores destacaram os momentos de discussão coletiva em sala de aula como uma das alterações metodológicas às suas práticas profissionais. Por exemplo, Jorge apontou este momento como um dos mais importantes das atividades da formação e da sala de aula:
Era a altura da partilha do trabalho de cada grupo. Este momento, foi uma experiência riquíssima pois, transferido para a realidade da sala de aula, é o momento que permite a reflexão sobre o que e como foi realizado. Apesar de conseguirmos verificar, pela observação da tarefa, como é que os alunos chegaram ou não aos resultados, é através da comunicação final que podemos entender a forma como é percebido e resolvido cada obstáculo da tarefa. (Jorge, Q)
Ana valorizou as tarefas de exploração propostas na formação como um ponto de partida para a realização de discussões coletivas, no contexto particular da sua turma:
A realização e adaptação destas tarefas permitiu uma diversificação de metodologia ao nível da minha sala de aula, já que foi possível a sua aplicação aos dois níveis de ensino que integram a minha turma (1.º e 2.º anos), possibilitando a discussão coletiva e a aquisição de conceitos. (Ana, Q)
Num registo idêntico, Paula referiu que os momentos de discussão coletiva podem ser motivadores para os alunos quando estes desenvolvem previamente tarefas de natureza exploratória:
Deixar os alunos inventarem as suas próprias estratégias e procedimentos é uma opção pedagógica que pode ser de extrema importância. E solicitar-lhes que as partilhem, surpreendentemente enriquecedor! (Paula, Q)
Pelo seu lado, Teresa evidenciou outros aspetos relevantes numa discussão coletiva, mostrando uma forte apropriação do conceito:
É na discussão coletiva que os alunos apresentam as suas ideias e defendem as suas posições, que o professor reformula as questões de modo a fomentar o debate e no final faz-se a síntese. (Teresa, Q)
A professora salientou ainda o papel da formação na compreensão de que a discussão coletiva pode ser produtiva independente do desempenho dos alunos:
Aprendi nesta formação que pode ser aplicado a todos os alunos desde que o acompanhamento do professor seja mais minucioso em todas as fases. (Teresa, Q).
A valorização do impacto da discussão coletiva em alunos com maiores dificuldades foi ainda destacada por Ana:
Também pude observar que foi muito importante para os alunos comunicar aos colegas as suas ideias e estratégias, apresentando-as e defendendo-as. Esta apresentação à turma permitiu aos alunos com maiores dificuldades compreenderem as diferentes estratégias de resolução para posterior aplicação em atividades do mesmo género. (Ana, Q)
Na primeira discussão coletiva onde os professores apresentaram as resoluções dos seus alunos (sessão 2), eles referiam apenas erros e dificuldades, dando uma imagem negativa das capacidades dos alunos. Isto foi contrariado pelos formadores, que, conhecedores das resoluções dos alunos através de digitalizações previamente enviadas pelos formandos por correio eletrónico, destacavam aquilo que os alunos conseguiam fazer, ressaltando as suas estratégias e resoluções. Com o decorrer do tempo, passou a prevalecer a valorização do trabalho dos alunos e todos os professores procuravam enfatizar nas resoluções que apresentavam os aspetos mais originais e mais interessantes (DB). E a verdade é que um aspeto particularmente interessante referido pelos professores nas suas reflexões relaciona-se com as mudanças que se registaram nas suas expectativas sobre o que os alunos são capazes de realizar em sala de aula:
[A formação promoveu] a autoconfiança nas minhas capacidades como professora, que incluiu sem dúvida, a criação de expetativas elevadas acerca do que os alunos podem aprender em Matemática. (Paula, Q)
Também Catarina salientou que a formação a leva a olhar de um modo diferente para o trabalho dos alunos:
Ai o meu aluno não conseguiu… Uma metade não conseguiu, mas a outra metade conseguiu e isso também é importante, portanto elevou a nossa… Pelo menos elevou a minha moral a pensar assim: Catarina, tens que ver mais pelo lado positivo e menos pelo lado negativo! (Catarina, E)
A professora referiu ainda que as tarefas propostas na formação influenciaram a sua visão sobre o que os alunos são ou não capazes de concretizar em sala de aula, pois apesar das suas expectativas iniciais, pôde verificar que as tarefas propostas se adequavam aos seus alunos:
Eu cheguei a levar daqui . . . Propostas para nós fazermos com os meninos, pensava assim, isto não vai dar certo… Eles não vão achar isto interessante, e foram essas as atividades que, pelo menos uma delas que eu fiquei bastante até… Feliz e fiquei motivada e foi aí que me deu o tal clique… Que eles realizaram… Eles fizeram um trabalho em grupo, foi espetacular… E aí vi… Dá mesmo, vale a pena… (Catarina, E)
É de notar que os momentos de discussão mais interessantes vividos na formação tiveram por base a realização de tarefas matemáticas e a análise de resoluções dos alunos. A discussão de documentos curriculares - em especial as Metas e o Programa de Matemática (Ministério da Educação, 2007) também foi valorizada pelos professores, mas não proporcionou situações de debate e de participação semelhantes aos das atividades anteriores (DB).
Deste modo, a formação parece ter contribuído para algumas mudanças no discurso dos professores, no sentido da valorização da natureza exploratória do trabalho em sala de aula e das potencialidades das discussões coletivas e ainda sobre as suas expetativas relativamente ao desempenho dos alunos.
6. Perspetiva dos professores sobre a formação
Nesta secção analisamos as perspetivas dos professores sobre aspetos estruturantes da formação, nomeadamente o modo como foi promovida a partilha de experiências entre os participantes e a sua perspetiva sobre a relação entre a formação e a prática de ensino. Tal como na seção anterior, as informações e reflexões registadas no diário de bordo (DB) apresentam a perspetiva dos formadores e as respostas dos professores ao questionário (Q) e à entrevista (E) proporcionam evidências sobre a sua própria perspetiva.
6.1. Partilha de experiências
Um dos aspetos mais destacados pelos formandos foi a possibilidade de partilharem experiências durante toda a formação. Catarina e Marina salientaram que a partilha de experiências não surge naturalmente no dia-a-dia dos professores e salientaram a formação como potenciadora destas situações:
Esta partilha de todos que houve com os colegas… Nós aprendemos uns com os outros, porque estarmos fechados na sala de aula, às vezes… Cometemos o erro constantemente e não nos apercebemos que estamos a cometer esse erro… É a minha opinião. (Catarina, E)
Nesta profissão cada vez mais absorvente, em que são exigidas ao professor, cada vez mais competências e tarefas a realizar, muitas delas de ordem burocrática, nas escolas os momentos de partilha são difíceis de operacionalizar, por isso considero que foram uma mais-valia a partilha de experiências entre os formandos, pois conseguimos sempre aprender coisas novas. (Marina, Q)
Um dos momentos de partilha mais valorizado foi promovido a cada duas sessões de formação e consistiu na discussão de situações de sala de aula vividas pelos professores durante a realização de tarefas de exploração sobre Números e Álgebra (DB). Jorge é um dos participantes que destacou estes momentos:
A análise e reflexão sobre o trabalho realizado pelos alunos apresentadas nas sessões de formação foi um momento importantíssimo de partilha de experiências. Esta partilha foi tão mais enriquecedora na medida da diversidade dos contextos de origem: anos diferentes do mesmo ciclo e diferentes ciclos (1.º e 2.º). (Jorge, Q)
As situações de partilha de experiências foram também realçadas por Paula, que enfatizou ainda a relação desta partilha com a sua própria prática:
Através da partilha de situações práticas dos formandos e da nossa própria experimentação em sala de aula, conseguimos obter uma visão abrangente, reflexiva e crítica de cada situação. (Paula, Q)
Pelo seu lado, Luísa evidenciou que a partilha de experiências a surpreendeu, particularmente pelas alterações que os colegas propuseram para as tarefas apresentadas na formação:
É a troca de experiências, o ouvir, a forma como eles abordavam as tarefas ou como as completavam mesmo em casa, as arranjavam para os anos… Eu nunca fiz grandes arranjos às minhas tarefas, foram muito idênticas às que eram propostas mas vi colegas que faziam grandes… Algumas mudanças e adaptavam àquilo que eles achavam. (Luísa, E)
Finalmente, para Paula, “há ainda a salientar a participação, a partilha, a troca de experiências entre os formandos e formadores que, favoreceu o trabalho cooperativo, trabalho de grupo e trabalho de sala de aula” (Q). Na sua perspetiva, a importância da troca de experiências na formação não se cingiu aos formandos, valorizando igualmente a partilha entre formandos e formadores.
Assim, a partilha de experiências revela-se uma mais-valia nesta formação, onde os professores podem conhecer situações algo semelhantes às vivenciadas nas suas salas de aula, mas que enriquecem o seu conhecimento sobre as potencialidades dessas situações. Salientam particularmente a importância de conhecerem situações vivenciadas em anos diferentes do ano que lecionam e possibilidades de adequação das tarefas.
6.2. Relação entre a formação e a prática
Uma questão largamente valorizada pelos professores foi a ligação estabelecida entre a formação e a prática, ou seja, o paralelismo entre atividades desenvolvidas na formação e atividades equivalentes em sala de aula ou também entre a formação e outros aspetos da sua prática profissional.
Um dos aspetos destacados foi a realização de tarefas tanto por parte dos formandos como por parte dos seus alunos. Como referiu Luísa “esta oficina proporcionou que trabalhássemos com os nossos alunos durante a aplicação das tarefas e que trabalhássemos nós próprios durante as sessões” (Q). A professora salientou ainda o envolvimento dos restantes formandos neste processo:
Algumas [tarefas] não conhecia de todo, mas é uma mais-valia para nós fazermos, porque eu reparei . . . Durante a resolução, aquele envolvimento de toda a gente, todos queriam saber e depois como é que o outro… Esquecemos um bocadinho… Resolvemos mesmo para nós, não era para os alunos . . . [os formandos] esqueceram-se e envolveram-se na tarefa e tentaram eles próprios resolver. (Luísa, E)
Pelo seu lado, Jorge salientou que a resolução de tarefas matemáticas durante a formação não correspondeu linearmente à resolução realizada na sala de aula:
Era realizada a tarefa que seria apresentada em sala de aula por cada um dos formandos. Este trabalho era feito em grupo, tal como seria com os alunos . . . Esta adequação ambiental permitia refletir sobre as possíveis dificuldades das crianças na execução da tarefa e conduzir para uma adaptação à especificidade dos alunos. (Jorge, Q)
Além das atividades da formação com características de natureza exploratória que eram passíveis de transpor para a sala de aula, os formandos destacaram ainda outros aspetos que relacionaram a formação diretamente com a sua prática profissional. Por um lado, a formação foi encarada como um desafio à sua prática profissional:
[A oficina de formação] tem uma fortíssima ligação com a prática docente . . . Esta formação contribuiu para o meu desenvolvimento profissional na medida em que influenciou diretamente a minha prática profissional ao exigir do meu trabalho diário um desafio inovador e uma reflexão sobre a prática pedagógica. (Jorge, Q)
Por outro lado, este desafio foi visto como uma possibilidade de introduzir novas práticas que contribuam para o sucesso dos alunos:
Esta oficina, no meu ponto de vista, promoveu o debate e a troca de experiências e saberes, o que constituiu um verdadeiro enriquecimento para mim, com claras implicações na vida quotidiana da escola. A troca de experiências entre colegas de diversas escolas e o trabalho colaborativo são sem dúvida essenciais para a melhoria da nossa prática profissional, é através de troca de ideias e materiais entre professores com problemas e necessidades comuns, que surgem ideias para a introdução de novas atividades, novos processos e um mesmo objetivo profissional (o sucesso dos nossos alunos). (Luísa, Q)
Deste modo, os professores reconheceram o valor formativo de se envolverem ativamente na resolução das tarefas matemáticas, tal como os seus alunos. Notaram, também, que esta resolução constituía um ponto de partida para aprofundarem o seu conhecimento sobre a tarefa de modo a poderem usá-la na sala de aula, eventualmente com adaptações. Alguns deles notaram ainda que, mais do que tarefas específicas para usar neste ou naquele tópico, o que lhe foi proposto foi um modo de trabalho que em muitos aspetos desafiava as suas práticas atuais.
7. Conclusão
O desafio lançado pela nossa proposta formativa de natureza exploratória parece ter influenciado positivamente os professores que frequentaram a oficina de formação, levando-os a considerar favoravelmente esta perspetiva e a procurar pô-la em prática em algumas das suas aulas, como reportaram nas sessões de formação. Muito especialmente, os professores valorizaram as tarefas abertas e os momentos de discussão coletiva. No que se refere ao formato da formação, os participantes valorizaram partilha de experiências e a forte relação estabelecida entre a formação e a sua prática de ensino.
O design adotado na formação (Loucks-Horsley et al., 1998) permitiu que os objetivos visados fossem em grande medida atingidos. A ênfase na abordagem exploratória (Ponte, 2005), tanto no que respeita ao trabalho a realizar na sala de aula pelos professores como ao trabalho efetuado nas sessões se formação, mostrou propiciar envolvimento e aprendizagem significativa da sua parte. A própria sintonia entre o estilo de trabalho usado na formação e o que se sugeria que pudesse ser feito na sala de aula foi notado e valorizado por muitos dos professores participantes.
Na verdade, a forte ligação dos momentos formativos com situações de prática profissional (Smith, 2001), nomeadamente considerando tarefas matemáticas, resoluções de alunos e momentos de trabalho em sala de aula, revelaram-se apropriados para os objetivos de formação indicados no início deste artigo para o trabalho com este grupo de professores. Especial relevo merecem os momentos de discussão coletiva (Ponte, 2005; Sherin, 2002; Stein et al., 2008) nas sessões de formação, que proporcionaram amplo espaço de participação aos formandos, valorizaram os seus saberes e as suas práticas, e proporcionaram um modelo vivo de como poderia ser o trabalho da sua sala de aula, tal como referem Lunenberg, Korthagen e Swennen (2007). Nesta formação, as tarefas propostas e o modo de condução da comunicação (Ponte et al., 2012) revelaram-se elementos estruturantes fundamentais tanto da prática profissional como do processo formativo.
São numerosos os professores que reportam ter realizado aulas no âmbito da formação em que as suas práticas se modificaram no que respeita às tarefas que propõem, à forma como as introduzem e o modo como as discutem no fim com toda a turma. Além disso, são vários os professores que indicam ter passado a ver com um novo olhar as capacidades dos alunos. Consideramos ser de salientar a valorização do ensino exploratório, das discussões coletivas e das capacidades dos alunos que os professores destacam como sendo consequência do trabalho realizado na formação. Saber se na sequência deste trabalho os participantes mudaram ou não de modo significativo as suas práticas transcende o âmbito deste estudo. Conjeturamos que a medida em que estas perspetivas irão informar as suas práticas futuras dependerá muito do trabalho de coordenação ao nível dos seus agrupamentos4 e da política nacional para o ensino da Matemática, pois só através da conjugação de diferentes níveis de atuação - formação, trabalho nas organizações escolares e política central - se podem conseguir mudanças profundas e duradoiras para o ensino da Matemática.