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Diálogos sobre educación. Temas actuales en investigación educativa

versión On-line ISSN 2007-2171

Diálogos sobre educ. Temas actuales en investig. educ. vol.11 no.20 Zapopan ene./jun. 2020  Epub 07-Abr-2021

https://doi.org/10.32870/dse.v0i20.603 

Eixo temático

“- Queres jogar? Assim percebes melhor como se joga! a etnografia como uma experiência adulta de aprender a aprender com as crianças

“Do you want to play? So you understand better how to play!”: ethnography as an adult experience of learning to learn with children

Ivana Martins da Rosa1 

Manuela Martinho Ferreira2 

Patrícia De Moraes Lima3 

1 Doutoranda da Facultade de Psicología e Ciências da Educação da Universidade do Porto/PDCE. Linhas de pesquisa: Infâncias, experiência, educação, estudos etnográficos com/sobre crianças. Portugal. ivanamros@gmail.com

2 Professora doutora asociada da Facultade de Psicología e Ciências da Educação da Universidade do Porto/PDCE. Linhas de pesquisa: Sociologia da infância, história social da infância, metodologias de pesquisa qualitativa para/sobre crianças e infâncias. Portugal. manuela@fpce.up.pt

3Professora doutora, do Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Catarina/Brasil. Linhas de pesquisa: Infâncias, experiências, cuidados, violência, estudos etnográficos con/sobre crianças. patricia.demoraeslima@gmail.com


Resumo

As etnografias com crianças, reconhecidas como metodologia útil para a produção de um outro conhecimento acerca delas e das suas infâncias, vêm contribuindo para consolidar os Estudos da Infância. Através da etnografia acessamos e buscamos compreender como as crianças produzem significados e os investem de sentidos subjetivos mediante processos de geracionalização desafiadores da ordem geracional estabelecida. Em causa estarão as posições paradoxais da pesquisadora quando, ao viver as dialéticas da agência dos adultos e das crianças, no trabalho de aprender a aprender com elas em processos de socialização que envolvem os seus mundos socioculturais, tem que lidar com o adultocentrismo. Assim, a etnografia, enquanto processo de comunicação intercultural e de afetação com o Outro/criança, torna-se numa experiência transformadora. Este texto procura analisar um episódio etnográfico acerca de como o adulto aprendeu determinados saberes e fazeres com as crianças de uma comunidade piscatória no norte de Portugal, com idades entre 6 e 14 anos, quando se encontravam em espaços públicos abertos. Discute-se a subjetividade e reflexividade da etnógrafa enquanto trilha proximidades nos encontros com as crianças e aprende que para compreender a complexidade dos seus mundos precisa viver os seus lugares de corpo inteiro, imerso em afetos, emoções e sensorialidades.

Palavras-chave: experiência etnográfica com crianças; adultocentrismo; afetação; corporeidade

Abstract

Ethnographies with children, recognized as useful methodology to produce other knowledge about them and their childhoods, have contributed to consolidate the Studies of Childhood. Via ethnography as intercultural communication process and affectation with the Other/child, we access and seek to understand how they produce meanings and invest subjective senses into them, through processes of generationalisation. That challenge the established generational order. It will be pointed the paradoxical positions of the researcher when, in living the dialectics of the agency of adults and children, in the fielded work in open public spaces, have to deal with adultcentrism, and have to “learn to learn” with them, in socialization with determined corporal practices involve their socio-cultural worlds. Thus, ethnography as a process of intercultural communication and affectation with the Other/child becomes a transformative experience. This text attempts to analyse an ethnographic episode about how the adult learned certain knowledge and doings with the children of a fishing community in the north of Portugal, aged between 6 and 14 years, when they were in open public spaces. At discussion is the subjectivity and reflexivity of the ethnographer while she trails proximities in the encounters with children and learns that, in order to understand the complexity of their worlds, she must live their places and activities of whole body, immerse in affections, emotions and sensorialities.

Keywords: ethnographic experience with children; adultcentrism; affectation; embodiment

Resumen

Las etnografías con niños, reconocidas como una metodología útil para la producción de otro conocimiento sobre ellos mismos y sus infancias, contribuyen a consolidar los estudios de la infancia. Mediante la etnografía, entendida como un proceso de comunicación intercultural y de afectación con el Otro-niño, accedemos y buscamos comprender cómo ellos producen significados y los envisten de sentidos subjetivos mediante procesos de generacionalización desafiantes del orden generacional establecido. Están en juego las posturas paradójicas de la investigadora durante el trabajo de campo hecho en espacios públicos abiertos cuando al vivir la dialéctica de la agencia de los adultos y los niños tuvo que enfrentarse con el adultocentrismo, y aprender a aprender con ellos en procesos de socialización que envuelven determinadas prácticas del cuerpo y sus mundos socioculturales. En este texto se analiza un episodio etnográfico acerca de cómo el adulto aprendió ciertos conocimientos y prácticas con niños entre 6 y 14 años que se encontraban en espacios abiertos de una comunidad de pescadores al norte de Portugal. Se discute la subjetividad y la reflexividad de la etnógrafa como una guía cercana en los encuentros con los niños y aprende que, para comprender la complejidad de sus mundos, necesita vivir sus lugares y actividades del cuerpo entero, inmerso en afectos, emociones y sensorialidades.

Palabras clave: experiencia etnográfica con niños; adultocentrismo; afectación; corporeidad

1. A etnografia com crianças como uma experiência de se pôr à prova - introdução

A etnografia com crianças e os seus contributos para os Estudos da Infância tem vindo a oferecer “pistas metodológicas” úteis e verosímeis para melhor aproximar a pesquisa dos sujeitos nela implicados. Este movimento requer o entendimento de que, ao tratarmos da etnografia, e da etnografia com crianças em particular, necessitamos afirmar uma compreensão inicial sobre quem são os sujeitos da pesquisa e quais as dialogias implicadas nas posições por eles ocupadas, neste caso, adultos e crianças. E, tanto mais que, na pesquisa etnográfica, estaremos sempre a evocar o lugar da etnógrafa1 como um lugar a ser pensado, refletido e, principalmente, a ser reconhecido numa posição-de-sujeito que se atualiza nos conhecimentos e nas redes de relações que vão sendo produzidas no campo. Por conseguinte, esta posição-de-sujeito da etnógrafa na etnografia com crianças coloca-lhe nas mãos a tarefa de situar as perspectivas pelas quais mira as crianças e os seus mundos, e a de se disponibilizar, numa atitude de abertura antropológica para o mundo, às diferentes formas em “como” os conhecimentos que já possui acerca daqueles sujeitos poderão ser afetados e reconsiderados pelos processos de aprendizagem que se atualizam permanentemente no campo.

A pesquisa etnográfica, por nós entendida como esse “fenómeno interdisciplinar emergente” (Cliford, 2016: 33), cuja autoridade é tramada por/entre os lugares em que as culturas são tomadas pelos seus sistemas de significação e as suas fronteiras de classe, género, raça e geração, significa que realizar etnografia em contextos locais requer aproximações e distanciamentos para desconstruir universalidades e generalidades, a começar pelas da própria etnógrafa.

No mesmo sentido, procura-se conhecer, com densidade, os sentidos subjetivos daquilo que “aparece” no interior das práticas sociais. Significa ainda que, ao mesmo tempo que a etnografia descreve essas práticas, ela mesma se reescreve a partir delas, uma vez que a sua existência depende da posição ocupada pela etnógrafa que, por sua vez, como já foi salientado, vai reflectindo os saberes encontrados.

Deste ângulo, um tal posicionamento da adulta-etnógrafa na pesquisa etnográfica com crianças coloca-se ao arrepio daquilo que tradicionalmente tipifica as relações intergeracionais, hierárquicas e unilaterais nos saberes e poderes, e nas quais as crianças ocupam uma posição subordinada e dominada face ao adulto, e na ordem geracional que estrutura a sociedade (Alanen, 2001). Trata-se de prestar atenção à dinâmica das relações de interdependência estabelecidas entre adultos e crianças, incluindo os seus poderes relativos que, por sua vez, intervêm na construção das categorias geracionais infância e adultez. A “geracionalização”2 refere-se:

à complexidade dos processos sociais através dos quais umas pessoas se tornam (são construídas como) “crianças” enquanto outras pessoas se tornam (são construídas como) “adultos”. «Construção» envolve agência (de crianças e adultos); e é melhor entendida como um processo prático e até mesmo material, que pode ser estudado como uma prática ou um conjunto de práticas. As duas categorias geracionais, de crianças e adultos, que são produzidas recorrentemente dentro de tais práticas estão, portanto, em relações de conexão e interação, em interdependência: nenhuma delas pode existir sem a outra, o que cada uma delas é (uma criança, um adulto) em sua relação com o outro, e a mudança de um está ligada à mudança do outro. (Alanen, 2001: 21, tradução nossa).

Quando então acontece na pesquisa etnográfica que a posição do sujeito adulto-etnógrafa se deixa atravessar pelo Outro que, no caso, é um Outro/criança(s), esta se veja numa relação de descentramento, confrontada com a sua própria incompletude adulta. Ou seja, na perspetiva do declínio dos seus saberes e certezas para abrigar um “vazio” (Larrosa, 1999) e/ou inabilidades corporais, geradoras de perplexidades que expõem as suas vulnerabilidades socio-afetivas e emocionais (Ferreira, 2010). Ora, a experiência deste posicionamento periclitante face às crianças é crucial para deixar-se afetar (Favret-Saada, 2005) e, assim, a etnógrafa aprender a aprender com elas, e pelos seus próprios modos de produção e narração, incluindo os não verbais - este aspeto é importante pois os seres humanos, enquanto criaturas físicas que também o são, existem e possuem um corpo que instiga e sustenta o exercício da sua agência.

Com efeito, a compreensão da cultura por corpos como estando-no-mundo, sendo simultaneamente fonte da existência e o local de experiência no mundo (Csordas, 2013), mas cujas significações vividas e novas produções diferem e variam, solicita que na etnografia com crianças também se entre em linha de conta com a corporeidade e as dialogias da agência corporal inerentes às diferenças corporal e geracional de adultos e crianças. Este entrelaçamento é relevante no trabalho de aprender a aprender os saberes, os fazeres e os sentires da infância porquanto entram frequentemente em jogo e em choque as (im)potências adultas, do “meu” corpo, face às dos corpos infantis, os corpos “delas”, transbordantes de movimento, fluidez, plasticidade, rapidez, expressividade. No contexto corpóreo da agência humana, a etnógrafa da infância enfrenta um trabalho de pesquisa movimentado pelas relações com as crianças e em cuja volubilidade é incorporada a compreensão dos seus mundos culturais.

Para então se dar a produção do conhecimento etnográfico com crianças o sujeito-etnógrafa assume um posicionamento epistemológico (Ferreira & Nunes, 2014: 107) que as reconhece como atores sociais e aos seus saberes como legítimos, renunciando ao lugar do poder adultocêntrico na relação investigativa. Estar numa escuta sensível ao que as crianças têm a dizer, mesmo que se expressem diferentemente dos adultos, e estar na disposição de suspender os entendimentos e cultura adultos para, na medida do possível, desenvolver a intersubjectividade em que se constrói um sentido contextual comum torna-se parte integrante desse processo de deixar-se socializar na(s) cultura(s) infantis (Ferreira, 2010), que é corporalizado.

Pode então dizer-se que o propósito de abandonar uma autoridade etnográfica “científica”, mas adultocêntrica, que reduz o Outro/criança a objeto, é aceitar correr os riscos e desafios de uma experiência etnográfica de se pôr à prova, em que a autoridade se sustenta “na experiência subjetiva e sensorial” (Pratt, 2016). Ou seja, imersa numa relação sensível aos/com os sujeitos que se experimentam nos processos da pesquisa, visando relevar as diversas vozes que dão corpo ao campo, numa polifonia emergente das relações por via da reflexividade ético-metodológica.

Nesta relação com a experiência, este texto visa refletir os modos de aprender da etnógrafa que se teceram nos seus encontros com crianças, meninas e meninos de idades entre 6 e 14 anos, numa comunidade piscatória ao norte de Portugal, quando as mesmas se encontravam em espaços públicos abertos nos seus tempos livres.

2. O campo de pesquisa

O campo que informa as reflexões neste texto é uma comunidade piscatória localizada ao norte de Portugal que tem vindo a ser alvo das novas demandas económicas e turísticas, expondo a diminuição e limitação dos espaços públicos que, até então, eram habituais para o/no convívio das crianças, nas suas relações inter e intrageracionais. As profundas mudanças urbanísticas, entretanto ocorridas, provocaram mudanças complexas nas vidas das crianças: os novos traçados urbanos que emergem do projeto de requalificação urbana potencializam uma relação de “poder assimétrico” (Zukin, 1996), de controle e dominação, em que as crianças não só são desalojadas dos seus lugares de experiências lúdicas habituais, como também é desconsiderada a sua participação na produção dos novos espaços públicos abertos.

Este silenciamento dos seus interesses na nova ordem urbana opera como um dispositivo de dependência que é visível na regulação e circunscrição das suas experiências urbanas (Sarmento, 2018): circulação restrita, diminuição da mobilidade independente, limitação de lugares para brincadeiras livres e interações inter e intrageracionais, falta de contacto com a natureza. Diante deste fenómeno, as crianças desta comunidade contestam com o exercício da “desordem”, num movimento de negação aos espaços residuais a elas destinados, e procuram reordenar, a seus modos, os seus lugares, interrompendo o fluxo linear dos espaços comuns. Colocam-se, portanto, como resistentes à ordem espacial adultocêntrica estabelecida.

Na tentativa de então ganhar acesso para compreender os modos próprios de ocupação, apropriação e ressignificação dos espaços-tempos feitos pelas crianças na contemporaneidade desta comunidade, a pesquisa percorreu um caminho metodológico por meio da etnografia com as crianças que exigiu estar perto e por um longo tempo. Tratou-se de um processo marcado pela constante circulação, já que as experiências das crianças no seu tempo livre e em espaços públicos abertos compuseram-se de forma nómada porque sempre em busca de novas experiências, sendo os seus espaços de circulação potentes para movimentar os conhecimentos que fomos tendo sobre elas.

Ora, nesta circulação, as formas que disponibilizamos habitualmente para a escuta nem sempre são suficientes para compreendermos o que as crianças estão a dizer. O “estar lá” (Vasconcelos, 2000), enquanto possibilidade de ver de “perto e de dentro” (Magnani, 2002) os componentes simbólicos partilhados com os sujeitos da pesquisa, significa aceder ao mundo-vivido e compreender(-se) por/entre os modos de vida que ali se experienciam. O “estar lá” em movimento convoca uma proximidade embebida no tempo, que não se põe a contar somente pela sua cronologia, mas na intensidade da relação intersubjetiva e de confiabilidade com o Outro/ criança (Rosa & Ferreira, no prelo). Assim, na lentidão do caminhar e circular com as crianças, o “pensamento reflexivo, aquele que pisa e repisa sobre os passos dados” (Lopes, 2002: 73) e o diálogo com o ambiente comunitário para a apreensão das minúcias do seu cotidiano procuraram a experiência efetiva da aproximação numa tessitura entre “movimento, emoção e pensamento” (idem). Pois nem sempre os olhos e os ouvidos dão conta de apurar o que o campo está a narrar: é preciso “estar com”, de corpo inteiro (Vasconcelos, 2000), com olhar sensível que aproxima e cuida para que na relação de reciprocidade se possa perceber os detalhes e os contornos daquilo que nos afeta.

O campo que aqui se constitui de vários lugares foi indicando variadas formas de ocupação e apropriação pelos diversos grupos de crianças. Um deles, situado diante da nova espacialidade da comunidade - a frente do prédio da Junta da Freguesia (JF)-, apresentou-se como sendo o seu preferido. Entre outras experimentações lúdicas, ali acontecem vários tipos de jogos de bola, sendo os meninos seus principais jogadores. É de uma das experiências etnográficas vividas neste lugar que se tece aqui uma reflexão acerca da etnografia como uma experiência adulta de aprender a aprender com as crianças.

3. “Queres jogar? Assim, percebes melhor como se joga” - uma experiência adulta de aprender a aprender com as crianças

3.1. “- Como se joga o DDA?” - a experiência etnográfica como diferença geracional e mote para aprender com as crianças

Entre os muitos jogos de bola que se realizavam em frente à JF entre as crianças, sobretudo rapazes, aquele que, a mim, me causava maior “estranhamento” era o DDA, tal como era por elas designado. Por mais que as observasse a jogá-lo, não conseguia entender toda a sua complexidade: a cada jogo parecia que nasciam novas regras; não conseguia perceber se era jogado entre equipas ou não; tinha a impressão que era um jogo sempre em construção; os meus olhos e ouvidos não alcançavam todo o seu detalhamento, que se atualizava com cada criança que jogava.

Como se joga o DDA?” tornou-se então uma questão intrigante, mostrando-me que a minha vasta experiência adulta de pouco ou nada me valiam para perceber como lhe responder adequadamente, ou seja, na lógica das crianças. A diferença geracional, mediada pela observação do jogo, apenas me permitia uma proximidade física e afetiva com as crianças jogadoras, mas culturalmente restrita e lacunar, que me deixava “às escuras” para ler e compreender os significados envolvidos no jogo, do lado de fora. Naquilo que eu antevira como um ambiente profícuo à alteridade - a presença de relações em que se encontravam adultos e crianças; crianças e crianças; crianças, espaços, tempos e objetos -, a abertura para alteridade intergeracional mostrou-se, afinal, condicionada pelo meu desconhecimento e incultura acerca dos mundos sociais infantis, afetando “diretamente os modos pelos quais adultos e crianças se ‘sabem’ diante uns dos outros” (Lima, 2015: 99). Neste sentido, responder à interrogação “Como se joga o DDA?” requeria estar ciente da recomendação que Ferreira e Nunes apontam quando referem que:

os adultos só poderão ter acesso ao pensamento e conhecimento [das crianças] se estiverem na disposição de inverter a sua posição [numa ordem geracional autoritária, e que é reproduzida] na relação tradicional de pesquisa, e [se] suspenderem os seus entendimentos e cultura adultos para, na medida do possível aprenderem com elas os delas, ou seja, para compreenderem a compreensão do outro-criança. (2014: 107)

O desafio da escuta do outro está assim implicado nos limites dos vínculos que nós mesmos estabelecemos com os outros e na capacidade de hospitalidade da diferença nessa disposição relacional (Foster, 2011). O mesmo é dizer que a ideia de proximidade carrega iguais distanciamentos que, reconhecidos nessa posição-de-sujeito na pesquisa e na vida, dinamizam as possibilidades que temos para conhecer o outro e os seus mundos a partir das nossas próprias incompletudes, precariedades e não-saberes.

Foi, pois, instigada pela curiosidade sempre renovada acerca do “como se joga o DDA?”, pelo confronto com a minha ignorância e incapacidade de, apenas só por mim e na minha adultez, a ultrapassar e, ainda, pela minha insistência em querer compreender algo que as crianças pareciam fazer tão “natural e espontaneamente”, mas procurando, ainda assim, manter o distanciamento e a estrangeiridade - justo para que se possa interrogar sobre o que se escuta e mira - que eu me vi na precisão de lhes pedir que elas me explicassem, em detalhe, as regras do jogo.

3.2. “’DDA” = defende, defesa e ataque” - a experiência etnográfica como aprendizagem de iniciação aos modos de dizer das crianças

As primeiras explicações das crianças acerca do jogo ajudaram-me a adentrar no mundo “DDA”. Porém, a minha capacidade de compreensão diante da ágil dinâmica, tão caraterística deste jogo, rapidamente se tornava obsoleta. É então, na sábia percepção da criança, diante da minha incapacidade de apreensão da sua linguagem, que surge a pergunta: “Queres jogar? Assim percebes melhor como se joga”, e com ela, os primeiros ensinamentos das crianças acerca do DDA:

(...) Escrevo a sigla num papel e pergunto o que significa “DDA”. Pedro3 logo diz: - Não sabemos. Tadeu interfere e, apontando para cada letra, vai decifrando a sigla: - Defender (referente ao primeiro D), a bola (referente ao A) e aqui é tipo chutar, é do dedo do pé (referente ao último D).

Pedro não concorda com a explicação do Tadeu e diz: - Ele está a dizer mal! Só disse bem aqui, o D de defender, os outros não estão bem.

- Posso dizer o que sei do “DDA” para que vocês me possam dizer se está bem ou se está mal? - pergunto eu. Eles respondem que sim. Prossigo: - A baliza é aquela parte das duas janelas...

Ainda sem terminar a frase, Tadeu interrompe-me e diz: - Não! Três!

Neste momento, olhámos na direção da JF e, em voz alta, contámos as janelas que compõem a “baliza”, constatando que são 3 janelas.

Sigo com a minha explicação: - São então 3 janelas e ali fica o guarda-redes. E não tem equipas?

Mais uma vez fui interrompida pelo Tadeu que diz: - Tem, tem! Tem os meninos! Ele pega então o lápis e começa, por meio de um desenho, a explicar a dinâmica do jogo. Diz ele: - E aqui está o menino (1) com a bola, e se este menino chutar aqui pra fora, se não marcar golo, é ele que tem que ir à “baliza”.

Pedro usando do mesmo recurso, ajuda Tadeu na explicação: - E depois, este (2) chuta pra este (3). Se este chutar de primeira, o guarda-redes tem que dizer “baliza” e tem que ir à “baliza”.

Tadeu tenta simplificar a explicação: - Por exemplo, se o guarda-redes mandar e ele (3) chutar de primeira é ele à “baliza”, mas tem que deixar marcar golo, se não, não vai à “baliza”.

Para ter a certeza que eu tinha entendido, repito a informação que recebi: - Então, de primeira vai para “baliza” só se o guarda-redes deixar entrar a bola na “baliza”.

- Sim. - responde o Tadeu. - E aqui, este (4), se marcar, com a bola é golo e tira menos um ponto. Por exemplo, eu tenho 21, o Pedro tem 20. ... se ele marcar eu fico com 20, é sempre a tirar, até ao zero.

Pergunto: - E começam todos com 21?

- Sim! Não, o guarda-redes começa com 21 e os jogadores começam com 20. - responde o Tadeu. Pedro prossegue: - E aos 10 pode queimar.

- O que é queimar? - pergunto eu.

- Se eu chegar aos 10 pontos que já marcaram muitas vezes, chega aos 10, e eu digo “stop” e dou 3 passos e tenho que atirar a bola à sua perna. - diz o Pedro.

- Não, não é p’ra perna é para uma parte do corpo e se eu chutar em você, e acertar, é você à “baliza” - complementa o Tadeu.

- Eu vou ter sempre jogadores a fazerem parceria comigo? - pergunto.

- Sim. Por exemplo, este (2) passa pra este (3) até marcar, diz o Tadeu.

- Então não são 2 equipas. É cada um por si? Não há equipas? - pergunto.

- Não, quem disse que há equipas? - pergunta o Pedro.

- Ninguém. Só estou a perguntar para perceber melhor o jogo. - digo eu.

Enquanto estávamos a conversar, aproximam-se o Jorge (11 anos) e o Francisco (12 anos), e perguntam o que estamos a fazer.

Pedro responde: - Estamos a explicar o jogo de “DDA” à Ivana.

Tadeu, tomando a palavra pergunta-me: - Queres jogar? Assim percebes melhor como se joga.

Jorge, logo diz: - Então, vamos jogar Ivana! Nós ensinamos-te!

Aceito o convite edirigimo-nos ao campo de jogo - a frente da JF - que estava vazia. Tadeu, antes de iniciar o jogo vem à minha beira e diz: - Já sei, DDA é “defende”, “defesa” e “ataque”.

Ao ouvir a definição da sigla, Pedro comenta: - Isto parece-me bem. O que achas Francisco? Francisco responde que “pode ser”. Enquanto nos organizamos, Marcelo (7 anos) aparece por ali e Jorge logo lhe diz: - Estamos a ensinar o “DDA” à Ivana, queres vir? O menino aceita e fica à nossa beira. (...)”. (Notas de campo, março de 2019).

Figura 1 Explicação gráfica do jogo DDA 

O meu pedido de explicações acerca do jogo DDA às crianças tensiona a ordem geracional, e expressa como que um declínio da minha adultez, ao suspender o estatuto adulto para me submeter a uma aprendizagem com elas, tal como se deduz das palavras de Mia Couto (2012: 9), “nesse universo de outros saberes, sou eu o [a] analfabeto[a]”. Tensiona também as relações intrageracionais quando obriga as crianças a um esforço de racionalização e abstração de algo que nelas está corporizado, e gera tão fortes emoções por ser vivido tão intensamente, que se lhes torna difícil explicitá-las e de que resultam diferentes definições das regras e funcionamento do jogo.

Da palavra para definir e descrever o jogo à sua representação gráfica, as crianças passam de uma certa dissonância acerca das informações à sua complementaridade, e ao recurso a exemplos concretos e demonstrações gráficas para esclarecer as várias funções dos jogadores em campo. Neste processo, em que o meu desconhecimento é confrontado com as dificuldades infantis, procuro mediar estas participações e as suas negociações de sentidos pondo à prova o que penso saber - Posso dizer o que sei do “DDA” para que vocês possam me dizer se está bem ou se está mal? - e/ou fazendo perguntas-chave - A baliza é aquela parte das duas janelas...; E começam todos com 21?, - e/ou repetindo sistematizações das informações recebidas para esclarecer as minhas dúvidas mais prementes. Ao mesmo tempo, aproveito para aprender novos vocábulos e a sua significação - O que é queimar?

Seja em face do interesse manifestado pela pesquisadora, - Só estou a perguntar para perceber melhor o jogo…, seja porque a explicação das crianças, assente na oralidade e na grafia pareciam ser insuficientes para dar conta da riqueza do jogo praticado, seja ainda porque a chegada de mais rapazes criava as condições ideais para se iniciar um jogo DDA, o convite “Queres jogar?”, que o Tadeu lhe endereça, diretamente e na primeira pessoa, expressa, a sua confiabilidade à adulta-pesquisadora e a sua aceitação como uma parceira de jogo a ser iniciada nos seus complexos meandros - uma das principais rotinas da cultura de pares masculinos.

A inversão das relações geracionais e de pesquisa que faz da pesquisadora aprendiz e das crianças ensinantes - Então, vamos jogar Ivana! Nós ensinamos-te!, e que passa a assinalar um outro posicionamento nos modos de aprender a aprender com as crianças decorre, portanto, das incompletudes e insatisfações várias que perpassam os processos de transmissão dos saberes, os da sua apropriação significativa e os da busca de estratégias mais eficazes - aprender pela prática de jogar DDA. Decorre ainda do caminho já percorrido de uma relação com o grupo de crianças envolvido na pesquisa, que em aproximações respeitosas aos “arranjos dos próprios atores sociais” (Magnani, 2002: 18) entreteceu a confiança para aceder, de maneira mais “íntima”, às suas práticas sociais. Aprender a jogar, requer, assim, interesse e curiosidade como disposições para conhecer e reconhecer os saberes que legitimam as crianças como sujeitos produtores de conhecimentos, capazes de dizerem de si e das coisas que fazem sentido para si.

A relação de reciprocidade criada na interação com as crianças e seus saberes faz então ressaltar a importância da simetria ética nos processos de pesquisa, tornando-se a linha do conhecimento bilateral pois “não há uma idade única para o aprendizado cultural: não apenas as crianças aprendem; os adultos [também] não cessam de aprender” (Pires, 2010: 147).

3.3. “- Queres jogar? Assim percebes melhor como se joga!” - a experiência etnográfica como aprendizagem incorporada dos modos de fazer das crianças

Trilhar um caminho que possa ser atravessado por uma relação intersubjetiva, dialógica, em que todos são sujeitos de vozes ativas na produção do conhecimento etnográfico, não confundindo a etnografia “pintada como um procedimento relativamente simples de olhar, escutar e aprender, mas antes como algo próximo a uma intensa prova de fogo epistemológica” (Maanen apudGerber, 2014: 54), implicou, no meu “caso” com o jogo “DDA” das crianças, a experiência corporalizada desta ação, segundo os seus próprios procedimentos. “- Queres jogar?” tornou-se assim uma espécie de passaporte que me permitiu, pela mão delas, passar da posição de observadora para a de participante e, como jogadora, ultrapassar a tensa posição de adulto ignorante para a de adulto aprendente, iniciante e novato.

Aceitar entrar nas práticas do jogo DDA aciona, a partir de então, outros modos de ocupação no campo da pesquisa em que “é preciso olhar tudo, observar tudo, participar de tudo, viver a experiência com o máximo que o campo nos possibilitar” (Gerber, 2014: 55), mas em que importa pensar o significado epistemológico e humano da escuta sensível; essa experiência corporificada por afetos e emoções. Ou seja, implica desabitar o seu lugar habitual para habitar o Outro numa posição de sujeito que, aprendendo pelo corpo, perceções, razões, afetos e emoções, revisita, por esta via, as suas compreensões acerca dos seus próprios saberes sobre as crianças. Neste modo de presença, “a densidade da experiência de um profundo mergulho em campo” (Gerber, 2014: 55), na “repetição” (idem) do estar com as crianças, exige tempo para aprender a apreender os seus mundos sociais de corpo inteiro, deixando-se “enfeitiçar”, sendo afetada pelas mesmas forças que afetam os demais sujeitos da investigação (Favret-Saada, 2005). A experiência etnográfica que assim vai acontecendo convoca a sensibilidade e a abertura emocional para que a pesquisadora possa estabelecer uma comunicação muito mais complexa do que a simples troca verbal e a proximidade física:

(…) O jogo começa! Rapidamente os meninos definem quem vai à “baliza” e, depois disto, já estamos a jogar. Éramos 6 em campo, 5 meninos e eu. Não houve uma recapitulação das regras antes do jogo começar. Rafael, na “baliza” inicia o jogo lançando a bola ao Francisco que domina no peito e passa ao Tadeu de forma rasteira. Estou posicionada à beira do Tadeu; este então chuta a bola na minha direção. No meu outro lado está o Marcelo e é para ele que passo a bola. Tudo acontecia de maneira muito calma, diferente de quando estava só a observar - tinha a sensação de que as jogadas aconteciam em câmara lenta, havia um controlo da força na jogada, assim como uma “demora” para chutar à “baliza”. Ficámos perto um do outro e a bola entre nós era passada devagar, sendo essa “lentidão” um modo de eu aprender a dinâmica do jogo. Eu tinha que experimentar toda a jogada para compreender o processo. Com estas repetições, que no início eram frequentes, percebi como se dava a disposição dos jogadores em campo e como a movimentação de cada um era importante para articular a jogada e fazer o golo. Ao mesmo tempo, as jogadas mais lentas permitiram que eu conseguisse jogar de forma mais “competente”, ou seja, sem muitos erros do ponto de vista da técnica necessária para ali estar. De vez em quando, ouvia a frase: - Deixa a Ivana chutar. Quando isso acontecia, era eu a chutar à “baliza”. Este era um dos momentos de maior tensão porque “falhar o golo” e “chutar aos cantos”, implicava ocupar o papel de guarda-redes. Isso, para mim, representava uma grande preocupação diante das habilidades que esta figura precisa ter: além da defesa que, por si só, já é difícil para mim, é preciso ter atenção às faltas que os demais cometem para sair desta posição. Diante deste temor criei uma estratégia individual para não ir à baliza: evito finalizar as jogadas. Não fui repreendida nenhuma vez por ter realizado um passe errado, mas fui elogiada quando consegui dominar uma bola no peito e passar ao Francisco: - “Isso, Ivana! Estás a jogar bem!” - diz o Pedro. Eu não era uma “jogadora de DDA”, não apresentava os mesmos saberes que as crianças que cotidianamente praticavam o jogo e eram, por isso, convidadas a jogar. O convite a mim endereçado, aconteceu justamente por eu não saber, e o meu não saber exigiu das próprias crianças um reposicionamento em campo para garantir que eu aprendesse a jogar com elas”. (...) (Notas de campo, março de 2019).

Ao convidarem-me para jogar, as crianças chamam-me para uma conversação mais próxima, em que o corpo foi o marcador da escuta das suas práticas sociais. Este foi um momento em que o caderno de campo se ausentou momentaneamente de cena para ser ocupado por uma atenção redobrada à experiência de corporalização vivida, em que corpo, perceções, emoções, estratégia e destreza figuram possibilidades de aprendizagem que se deixam capturar de maneira lenta, mas contínua e intensa, para se conhecer melhor o jogo, os jogadores e todas as suas idiossincrasias.

Neste processo de culturalização do meu corpo, num ambiente de pares masculino que dá vida ao DDA, o necessário desconhecimento das regras de jogar futebol para aprender e saber as do DDA, implicou processos de aprendizagem pelo ver fazer, pela replicação do exemplo, repetição para corrigir o erro, mas também a exposição e demonstração do que já se é capaz de fazer, e a criação de oportunidades de comprovação das competências adquiridas “- Deixa a Ivana chutar!”. Na indispensável repetição do jogo, e das suas regras, o tempo longo, mas, sobretudo, lento e intenso - percebi uma estratégia de ensino das crianças crucial para ser iniciada nas nuances do seu complexo jogo.

Pode assim dizer-se que, se a etnografia “é a repetição da experiência que se densifica à medida que temos condição de observar [participar e compreender] se um fato é extraordinário ou ordinário” (Gerber, 2014: 55), sendo nestas ocasiões possível perceber, “(...) a criatividade e as formas como as pessoas e os grupos conseguem se reinventar, se recriar no seu cotidiano” (idem), uma certa lentidão foi igualmente necessária para permitir à pesquisadora autorizar-se a aprender na densidade socioafetiva da experiência etnográfica que estava a ser vivida:

(…). À medida em que o jogo foi acontecendo, e as crianças percebendo o meu processo de aprendizagem, impunham um outro ritmo. A bola estava a rolar mais rápido e eu precisei de ficar ainda mais atenta, pois as sequências das jogadas imprimiam uma dinâmica que exigia de mim uma habilidade maior para a controlar, além de uma movimentação em campo mais intensa. Apesar de já ter jogado futebol, a habilidade necessária para jogar DDA, escapa-me. As experiências anteriores com o jogo em muito se diferenciavam do que ali estava a fazer. E é na experiência do jogar com as crianças - correndo, chutando, rematando, perdendo a bola, cançando, mas também gritando, rindo, saltando de alegria, protestando, ficando sem graça e não achando graça - que o aparente “improviso” na definição da sigla “DDA”, começa a fazer sentido para mim. Defende, Defesa e Ataque. Não só o guarda-redes defende - nós, jogadores(a), também precisamos de defender a nossa permanência em campo de jogo e, para isto, é preciso atacar e fazer o golo. Ser vencedor(a) significa marcar o golo para que o ponto seja subtraído ao guarda-redes que, para ser eliminado, precisa chegar a zero. Aos poucos vou percebendo que esta complexa dinâmica exige estratégias de jogo individual - buscar um melhor posicionamento em campo para chutar à “baliza” e fazer o golo, sendo esta uma forma de defesa do jogador em campo; correr para longe do guarda-redes quando o jogo já está a “queimar”; quando se está na posição de guarda-redes, lançar a bola de forma a que dificulte o domínio do jogador prejudicando a articulação de uma jogada rápida... - e coletiva - articulando as jogadas com os outros jogadores de forma a ter êxito no chuto e fazer o golo; articular jogadas que incentivem o jogador que possui mais pontos o chuto à “baliza”, na tentativa de induzí-lo ao erro para que vá para a posição de guarda-redes e assim possa sofrer golos e perder pontos... -, o que talvez explique minha incompreensão anterior, quando eu estava a ocupar o lugar de observação na claque, crendo que pudesse tratar-se de um jogo de equipas. (...) (Notas de campo, março de 2019).

A transmissão do complexo jogo e seus códigos pelas crianças exigiu uma multiplicidade de linguagens em que “o movimento, os gestos, expressões complementam [complementaram] o sentido da fala [e também da escrita]” (Castillo, 2008: 27). A explicação verbal, juntamente com o desenho, somados à experiência vivencial do jogo, possibilitou, ao fim de algum tempo, a aprendizagem dos “como” jogar “DDA” de forma multissensorial num uso situado da minha corporeidade4. Corporalidade em cuja relação inseparável corpo/mundo, o corpo, enquanto o sujeito da cultura (Csordas, 1990: 05), que “se afeta e é afetado pela imanência do mundo. Mundo esse que não apenas o circunscreve como corpo, mas que é, na sua radicalidade, expressão e extensão de si: corpo é mundo!” (Rosa, 2016: 63). Assim “os sentidos, sentimentos, emoções são interconectados à percepção humana e não podem ser entendidos separadamente. Conectamos sons a imagens, cheiros a coisas táteis. São todos parte de uma experiência incorporada interconectada (Gama, 2016: 128).

As mobilidades e as técnicas do corpo, e as regras do jogo repassadas pelo corpo, inscreveram-lhe, passo a passo, uma outra linguagem não verbal e para-verbal, tácita e altamente emotiva, criativa e improvisada, cujo fluxo se mostrara invisível e/ou opaco, incompreendido e/ ou ilegível somente pela observação. Nestes termos, a etnografia abre-se à comunicação não verbal, não intencional e involuntária, reconhecendo-lhe um estatuto epistemológico que a coloca no mesmo plano da comunicação voluntária e intencional, dada a intensidade comunicativa e afetiva que as acompanha na experiência do trabalho de campo etnográfico (Favret-Saada, 2005: 160-161).

Tamanho envolvimento e despreendimento do lugar habitual de observar, em que as emoções e sensorialidades se arranjam como outros modos de interpretar e compreender vívidos, não deixam de colocar a etnógrafa, também, em experiências de vulnerabilidade necessárias para que possa, diante da sua “fragilidade”, perceber e consciencializar, com maior profundidade e atenção, o valor dos significados ordinários que se põem em contexto, e provar, inesperadamente, a intensidade dos sentidos subjetivos que os constituem - desta perspetiva, a etnografia pode ser uma experiência transformadora. A construção desta outra autoridade etnográfica, que renuncia à autoridade que aprisiona e fala sozinha, para colocar-se dentro do processo investigativo e assumir o envolvimento da própria subjetividade (Fonseca, 1999) na experiência da produção do conhecimento, converte-se, então, pela relação dialógica, numa acção reflexiva e polifónica em encontros interculturais.

3.4. “-É um jogo passado um para o outro…” - a experiência etnográfica como aprendizagem incorporada da circulação de saberes entre pares

O conhecimento a priori do jogo de futebol precisou de ser revisitado, dado que o DDA tem a sua origem na dinâmica do futebol tradicional, com suas regras universais, e por mim sobejamente conhecidas, mas amplia a sua complexidade com a invenção de outras regras de condição relativas ao campo de jogo - frente da JF -, e à intensificação dos modos de circulação dos saberes fazer infantis:

(...) quando perguntei às crianças com quem haviam aprendido o jogo DDA, elas responderam: “- É de [há] tempos…”; “- É um jogo passado uns para os outros…” (Notas de campo, março de 2019).

Percebo nestas breves indicações que o DDA recebe os contornos culturais daqueles que o animaram, animam, e que por ele passam envolvidos nas suas redes de relações. Compreendo também que há aqui o dado contextual que reconhece nos “como” se joga DDA um saber que já tem a sua historia, “é de tempos” e se transforma na cultura imaterial das crianças, traduzindo, ao mesmo tempo, processos de socialização nas significações sociais valorizadas pelas crianças, transmitidas e aprendidas umas com as outras e não são somente com os adultos.

Realçam-se então as crianças como (re)produtoras de cultura, nos termos de uma “reprodução interpretativa” (Corsaro, 2011). Daí que, na “continuidade” do jogo DDA se expresse a sua agência corporal, tanto na produção cultural das crianças como na sua inconformidade e resistência diante das novas dinâmicas urbanas que esta comunidade vive na contemporaneidade, quando lutam nos seus próprios termos contra o desaparecimento dos seus lugares.

Na densidade socioafetiva e emocional do estar em campo, atenta aos pormenores que acontecem por dentro com aqueles que jogam, percebo ainda que a rede de relações entre as crianças, e entre elas e eu, atualizam as regras “ditas”, ao mesmo tempo que anunciam outras tantas, não-ditas, mediante a situação vivida no momento. Assim, o conhecimento primeiro das regras recém-aprendidas por mim, rapidamente inovadas, dependendo de quem está envolvido(a) na jogada, obrigaram-me a constantes novas aprendizagens:

[numa situação de jogo], quem vai à “baliza” é o Marcelo que tem 7 anos, a criança mais nova a brincar. Enquanto ocupa este lugar reparo que as jogadas desaceleram, tornam-se mais cadenciadas, os chutos na direção do guarda-redes são fracos, sem “estouros”5. Porém, a minha falta de habilidade fez com que um dos meus chutos à “baliza” fosse com força. Fiz o golo, mas fui imediatamente chamada à atenção pelo Jorge que vem à minha beira e diz: - Não chutes com tanta força, o Marcelo ainda é um miúdo, pode magoar.

Diante da orientação, dou-me conta de que enquanto o Marcelo está à “baliza” os meninos se posicionam mais à frente para chutar, de mais perto, não necessitando exagerar da força para fazer o golo, fazendo com que o Marcelo tivesse a condição de defesa, sem o risco de se magoar. Esta mesma situação foi também por mim vivida quando ocupava o lugar de guarda-redes, em que o Pedro chuta forte e é também chamado atenção pelo Jorge: - Não chutes assim, é a Ivana à baliza! (Notas de campo, março de 2019).

O estranhamento inicial das regras que a familiarização ganha durante as práticas de jogo tinha amenizado, rapidamente me trás de volta àquele posicionamento inicial, quando me vejo diante dos novos anúncios acerca das regras. Aprendo, assim, à minha custa, e rapidamente, que o conhecimento etnográfico é sempre provisório - no caso relatado, o facto do DDA acontecer com crianças de diferentes idades e uma pesquisadora mais velha, mas aprendiz, revela uma atenção particular dos meninos jogadores mais velhos e veteranos em relação ao Outro - adulto e criança pequena -, quando recriam e ajustam as regras para que todos possamos jogar. No reconhecimento das diferenças e semelhanças que constituem a sua diferença geracional e de género, da Ivana e do Marcelo, ambos parecem ser vistos como partilhando a mesma condição de “novatos” perante o jogo DDA e, portanto, alguém sem experiência naquela actividade, ambos inábeis e incompetentes, e mais fracos e vulneráveis em função da idade (Marcelo) e do género (Ivana). Este outro lado das suas diferenças não os exclui da brincadeira: reconhecidos como traços de alguém singular dentro do grupo, essa singularidade deve ser respeitada. Um tal cuidado perante as vulnerabilidades da criança menor e da pesquisadora revelam a ética de convivência em que o encontro no corpo-a-corpo estabelece uma territorialidade de emoções e de sentimentos depositados nas ações, cujos movimentos, diante da experiência de cada um(a) no ato de jogar, “são carregados de sentidos e intencionalidades” (Munarim, 2011:387): - Não chutes com tanta força, o Marcelo ainda é um miúdo, pode magoar; - Não chutes assim, é a Ivana à baliza.

Pode então dizer-se que nos saberes do jogo DDA feito “de [há] tempos”, “passado um para o outro”, se percorre um caminho de passagem que não está circunscrito apenas à habilidade técnica, nem tão pouco, às regras pré-definidas. A continuidade do jogo, diante da sua imanência renova-se continuamente por meio de trocas e aprendizagens em que as crianças ensinam e aprendem com seus pares, ensinam e aprendem com os adultos, imersas num simbolismo em que o corpo de todas e de cada uma, constituído de emoções, sensorialidades, sentimentos se constrói a si nas relações com o(s) Outro(s).

3.5. “-Estás a fazer batota…” - a experiência etnográfica como aprendizagem incorporada dos jogos de poder entre pares

As regras atualizadas no momento do jogo refazem-se também por outros caminhos em que as relações de poder intrageracional se impõem, e os critérios de partilha não se situam do mesmo modo:

(...) quando Pedro estava à “baliza”, o Jorge, para proteger o Marcelo que seria “queimado”, interviu na jogada gritando: - Estás a fazer batota6, deu mais de 3 passos e ainda veio muito à frente para contar.

Pedro tenta defender-se, mas sem sucesso. Jorge pega o Pedro pelo braço, o conduz até a parede, dentro da “baliza”, e determina que repita a ação dos 3 passos para aproximação. Pedro reclama dizendo: - Tu estás a fazer batota, só porque o Marcelo é teu primo… não queres que ele vá à baliza.

O argumento foi inútil. Pedro sem espaço de movimentação, pois estava colado à parede, não teve o mesmo êxito que da primeira vez. Os seus 3 passos não foram suficientes para uma aproximação que pudesse acertar no Marcelo. Insatisfeito com a situação continua a protestar: - Não vou à baliza, pronto!

Jorge responde-lhe: - Se não vais, não jogas!

- Jogo, jogo. - responde Pedro.

- Não jogas nada! A bola é minha. - responde Jorge. Com este argumento, é um Pedro chateado que volta à “baliza” e o jogo DDA recomeça.

Esta pequena tensão fez com que as estratégias de jogo para tirar o Pedro ficassem ainda mais intensas. Rapidamente o menino sofreu uma sequência de golos, mas, sem conseguir “queimar”, ninguém foi eliminado. Ele chorou e, ao sair, gritava que “não era justo!”.

Enquanto estavam a discutir e o Jorge a determinar o que o Pedro deveria fazer, ninguém, inclusive eu, interferiu na discussão entre os dois. Foi só no final, quando Pedro saiu gritando e chorando que tentei acalentá-lo (Notas de campo, março 2019).

Na dificuldade em não ser intrusiva, sou afetada pelas relações que ali se estabelecem. Confesso que fiquei incomodada e tive vontade de intenvir, já que aquilo que vi o Pedro fazer, não infringia as regras estabelecidas no DDA: para “mim”, era “batota” do Jorge. Porém, na condição de pesquisadora aprendente, optei por “atentar” à relação de conflito para entender como se resolveria, até porque o silêncio cúmplice das demais crianças parecia legitimar o discurso do “dono da bola”. Isso permitiu-me aprender que a autoridade entre pares, por vezes, também conduz as relações estabelecidas dentro do campo: não são deixadas no banco de reserva, mas, pelo contrário, arbitram o jogo. Os grupos de pares (Corsaro, 2011) fora do jogo dizem dos comportamentos dentro do campo que comunicam e são sentidos (Csordas, 1990).

As emoções no jogo ficam à flor da pele, provocadas pelos sentidos que diferenças e semelhanças possibilitam viver, individual e coletivamente, na experiência corporificada; razão/ emoção são um só corpo. “Sensações e emoções são constituintes activos da estrutura social, lugares de resistência e meios de rebelião, instrumento de diferença de status [poder] ou de caracterização de género, espaços de reivindicação política e formas de acção no mundo” (Pusseti, 2016: 43). Na experiência do sentir no campo com as crianças, emergem emoções e sentimentos que se colocam como modos de aprendizagens e produção do conhecimento que, nesse desconhecimento dos saberes adultos, ajudam a afastar as minhas certezas.

O jogo DDA não é somente técnica, habilidade, objetividade, pois a dimensão subjetiva, marcada pela corporeidade daqueles que jogam, permeia todo o saber fazer e sentir. O jogo está mergulhado em regras atravessadas por sentimentos, sensorialidades, emoções, conflitos, multiplicidade, já que “em cada corpo há uma infinidade de relações que se compõem e se decompõem” (Rosa, 2016: 62), segundo um corpo-mundo que supera a clássica e obsoleta posição da divisão cartesiana, corpo e mente, razão e emoção, e binariza a complexidade da corporeidade (Csordas, 1990). Os sentimentos e emoções encrustadas no corpo tecem as singularidades diante das relações que estabelece com os outros (Pires, 2014).

3.6. “- Atão7Ivana, agora já percebes? …” - a experiência etnográfica como aprendizagem incorporada do tempo do meu corpo

O jogo DDA, ganha novos sentidos no momento em que eu passo a experimentá-lo e a experimentar-me com as crianças, de corpo inteiro, de forma multissensorial, corporificada. As emoções provocadas em campo, pelas relações estabelecidas dão um outro contorno às suas dinâmicas, que, de fora, só observando, era impossível perceber - a profusão de corpos em movimento, de sutilezas, gestos, manobras corporais e não-ditos, por vezes, não são percetíveis ou vistos; os ditos, por vezes, não são audíveis de longe. É, pois, preciso estar com, deixando-se “alterar” numa relação intersubjetiva intensa, para que alguma coisa possa acontecer e, assim, a experiência etnográfica ganhe o cunho de transformadora. Mas… existirão limites? Que outras facetas de mim própria aprendo quando vivo e me entrego à experiência etnográfica com crianças como incorporação?

Depois de muito jogar, o meu corpo dá sinais de cansaço. Tento resistir para acompanhar toda a experiência, do começo ao fim do jogo, mas não consigo. As experiências do passado denunciam, neste momento, o tempo do meu corpo. Tempo de uma idade que já não consegue mais acompanhar a disposição das crianças, a sua vitalidade, o seu tempo. Diante do meu cansaço, que penso não ser só físico, pergunto se posso desistir ou dar lugar a outro jogador. Francisco responde que sim. Convido então o Roberto (10 anos), que estava a assistir, a ocupar o meu lugar. O menino imediatamente aceita.

No momento que troca, sai de cena a aprendiz e entra o menino experiente no jogo, Tadeu pergunta: - Atão Ivana, agora já percebes?

Eu então respondo: - Agora começo a perceber melhor. (...) (Notas de campo, março de 2019).

Agora que se chegou ao final da minha participação com jogadora no jogo DDA, o aprender a aprender até aqui enunciado, enquanto exercício na etnografia com as crianças pela investidura que se faz sobre o sujeito que pesquisadora/etnógrafa, trás à tona os contínuos questionamentos provenientes das relações com as crianças. Questionamentos que apontados ao corpo da pesquisadora falam das suas inoperâncias, precariedades, inquietações, não saberes. É neste sentido que, nas dinâmicas da geracionalização em que está envolvida com as crianças abalam visões reificadas de adultos perfeitos, competentes e incorruptíveis, ao mesmo tempo que, pela partilha dessas semelhanças com elas - mesmo que de forma circunstancial e pontual -, relativizam a irreversibilidade do poder em que assenta a ordem geracional (Alanen, 2001). Assim, essas dinâmicas, não só perturbam e desestabilizam a terminalidade da adultez, como também, a volubilidade que a relação dialógica permite no jogo e que faz com que o meu corpo atue próximo às crianças sendo que jamais me poderei tornar uma delas - nesse sentido estaremos sempre em processo de “estar a perceber melhor”; porém, nunca completamente por nos constituirmos permanentemente como adultos inacabados e incompletos.

4. A etnografia é uma construção artesanal - o trabalho mundano de uma escrita etnográfica

A tarefa de uma escrita etnográfica numa comunidade piscatória ao Norte de Portugal apresenta-nos um exercício de acesso a dimensões socioculturais que definem a vida das crianças nessas comunidades e que atuam como vetores que atravessam a produção dos nossos saberes sobre o Outro. O trabalho artesanal e mundano refere-se ao exercício contínuo que fazemos na etnografia de reflexividade que atua, sobretudo, na subjetividade de quem faz a pesquisa. No caso, temos as crianças e a nós mesmas como sujeitos que necessitam desse investimento que se materializa na escrita, no momento em que escrevemos a etnografia, ou ainda, no momento em que criamos a etnografia e referenciamos a tendência de “especificação dos discursos na etnografia” em que nos perguntamos quem fala? quem escreve? quando e onde? com quem ou para quem? sob quais limites institucionais e históricos? (Cliford, 2016: 48). Estas questões, ao serem assumidas por nós, instituem roteiros no trabalho de pesquisa gerando uma inevitável linha de afetações que serão inscritas no exercício de resposta a cada pergunta. O trabalho sobre si, traz essa tarefa ao etnógrafo que vai, sobretudo, debruçar-se sobre a identificação da sua autoridade etnográfica para relacionar-se com o campo e com os sujeitos da pesquisa.

O jogar com as crianças o jogo do DDA foi uma premissa essencial para, enquanto adulta que já não costuma brincar, poder vir a aprendê-lo e a conhecer todas as regras, movimentos e organização que elas apresentavam à etnógrafa, mas que ela não estava capaz de compreender. É a sua aproximação “interessada” e “curiosa” que abre a possibilidade de diálogo, a que se sucede o seu convite: Queres jogar? Assim percebes melhor como se joga! O estar-junto como possibilidade de abertura para outro pode então ser pensado a partir das relações que são produzidas e ancoradas por uma disposição curiosa do sujeito da pesquisadora/adulta acerca das crianças. Isso implica pensar que estamos diante de um “modo de ser, de moverse, de mirar, de sentir, de oir, de eschuchar, de expresarse (...) que desde sus modos de estar en el mundo lo cuestionam porque hacen tambalear sus principios con su sola presencia” (Lara-Pérez, 2011: 47).

Queres jogar? Assim percebes melhor como se joga! anuncia esta possibilidade de um outro olhar que se inscreve sob a visão de uma adulta que se percebe interessada nas crianças e naquilo que advém dos seus mundos. Essa não é uma posição de sujeito que, habitualmente, percebemos nos adultos quando estão com as crianças. A relação de proximidade com o outro-criança está implicada no reconhecimento dessa posição estrutural geracional e adultocêntrica (Alanen, 2001), na diferença e no estranhamento necessário que advêm de lugares e posições distintos subjacentes às disposições da pesquisadora/etnógrafa com as crianças. O lugar do não-saber atua sobre a incompletude do adulto na relação que situa o jogo, os saberes, as organizações cotidianas das crianças na JF e, com isso, a reversibilidade do poder opera em equações “incomuns ao mundo adultocêntrico” em que percebemos a diminuição do poder/saber do adulto na relação de poder/saber das crianças. Vale destacar que isso ocorre pelo que Mélich nomeia como “antropologia de la situación” sobre um modo de ser na existência e na situcionalidade “(...) nuestro modo de ser en la vida, nuestras relaciones con los demás y con nosotros mismos, dependen de la situación en a que nos encontremos” (2011:86). Naquela ocasião, a permanência das crianças na JF, a forma que cotidianamente se punham a jogar e a conviver com as regras do jogo, os seus saberes desenvolvidos, manejos corporais e, sobretudo, a partilha entre elas, já identificadas como jogadoras, davam essa condição de saber sobre o adulto interessado a jogar, no caso, a etnógrafa .

No convite para jogar “- Assim percebes como se joga”, uma afirmação que desloca o saber construído na pesquisa sobre as crianças para um outro que é sobre e com as crianças, aprendemos a aprender que é preciso estar com elas numa uma afetação que ocorre pela possibilidade da diferença que se faz presente no reconhecimento do nosso próprio adultocentrismo e no seu declínio. Aprender a declinar dessa posição é um dos saberes que nos oferecem as crianças, como nos diz Favret-Saad (2005): ser afetado supõe assumirmos o risco do conhecimento se desfazer.

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1Neste texto optamos por trazer, no feminino, “a etnógrafa”, pois entendemos que ao tratarmos da posição-de-sujeito na pesquisa estamos posicionando a categoria género como um marcador importante que constitui o lugar social ocupado pela pesquisadora que vai ao campo. Entendemos que o apagamento desse marcador incide diretamente na condição do olhar, na visibilidade da corporeidade da pesquisadora.

2No original: “generationing” (Alanen, 2001: 129).

3Todos os nomes das crianças são fictícios.

4Corporeidade, corporalização, enquanto conceitos alinhados ao de embodiment contribuem para refletir, na perspetiva de Csordas, o corpo pensado como o sujeito da cultura. Partindo das reflexões de Merleau-Ponty, e do seu conceito de pré-objetivo, bem como de Pierre Bourdieu, e seu conceito de habitus, o embodiment procura destituir as dualidades conceituais corpo/mente, natureza/cultura, sujeito/objeto, valorizando as experiências subjetivas, num corpo dotado de desejos, afetos, sensações... (Csordas, 1990, 2013).

5Estouros são chutos muito fortes na direção da baliza.

6“Batota” é um termo comum, que significa saber que se está a enganar ou a ser enganado, trapaceado.

7Na oralidade, é comum o advérbio “então” ser vocalizado nesta forma.

Recebido: 31 de Maio de 2019; Aceito: 05 de Setembro de 2019

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