1. INTRODUÇÃO
O objetivo principal deste artigo é responder a seguinte pergunta: Que mobilizações estão sendo realizadas, pelo GHEMAT, no campo da História da Educação Matemática para a conservação de elementos provenientes de culturas escolares? Buscando responder essa pergunta iniciamos com a apresentação do Grupo de Pesquisa de História da Educação Matemática no Brasil (GHEMAT), em seguida são apresentadas as diferentes concepções a respeito da cultura escolar, e relatamos uma experiência a respeito das mobilizações que o GHEMAT vem realizando para conservar os documentos que se referem a cultura escolar.
O Grupo de Pesquisa de História da Educação Matemática no Brasil (GHEMAT), criado no ano 2000 e cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisas do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico)1, tem como líderes os professores pesquisadores Dr. Wagner Rodrigues Valente (Universidade Federal de São Paulo - Campus Guarulhos) e Dra. Neuza Bertoni Pinto (Pontifícia Universidade Católica do Paraná). Outros membros do grupo são procedentes de vários estados, em colaboração, no desenvolvimento de projetos coletivos de investigação. Atualmente o grupo é constituído por 34 pesquisadores e 76 estudantes de doutorado, mestrado acadêmico e profissionalizante, além de alunos da graduação, constituindo-se verdadeiramente como uma rede de pesquisas:
[...] o Grupo, na prática, deixa de ser um coletivo pertencente a uma dada universidade, a um dado programa de pós-graduação, como é comum aos grupos de pesquisa. Passa, de fato, a existir como um conjunto de pesquisadores de diferentes instituições e programas de pós-graduação, em diversos estados brasileiros, que levam adiante projetos coletivos de investigação (Valente, 2013, p. 23).
O grupo tem como objetivo desenvolver pesquisas com um olhar para a compreensão histórica do ensino da matemática, da formação de professores de matemática e, por sua vez, da trajetória de constituição da matemática escolar. A perspectiva da História Cultural é utilizada como aporte teórico, com o rechaço do grupo a fórmula consagrada nas pesquisas como “tema - problema - objetivos - base teórica - metodologia - cronograma - resultados - bibliografia”. Para as pesquisas realizadas pelo grupo, não se separa teoria e metodologia, elas andam concomitantemente, utiliza-se a base teórico-metodológica (Valente, 2007).
Os trabalhos na História Cultural têm-se aproximado de diversas áreas, como por exemplo, a sociologia, a linguística, a antropologia, tanto na utilização de conceitos como em suas metodologias de pesquisa. Segundo Silva (2005), a metodologia utilizada para as pesquisas que se apoiam na História Cultural se aproxima da antropologia:
Mais recentemente, sob o impulso da história cultural, os historiadores têm se aproximado muito da antropologia, procurando ultrapassar antigas oposições binárias, como estrutura e evento, diacronia e sincronia. Diluem-se cada vez mais as fronteiras que as separavam, como se coubesse à antropologia (Silva, 2005, p.149).
Um antropólogo que influenciou esse diálogo entre história e antropologia foi Clifford Geertz (1926-2006), em sua obra “A interpretação das culturas”, cuja primeira edição ocorreu no ano de 1989, quando defende uma ciência interpretativa.
Olhar as dimensões simbólicas da ação social - arte, religião, ideologia, ciência, lei, moralidade, senso comum - não é afastar-se dos dilemas existenciais da vida em favor de algum domínio empírico de formas não-emocionalizadas; é mergulhar no meio delas. A vocação essencial da antropologia interpretativa não é responder às nossas questões mais profundas, mas colocar à nossa disposição as respostas que outros deram - apascentando outros carneiros em outros vales - e assim incluí-las no registro de consultas sobre o que o homem falou (Geertz, 2008, p.21).
Outro aspecto importante na obra de Geertz (2008) é a descrição densa:
A descrição semanticamente densa, tal como formulada por este autor, tem exercido forte atração entre historiadores preocupados menos em fixar “o que aconteceu” do que em construir uma leitura do acontecimento quanto ao que ele diz. Em oposição à ingenuidade de uma epistemologia positivista, para Geertz a ação possui um conteúdo simbólico inscrito no discurso social, o que a torna pública e, portanto, passível de descrição de forma inteligível. Esta descrição é uma polifonia dialógica, “interpretação de interpretações”, na medida em que o antropólogo parte das descrições tomadas em segunda ou terceira mãos. Trata-se de “algo modelado” e apropriado a partir de discursos indiretos, diferindo da ficção literária porque seus personagens “são representados como verdadeiros” (Silva, 2005, p.150).
Segundo Valente (2009) caberá ao historiador a tarefa de buscar o “sentido” e o “significado” dos vestígios, onde há apenas algumas evidências, dados iniciais. Ao historiador caberá mergulhar no interior da cultura que se está estudando para compreender e produzir sua história, estudar as teias de relações que caracterizam a cultura. Para o interesse das nossas pesquisas, nos referimos mais particularmente a cultura escolar.
Este artigo foi divido em duas partes: primeiramente são abordadas as diferentes definições da expressão cultura escolar, e no segundo momento apresentam-se os esforços efetuados pelos pesquisadores do GHEMAT em conservar a cultura escolar, mostrando quais as mobilizações que estão sendo realizadas, e qual ferramenta tecnológica vem contribuindo para conservar as fontes que contribuem para os avanços nas pesquisas de história da educação matemática.
2. Cultura escolar: suas definições
De acordo com Viñao (2007) um dos primeiros a utilizar a expressão cultura escolar foi Dominique Julia (2001) 2, mencionando como um objeto histórico:
[...] poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização) (p.10).
A expressão cultura escolar possui vários propósitos e significados, ela é polissêmica. Essa expressão apareceu no campo histórico-educativo no século XX, na segunda metade da década de 90. Julia (2001) realiza uma metáfora com a “caixa preta” utilizada nas aeronaves, neste caso a cultura escolar seria o interior da “caixa preta” constituído pelos manuais escolares, exercícios escolares, as disciplinas escolares, pois no seu interior é que podemos preencher as lacunas dos estudos das instituições educativas.
Os próximos a utilizarem a expressão de acordo com Vinão (2007) foram Terrón e Mato, também em 1995:
[...] os autores definem a "cultura escolar institucionalizada" como "o conjunto de teorias e práticas sedimentadas no seio da instituição escolar ao longo do tempo". A sua "apropriação" e "assimilação" explicaria a inércia do professor que "reproduz mecanicamente, por mimetismo e sem distância crítica, o que viu fazer" (p.84).
Outra definição para cultura escolar “[...] seria uma forma de cultura apenas acessível por mediação da escola, uma criação específica da escola” (Viñao, 2007, p.85). Nesta perspectiva são importantes dois aspectos: o carácter, de certa forma, autônomo da escola que não se limita a reproduzir o que está fora dela; e as disciplinas escolares como produtos e criações próprias da cultura escolar. Ou seja, Viñao (2007) está se referindo a Chervel (1998), “a sociedade pede à escola que difunda uma cultura determinada, mas a escola, ao levar a cabo esta tarefa, cria os seus próprios procedimentos de ensino, e entrega um produto cultural” (Viñao, 2007, p.85).
Os autores Depaере е Simon, mencionado por Vinão (2007), realizaram um trabalho em 1995 e também definem cultura escolar como sendo importante observar o “dia-a-dia, do ritual da vida da escola e de factores do meio ambiente tais como o quadro horário, a divisão do curso em períodos lectivos e de férias, a distribuição e os usos dos espaços escolares” (Viñao, 2007, p.86) entre outros elementos que dizem respeito a realidade quotidiana das escolas.
Viñao (2007) resume o que se entende por cultura escolar, como sendo constituída de um conjunto de teorias, ideias, princípios, normas, modelos, rituais, inércias, hábitos e práticas ao longo do tempo, que fundamentam tradições, regularidades e regras. “A cultura escolar seria, em síntese, algo que permanece e dura; algo que as sucessivas reformas só arranham ao de leve, que a elas sobrevive, e que constitui um sedimento formado ao longo do tempo” (Viñao, 2007, p.87).
Os aspectos ou elementos mais visíveis que compõem a cultura escolar seriam: os atores - professores, pais, alunos, administração e serviços; discursos, linguagens, conceitos, e modos de comunicação; aspectos organizativos e institucionais; a cultura material da escola: seu contexto físico/material e objetos (Viñao, 2007).
Conforme Viñao (2007) a expressão cultura escolar deve ser empregada no plural, pois os estabelecimentos docentes possuem a sua própria cultura e características peculiares, não há escolas, colégios, institutos, universidades, faculdades idênticas, eles possuem algumas semelhanças. O mesmo ocorre quando olhamos para o interior das instituições docentes, “da cultura dos professores, da cultura dos alunos, da cultura das famílias ou dos pais e da cultura do pessoal da administração e dos serviços com as suas correspondentes expectativas, os seus interesses, a sua mentalidade e os seus modos de proceder” (Viñao, 2007, p.96). Ou seja, há diferentes culturas específicas para cada instituição de ensino, nível educativo e grupo de atores, que constituem e moldam as culturas escolares daquele ambiente.
Após a exposição das diferentes definições da expressão cultura escolar, retomamos a pergunta inicial: Que mobilizações estão sendo realizadas, pelo GHEMAT, no campo da História da Educação Matemática para a conservação de elementos provenientes de culturas escolares? O próximo tópico irá abordar os desafios das pesquisas científicas, principalmente no campo da História da educação matemática, para encontrar suas fontes, o interior da “caixa preta”, como por exemplo os cadernos escolares, frente as dificuldades para a conservação dessas culturas escolares.
3. Cultura escolar contra a cultura do “descarte”: uma experiência
Neste tópico será apresentada a experiência do GHEMAT em atividades que conservam alguns elementos, vestígios do passado como por exemplo, cadernos escolares, revistas e manuais pedagógicos, livros didáticos, documentos normativos, entre outros, que a partir do olhar e objetivo do pesquisador, se transformam em fontes de pesquisa
Em história tudo começa com o gesto de separar, de reunir, de transformar em “documentos” certos objetos distribuídos de outra maneira. Essa nova distribuição cultural é o primeiro trabalho. Na realidade, ela consiste em produzir tais documentos, pelo simples fato de recopiar, transcrever ou fotografar esses objetos mudando ao mesmo tempo o seu lugar e o seu estatuto. Esse gesto consiste em isolar um corpo como se faz em física, e em “desfigurar” as coisas para construí-las como peças que preenchem lacunas de um conjunto proposto a priori (Certeau, 2013, p. 69).
Julia (2001) menciona as dificuldades de encontrar os documentos para as pesquisas. “A história das práticas culturais é, com efeito, a mais difícil de se reconstruir porque ela não deixa traço” (p.15). Infelizmente o costume de guardar os documentos escolares, desde livros didáticos, cadernos escolares, provas, entre outros itens, são escassos em todos os lugares, além de ser “preciso ‘arranjar espaço’ e os documentos não são nem mesmo transferidos para depósitos de arquivos que deveriam legalmente recebê-los” (Julia, 2001, p.16).
Em relação a escassez da retenção da produção do material escolar Chervel (1988) menciona que:
La source primaire, ce sont évidemment les travaux des élèves eux-mêmes. L'ensemble de la production écrite réalisée par les élèves depuis quatre siècles s'élève à des chiffres démesurés. On a pu estimer, par exemple, à quatre cent millions le nombre des copies qui ont dû être rédigées en 250 ans (de 1600 à 1850) dans la seule classe de rhétorique. Toute cette documentation, à quelques exceptions près, semble avoir disparu, et le taux de conservation de ce corpus monstrueux doit avoisiner 0,001 % (p.102)3.
Entretanto cabe ao historiador encontrar suas fontes, de acordo com Julia (2001), pode-se fazer flechas com qualquer madeira.
[...] quanto ao século XIX, por pouco que procure e que se esforce em reuni-los, os cadernos de notas tomadas pelos alunos e os cadernos de preparações dos educadores, não são escassos e, na falta destes, pode-se tentar reconstituir, indiretamente, as práticas escolares a partir das normas ditadas nos programas oficiais ou nos artigos das revistas pedagógicas (p.17).
Como se dão as buscas pelas fontes que constituem as culturas escolares no Brasil? Os trabalhos na História da educação matemática estão olhando a “caixa preta” das instituições escolares? Quais mobilizações estão sendo realizadas contra a cultura do “descarte”? São questionamentos relevantes, pois se pensarmos nos materiais escolares, os livros didáticos e os cadernos escolares que utilizamos em nossos tempos de escola, dificilmente teremos algum material guardado.
Em relação aos cadernos escolares Viñao (2008) sinaliza que
[...] os cadernos geralmente conservados, como ressaltaram vários pesquisadores, são os seguintes: os dos melhores alunos; os encadernados para serem expostos; os de alunos excepcionais por sua precocidade ou status social (crianças-prodígios ou príncipes, por exemplo); os de capas mais duras e de maiores dimensões (os frágeis, de menor qualidade do papel e/ou com menos páginas, tendem a danificar-se pelo simples uso); os de capas esteticamente mais bonitas e os passado a limpo (não os de rascunho e, menos ainda, os de anotações pessoais do aluno) (p.24, grifo do autor).
Segundo Mignot (2008) nos últimos anos os pesquisadores da história da educação se voltaram para os cadernos escolares, considerando importantes objetos e fontes de pesquisa, pois:
[...] falam dos alunos, dos professores, dos pais, dos projetos pedagógicos, das práticas avaliativas, dos valores disseminados em palavras e imagens, bem como das prescrições e interdições que conformam sua produção, sai circulação e seus usos.
Repletos de letras trêmulas, borrões de tintas, traços vermelhos, decalques, exercícios, frases edificantes, bilhetes, elogios e reprimendas -marcas da aprendizagem e do exercício da escrita-, velhos cadernos escolares têm permanecido esquecidos em gavetas, caixas e armários (Mignot, 2008, p. 7).
Segundo Furet (1971) “[...] des sources déjà exploitées dans le passé peuvent être réutilisées à d'autres fins, si elles sont investies par le chercheur d'une signification nouvelle” (p. 68)4. Ou seja, pode-se realizar várias pesquisas a partir da mesma fonte, quando a ela são criadas novas indagações, desdobrando-se em diferentes problematizações. As pesquisas em História da educação matemática que o GHEMAT realiza podem ser tomadas como exemplo. O grupo possui um Centro de Documentação que reúne vários documentos, como programas escolares, livros didáticos, manuais escolares, cadernos escolares, provas e exames de alunos utilizados em outros tempos. Possui acervos pessoais de alguns autores da área da matemática, como é o caso de Euclides Roxo, Ubiratan D´Ambrosio e Osvaldo Sangiorgi, dentre outros. Há também um arquivo de entrevistas de vários matemáticos de referência no Brasil, como Ubiratan D’Ambrosio.
Nos anos finais do século XX, são inúmeros desafios postos pela sociedade moderna, entre elas estão o armazenamento das informações pela utilização das novas ferramentas tecnológicas:
As últimas décadas marcaram um forte questionamento acerca do lugar da história no campo arquivístico. Tal questionamento está muito ligado não só ao debate em torno das “novas tecnologias” (e dos desafios colocados, ao campo arquivístico, pela documentação produzida em meio eletrônico) como às transformações vividas no campo historiográfico (Gonçalves, 2007, p.2).
Certeau (2013) alude que “as origens de nossos Arquivos modernos já implicam, com efeito, a combinação de um grupo (os “eruditos”), de lugares (“as bibliotecas”) e de práticas (de cópia, de impressão, de comunicação, de classificação etc.)” (p. 70). Neste caso o grupo seria o GHEMAT, o lugar e a prática seriam o Repositório Institucional da UFSC elucidado a seguir. O GHEMAT possui um grande volume de produção dos seus integrantes, há muitas publicações em formas de livros, CDs, DVDs e artigos científicos onde se encontram sistematizados os resultados dos estudos desenvolvidos. Algumas dessas produções são frutos de estudos sobre determinada escola que tenha sido referência num determinado tempo histórico ou sobre processos escolares que marcaram determinado período.
No entanto a produção de acervos de pesquisa gravados em CDs e DVDs possuem algumas limitações “para além da quantidade finita de informação, só terá acesso as informações aquele que possuir o DVD gravado” (Costa & Valente, 2015, p.100). Pensando nessas limitações o GHEMAT começou a utilizar uma base de dados virtual, os documentos são classificados, catalogados e disponibilizados pelo Repositório Institucional em específico a comunidade História da educação matemática5:
[...] constitui-se de espaço virtual no qual têm sido alocadas os documentos digitalizados dos projetos coletivos de pesquisa (...) o trabalho é semelhante aquele realizado numa biblioteca: catalogar, aspectos da curadoria, disseminação e preservação da informação. (...) Trata-se de um repositório virtual, aberto e institucionalizado, especificamente para armazenar fontes diversas, ensaios e pesquisas voltadas para a História da Educação Matemática. Poderá ser consultado a partir de qualquer dispositivo com acesso à internet (Costa, 2015, pp. 32-33).
De acordo com Certeau (2013) “um trabalho ‘científico’ quando opera uma redistribuição do espaço e consiste, primordialmente, em se dar um lugar, pelo ‘estabelecimento das fontes’ - quer dizer, por uma ação instauradora e por técnicas transformadoras” (p.73). Essa é a perspectiva do GHEMAT, transformando um lugar e redistribuindo o espaço a partir da utilização do Repositório. Para Certeau (2013) as bibliotecas, os arquivos, são os lugares e espaços onde a ciência se desenvolve, onde há a circulação de várias pesquisas que remetem e se submetem, como no exemplo do GHEMAT, no qual utiliza-se do Repositório como espaço de circulação de resultados de pesquisas nesta relação de remeter e submeter.
Em relação ao uso da tecnologia, principalmente ao computador, Furet (1971) menciona a sua utilização como um progresso:
[...] l'utilisation de l'ordinateur par l'historien n'est pas seulement um immense progrès pratique, par le gainde temps qu'il permet (...); c'est aussi une contrainte théorique très utile, dans la mesure où la formalisation d'une série documentaire destinée à être programmée oblige par avance l'historien à renoncer à sa naïveté épistémologique, à construire son objet de recherche, à réfléchir à ses hypothèses, et à passer de l'implicite à l'explicite (p. 67).6
O Repositório vem auxiliar nesse avanço do acesso as fontes de pesquisa. Divide-se em subunidades e comunidades, em que cada comunidade tem ‘coleções’, com inúmeros itens. Por exemplo: a comunidade História da Educação Matemática (l'Histoire de l'éducation mathématique), contém duas subcomunidades: A MATEMÁTICA NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DO ENSINO PRIMÁRIO - em tempos do escolanovismo, 1930-1960: fontes para a pesquisa; e EVENTOS - Anais (Proceedings). E têm-se várias Coleções, como: ARTIGOS; CADERNOS ESCOLARES; LIVROS DIDÁTICOS E MANUAIS PEDAGÓGICOS; REVISTAS PEDAGÓGICAS; entre outros.
A comunidade História da educação matemática armazena a documentação de diferentes partes do país. Os integrantes do GHEMAT contribuem para a alimentação deste espaço virtual disponibilizando documentos relacionados aos projetos de pesquisa do Grupo. Essa mobilização contribui para avanços nas pesquisas, destinando-se a subsidiar estudos sobre História da educação matemática brasileira.
Está em curso o desenvolvimento do projeto temático “A Constituição dos Saberes Elementares Matemáticos: a Aritmética, a Geometria e o Desenho no curso primário em perspectiva histórico-comparativa, 1890-1970” - projeto apoiado pelo CNPq (Edital Universal CNPq 470400/2012-9). No primeiro momento foram coletados a documentação oficial para o ensino de matemática de diferentes Estados brasileiros, no qual os pesquisadores do GHEMAT em sua região buscavam as fontes. Em seguida foram os impressos pedagógicos, os manuais pedagógicos para professores e os livros didáticos utilizados pelos alunos, todos vestígios da cultura escolar já disponíveis no Repositório.
Atualmente o GHEMAT está mobilizando os documentos contidos nos arquivos escolares, como os cadernos de alunos e professores, atas, boletins, entre outros vestígios que privilegiem o interior da “caixa preta”. As mobilizações para encontrar essas fontes, os cadernos escolares, iniciaram este ano e conta com a colaboração de diversos pesquisadores nos diferentes Estados e com o apoio da comunidade em geral. O GHEMAT divulga a coleta deste material através das redes sociais7 e em eventos, como o XII ENEM (Encontro Nacional de Educação Matemática) que ocorreu entre os dias 13 a 16 de julho em São Paulo de 2016. O grupo solicitou aos que possuem cadernos de alunos e professores do período de 1890 a 1970, que levassem ao evento onde foram realizadas as digitalizações, com a contribuição dos congressistas para a ampliação do acervo.
A coleção Cadernos Escolares8 relacionam-se aos seguintes metadados: Autor (aluno), a quem pertence o caderno; Autor (professor), o nome do professor associado ao caderno; Título, representando a matéria ou assunto, o estado onde foi utilizado o caderno, e o ano (Data de uso do caderno) caso a informação esteja disponível; Como citar de acordo com as normas da ABNT; Palavras-chave; Resumo e Descrição, contendo informações como o nível de uso do caderno com especificação da graduação, matéria, nome do aluno, nome do professor, nome da escola e conteúdos, cor da capa do caderno, nome do fabricante, detalhes da ilustração, número de páginas, entre outros elementos que possam auxiliar ao pesquisador na hora de utilizar o documento como fonte.
Os metadados são pontos importantes na caracterização de um documento quando o mesmo é inserido no Repositório:
Na medida que o pesquisador elege um dado documento para ser introduzido no Repositório, transforma-se o estatuto deste documento com seu uso em fonte de pesquisa. E como tal, ele deve estar muito bem caracterizado permitindo a catalogação de forma que seja possível facilmente identificá-lo pelos mecanismos de buscas.
Mais do que ser um fichamento com os dados básicos de uma dada fonte de pesquisa digitalizada (item do repositório), o cadastramento passa a ser elemento ativo no processo da pesquisa que se desenvolve no grupo alcançando um novo estatuto no trabalho coletivo. O item depositado, junto com seus metadados no Repositório, não é só “produto final” de uma dada pesquisa, mas sim elemento inicial de outras novas pesquisas (Costa & Valente, 2015, pp.103-104).
Como podemos ver nos exemplos a seguir dos metadados dos cadernos escolares de aluno e professor:
Fonte: Repositório Institucional da UFSC (https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/161209)
Até o momento da escrita deste artigo, na coleção “Cadernos Escolares” havia 82 (oitenta e duas) inserções, como caracterizadas conforme quadro a seguir:
Fonte: Repositório UFSC - Comunidade História da educação matemática
Podemos observar que o assunto de Aritmética, o ano de 1970 e o estado de São Paulo, são os cadernos escolares de maior recorrência, em sua maioria são cadernos de alunos, sendo apenas 06 (seis) cadernos de professores das 82 (oitenta e duas) inserções. No âmbito dos saberes matemáticos, podemos observar 26 (vinte e seis) cadernos escolares, dentre eles 02 (dois) são cadernos de professores e fazem parte do estado de Minas Gerais, o período que correspondem aos cadernos escolares dos saberes matemática abrange de 1951 a 1971, conforme o quadro:
O estado de Santa Catarina é o que possuiu maior quantidade de cadernos escolares dos saberes de matemática, seguidos dos estados do Rio Grande do Sul e Minas Gerais. São dados iniciais, pois ainda estamos no processo de divulgação e mobilização para aumentar o acervo digital e contribuir para as pesquisas em História da educação.
De acordo com os autores Costa e Valente (2015) as digitalizações dos documentos e a sua disponibilização em bancos de dados digitais alteram a forma de realizar pesquisa em história.
[...] Se antes os textos impressos ditavam a lógica das exposições científicas, a partir dos textos eletrônicos produzidos relacionados com as fontes de pesquisa inseridas no Repositório, tudo é passível de ser verificado, confrontado, criticado, questionado, interrogado. (...) Descreve-se, desta forma, uma mudança epistemológica fundamental que transforma profundamente as técnicas de provas e das modalidades de construção e validação dos discursos de saber (p.109).
Como podemos observar neste tópico, a pesquisa científica se consolida quando há pesquisadores e uma relação com o lugar e o espaço das circulações de ideias. Isso o GHEMAT vem realizando desde sua criação, pelo aperfeiçoamento dos bancos de dados pelo uso do Repositório como acervo digital das suas fontes, assim como a ampliação do grupo com cada vez mais novos pesquisadores interessados pela História da educação matemática. Essa experiência relatada mostra o quão importante é o trabalho em grupo e como o movimento do GHEMAT potencializa avanços nas pesquisas da História da educação matemática no Brasil.
4. Algumas considerações finais
Uma das propostas deste artigo era responder a seguinte pergunta: que mobilizações estão sendo realizadas, pelo GHEMAT, no campo da História da Educação Matemática para a conservação de elementos provenientes de culturas escolares? No primeiro momento foram apresentadas as definições a respeito da cultura escolar, enfatizando a importância de realizar pesquisas voltadas para o interior das instituições escolares, não observar apenas os contextos externos a escola, pois como os autores mencionam a escola possui uma cultura própria, as práticas que são realizadas em seu interior constituem próprios elementos, definidos como cultura escolar ou culturas escolares, pois cada instituição de ensino é singular, possui suas próprias especificidades.
O campo de pesquisa em História da educação matemática, que tomam a cultura escolar como categoria de análise, ainda é relativamente novo, podendo ser exploradas de diversas maneiras, com diversidade de fontes. No Brasil, o GHEMAT, se articula e mobiliza vestígios do passado, que constituem a cultura escolar, e ampliam-se as pesquisas, alicerçadas com o uso do Repositório da UFSC, como o exemplo apresentado dos cadernos escolares, no segundo tópico deste artigo.
O Repositório, por ser uma base de dados de acesso aberto, potencializa a produção das pesquisas em história da educação matemática, pela variedade e diversidade das fontes, ele é construído pelo movimento da pesquisa, as problemáticas que são estabelecidas pela área. Não é o fato de existir uma coleção denominada Cadernos Escolares que estarão todos os itens relativos a esta fonte.
Os documentos que constituem as fontes de pesquisas ainda estão sendo coletados, para realizar o tratamento semelhante a uma biblioteca, no qual são catalogados e classificados. Particularmente tomando como exemplo cadernos escolares, como apresentado, até o momento da escrita do artigo havia 82 (oitenta e dois) cadernos escolares, entre eles os saberes matemáticos são os de maior ocorrência com 26 (vinte e seis). O período de uso dos cadernos escolares abrange desde o ano de 1915 a 1971. E os estados que vêm contribuindo para o aumento deste acervo são: Bahia, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. No entanto, destaca-se a constante necessidade de efetuar verificações e correções, para uma correta e precisa inserção dos metadados cadastrados, na direção de normatizar os itens presentes no Repositório.
Este artigo apresentou uma categoria das fontes que tem sido mobilizada pelo grupo de pesquisa GHEMAT - os cadernos escolares, utilizando como estratégia a construção do Repositório de fontes para as pesquisas em história da educação matemática, esse movimento de criação foi uma ação coordenada pelos interesses de pesquisas próprio deste grupo. Não se pretende esgotar o tema, pelo contrário. A disposnibilização destes documentos potencializam inúmeros trabalhos que podem ser realizados e que possam contibuir com as pesquisas em História da educação matemática no Brasil.