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Anuario mexicano de derecho internacional

versión impresa ISSN 1870-4654

Anu. Mex. Der. Inter vol.23  Ciudad de México ene./dic. 2023  Epub 27-Nov-2023

https://doi.org/10.22201/iij.24487872e.2023.23.17900 

Comentarios

A denegação de homologação de sentença arbitral estrangeira com fundamento na ausência de imparcialidade do árbitro

The Refusal of Recognition and Enforcement of Foreign Arbitral Awards Based on the Arbitrator’s Lack of Impartiality

Le refus d’approbation d’une sentence arbitrale étrangère fondée sur l’absence d’impartialité de l’arbitre

María Laura Fornasar* 
http://orcid.org/0000-0003-4021-4209

* Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil, laurafornasar@yahoo.com.br.


Resumo

O presente artigo vai tratar da situação em que se alega o não cabimento da homologação da sentença arbitral estrangeira com fundamento na ausência de imparcialidade do árbitro. Buscar-se-á primeiro entender o que a doutrina e a jurisprudência consideram como ausência de imparcialidade do árbitro. Em seguida, verificar-se-á se a falta de imparcialidade do árbitro é capaz de resultar na denegação de homologação da sentença arbitral estrangeira. Será discutido qual seria o fundamento para denegação, partindo-se da análise da Convenção de Nova Iorque de 1958. A apresentação do posicionamento da jurisprudência estrangeira e especialmente da jurisprudência brasileira sobre o tema será importante para se chegar a conclusões a respeito da possibilidade ou não da denegação e para tentar identificar os parâmetros utilizados nas decisões denegatórias.

Palavras-chave: Homologação; estrangeira; arbitragem; imparcialidade; árbitro

Abstract

This article will deal with the situation in which it is alleged that the recognition and enforcement of the foreign arbitral award should be denied on the basis of the arbitrator’s lack of impartiality. The first step will be understanding what scholars and case law consider to be the lack of impartiality of the arbitrator. Next, it will be verified whether the arbitrator’s lack of impartiality leads to the denial of recognition and enforcement of the foreign arbitral award. The ground for denial will be discussed, based on the analysis of the New York Convention of 1958. The presentation of the position of foreign and especially Brazilian case law on the subject will be important to reach conclusions regarding the possibility, if that is the case, to deny and to try to identify the parameters used in denial decisions.

Key words: enforcement; foreign; arbitration; impartiality; arbitrator

Résumé

Cet article traitera de la situation dans laquelle il est allégué que la ratification de la sentence arbitrale étrangère n’est pas valable en raison du manque d’impartialité de l’arbitre. Elle cherchera d’abord à comprendre ce que la doctrine et la jurisprudence considèrent comme l’absence d’impartialité de l’arbitre. Ensuite, il sera vérifié si le manque d’impartialité de l’arbitre est susceptible d’entraîner le refus de ratification de la sentence arbitrale étrangère. On discutera de ce qui serait la base du refus, à partir de l’analyse de la Convention de New York de 1958. La présentation de la position de la jurisprudence étrangère et en particulier de la jurisprudence brésilienne sur le sujet sera importante pour tirer des conclusions quant à la possibilité ou pas de refus et d’essayer d’identifier les paramètres utilisés dans les décisions de refus.

Mots clés: Homologation; étranger; arbitrage; impartialité; arbitre

Sumário:

I. Introdução. II. A imparcialidade do árbitro no direito brasileiro: a apreciação no âmbito da homologação de sentenças arbitrais estrangeiras. III. Alegação de ausência de imparcialidade do árbitro e denegação de homologação de sentença arbitral estrangeira na jurisprudência estrangeira. IV. Alegação de ausência de imparcialidade do árbitro e denegação de homologação de sentença arbitral estrangeira na jurisprudência brasileira. V. Análise dos julgados do STJ sob a ótica da ordem pública internacional. VI. Conclusão. VII. Bibliografia.

I. Introdução

A imparcialidade do árbitro é um tema que dá ensejo a entendimentos divergentes, tanto na jurisprudência estrangeira quanto na brasileira, tendo em vista, principalmente, a ausência de um código de ética internacional (ou nacional) que possa servir de parâmetro para decidir se, em determinada situação concreta, o árbitro atuou ou não de maneira parcial.1

Embora, geralmente, as legislações sobre arbitragens domésticas2 e os regulamentos das câmaras de arbitragem comercial internacional disponham sobre o dever de imparcialidade do árbitro,3 eles não mencionam quais condutas seriam eivadas de parcialidade.

Nesse contexto de ausência de normatização sobre que tipos de condutas representam ou sinalizam uma violação ao dever de imparcialidade, a apreciação sobre determinada alegação de parcialidade do árbitro, quando levada a juízo, é realizada casuisticamente, de acordo com a sensibilidade do julgador.

Diante disso, tem-se como problema: o que a jurisprudência brasileira considera, em sede de homologação de sentenças arbitrais estrangeiras, como violação à imparcialidade do árbitro?

A hipótese, a ser testada a partir da jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ),4 é que não é possível extrair de suas decisões uma tendência majoritária ou consolidação de entendimento sobre o que o tribunal considera como parcialidade.

A ausência de imparcialidade do árbitro pode dar ensejo ao ajuizamento de ação de nulidade da sentença arbitral. Pode também resultar na denegação de homologação da sentença arbitral estrangeira, objeto principal do presente artigo. Optamos por abordar a imparcialidade por termos notado que o STJ em suas decisões de homologação tende a fazer mais referência à imparcialidade do que à independência do árbitro.

Precedentes de denegação de homologação de sentença arbitral estrangeira por falta de imparcialidade do árbitro, no Brasil e no exterior, enquadraram o tema na violação à ordem pública, razão pela qual o presente artigo terá como foco a análise com esse fundamento. A base legal está no artigo V, (2) (b) da Convenção de Nova Iorque de 19585, que resguarda a ordem pública internacional.6 Já no ordenamento jurídico brasileiro, o fundamento encontra-se no artigo 39, II da Lei 9307/96 (Lei de Arbitragem brasileira).7

II. A imparcialidade do árbitro no direito brasileiro: a apreciação no âmbito da homologação de sentenças arbitrais estrangeiras

O conceito de imparcialidade do árbitro8 está relacionado, nas palavras de Carlos Alberto Carmona, à equidistância que o julgador deve guardar em relação às partes.9 O elemento de base para se aferir se a conduta do árbitro foi parcial, segundo Selma Lemes, é verificar se a decisão foi inspirada no desejo de obter justiça sem, no entanto, perquirir se a sentença foi justa ou injusta.10

Diante do subjetivismo que envolve a sua configuração e a ausência de parâmetros normativos, pode ser difícil para a contraparte prever e defender-se dessa alegação. Quanto ao árbitro, a sua revelação de circunstâncias que podem dar ensejo a impugnações é uma conduta esperada. Mas quais os parâmetros a serem adotados?

As circunstâncias apontadas na IBA Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration,11 especialmente as descritas na “Non-Waivable Red List”, na “Waivable Red List” e na “Orange List” podem servir de guia para os árbitros quanto à revelação a ser feita às partes. Contudo, é uma norma não vinculante e não necessariamente será compatível com a cultura da sede da arbitragem.12

A situação será diferente se as partes expressamente tiverem optado pela aplicação da IBA Guidelines (ou outro documento de soft law) antes ou após a instauração da arbitragem. Nessa hipótese, essa norma servirá de base para que o árbitro revele determinado fato ou circunstância, sendo que tal revelação não necessariamente implica a existência de um conflito de interesses.13

Tão ou mais importante do que verificar se incide no caso alguma espécie de soft law, como as IBA Guidelines acima mencionadas, será observar o disposto na lei aplicável à arbitragem.

Sendo aplicável a lei brasileira, caberá observar o disposto no artigo 14 da Lei 9.307/96,14 que prevê o impedimento do árbitro nas hipóteses de suspeição ou impedimento de juízes previstas no Código de Processo Civil,15 bem como o artigo 13, § 6o. da Lei 9.307/96.16

O dever de revelação do árbitro tem grande relevo, como corolário da estrutura de confiança17 que as partes depositam no árbitro e com expressa referência no §1o. do artigo 14 da Lei 9.307/96.18

Nesse sentido, defende Giovanni Ettore que o contrato de árbitro representa pacto de confiança, de natureza intuitu personae. Destaca que: “A confiança respalda aqui, acima de tudo, a postura, a retidão e a indicação, por parte do árbitro, de que desfruta de índole para cumprir seus deveres de independência e de imparcialidade. Ou melhor, para adimplir seus deveres legais de proceder com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição (art. 13, § 6o., Lei 9.307/1996 (LGL\1996\72))”.19

Sendo assim, a ausência de revelação de determinado fato que, do ponto de vista da(s) parte(s), deveria ter sido feita, pode provocar nela(s), nas palavras de Carlos Alberto Carmona, um “mal-estar decorrente de eventual suspeita de reserva mental, criando base (ainda que infundada) para impugnação e recusa”.20 Por outro lado, também pode ocorrer de, mesmo cientes da existência de uma hipótese de impedimento ou suspeição (por exemplo, prevista no Código de Processo Civil), as partes aceitarem a indicação do árbitro. Se elas sabiam e aquiesceram, os autores brasileiros de maneira geral, não veem empecilhos em seguir com essa nomeação,21 devendo, claro, o árbitro decidir de acordo com seu livre convencimento. Esse entendimento é passível de críticas porque em situações em que há violação à ordem pública, a mera aceitação não seria suficiente para que a sentença seja válida ou homologada. A ausência de imparcialidade do árbitro pode dar ensejo ao ajuizamento de ação de nulidade da sentença arbitral,22 com base no artigo 32, II e/ou VIII da Lei 9.306/97.23

Quando a parte requer a anulação por quebra da imparcialidade, o que deve ser avaliado não é a falta de revelação, caso arguida, mas se o fato não revelado era capaz de influenciar no julgamento.24

A alegação de ausência de imparcialidade também pode ocorrer em sede de contestação à homologação de sentença arbitral estrangeira, foco do presente artigo.25 O artigo V da Convenção de Nova Iorque26 elenca as hipóteses em que pode ser denegado o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais estrangeiras, que são taxativas. Os artigos 38 e 39 da Lei de Arbitragem Brasileira27 tratam de hipóteses de denegação de homologação, que, de modo geral, refletem a redação do artigo V da Convenção de Nova Iorque.

Da leitura do inteiro teor das Sentenças Arbitrais Estrangeiras Contestadas do STJ que apreciaram o pedido de denegação de homologação com fundamento na ausência de imparcialidade do árbitro,28 vê-se que poucas especificaram precisamente o embasamento legal, seja do requerimento ou da fundamentação da decisão da Corte,29 à exceção da SEC 9.412/US.

Na SEC 9.412/US, o STJ entendeu que a falta de imparcialidade do árbitro, se constatada, enseja a denegação de homologação por contrariedade à ordem pública, nos termos do artigo 39. II, da Lei 9.307/1996. Logo, vamos nos aprofundar na hipótese de denegação com fundamento na ordem pública internacional,30 ainda que a alegação possa vir também com outro fundamento, como por exemplo, no artigo V, 1, b da Convenção de Nova Iorque, que postula a observância ao devido processo legal.

Com base no artigo 34, caput da Lei 9.307/96 e no artigo 13 do Código de Processo Civil brasileiro, pode-se dizer que o regime legal de homologação de sentenças arbitrais estrangeiras no Brasil é o da Convenção de Nova Iorque, internalizada no ordenamento jurídico nacional com a promulgação do Decreto No. 4.311/02,31 que prevalece sobre o disposto na Lei Brasileira de Arbitragem.32

Portanto, a locução “ordem pública nacional” do 39, II da Lei 9307/96 deve ser interpretada à luz do art. V, (2) (b) da Convenção de Nova Iorque, que utiliza a expressão ordem pública daquele país”.33 Diante disso, não merece acolhida o entendimento de que a ordem pública mencionada no 39, II da Lei 9307/96 seria a ordem pública interna. Importante lembrar que em sede de homologação, a sentença arbitral estrangeira passará por um “filtro mais tolerante” do que o da ordem pública interna, o da conformidade ou não com a ordem pública internacional. Essa análise deve ser feita considerando as circunstâncias do caso e ponderando se a homologação é capaz de ferir princípios fundamentais do foro.

Mais à frente, veremos como o STJ vem tratando essa questão na apreciação de Sentenças Arbitrais Estrangeiras Contestadas, buscando identificar os parâmetros utilizados nas decisões denegatórias.

III. Alegação de ausência de imparcialidade do árbitro e denegação de homologação de sentença arbitral estrangeira na jurisprudência estrangeira

Em um trabalho de pesquisa sobre o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras em diversos países do mundo, coordenado por George Bermann, constatou-se que a jurisprudência na Áustria, Colômbia, Croácia e Alemanha já considerou a imparcialidade do tribunal arbitral como um tema atinente à ordem pública.34

Em outra obra, George Bermann e Emmanuel Gaillard pontuaram precedentes que enquadraram a ausência de imparcialidade e independência do árbitro como violação à ordem pública. Mencionaram como exemplo o caso francês Soc. Excelsior Film TV v. Soc. UGC-PH35 em que, em disputa envolvendo duas arbitragens paralelas com as mesmas partes, um dos árbitros, que estava atuando em ambas, forneceu informação falsa a um tribunal arbitral sobre a outra arbitragem, o que teve impacto na decisão do tribunal sobre sua jurisdição. A Corte de Cassação francesa considerou que isso gerou uma desigualdade entre as partes, afetando o devido processo legal.

Os referidos autores trazem outro exemplo: uma decisão suíça na qual o advogado que assessorou uma das partes na elaboração do contrato inseriu no mesmo uma cláusula apontando ele próprio como árbitro na hipótese de surgir uma disputa entre as partes. A corte suíça considerou que esse fato constituiu uma violação à ordem pública.36

Dirk Otto e Omaia Elwan colocam que é comum a jurisprudência considerar não bastar que seja feita apenas uma alegação de imparcialidade do árbitro para recusar a homologação de sentença arbitral estrangeira com fundamento na ordem pública, sendo necessário provar a ocorrência de fatos que indiquem a existência de parcialidade.37

Os referidos autores ressaltam que, embora não se exija prova de a decisão ter sido injusta ou incorreta, é necessário provar fatos relacionados com a atuação do árbitro capazes de ensejar uma razoável preocupação com sua imparcialidade. Como exemplo, citam uma decisão norte-americana que denegou a homologação de sentença arbitral estrangeira por não ter o árbitro revelado que o escritório de advocacia em que trabalha atuou para a empresa matriz de uma das partes (ainda que ele pessoalmente não tenha trabalhado na operação). A corte entendeu ser irrelevante se o árbitro sabia ou não desse conflito, pois deveria ter verificada previamente a presença de circunstâncias capazes de conduzir ao questionamento de sua imparcialidade.38

Por outro lado, os referidos autores citam decisões nas quais a alegada parcialidade do árbitro foi insuficiente para constituir uma violação da ordem pública quando o árbitro e a empresa na qual uma das partes era acionista eram membros do mesmo grupo empresarial.39

Dirk Otto e Omaia Elwan mencionam ainda decisões que consideraram não necessariamente violar a ordem pública a sentença arbitral afetada pela parcialidade do árbitro quando uma parte não levanta essa objeção durante a arbitragem (apesar de ter tido conhecimento do fato no curso do processo arbitral).40

IV. Alegação de ausência de imparcialidade do árbitro e denegação de homologação de sentença arbitral estrangeira na jurisprudência brasileira

1. SEC 9.412/US, Rel. Ministro Felix Fischer, Rel. p/ Acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, julgado em 19/04/2017, DJe 30/05/2017

Na SEC 9.412/US, uma das alegações apresentadas pela parte requerida na contestação foi a parcialidade do Presidente do Tribunal Arbitral, sob o fundamento de que seria sócio sênior de banca de advocacia que teria representado as empresas requerentes em diversas causas.

Os requeridos argumentaram que o escritório de advocacia Debevoise & Plimpton LLP, do qual o árbitro presidente é sócio sênior, recebeu da empresa Abengoa Solar, integrante do grupo Abengoa, no período da arbitragem, o montante de US$ 6,5 milhões a título de honorários e que isso não foi revelado pelo árbitro presidente. Aduziram que tais honorários são relativos à assessoria prestada na estruturação de investimentos por meio do Departamento de Energia americano, de dois grandes projetos de energia solar do grupo Abengoa -Mojave e Solana-, avaliados em US$ 5 bilhões.

Em réplica, as requerentes, dentre outros argumentos, sustentaram que o árbitro presidente desconhecia as operações invocadas pelos requeridos e que nem ele nem seus sócios prestaram serviços de advocacia para qualquer empresa do grupo Abengoa. Afirmaram que o escritório de advocacia do árbitro presidente não prestou assessoria direta às empresas do grupo Abengoa, mas ao Departamento de Energia dos Estados Unidos da América, e essa assessoria ao Departamento de Energia é que motivou o recebimento dos mencionados honorários. Esclareceram que, pelas regras americanas, as empresas interessadas na realização de investimentos no setor de energia dos EUA devem arcar com todos os custos envolvidos na obtenção de financiamento, neles incluídos os honorários do escritório de advocacia escolhido exclusivamente pelo Departamento de Energia dos EUA. Acrescentaram que o pagamento dos honorários decorrentes dessa escolha não implica a constituição de relação advogado-cliente entre a empresa e o escritório escolhido.

O Ministro João Otávio de Noronha considerou que: (i) a circunstância de ser o órgão governamental o cliente do escritório de advocacia não descaracteriza a relação de devedor e credor existente entre o grupo Abengoa e o escritório do árbitro presidente; (ii) o fato de os honorários não decorrerem de assessoria direta ao grupo Abengoa é irrelevante para afastar a configuração da hipótese de suspeição do árbitro presidente; (iii) ainda que essa relação de devedor e credor entre a empresa Abengoa Solar, integrante do grupo Abengoa e o escritório do árbitro presidente fosse de desconhecimento do árbitro, isso já é suficiente para colocar objetivamente em dúvida sua independência.

Mencionou que o escritório de advocacia do árbitro presidente representou a empresa Schneider Electric na operação de aquisição das ações que a Abengoa S/A detinha na companhia Telvent GIT S/A, avaliada em US$ 2 bilhões. Além disso, em outra operação, o fundo de investimentos First Reserve, cliente habitual do escritório Debevoise, adquiriu, no curso da arbitragem, ações da sociedade Abengoa S/A, que é a holding controladora do grupo Abengoa. Nessa operação, avaliada em US$ 400 milhões, o escritório do árbitro presidente igualmente prestou assessoria ao Departamento de Energia dos EUA para a aprovação da operação, com todos os envolvimentos daí decorrentes.

A ministra Nancy Andrighi sustentou que a questão relativa à imparcialidade do julgador consubstancia matéria de ordem pública no Brasil e, portanto, é cognoscível a qualquer tempo. Em relação ao fato de o escritório de advocacia do qual o árbitro é sócio sênior receber expressivos honorários de empresa do mesmo grupo de uma das partes da arbitragem, entendeu a Ministra que era dever ético do árbitro renunciar como presidente do tribunal arbitral ou, pelo menos, revelar essa circunstância às partes da arbitragem. Acrescentou que a renúncia como árbitro presidente do referido tribunal arbitral seria uma admissão implícita à formal acusação de parcialidade feita pelos ora requeridos também àquela corte após a prolação das sentenças arbitrais.

O ministro Herman Benjamin (voto-vista) também entendeu que a imparcialidade do julgador é questão de ordem pública. Considerou que o pagamento dos honorários pelo Grupo Abengoa ao escritório Debevoise y Plimpton deveria ter sido divulgado às partes da arbitragem, em obediência ao dever de revelação, sendo a existência deles motivo suficiente para gerar numa das partes dúvida sobre a imparcialidade do árbitro. Acrescentou que, o fato de que o Grupo Abengoa era devedor do Debevoise y Plimpton, ainda que não fosse por serviços prestados a ele, gera suspeição do presidente do tribunal arbitral.

O segundo fato apontado como comprometedor da imparcialidade do presidente dos tribunais arbitrais é que, no curso das arbitragens, a First Reserve Corporation, empresa de investimentos privados (private equity), adquiriu participação na holding do Grupo Abengoa por cerca de 400 milhões de dólares. Para o Ministro, é irrelevante se o Sr. David Rivkin efetivamente se influenciou por esse relacionamento e mesmo se o conhecia. Enfatizou que:

Embora o escritório do presidente dos tribunais arbitrais, Debevoise y Plimpton, não tenha participado da operação, é incontroverso que a First Reserve é cliente habitual do escritório, tendo o Sr. David Rivkin admitido o fato em depoimento à Justiça Federal americana. Assim, essa operação é geradora de suspeição, pois, em tese, decisão favorável ao Grupo Abengoa nas arbitragens favoreceria os interesses da First Reserve, cuja prosperidade seria do interesse da Debevoise & Plimpton, por ser um bom cliente do escritório. Há o enquadramento do caso na alínea V do artigo 135 do CPC/1973.

O STJ, por maioria, indeferiu o pedido de homologação das sentenças estrangeiras. Prevaleceu o entendimento de que ofende a ordem pública nacional a sentença arbitral emanada de árbitro que tenha, com as partes ou com o litígio, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes (artigos 14 e 32, II, da Lei n. 9.307/1996) e que a violação pelo árbitro do dever de revelação de quaisquer circunstâncias passíveis de, razoavelmente, gerar dúvida sobre sua imparcialidade e independência, obsta a homologação da sentença arbitral. O voto vencido do ministro Relator Felix Fischer foi no sentido de que no processo homologatório de laudos arbitrais não bastam indícios da parcialidade ou a mera alegação da parte que não logrou êxito no julgamento da sua causa, sendo necessário que haja prova do comportamento parcial.

2. SEC 4.837/BO, Rel. Ministro Francisco Falcão, Corte Especial, julgado em 15/08/2012, DJe 30/08/2012

Na SEC 4.837/BO, o requerido alegou a ausência de imparcialidade de dois dos três árbitros, um dos quais nomeado pelo próprio requerido (naquela ocasião demandante) na arbitragem. O STJ entendeu que a impugnação foi feita intempestivamente, visto que, comunicadas acerca da nomeação dos árbitros, as partes não fizeram qualquer impugnação com relação a tais escolhas. A homologação da sentença arbitral estrangeira foi deferida por unanimidade pela Corte Especial.

O STJ considerou que não houve violação à ordem pública, porém, não mencionou especificamente se a ausência de imparcialidade do árbitro, quando verificada, seria capaz de ensejar tal violação.

3. SEC 12.493/US, Rel. ministra Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, julgado em 15/02/2017, DJe 21/02/2017

O requerido alegou em juízo homologatório a parcialidade do árbitro pelo fato de que este, ao deferir pedido liminar formulado pela parte requerente no curso do procedimento, teria adentrado no mérito da controvérsia, prejulgando a causa e colocando sob suspeita sua imparcialidade e independência, ofendendo, assim, a soberania nacional e a ordem pública.

O STJ entendeu que, como essa questão foi enfrentada no procedimento de arbitragem, não cabe ao STJ, em juízo delibatório de homologação, reexaminar o provimento liminar ali exarado, sob pena de invadir a competência do Tribunal Arbitral, notadamente porque não evidenciada a alegada parcialidade do árbitro a autorizar o reconhecimento de ofensa à ordem pública e à soberania nacional. Homologou a sentença arbitral estrangeira por unanimidade.

O requerido interpôs recurso extraordinário ao STJ que não foi admitido, por ter o acórdão recorrido afirmado que não há prova da alegada parcialidade do juízo arbitral, impedindo a reversão do julgado por meio de recurso extraordinário, pois demandaria reexame do acervo fático-probatório dos autos, o que encontra óbice na Súmula 279/STF.

4. HDE 120/US, Rel. ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 18/12/2018, DJe 12/03/2019 41

A sentença arbitral estrangeira objeto de homologação declarou rescindido contrato de licença de uso de marca, condenou a requerida ao pagamento de quantia certa e proibiu-a de vender produtos da marca LEVI’S. A requerida contestou apresentando, como uma das alegações, a imparcialidade do árbitro, em arbitragem com sede em São Francisco, Califórnia (Estados Unidos).

A relatora, Ministra Nancy Andrighi, entendeu que a análise da irresignação da requerida acerca da escolha do árbitro demandaria o reexame da própria decisão homologanda e acrescentou que tal impugnação deixou de ser feita em momento oportuno, ou seja, no prazo para impugnação no processo arbitral.42 Votou pela homologação e considerou que não houve ofensa à ordem pública. Argumentou que:

No que concerne à irresignação da requerida acerca da participação, no procedimento, de terceiros estranhos à relação negocial lá discutida, bem como no que concerne ao árbitro escolhido e à higidez das provas que levaram à formação do convencimento do julgador, importa consignar que se trata de questões cuja solução demandaria o reexame da própria decisão homologanda, além da análise das regras procedimentais e materiais incidentes à espécie (Regras de Arbitragem Comercial da Associação Americana de Arbitragem, Lei de Arbitragem Federal dos EUA e demais leis do Estado da Califórnia) às quais as partes optaram livremente por se submeter e por sujeitar todas as matérias atinentes ao negócio jurídico subjacente, conforme se depreende da leitura das cláusulas 22.3 e 26.9 do contrato entabulado” (grifou-se).

Vale mencionar o voto vencido do ministro Herman Benjamin, o qual entendeu que o árbitro feriu as regras da Associação Americana de Arbitragem aplicáveis à arbitragem, pois não só deixou de revelar suas relações, mas negou-as expressamente em documento. Sustentou que:

A fundação da qual o árbitro é diretor investiu um milhão e meio de dólares em projeto dentro do centro Haas, o qual leva o nome da família proprietária da Levi Strauss em virtude das doações dos donos dessa empresa para esse centro, conforme demonstra a página da Wikipédia traduzida pela requerente. A família Haas, proprietária da Levi Strauss & Co., é uma das grandes patrocinadoras da Universidade de Stanford, onde o árbitro é professor. Não é só: a relação dos Haas, proprietários da multinacional Levi Strauss, com a Universidade de Stanford data de muitos anos, tanto que um Centro em Stanford carrega o nome da família.

Quando faleceu o CEO da Levi Strauss, Peter Haas, foi-lhe feita uma grande homenagem pelo presidente emérito de Stanford. São, portanto, pessoas com interesses comuns, engajadas em estudos e causas semelhantes e com laços ou interesses comuns aos donos da Levi Strauss.

A fundação Haas é há muito tempo a grande benemérita do Centro Haas em Stanford, tendo feito, em 2004, doação para financiar uma cadeira para o diretor do centro. A pessoa nomeada para essa diretoria vinculada à família Haas no período da arbitragem era um senhor chamado Larry Diamond, que é, assim como o árbitro, pesquisador na Hoover Institution (parte da Stanford - o próprio papel timbrado do árbitro no documento Notice of Appointment and Compensation é da Hoover Institution).

Esse senhor também é diretor, junto com o árbitro, da AMENDS (American Middle Eastern Network for Dialogue at Stanford - Rede America-Oriente Médio para Diálogo em Stanford). Vê-se que há relações no mínimo suspeitas entre pessoas ligadas à família Haas e ao árbitro.

É inegável, portanto, a importância da família Haas dentro de Stanford, onde o árbitro é professor. Não se compreende por que Abraham Sofaer tem, nessas circunstâncias, faltado ao seu dever de revelar toda e qualquer relação, ainda que social, direta ou indireta, que pudessem dar a impressão de parcialidade, com as partes da arbitragem. A revelação de qualquer de tais vínculos teria sido suficiente para que a requerida o recusasse como árbitro, ainda mais quando se sabe que doadores em Stanford influenciam até mesmo na aceitação de alunos na Universidade. Assim, entende-se que, ao contrário do alegado pelas requerentes, a suspeição efetivamente existe... Dessa forma, em suma, quanto as doações e relações negociais entre o árbitro, a requerente e os entes aqui relacionados, elas teriam de ser divulgadas às partes da arbitragem, em obediência ao dever de revelação, sendo a existência deles motivo suficiente para gerar numa das partes dúvida sobre a imparcialidade do árbitro. Na arbitragem, é preciso que os árbitros gozem da confiança das partes. Assim, incide a norma estabelecida no art. 135, II, do CPC/1973 (atual art. 145, III, do CPC/2015), gerando suspeição do juiz arbitral.

Para o ministro, tais episódios geram a suspeição do árbitro, e julgamentos proferidos com a participação de julgador suspeito violam a ordem pública brasileira.

A Corte Especial, por maioria, deferiu o pedido de homologação de sentença, nos termos do voto da relatora, ministra Nancy Andrighi. Observa-se que a relatora não enfrentou em seu voto o argumento levantado pela requerida de vinculação do árbitro com a requerente, que foi examinado pelo ministro Herman Benjamin em seu voto que restou vencido. Como já mencionado, a relatora entendeu que a análise da irresignação da requerida acerca da escolha do árbitro demandaria o reexame da própria decisão homologanda.

5. SEC 9.713/US, Relator ministro João Otávio de Noronha, 06/08/2014 (decisão monocrática)

Na mesma linha do que foi decido na SEC 4.837/BO, o ministro João Otávio de Noronha, em decisão monocrática na SEC 9.713/US, entendeu que a alegação de parcialidade dos árbitros, neste caso por exercerem atividade análoga à da requerida, não pode ser inaugurada no processo de homologação de sentença estrangeira, pois a parte deveria ter impugnado tal questão no momento oportuno e na forma prevista no Regulamento de Arbitragem.

O STJ deferiu a homologação e considerou que não houve violação à ordem pública, porém, não mencionou especificamente se a ausência de imparcialidade do árbitro, quando verificada, seria capaz de ensejar tal violação.

6. SEC 9.714/US, Rel. ministra Maria Thereza De Assis Moura, 21/05/2014

O STJ por unanimidade deferiu a homologação e entendeu que não prospera a alegação da parte requerida de parcialidade dos árbitros por exercerem atividade mercantil semelhante à da parte autora. Com efeito, extrai-se dos autos que esse tema não foi arguido pela requerida no decorrer do procedimento arbitral, não se prestando, pois, como óbice à homologação.

v. Análise dos julgados do stj sob a ótica da ordem pública internacional

Na SEC 9.412/US, cabe reflexão sobre o apontamento feito pelo ministro João Otávio de Noronha a respeito da presença de elementos objetivos aptos a comprometer a imparcialidade e independência do árbitro presidente, que não foram revelados às partes. Para o referido ministro, a afirmação feita pelo árbitro de que desconhecia as operações invocadas pelos requeridos não é suficiente para afastar a suspeita de parcialidade.

Caso esses elementos tivessem sido revelados e o árbitro tivesse afirmado que isso não comprometia sua atuação, poder-se-ia considerar sanada a questão da ausência de imparcialidade e independência do árbitro? Ao nosso ver, não ficou claro se o ponto essencial que levou o Ministro João Otávio de Noronha a votar pela denegação da homologação no tocante à imparcialidade e à independência do árbitro foi a ausência de revelação do árbitro ou as próprias operações invocadas pelos requeridos. Por outro lado, a ministra Nancy Andrighi deixa claro no seu voto que, para ela, o pagamento recebido pelo escritório que o árbitro trabalha é suficiente para se concluir pela sua parcialidade.

É interessante verificar também o contraponto entre o voto vencido do Ministro Felix Fischer quando diz: «é necessário que o juiz tenha comprovadamente agido de modo parcial e, apenas nessa hipótese, estaria ferida a ordem pública nacional de forma a obstar a homologação do laudo” com o voto vencedor do ministro João Otávio de Noronha, que considerou que as circunstâncias do caso colocam objetivamente em dúvida a independência do árbitro.43 Do voto vencedor do ministro João Otávio de Noronha se extrai que uma relação entre o escritório de advocacia em que o árbitro trabalha e uma empresa pertencente ao grupo societário de empresa parte na arbitragem pode ser suficiente para se entender pela suspeição do árbitro, valendo pontuar, sobretudo, que, para o ministro, o fato de que os honorários recebidos por esse escritório de advocacia não decorreram de assessoria direta ao referido grupo societário é irrelevante para afastar a suspeição do árbitro.

Com exceção do ministro Felix Fischer, os ministros entenderam não haver óbice, na análise pelo STJ do requerimento de homologação de sentença arbitral estrangeira, na verificação de empecilho à homologação por suposta ausência de imparcialidade do presidente dos tribunais arbitrais, ainda que esse tema já tenha sido submetido ao Poder Judiciário norte-americano.

A ministra Nancy Andrighi considerou que a renúncia do árbitro presidente, comunicada em correspondência eletrônica enviada à Corte Internacional de Arbitragem da CCI no dia 26 de janeiro de 2012, seria uma admissão implícita à acusação de parcialidade feita pelos requeridos também ao tribunal arbitral após a prolação das sentenças arbitrais. Já o ministro Felix Fischer entendeu que “no que tange à renúncia do Juiz Presidente do Tribunal arbitral, o documento de fls. 1645-1646 demonstra que não se trataria de “confissão implícita”, conforme restou consignado pela em. ministra Nancy Andrighi, mas, ao que se depreende das suas explanações e das circunstâncias do caso concreto, de medida por ele tomada a título de cautela”. Ao nosso ver, a renúncia de um árbitro não implica automaticamente em admissão de parcialidade, sendo necessário verificar as circunstâncias do caso concreto.

É interessante sinalizar a manifestação da ministra Nancy Andrighi a respeito do âmbito de aplicação da ordem pública na homologação de sentenças arbitrais estrangeiras. A ministra fundamentou o indeferimento da homologação não só em dispositivos da Lei de Arbitragem Brasileira (inciso II do artigo 39 e § 1o. do artigo 14), como também em dispositivos da Constituição Federal (artigo 1o., caput e inciso I, e artigo 5o. incisos I, XXXVII e LIII). Para ela, haverá óbice à homologação de sentença arbitral estrangeira por ofensa à ordem pública quando a sentença estrangeira “desafiar direitos constitucionalmente previstos”. Não ficou claro se, na visão da ministra, esse raciocínio valeria para qualquer direito constitucionalmente previsto.

Dentre os julgados analisados, apenas na SEC 9.412/US o STJ entendeu que estava presente a parcialidade do árbitro, afastando a homologação da sentença arbitral estrangeira sob o fundamento da violação à ordem pública. Curioso observar que nas SEC 4.837/BO, HDE 120/US, SEC 9.713/ US e SEC 9.714/US, o STJ afirmou que é intempestiva a alegação de parcialidade do árbitro em juízo homologatório se a impugnação não foi feita anteriormente, no curso do processo arbitral. Na SEC 12.493/US, o STJ entendeu que não estava evidenciada a alegada parcialidade do árbitro a autorizar o reconhecimento de ofensa à ordem pública.

Nota-se uma mudança de posicionamento da ministra Nancy Andrighi na HDE 120/US em relação à SEC 9.412/US. Nesta, a ministra enfrentou a alegação de imparcialidade - por considerar que a questão relativa à imparcialidade do julgador consubstancia matéria de ordem pública no Brasil e, portanto, é cognoscível a qualquer tempo - e entendeu que o pagamento recebido pelo escritório que o árbitro trabalha seria suficiente para se concluir pela sua parcialidade, votando pela denegação da homologação.

Posteriormente, na HDE 120/US, a ministra entendeu que a análise da irresignação da requerida acerca da escolha do árbitro demandaria o reexame da própria decisão homologanda. Deixou, portanto, de enfrentar o argumento levantado pela requerida de vinculação do árbitro com a requerente, que foi examinado pelo Ministro Herman Benjamin em seu voto que restou vencido.

VI. Conclusão

A ausência de imparcialidade do árbitro pode dar ensejo ao ajuizamento de ação de nulidade da sentença arbitral, com base no artigo 32, II e/ou VIII da Lei de Arbitragem brasileira. Também pode resultar na denegação de homologação da sentença arbitral estrangeira, objeto principal do presente artigo.

Embora o artigo V, 1, b da Convenção de Nova Iorque, que postula a observância ao devido processo legal, possa também servir de fundamento para a denegação, observou-se que as decisões denegatórias brasileiras e estrangeiras costumam apresentar como fundamento a violação à ordem pública. Por essa razão, o foco neste trabalho foi a análise com esse fundamento.

Em sede de homologação, a sentença arbitral estrangeira passará por um “filtro mais tolerante” do que o da ordem pública interna, o da conformidade ou não com a ordem pública internacional, sendo esse o sentido do artigo V, 2, b da Convenção de Nova Iorque, diploma legal aplicável e prevalecente quanto ao tema no Brasil.

Frente à ausência de normatização sobre que tipos de condutas violam o princípio da imparcialidade, a apreciação sobre determinada alegação de parcialidade do árbitro, quando levada a juízo, é realizada casuisticamente, de acordo com a sensibilidade do julgador.

No Brasil, a doutrina e a jurisprudência dão importância ao dever de revelação do árbitro no contexto de análise de sua parcialidade, assim como o faz a própria Lei de Arbitragem brasileira, no §1o. do artigo 14 da Lei 9.307/96.

Esse fator já foi aferido em sede de homologação pelos tribunais brasileiros, a exemplo da SEC 9412/US, na qual um fundamento de destaque para a denegação da homologação da sentença arbitral estrangeira pelo STJ foi a ausência de revelação pelo árbitro presidente quanto ao pagamento dos honorários pelo Grupo da requerente (Grupo Abengoa) ao Debevoise & Plimpton, escritório em que o referido árbitro era advogado.

A falta de revelação também foi destacada na decisão norte-americana já citada HSMV Corp. v. ADI Ltd., 72 F. Supp. 2d 1122 (at 1127) (decided 1999) YCA XXV (2000), 1974 (at 1080) (US District Court for the Central District of California, US), em que se denegou a homologação de sentença arbitral estrangeira por não ter o árbitro revelado que o escritório de advocacia em que trabalha atuou para a empresa matriz de uma das partes (ainda que ele pessoalmente não tenha trabalhado na operação). Tanto nessa decisão quanto na SEC 9412/US do STJ, as cortes entenderam ser irrelevante se o árbitro sabia ou não desse conflito, pois deveria ter verificado previamente a presença de circunstâncias capazes de conduzir ao questionamento de sua imparcialidade.

Conclui-se não ser possível extrair das decisões proferidas pelo STJ em sede de homologação uma tendência majoritária ou consolidação de entendimento sobre o que o tribunal considera como parcialidade, confirmando-se a hipótese colocada na introdução do presente artigo.

A falta de revelação do árbitro de circunstâncias passíveis de, razoavelmente, gerar dúvida sobre sua imparcialidade e independência foi um fundamento para denegar a homologação na SEC 9412/US.44

Cabe ressaltar que na HDE 120/US, o Ministro Herman Benjamin em seu voto também considerou a falta de revelação como motivo para denegação da homologação, no entanto, prevaleceu o entendimento pela homologação da sentença arbitral estrangeira.

Diante das poucas sentenças estrangeiras contestadas proferidas sobre o assunto, não é possível extrair um posicionamento consolidado do STJ a respeito da centralidade da ausência de revelação na apreciação da quebra do dever de imparcialidade.

A decisão proferida na SEC 9412/US poderia sinalizar que, ao enfrentar o tema novamente em sede de homologação, o STJ apreciasse a alegação de imparcialidade baseada na ausência de revelação do árbitro.

Porém, o STJ se deparou novamente com esse argumento na HDE 120/ US, tendo prevalecido o voto da relatora Ministra Nancy Andrighi, segundo o qual a análise da irresignação da requerida acerca da escolha do árbitro demandaria o reexame da própria decisão homologanda. Nota-se uma mudança de posicionamento da ministra Nancy Andrighi na HDE 120/US em relação à SEC 9.412/US, na qual a ministra enfrentou a alegação de imparcialidade e entendeu que a questão relativa à imparcialidade do julgador consubstancia matéria de ordem pública no Brasil e, portanto, é cognoscível a qualquer tempo.

Importante mencionar que nas decisões brasileiras SEC 4.837/BO, HDE 120/US, SEC 9.713/US e SEC 9.714/US, o STJ afirmou que é intempestiva a alegação de parcialidade do árbitro em juízo homologatório se a impugnação não foi feita anteriormente, no curso do processo arbitral.

Nessa direção, decisões estrangeiras (já mencionadas no presente trabalho45) consideraram não necessariamente violar a ordem pública a sentença arbitral afetada pela parcialidade do árbitro quando uma parte não levanta essa objeção durante a arbitragem (apesar de ter tido conhecimento do fato no curso do processo arbitral).

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1A International Bar Association teve a importante iniciativa de criar a IBA Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration, com parâmetros de condutas para orientar árbitros e partes na arbitragem. Entretanto, são normas não vinculantes e, portanto, funciona, na prática, como uma espécie de guia de conduta.

2A Lei de Arbitragem brasileira, por exemplo, diz o seguinte no artigo 13, § 6o: “Artigo 13. Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes. § 6o. No desempenho de sua função, o árbitro deverá proceder com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição”.

3Alguns regulamentos de arbitragem exigem a assinatura de declaração de imparcialidade e independência do árbitro, antes de sua nomeação ou confirmação. Esse é o caso, por exemplo, do Regulamento de 2021 da Câmara de Comércio Internacional, em seu item 11(2). Tal dispositivo também requer que o potencial árbitro indique se existem circunstâncias que possam suscitar na(s) parte(s) dúvidas justificáveis quanto à sua imparcialidade ou independência, exigência essa também feita no Regulamento de 2020 da London Court of International Arbitration, no item 5.4.

4O STJ, a partir da Emenda Constitucional 45/2004, passou a ser o tribunal competente para homologar sentenças arbitrais estrangeiras no Brasil. Tal emenda conferiu a seguinte redação ao inciso “i” do artigo 105 da Constituição Federal brasileira de 1988: “artigo 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias”.

5“Artigo V.2. O reconhecimento e a execução de uma sentença arbitral também poderão ser recusados caso a autoridade competente do país em que se tenciona o reconhecimento e a execução constatar que: b) o reconhecimento ou a execução da sentença seria contrário à ordem pública daquele país”.

6A Convenção de Nova Iorque foi internalizada no ordenamento jurídico brasileiro com a promulgação do Decreto No. 4.311/2002.

7“Artigo 39. A homologação para o reconhecimento ou a execução da sentença arbitral estrangeira também será denegada se o Superior Tribunal de Justiça constatar que: II - a decisão ofende a ordem pública nacional”.

8Francisco Müssnich diferencia a imparcialidade — que vê como ausência de noções preconcebidas sobre o objeto do litígio ou de interesses na resolução de disputa que possa beneficiar uma parte em detrimento da outra — da independência — como sendo a ausência de vínculo, atual ou prévio, com as partes capaz de cercear sua liberdade de analisar livremente o caso. Propõe, contudo, que ambas sejam aplicadas conjuntamente, por serem seus elementos de difícil distinção prática. Müssnich, Francisco Antunes Maciel, “A Escolha dos Árbitros: A Arbitragem Vale o que o Árbitro Vale”, em Moreira, Ana Luiza Pinto et al., Arbitragem e Outros Temas de Direito Privado: Estudos Jurídicos em Homenagem a José Emilio Nunes Pinto, São Paulo, Quartier Latin, 2021, pp. 257-258. Para Selma Lemes, a independência está caracterizada quando o árbitro nas suas atribuições não cede a pressões nem de terceiros nem das partes. Já na imparcialidade atuam critérios subjetivos e de difícil aferição, pois externa um estado de espírito. Lemes, Selma Maria Ferreira, “O dever de revelação do arbitro, o conceito de dúvida justificada”, Revista de arbitragem e mediação, vol. 36, 2013, p. 234. Para Jaffae Alkhayeri e Ashlesha Dash, a independência tem um caráter objetivo, enquanto a imparcialidade é subjetiva: “The variation between independence and impartiality is that independence is an ‘objective’ criteria that can be verified, whereas impartiality is a ‘subjective’ estimation of a person’s inside mindset or state of mind that could only be observed from the exterior in the arbitrator’s conduct. Generally, impartiality relates to the arbitrator’s mental stance toward the parties, their lawyers, or the issue in concern. The term “independence” refers to an arbitrator’s dearth of linkages or connections with any of the parties or their agents. Well as involvement in the case or previous involvement in a comparable case. Impartiality implies the necessity for utmost neutrality in the arbitrator’s decision-making, whereas independence reflects an objective status. In other words, it can be said that independence is the reason, and impartiality is the result”. Alkhayeri, Jaffae e Dash, Ashlesha, “Grounds of the Challenge of Arbitrators: The Difference between Independence and Impartiality”, International Journal of Law Management & Humanities, vol. 5, 2022, p. 6.

9 Carmona, Carlos Alberto, Arbitragem e processo: um comentário à Lei n. 9307/96, 3a. ed., São Paulo, Atlas, 2009. p. 239.

10 Lemes, Selma Maria Ferreira, Árbitro: princípios da independência e da imparcialidade, São Paulo, LTr, 2001, p. 58 y 59.

11Cabe mencionar também o Code of Ethics for Arbitrators in Commercial Disputes de 2004, elaborado conjuntamente entre a American Arbitration Association e a American Bar Association. Contudo, é um documento que, comparado ao IBA Guidelines, não traz tanto detalhamento de condutas que podem ser consideradas como parciais.

12Na opinião de Carlos Alberto Carmona, não necessariamente a eventual aplicação do IBA Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration resolve dúvidas envolvendo a imparcialidade no caso brasileiro, cabendo observar a cultura arbitral local. Em suas palavras: “O tema precisa ser mais discutido, sem imaginar que as regras da IBA tenham resolvido o tema. Nós, os brasileiros, não participamos da elaboração destas regras e nossos costumes sociais parecem repudiar algumas delas. Nossa comunidade arbitral ainda é pequena e isso causa um intenso intercâmbio entre todos os que atuam neste meio: ora integramos um mesmo painel, ora, como advogados, defendemos clientes em polos opostos, ora somos árbitros e advogados, ora somos advogados e árbitros. Isto não nos causa, aos brasileiros, qualquer constrangimento. Será que causará algum desconforto aos estrangeiros? Nosso jeito afável- mas sério- precisa ser considerado e as regras de convivência entre partes, advogados e árbitros precisam ser adaptadas ao ambiente cultural em que serão aplicadas”. Carmona, Carlos Alberto, “Em torno do árbitro”, Revista de arbitragem e mediação, vol. 28, 2011, p. 58.

13Nesse sentido, ver a Parte II (Practical Application of the General Standards), item 4 da IBA Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration: “4. Disclosure does not imply the existence of a conflict of interest; nor should it by itself result either in a disqualification of the arbitrator, or in a presumption regarding disqualification. The purpose of the disclosure is to inform the parties of a situation that they may wish to explore further in order to determine whether objectively —that is, from the point of view of a reasonable third person having knowledge of the relevant facts and circumstances— there are justifiable doubts as to the arbitrator’s impartiality or independence. If the conclusion is that there are no justifiable doubts, the arbitrator can act. Apart from the situations covered by the Non-Waivable Red List, he or she can also act if there is no timely objection by the parties or, in situations covered by the Waivable Red List, if there is a specific acceptance by the parties in accordance with General Standard 4(c). If a party challenges the arbitrator, he or she can nevertheless act, if the authority that rules on the challenge decides that the challenge does not meet the objective test for disqualification”.

14Lei 9.307/96, artigo 14: “Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que ca- racterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil. (1) As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência. (2) O árbitro somente poderá ser recusado por motivo ocorrido após sua nomeação. Poderá, entretanto, ser recusado por motivo anterior à sua nomeação, quando: (a) não for nomeado, diretamente, pela parte; ou (b) o motivo para a recusa do árbitro for conhecido posteriormente à sua nomeação”.

15Código de Processo Civil, artigos 144 e 145: “Artigo 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo: (i) em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como membro do Ministério Público ou prestou depoimento como testemunha; (ii) de que conheceu em outro grau de jurisdição, tendo proferido decisão; (iii) quando nele estiver postulando, como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive; (iv) quando for parte no processo ele próprio, seu cônjuge ou companheiro, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive; (v) quando for sócio ou membro de direção ou de administração de pessoa jurídica parte no processo; (vi) quando for herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de qualquer das partes; (vii) em que figure como parte instituição de ensino com a qual tenha relação de emprego ou decorrente de contrato de prestação de serviços; (viii) em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório; (ix) quando promover ação contra a parte ou seu advogado. 1º Na hipótese do inciso III, o impedimento só se verifica quando o defensor público, o advogado ou o membro do ministério público já integrava o processo antes do início da atividade judicante do juiz. 2o. É vedada a criação de fato superveniente a fim de caracterizar impedimento do juiz. 3o. O impedimento previsto no inciso III também se verifica no caso de mandato conferido a membro de escritório de advocacia que tenha em seus quadros advogado que individualmente ostente a condição nele prevista, mesmo que não intervenha diretamente no processo... Artigo 145. Há suspeição do juiz: (i) amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados; (ii) que receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, que aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou que subministrar meios para atender às despesas do litígio; (iii) quando qualquer das partes for sua credora ou devedora, de seu cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau, inclusive; (iv) interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes. 1o. Poderá o juiz declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sem necessidade de declarar suas razões. 2o. Será ilegítima a alegação de suspeição quando: (i) houver sido provocada por quem a alega; (ii) a parte que a alega houver praticado ato que signifique manifesta aceitação do arguido”.

16“Artigo 13. Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes... 6o. No desempenho de sua função, o árbitro deverá proceder com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição”.

17Conforme destacado por Tercio Sampaio: “nesse ponto é possível localizar a confiança (fidúcia) como mecanismo fundamental na diferenciação entre arbitragem e processo judicial, entre árbitro e juiz. O fato de, ao contrário do juiz togado, árbitros serem indicados pelas partes, o mecanismo da confiança tem uma relevância diferente no processo judicial e no processo arbitral”. Junior, Tercio Sampaio Ferraz, “Suspeição e impedimento na arbitragem”, Revista de arbitragem e mediação, vol. 28, 2011, p. 71.

18Lei 9.307/96, artigo 14, §1o.: “§ 1o. As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência”.

19 Nanni, Giovanni Ettore, “Confiança na arbitragem: o seu papel no contrato intuitu personae de árbitro”, Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 1041, julho 2022, p. 12.

20Carmona, Carlos Alberto, Arbitragem e processo..., cit., p. 255.

21É o posicionamento de Carlos Alberto Carmona, Tercio Sampaio, Gustavo Schmidt, Daniel Ferreira, Rafael Oliveira e Joaquim Muniz. Ibidem, pp. 252 y 253; Schmidt, Gustavo et al., Comentários à Lei de Arbitragem, Rio de Janeiro, Método, 2021, p. 87; Muniz, Joaquim, Curso Básico de Direito Arbitral, 4a. ed., Curitiba, Juruá, 2017, p. 140.

22Conforme explicam Gustavo Schmidt, Daniel Ferreira, Rafael Oliveira, a alegação feita com base no artigo 32, II só poderá ser deduzida na competente ação anulatória se a parte prejudicada tiver, oportunamente, apresentado arguição de recusa do árbitro nomeado, em consonância com o artigo 20, caput da Lei 9.306/97 (Artigo 20: “A parte que pretender arguir questões relativas à competência, suspeição ou impedimento do árbitro ou dos árbitros, bem como nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, deverá fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem”). Schmidt, Gustavo et al., op. cit., p. 263. Selma Lemes destaca a necessidade de apresentar provas, demonstrar a violação da independência e imparcialidade do árbitro, não sendo suficiente mera alegação. Lemes, Selma, “O dever de revelação...”, cit., pp. 245 e 246. Para Joaquim Muniz, quando a falta de imparcialidade ou independência do árbitro restar demonstrada apenas na sentença arbitral “pode-se argumentar que não se aplicaria a preclusão, mesmo se houver indício prévio da ausência de independência e/ou da parcialidade, pois a parte não teria todos os elementos para uma impugnação bem-sucedida”. Muniz, Joaquim, op. cit., p. 271.

23“Artigo 32. É nula a sentença arbitral se: ... II - emanou de quem não podia ser árbitro; ... VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2o., desta Lei”. Segundo o artigo 21, § 2o.: “Artigo 21. A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento... § 2o. Serão, sempre, respeitados no procedimento arbitral os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento”.

24Lemes, Selma, O dever de revelação..., cit., pp. 245 e 246.

25Sobre a homologação de sentenças arbitrais estrangeiras, ver: Fornasar, María Laura, “A Ordem Pública na Homologação de Sentenças Arbitrais Estrangeiras”, Revista de Processo, vol. 311, 2021, pp. 355-374 e Fornasar, María Laura, “A Homologação de Sentenças Arbitrais Estrangeiras sem Fundamentação”, Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 65, 2020, pp. 209-224.

26“Artigo V. 1. O reconhecimento e a execução de uma sentença poderão ser indeferidos, a pedido da parte contra a qual ela é invocada, unicamente se esta parte fornecer, à autoridade competente onde se tenciona o reconhecimento e a execução, prova de que: a) as partes do acordo a que se refere o Artigo II estavam, em conformidade com a lei a elas aplicável, de algum modo incapacitadas, ou que tal acordo não é válido nos termos da lei à qual as partes o submeteram, ou, na ausência de indicação sobre a matéria, nos termos da lei do país onde a sentença foi proferida; ou b) a parte contra a qual a sentença é invocada não recebeu notificação apropriada acerca da designação do árbitro ou do processo de arbitragem, ou lhe foi impossível, por outras razões, apresentar seus argumentos; ou c) a sentença se refere a uma divergência que não está prevista ou que não se enquadra nos termos da cláusula de submissão à arbitragem, ou contém decisões acerca de matérias que transcendem o alcance da cláusula de submissão, contanto que, se as decisões sobre as matérias suscetíveis de arbitragem puderem ser separadas daquelas não suscetíveis, a parte da sentença que contém decisões sobre matérias suscetíveis de arbitragem possa ser reconhecida e executada; ou d) a composição da autoridade arbitral ou o procedimento arbitral não se deu em conformidade com o acordado pelas partes, ou, na ausência de tal acordo, não se deu em conformidade com a lei do país em que a arbitragem ocorreu; ou e) a sentença ainda não se tornou obrigatória para as partes ou foi anulada ou suspensa por autoridade competente do país em que, ou conforme a lei do qual, a sentença tenha sido proferida. 2. O reconhecimento e a execução de uma sentença arbitral também poderão ser recusados caso a autoridade competente do país em que se tenciona o reconhecimento e a execução constatar que: a) segundo a lei daquele país, o objeto da divergência não é passível de solução mediante arbitragem; ou b) o reconhecimento ou a execução da sentença seria contrário à ordem pública daquele país”.

27“Artigo 38. Somente poderá ser negada a homologação para o reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira, quando o réu demonstrar que: I. as partes na convenção de arbitragem eram incapazes; II. a convenção de arbitragem não era válida segundo a lei à qual as partes a submeteram, ou, na falta de indicação, em virtude da lei do país onde a sentença arbitral foi proferida; III. não foi notificado da designação do árbitro ou do procedimento de arbitragem, ou tenha sido violado o princípio do contraditório, impossibilitando a ampla defesa; IV. a sentença arbitral foi proferida fora dos limites da convenção de arbitragem, e não foi possível separar a parte excedente daquela submetida à arbitragem; V. a instituição da arbitragem não está de acordo com o compromisso arbitral ou cláusula compromissória; VI. a sentença arbitral não se tenha, ainda, tornado obrigatória para as partes, tenha sido anulada, ou, ainda, tenha sido suspensa por órgão judicial do país onde a sentença arbitral for prolatada... Artigo 39. A homologação para o reconhecimento ou a execução da sentença arbitral estrangeira também será denegada se o Superior Tribunal de Justiça constatar que: I. segundo a lei brasileira, o objeto do litígio não é suscetível de ser resolvido por arbitragem; II. a decisão ofende a ordem pública nacional. Parágrafo único. Não será considerada ofensa à ordem pública nacional a efetivação da citação da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção de arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo-se, inclusive, a citação postal com prova inequívoca de recebimento, desde que assegure à parte brasileira tempo hábil para o exercício do direito de defesa”.

28Serão abordadas em capítulo específico do presente artigo.

29Nas SECs 9713 e 9714, a fundamentação da decisão foi que a sentença arbitral estrangeira “atende às exigências previstas nos artigos 38 e 39 da Lei n. 9.307/96”. Na SEC 4837, foi que “o controle judicial da homologação da sentença arbitral estrangeira está limitado aos aspectos previstos nos artigos 38 e 39 da Lei No. 9.307/96”. Na HDE 120, destacou-se no voto vencedor que: “a sentença homologanda não representa violação à soberania nacional, à dignidade da pessoa humana ou à ordem pública, o que satisfaz a exigência do artigo 216-F do RISTJ, sobretudo porque o procedimento arbitral versou sobre questões concernentes à relação comercial havida entre as empresas em litígio, circunscritas, portanto, à esfera de seus direitos patrimoniais disponíveis”.

30Gary Born ressalta que esse tem sido o fundamento comumente apresentado em sede de homologação de sentenças arbitrais estrangeiras: “claims of lack of impartiality have been considered under Article V(2)(b)’s general public policy exception in some national court decisions, on the theory that biased arbitrators are contrary to mandatory law rules or public policies of the recognition forum”. Born, Gary, International Commercial Arbitration, 3a. ed., Kluwer Law International, 2021, p. 3936.

31Decreto No. 4.311 de 23 de julio de 2002.

32Esse raciocínio está em consonância também com o disposto no artigo 5o., § 2o. da Constituição Federal de 1988, segundo o qual: “Artigo 5o. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: § 2o. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

33Ver Abbud, André de Albuquerque Cavalcanti, Homologação de sentenças arbitrais estrangeiras, São Paulo, Atlas, 2008, p. 209; Barros, Vera Cecília Monteiro de, Exceção de ordem pública na homologação de sentença arbitral estrangeira no Brasil, São Paulo, Quartier Latin, 2017, p. 180 e Oliveira, Leonardo V. P. de e Miranda, Isabel, “International public policy and recognition and enforcement of foreign arbitral awards in Brazil”, Journal of International Arbitration, Ginebra, vol. 30, núm. 1, 2013, pp. 49-70; p. 57.

34Com as seguintes diferenças: (i) Áustria: não faz distinção entre ordem pública interna e internacional. De acordo com a doutrina e jurisprudência do país, a ausência de imparcialidade e independência do arbitro viola a ordem pública processual da Áustria (Section 611 (2) (5) ZPO); (ii) Colômbia: A Suprema Corte de Justiça colombiana, ao definir o conceito de ordem pública internacional na interpretação do artigo V.2.b da Convenção de Nova Iorque, considerou a imparcialidade do tribunal arbitral como uma questão abarcada por esse conceito (Petrotesting Colombia v. Southeast Investment Corp & Ross Energy S.A., and Drummond v. Ferrovías, julgado em 29 de diciembre de 2011); (iii) Croácia: incluiu-se no conceito de ordem pública internacional a independência e a imparcialidade na decisão do Caso XL VIII P-4473/02 of October 9, 2003, da High Commercial Court de Zagreb; (iv) Alemanha: a jurisprudência mencionou que o tema se insere na ordem pública nas seguinte decisões: BGH (01.02.2001, III ZR 332/99), NJW-RR 2001, 1059, para 21; BGH (15.05.1986, III ZR 192/84), BGHZ 98, 70 = NJW 1986, 3027, para 17; Kröll, in: Böckstiegel et al (eds), Arbitration in Germany, § 1061 para 94; Adolphsen, in: MünchKomm ZPO, § 1061 Anh. 1 UNÜ Art. V para 75. Ver: Bermann, George A. (ed.), Recognition and enforcement of foreign arbitral awards: the interpretation and application of the New York convention by national courts, New York, Springer, 2017, pp. 144, 234, 259 e 360.

35Soc. Excelsior Film TV v. Soc. UGC-PH, Court of Cassation, France, 24 March 1998 apud Gaillard, Emmanuel e Bermann, George A., The UNCITRAL Secretariat Guide on the New York Convention, Leiden, Brill Nijhoff, 2017, p. 269.

36District Court of Affoltern am Albis, Switzland, 26 May 1994, XXIII Y.B. COM. ARB. 754 (1998) apud Ibidem, p. 269.

37Como exemplo, os autores citam a seguinte decisão: Arrondissementsrechtbank Zutphen (Tianjin Stationary & Sporting Goods Import and Export Corp. v. Verisport B.V., decided 1996), YCA XXII (1997), 766 (at 767) (Zutphen District Court, Netherlands).

38HSMV Corp. v. ADI Ltd., 72 F. Supp. 2d 1122 (at 1127) (decided 1999) YCA XXV (2000), 1974 (at 1080) (US District Court for the Central District of California, US) apud Kronke, Herbert et al. (ed.), Recognition and enforcement of foreign arbitral awards: a global commentary on the New York Convention, Alphen aan den Rijn, Kluwer Law International, 2010. p. 371.

39OLG Celle (decided June 30, 2007), YCA XXXIII (2008), 524 (Celle Court of Appeal, Germany; Bundesgericht, BGE 93 I 49 (60) (Federal Supreme Court, Switzeland), Tribunal Federal, No. 5 P. 249/1988 (decided 1989)= YCA XV (1990), 509 (at 513) (Federal Supreme Court, Switzland) apud Ibidem, p. 471.

40Suovaniemi v. Finland, case 31737/96 (European Court of Human Rights); BGH, NJW-RR 2001, 1059=YCA XXIX (2004), 700 (at 713 y 714) (Federal Supreme Court, Germany); AAOT Foreign Economic Association (VO) Technostroyexport v. International Development and Trade Services, Inc., 139 F.3d 980, at 982 (decided 1998)=YCA XXIVa (1999), 813 (US Court of Appeals for the 2nd Circuit, US); OLG Schleswig (No. 16 SchH 01/99, decided 1999), YCA XXIX (2004), 687 (at 688 y 689) (Schleswig Court of Appeal, Germany) apud KRONKE, Herbert (ed.) et al. Recognition and enforcement of foreign arbitral awards: a global commentary on the New York Convention, Alphen aan den Rijn, Kluwer Law International, 2010. p. 370.

41A ementa dessa decisão explica tratar-se de sentença arbitral estrangeira contestada, embora tenha sido referida como “HDE” (homologação de decisão estrangeira).

42Ressaltou a Ministra Nancy Andrighi que: “no que concerne ao árbitro e às suspeitas levantadas pela requerida quanto a ele, constata-se que a escolha de seu nome decorreu de acordo mútuo entre ambas as partes, havendo referência expressa, na sentença, quanto ao fato de o julgador indicado ter “servi[do] em um tribunal regional de outro estado que não aquele no qual foi realizada a audiência desta arbitragem” (e-STJ Fl.284), sendo certo que o prazo concedido para impugnação decorreu in albis”.

43Em outras palavras, o ministro João Otávio de Noronha colocou que (i) a circunstância de ser o órgão governamental o cliente do escritório de advocacia não descaracteriza a relação de devedor e credor existente entre o grupo Abengoa e o escritório do árbitro presidente; (ii) o fato de os honorários não decorrerem de assessoria direta ao grupo Abengoa é irrelevante para afastar a configuração da hipótese de suspeição do árbitro presidente; (iii) ainda que essa relação de devedor e credor entre a empresa Abengoa Solar, integrante do grupo Abengoa e o escritório do árbitro presidente fosse de desconhecimento do árbitro, isso já é suficiente para colocar objetivamente em dúvida sua independência.

44Na HDE 120/US, o ministro Herman Benjamin em seu voto também considerou a falta de revelação como motivo para denegação da homologação, no entanto, prevaleceu o entendimento pela homologação da sentença arbitral estrangeira.

45Ver na nota de rodapé 44.

Recebido: 19 de Abril de 2022; Aceito: 20 de Setembro de 2022

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