Introdução
No Brasil, após duas décadas de ditadura militar, a transição para a democracia teve um desfecho muito difícil. O primeiro presidente eleito democraticamente, Fernando Affonso Collor de Mello (1990‐1992), teve seu mandato suspenso e os seus direitos políticos cassados pelo Congresso Nacional devido a denúncias de corrupção. Assumiu a Presidência da República o então vice‐presidente Itamar Franco que junto ao seu Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso (FHC), criou uma bem sucedida política de estabilização financeira, denominada Plano Real, que conseguiu frear os processos hiperinflacionários da década dos oitenta.
Em 1994, graças ao sucesso do Plano Real, FHC, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) foi eleito Presidente da República, conseguindo sua reeleição em 1998, tornando‐se o primeiro presidente com dois mandatos totalizando oito anos de governo (Cunha, 2003, Frigotto e Ciavatta, 2003).
Fernando Henrique Cardoso promoveu a reforma administrativa, adotando modelos de administração gerencial em substituição à administração baseada em princípios burocráticos (Tavares, 2011), alinhada às políticas mundiais orientadas pelas grandes agências multilaterais como, por exemplo, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, que recomendavam a adoção do ajuste fiscal, abertura comercial, liberalização financeira, desregulamentação dos mercados, eliminação dos instrumentos de intervenção do Estado, mercado e privatização de empresas e serviços públicos (Sguissardi, 2006). De acordo com Bresser Pereira, propunha‐se a "transição programada de um tipo de administração pública burocrática, rígida e ineficiente, voltada para si própria e para o controle interno, para uma administração pública gerencial, flexível e eficiente, voltada para o atendimento do cidadão" (Brasil, 1995: 13).
Na educação superior, as políticas adotadas por FHC rotuladas pelos setores de esquerda como "neoliberais", promoveram uma aceleração da expansão das Instituições de Ensino Superior (IES) e o aumento de 110.8% no número de IES privadas em oito anos, optando pela ampliação da cobertura de atendimento via expansão do setor privado e a consequente institucionalização do mercado universitário com a presença de rankings governamentais, resultantes do exame nacional de cursos (Calderón, 2000), fato criticado à exaustão pelos setores de oposição, por representar a mercantilização da educação no país (Cunha, 2003).
A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) como sucessor de FHC na Presidência da República em 2002, foi um marco na história do Brasil pelo fato de se haver elegido o primeiro presidente de esquerda, o primeiro operário a chegar à presidência, gerando‐se grande expectativa também, devido ao Partido dos Trabalhadores (PT), considerado de matriz socialista, ter assumido a condução do país, representando promessas de resistência à expansão neoliberal.
Em seu primeiro mandato Lula criou o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) com o objetivo de romper com a política de FHC baseada no ranqueamento das IES, propondose uma avaliação processual, considerada "emancipatória" (Rothen e Barreyro, 2011; Calderón et al. , 2011). Criou‐se, também, o Programa Universidade para Todos (PROUNI), possibilitando a inclusão de mais estudantes no sistema de ensino superior brasileiro privado, por meio de uma política que previa o fornecimento de bolsas de estudo parciais e integrais nas IES privadas em troca da isenção de determinados impostos e contribuições (Catani, 2006).
Em seu segundo mandato, Lula criou o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), que pretendia estimular a concorrência entre as universidades federais por meio da gestão por resultados (Lima y Azevedo, 2008) e, contrariando a proposta inicial do SINAES, do primeiro mandato, que teria papel central de regulação, foram retomadas as velhas práticas de ranqueamento das IES, por meio da criação do Conceito Preliminar de Cursos (CPC) e do Índice Geral de Cursos (IGC), elaborados pelo próprio Ministério da Educação -MEC (Calderón et al. , 2011).
O Plano de Governo 2002, da coligação Lula Presidente (Partido dos Trabalhadores, 2002), caracterizou‐se por apresentar um tom crítico à expansão no setor privado, ressaltando o fato do Brasil situar‐se entre os "países do mundo com maior taxa de privatização da educação superior" (Partido dos Trabalhadores, 2002: 26), constata‐se que o então candidato prometeu a centralidade do setor público na educação superior, propondo como meta a ampliação da oferta do setor estatal em até 40% do total de matrículas; ou seja, ampliando a oferta de 30%, no final do governo de FHC, para 40% hipo teticamente, até o final do governo Lula. Com esta promessa infere‐se que no governo Lula haveria um freio na expansão do setor privado, possibilitando o recuo da expansão das matrículas de 70% -no final do governo de FHC- para 60% num eventual governo Lula.
Considerando a desenfreada expansão do setor privado da educação superior no Brasil durante o governo de FHC e a concretização de dois mandatos presidenciais de Lula, com a promessa de redenção e de contenção das políticas neoliberais, será que no governo de Lula houve uma redução da expansão no setor privado em benefício da potencialização das IES estatais no atendimento da demanda de educação superior?
O presente artigo aborda o comportamento dos governos de FHC (1995‐2002) e de Lula (2003‐2010) em torno da expansão do setor privado no atendimento da demanda por educação superior no Brasil, com o intuito de responder à questão acima colocada Para tanto recorreu‐se tanto à pesquisa de cunho bibliográfico, adotando como principal referência de análise, livros e artigos científicos publicados em revistas de impacto localizadas na Scientific Electronic Library Online (SciELO), quanto à pesquisa documental e análise de dados secundários, fornecidos pelo governo brasileiro por meio do Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).
Antecedentes históricos
O surgimento e a expansão das IES no Brasil são abordados por importantes autores do cenário acadêmico brasileiro (Sampaio, 2000; Martins, 2002; Martins, 2009; Cunha, 2003; Frigotto e Ciavatta, 2003; Corbucci, 2004; Zainko, 2008; Barreyro, 2008; Rothen, 2009 e 2011).
Conforme a literatura acadêmica (Sampaio, 2000) as primeiras IES no Brasil foram fundadas em 1808 com a chegada da família real portuguesa ao país. Até a proclamação da República, em 1889, a expansão das IES desenvolveu‐se lentamente. O modelo de educação visava formar profissionais liberais que ocupariam postos privilegiados no mercado de trabalho, além de conquistarem prestígio social. No final do século XIX, existiam apenas 24 estabelecimentos públicos de ensino superior no Brasil, com cerca de 10.000 estudantes (Sampaio, 2000).
A Constituição da República de 1891, possibilitou a abertura da educação superior ao setor privado, surgindo, assim, as primeiras iniciativas das elites locais e confessionais católicas. A expansão do ensino superior teve um crescimento considerável até 1920, passando de 24 para 133 instituições (Sampaio, 2000). Na década de 1920, o país contava com cerca de 150 escolas isoladas e duas universidades, a do Paraná e a do Rio de Janeiro, que não passavam de aglutinações de escolas isoladas (Martins, 2002).
O governo de Getúlio Vargas (1930 a 1945) promoveu uma reforma na educação em 1931, autorizando e regulamentando o funcionamento das universidades, inclusive com a cobrança de anuidades, pois o ensino público não era gratuito naquela época. A reforma ainda permitia o funcionamento de instituições isoladas e IES privadas.
No período de 1931 a 1945 houve intensa disputa entre lideranças laicas e católicas pelo controle da educação. O ensino religioso facultativo foi implantado no ciclo básico. A igreja católica ambicionava a criação de suas próprias universidades, o que aconteceu na década seguinte. Em 1933, foram realizadas as primeiras estatísticas do ensino superior, quando o setor privado respondia por 64.4% das IES e 43.7% do total de alunos matriculados.
No período de 1945 a 1968 houve uma grande luta do movimento estudantil e de professores em defesa do ensino público, que reivindicavam a eliminação das instituições isoladas privadas por meio da absorção pública.
A reforma da Lei de Diretrizes e Bases de 1961 não determinava que o ensino superior devesse organizar‐se preferencialmente em universidades, caracterizando assim uma vitória dos defensores da iniciativa privada, pois se permitia o atendimento da demanda por instituições isoladas. Em 1960, o número de alunos matriculados no ensino superior era de 226.218 universitários, dos quais 93.202 eram do setor privado e 28.728 excedentes que foram aprovados no vestibular para universidades públicas, mas não admitidos por falta de vagas (Martins, 2002).
O regime militar de 1964 desmantelou o movimento estudantil e manteve as universidades públicas sob vigilância. Apesar do clima de deterioração dos direitos civis, a reforma da educação superior de 1968 inspirou‐se nas idéias do movimento estudantil e intelectual das décadas anteriores, instituindo os departamentos, institutos básicos, organizando o currículo em ciclos básico e profissionalizante. Além disso, alterou os vestibulares, aboliu a cátedra, tornou as decisões mais democráticas por meio da criação dos departamentos,1 institucionalizou a pesquisa, centralizou as decisões nos órgãos federais, estimulou a pós‐graduação e a capacitação dos docentes. Em 1969, os excedentes já somavam 161.527. A grande pressão por demanda levou a uma forte expansão no ensino superior no período de 1960 a 1980, com o número de matriculados passando de, aproximadamente, 200.000 para 1.400.000 alunos, com 75% atendidos pela iniciativa privada (Martins, 2002).
Conforme os estudos de Sampaio (2000) e Calderón (2000) a opção de o governo militar foi o atendimento da demanda de massas por meio do setor privado, ficando nas mãos do poder público a manutenção de universidades de elite, que aliassem o ensino à pesquisa. Esse modelo de universidade estatal elevou os custos do ensino público, não permitindo a sua expansão ou massificação, abrindo, assim, espaço para que o setor privado atendesse à demanda não absorvida pelo estado.
Conforme Martins (2002) e Sampaio (2000), a partir de 1980, houve uma redução progressiva na demanda do ensino superior devido à retenção e evasão de alunos do 2° grau. Também ocorreu uma inadequação das universidades às novas exigências do mercado, frustrando as expectativas da clientela em potencial.
De acordo com Martins (2012), na década de 1990, a proporção de jovens entre 20 e 24 anos que ingressa no ensino superior correspondia a 11.4%, conferindo ao Brasil o 17° lugar entre os países latino‐americanos, superando apenas a Nicarágua e Honduras. Para Martins os menos favorecidos não usufruem da igualdade de oportunidade de acesso ao ensino superior seja ele público ou privado, não por falta de vagas ou de reforma deste, mas por problemas sociais e deficiências do ensino fundamental. Nesse sentido, as deficiências no ensino público fizeram que os setores sociais menos favorecidos fossem discriminados no acesso ao ensino superior devido a uma formação escolar de baixa qualidade.
Após o regime militar ainda houve um governo eleito indiretamente, o de Tancredo Neves que morto antes da posse e substituído por seu vice José Sarney (1985‐1990). Naquele período, "entre 1985 e 1993 o número de vagas oferecidas no ensino superior manteve‐se relativamente estável, em torno de 1.500.000, com declínio relativo da participação do setor privado" (Martins, 2002).
O primeiro governante eleito democraticamente o presidente Fernando Affonso Collor de Mello (Collor), teve seu mandato suspenso e seus direitos políticos cassados pelo Congresso Nacional, apoiado pelas manifestações populares do movimento dos "caras pintadas".2 De acordo com Corbucci (2004), o governo de Collor (1990‐1992), diagnosticou distorções no ensino superior brasileiro como a formação de profissionais desvinculada da geração de riquezas, a insuficiente formação na área de ciências exatas e o gasto excessivo em detrimento dos demais níveis de ensino.
Para superar esses obstáculos do ensino superior, Collor propôs a ampliação do acesso, respeito à autonomia universitária, maior estímulo ao desenvolvimento de pesquisas mediante parcerias entre universidades e empresas, ampliação dos programas de pós‐graduação e a capacitação e valorização dos profissionais da educação. Entretanto, de acordo com as análises e os dados apresentados por Corbucci (2004), distante dessas propostas, o governo de Collor não evidenciou preocupação com a expansão da matricula e com a melhoria da qualidade educacional, descumprido sistematicamente o preceito constitucional que determina à União a aplicação mínima de 18% na área da educação.
Por meio dos dados do Censo da Educação Superior do ano 2000, publicado pelo INEP (Brasil, 2000a), pode‐se verificar uma queda no número de IES privadas no período do governo Collor, devido ao seu descompasso com o mercado de trabalho e à ampliação da participação das IES públicas. Analisando os dados sobre a evolução do número de instituições, por dependência administrativa, entre 1990 e 1992, verifica‐se um aumento de 2.25% no número de IES públicas e diminuição de 4.31% das IES privadas.
Dados do referido Censo do Ensino Superior (Brasil, 2000b) também demonstra que entre 1990 e 1992, houve uma queda no número de matrículas nas IES privadas e uma ampliação nas IES públicas, assim como aponta um aumento de 8.82% no número de matriculados nas IES públicas e uma diminuição de 5.75% das matrículas nas IES privadas. A queda no número de matrículas no ensino superior e no número de IES privadas (1991‐1992), segundo alguns dirigentes de instituições de prestígio do país, em matéria publicada no Jornal do Brasil intitulada "Universidade vazia reflete o descompasso com o mercado", seria pela falta de capacidade das instituições em atender às novas exigências do mercado de trabalho. Os profissionais de nível técnico tinham a mesma faixa salarial de profissões que exigiam nível superior, tornando a graduação pouco atrativa aos clientes (Sampaio, 2000).
Com a deposição do Governo Collor e a assunção de Itamar Franco, para atender à demanda da comunidade acadêmica a Secretaria de Educação Superior do MEC criou uma comissão para estabelecer as diretrizes e viabilizar a implementação do processo de avaliação das universidades brasileiras, Programa de Avaliação Institucional da Universidade Brasileira (PAIUB). Conforme Gomes (2003), o PAIUB não foi formulado pelo governo, mas pelas universidades ou por uma comissão que as representava, pautando‐se pelos seguintes princípios: globalidade (avaliar todos os aspectos da vida de uma universidade), não comparabilidade, respeito à identidade institucional, não premiação ou punição e a participação voluntária.
No governo de Itamar Franco (1993‐1994) as políticas econômicas foram o grande destaque. O presidente junto com seu ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso criou uma política de estabilização financeira denominada Plano Real. Apesar das melhorias do cenário econômico no Brasil, houve diminuição do número de IES privadas e públicas. Segundo Sampaio (2000) a queda no número absoluto de estabelecimentos de ensino privado tenderia a ser compensada num período seguinte, registrando que não influenciou na porcentagem de alunos matriculados em IES privadas, mantendo‐se superior a 70%.
Sobre os dados da evolução do número de instituições por dependência administrativa, no período 1993‐1994, verificou‐se diminuição de 1.36% no número de IES públicas e de 2,91% das IES privadas, enquanto o número de matrículas nas IES públicas e privadas aumentou nesse período, demonstrando o otimismo econômico relativo ao Plano Real. O volume de matrículas nas IES no Brasil de Itamar Franco, entre 1993 e 1994, aponta o aumento de 5.65% nas IES públicas e 3,12% nas IES privadas.
Apesar da redução de número de IES privadas e aumento de alunos matriculados, do governo Collor (1990‐1992) ao governo Itamar Franco (1993‐1994), um comparativo percentual dos dois governos demonstra certa estabilidade no período, uma vez que não houve grandes flutuações nos dados estatísticos. A porcentagem de IES privadas, que no começo do governo Collor era de 76%, caiu para 74% no final do governo Itamar. Registrando‐se, ainda, que o número de alunos matriculados em IES privadas teve certa queda tanto no governo de Collor como no de Itamar Franco. A relação de matrículas nas IES Privadas, que no início do governo Collor atingia os 62%, passou para 58% no final do governo Itamar Franco.
O octênio de FHC (1995‐2002)
A candidatura à Presidência da República de FHC foi apoiada por uma frente de centro‐direita, e sua proposta de governo para o primeiro mandato iniciado em 1994, foi elaborada por uma equipe comandada pelo economista Paulo Renato Souza, ex‐secretário de Educação do Estado de São Paulo, ex‐reitor da Universidade Estadual de Campinas e, naquele momento, técnico do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) (Cunha, 2003; Frigotto e Ciavatta, 2003).
Nas eleições de 1994, FHC obteve mais de 34 milhões de votos, correspondendo a mais de 54% dos votos, sendo eleito no primeiro turno. O presidente conseguiu sua reeleição em 1998 com aproximadamente 36 milhões de votos, o que correspondeu a 53% dos votos (Brasil, 2012b), tornando‐se o primeiro presidente com mandato de oito anos, graças a uma emenda constitucional que permitia a reeleição dos ocupantes de cargos do executivo.
A reforma do Estado
As políticas do Governo de FHC fizeram parte de estratégias sugeridas por organismos internacionais para os países da América Latina (Tavares, 2011). A reforma do estado esteve orientada à adoção de um modelo de administração pública gerencial, claramente definido no documento intitulado Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Brasil, 1995), buscando aumentar a governança do estado brasileiro. Para isso, o estado deveria se afastar de atividades que pudessem ser realizadas pela iniciativa privada, concentrando suas ações na regulação da prestação de serviços públicos. Sob esta orientação, o setor privado conquistou amplitude e visibilidade, enquanto o estado intensificou os processos de privatizações de empresas estatais.
As políticas públicas se estruturavam em torno de três eixos: privatização, descentralização e focalização (Tavares, 2011). Nesse contexto a educação superior foi considerada como sujeita à "privatização", pois se entendia que a iniciativa privada poderia realizá‐la com muito maior eficiência e eficácia. Conforme Rothen (2011), a educação -um direito social- passava a ser tratada como mercadoria, o que facilitou a criação de um quase mercado.
O Ministério da Administração e da Reforma do Estado (MARE) propôs em 1995, um projeto de autonomia para as universidades federais. A proposta considerava transformar o status jurídico das universidades públicas para organizações sociais, entidades públicas não estatais, fundações de direito privado, ou sociedades civis sem fins lucrativos (Carvalho, 2006). Devido, às pressões das IES públicas, a conversão das universidades em autarquias ou fundações em organizações sociais passou a ser voluntária (Carvalho, 2006), não havendo, ao longo dos dois mandatos de FHC, nenhum caso de "conversão". Entretanto deve‐se mencionar que no governo de FHC foi aprovada a chamada Lei das Organizações Sociais (Brasil, 1998) que, entre outras determinações, dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, determinando no artigo primeiro:
O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei (Brasil, 1998, pp. 1).
Como se pode observar no referido artigo não constam as palavras universidade ou escolas, mas constam explicitamente as atividades desenvolvidas pelas instituições educacionais, tais como ensino, pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Embora no governo de FHC nenhuma universidade tenha sido convertida em organização social, restou a referida lei que voltou a causar polêmica, aproximadamente 17 anos após sua aprovação, no segundo mandato do governo da presidente Dilma Rousseff quando, conforme informações do Ministério da Educação (Brasil, 2015), "o modelo das organizações sociais, foi julgada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão de quinta‐feira, 16", ficando obviamente, sua aplicação ou não na esfera do jogo político.
Avaliação da educação superior
A Constituição Federal de 1988 previa a liberdade da iniciativa privada em oferecer cursos de ensino superior (Brasil, 1988). Cabia ao Estado o papel de ditar as normas para a educação nacional, conceder autorizações e avaliar a qualidade do ensino (Rothen, 2011).
Seno programa PAIUB, estruturado no governo de Itamar Franco, as exigências oficiais de supervisão, regulação e controle estavam pautadas na autoavaliação institucional pelas próprias comunidades acadêmicas e de forma voluntária (Cunha, 2003), no governo FHC, com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ‐ LDB, em 1996 (Brasil, 1996), o processo de regulamentação do sistema de avaliação foi que determinou a renovação periódica da autorização e o reconhecimento de cursos, bem como o credenciamento de IES (Rothen, 2011).
O eixo norteador da política de avaliação das IES passou a ser a avaliação de curso e não mais a avaliação institucional como era no PAIUB. Com os custos cada vez mais elevados, para o financiamento do ensino superior coube ao estado criar instrumentos mais eficientes de coleta de informações e prestação de contas da qualidade dos serviços em educação (Tavares, 2011). Dessa forma, foi criado o Exame Nacional de Cursos (ENC), mais conhecido como "Provão"; exame em larga escala a que eram submetidos os concluintes dos diversos cursos de graduação, servindo seus resultados como principal parâmetro da qualidade de cada curso de graduação.
O "Provão" era concebido no sentido de dupla regulação do sistema: pelo Ministério e pelo mercado consumidor de educação. As instituições que não obtivessem bons resultados nos exames seriam fechadas pelo Ministério, ou pela "mão invisível do mercado". A imprensa teve papel importante no sucesso dessa política pública; com os resultados em mãos, ela elaborava o ranque das instituições e contribuía, significativamente, no sentido de criar um imaginário social acerca da importância do exame (Rothen, 2011: 24).
Conforme Cunha (2003), como resultado da aplicação do ENC, o governo FHC aplicou sanções a 12 cursos de Matemática e de Letras (foram proibidos de admitir novos estudantes), porém, essas sanções foram suspensas por medidas judiciais, sendo que apenas uma IES privada (localizada na periferia da área metropolitana do Rio de Janeiro) perdeu o status universitário, em função de um baixo desempenho na avaliação pelo governo.
A grande repercussão gerada por essa política de avaliação da educação superior no governo de FHC, principalmente pelo ranqueamento das universidades, possibilitou às IES privadas a utilização dos resultados para a consecução de estratégias de marketing. Tais estratégias, vinculadas ao cenário político favorável para a expansão dos mercados educacionais, possibilitaram uma grande expansão das IES privadas no Brasil.
A expansão das IES privadas
Além da Constituição Federal de 1988, que determina que o ensino seja mantido livre à iniciativa privada, desde que respeitadas as normas gerais da educação e com a autorização e a avaliação do poder público (Brasil, 1988), da LDB de 1996, que determinava a autorização e o reconhecimento de cursos, bem como o credenciamento de instituições de educação superior, prevendo sanções caso a avaliação revelasse deficiências que não fossem sanadas, o governo de FHC por meio do decreto n° 2.207, de 1997 (Brasil, 1997), estabeleceu a diferenciação institucional na educação superior. Contemplada na Constituição e na LDB, essa diferenciação se concretizou com a criação dos centros universitários, das faculdades integradas, das faculdades e dos institutos superiores ou escolas superiores, cada uma com exigências e atribuições legais claramente definidas. Esse arcabouço legal favoreceu a expansão da educação superior realizada pelo setor privado, além das universidades, como podemos verificar na tabela 1.
Ano | Total | Federal | Estadual | Municipal | Privada |
---|---|---|---|---|---|
1995 | 894 | 57 | 76 | 77 | 684 |
2002 | 1 637 | 73 | 65 | 57 | 1 442 |
1995/2002 (%) | 83.1 | 28.1 | ‐14.5 | ‐26.0 | 110.8 |
Fonte: MEC/INEP/SEEC (Brasil, 2012).
Os dados da tabela 1 mostram a expansão de 83.1% no número de IES no governo de FHC, no qual predomina o crescimento do número de IES privadas. O número de IES privadas mais que dobrou nesse período, ficando com expansão de 110.8%. O número de IES federais também aumentou no governo FHC, porém em menor escala, atingindo 28.1%, com um retraimento ainda no número de IES estaduais e municipais.
Conforme Carvalho (2006), a evolução das matrículas particulares apresentou trajetória ascendente nos governos de FHC, fato demonstrado pela tabela 2.
Ano | Total | Federal | Estadual | Municipal | Privada |
---|---|---|---|---|---|
1995 | 1 759 703 | 367 531 | 239 215 | 93 794 | 1 059 163 |
2002 | 3 479 913 | 531 634 | 415 569 | 104 452 | 2 428 258 |
1995/2002 (%) | 97.8 | 44.7 | 73.7 | 11.4 | 129.3 |
Fonte: MEC/INEP/SEEC (Brasil, 2012).
Os dados da tabela 2 mostram que a expansão no número de matrículas no ensino superior quase dobrou no governo FHC, com crescimento de 97.8%. De acordo com Sguissardi (2006), na distribuição das IES públicas e privadas, considerando o número de IES e o percentual de matrícula, tem‐se constatado a predominância das instituições privadas, conferindo ao Brasil o maior índice de privatização entre os países da América Latina e um dos cinco mais altos no mundo.
Em 1994, das 851 IES, 192 (22.5%) eram públicas e 659 (77.5%) eram privadas. Em 2002, das 1.637 IES, 195 (11,9%) eram públicas e 1.442 (88.1%) eram privadas. Nesse período de oito anos, as IES privadas passaram de 77.5% para 88.1% (Sguissardi, 2006: 1028).
Segundo Sguissardi (2006), a expansão das IES privadas também é verificada na evolução das matrículas, crescendo de 60% em 1995, para 70% em 2002, conforme dados apresentados na figura 1.
A expansão das IES pela via privada foi uma característica desde antes da década dos anos 70. Entre 1980 e 1995 devido às diversas crises econômicas, não houve expansão significativa de IES públicas ou privadas. Desde a sanção da LDB de 1996 e as legislações subsequentes, houve um impressionante crescimento do sistema, bastando apenas sete anos (1995‐2002) para duplicar o número de matrículas (Barreyro, 2008).
Segundo Carvalho (2006) a política de ensino superior no Brasil, principalmente no segundo mandato do governo de FCH, mostrou aproximação com os preceitos neoliberais, mantendo coerência entre o discurso e a prática. O setor público aprofundou a parceria público‐privada na disseminação de cursos pagos de extensão e estreitando as relações entre fundações privadas e universidades públicas. Por fim, viu‐se reafirmada a opção estabelecida no regime militar nos anos 60, pelo estímulo à iniciativa privada.
No fim do seu segundo mandato o Presidente FHC não conseguiu eleger o seu sucessor. As eleições para novo presidente tiveram como principais concorrentes José Serra, ex‐secretário de saúde de FHC e Lula, o operário sindicalista. Lula foi eleito Presidente do Brasil, começando uma nova era na política nacional brasileira.
O octênio de Lula (2003‐2010)
No primeiro ano do governo de Lula, houve a reedição do ENC, previsto no governo de FHC, porém, acompanhada da criação da Comissão Especial da Avaliação (CEA), composta, principalmente, por acadêmicos que elaboraram o PAIUB (Rothen, 2011).
Essa comissão encarregou‐se da elaboração da proposta de criação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) que segundo Sobrinho (2012) se baseia numa concepção de avaliação e de educação global e integradora, com a proposta de integração de vários instrumentos e diferentes momentos de aplicação. De acordo com os documentos oficiais (Brasil, 2004), o SINAES sustentava‐se numa visão emancipatória, diferente daquela que predominava no ENC, mais regulatória, voltada para o controle dos resultados.
O SINAES foi constituído de um ciclo de avaliação de três anos, nos quais alunos, cursos e instituições eram avaliados por três meios: o Exame Nacional do Desempenho dos Estudantes (ENADE), a Avaliação das Instituições de Ensino Superior (Avalies) e a Avaliação dos Cursos de Graduação (ACG).
Conforme Fiamini e Calderón (2012), o ENADE é o equivalente ao ENC, do governo FHC, na medida em que ambos constituem‐se em instrumentos de avaliação do desempenho dos alunos em larga escala, maisdiferentemente do ENC, já que ranqueava avaliando somente o desempenho dos alunos concluintes; o ENADE não permitia o ranqueamento, seu objetivo era identificar habilidades e competências de universitários, em cada curso, ao longo de um ciclo de três anos de estudos, bem como o valor agregado dos cursos na formação dos alunos. A proposta inicial, que posteriormente foi mudada, prévia um exame amostral, aplicado aos alunos iniciantes e, posteriormente, aos concluintes.
Conforme Lima e Azevedo (2009) outras regulamentações foram efetuadas no primeiro mandato de Lula, como: o Decreto n° 5.205/2004, que regulamentou as parcerias entre as universidades federais e as fundações de direito privado, viabilizando a captação de recursos privados para financiar as atividades acadêmicas; a Lei de Inovação Tecnológica (n° 10.973/2004) sobre parcerias entre empresas e Universidades Públicas; o Projeto de Lei n° 3.627/2004, que tratava do Sistema Especial de Reserva de Vagas; projetos e decretos sobre reformulação da educação profissional e tecnológica; o Programa Universidade para Todos (PROUNI) -Lei n° 11.096/2005-, que previa isenção fiscal para as instituições privadas de ensino superior em troca de vagas para alunos de baixa renda; e a política de educação superior a distância.
O programa de governo de Lula para o segundo mandato teve como ênfase a frase "desenvolvimento com distribuição de renda e educação de qualidade" (Partido dos Trabalhadores, 2006). Na educação superior, o programa prévia o acesso mais amplo a uma universidade reformada, expandida e com qualidade. Para tanto, destacam‐se as metas para aprofundar a ampliação de vagas no ensino superior com qualidade, continuidade do PROUNI, criação de novas Universidades Federais, ampliação das vagas nas Universidades Federais existentes e o REUNI (Tavares, 2011).
Tendências de expansão das IES estatais (REUNI)
Em seu segundo mandato o presidente Lula lançou o REUNI, cujo principal objetivo era ampliar o acesso e permanência na educação superior. O governo federal, por intermédio do REUNI, adotou uma série de medidas para expandir o ensino superior público. A intenção do plano foi criar condições para a expansão física, acadêmica e pedagógica da rede federal de educação (Araújo e Pinheiro, 2010), mediante ações para aumentar o número de vagas nos cursos de graduação, a ampliação de oferta de cursos noturnos, a promoção de inovações pedagógicas e o combate à evasão (Brasil, 2007).
O REUNI foi instituído pelo Decreto n° 6.096, de 24 de abril de 2007, e fez parte do Plano Nacional de Educação (PNE). A meta global do REUNI foi definida em seu artigo 1°:
O Programa tem como meta global a elevação gradual da taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais para noventa por cento e da relação de alunos de graduação em cursos presenciais por professor para dezoito, ao final de cinco anos, a contar do início de cada plano.
O Ministério da Educação estabelecerá os parâmetros de cálculo dos indicadores que compõem a meta referida no § 1° (Brasil, 2007: 8).
O modelo de gestão das IES Federais, adotado no REUNI, é o da política para atingir metas, implantado com o modelo de controle de resultados e foco na eficiência e nos resultados. A ampliação da oferta de educação superior se deu pelo aumento de vagas de ingresso, principalmente no período noturno, redução de taxas e de evasão e ocupação de vagas ociosas. Os recursos financeiros para custear os planos de reestruturação das IES Federais, previstos no artigo 3° do Decreto n° 6.096 (Brasil, 2007), foram liberados ao longo da vigência do plano. As despesas permitidas eram:
Construção e readequação de infraestrutura e equipamentos necessários à realização dos objetivos do Programa; II ‐ compra de bens e serviços necessários ao funcionamento dos novos regimes acadêmicos; e III ‐ despesas de custeio e pessoal associadas à expansão das atividades decorrentes do plano de reestruturação. (Brasil, 2007: 9).
A expansão universitária pública teve início em 2003, no início do primeiro mandato do governo Lula, com a interiorização dos campi das Universidades Federais. O número de municípios atendidos pelas Universidades Federais passou de 114, em 2003, para 237, ao final de 2011. Desde o início da expansão, foram criadas 14 Universidades Federais e mais de 100 novos campi, que possibilitaram a ampliação de vagas nas IES Federais e a criação de novos cursos (Brasil, 2007), conforme demonstrado na figura 2.
O número de matrículas nas IES federais no início do primeiro mandato do governo de Lula era de 567.101, em 2003. No final de seu primeiro mandato em 2006, o número de matrículas em IES federais foi de 589.821. Houve um aumento de 4% no número de matrículas no primeiro mandato. Com a implantação do REUNI, o número de matrículas, no final do segundo mandato do governo Lula, em 2010, passou para 833.934, um aumento de 41.4%.
Segundo Araujo e Pinheiro (2010) o REUNI foi uma tentativa de dar resposta à crise do ensino superior, por meio de novos arranjos organizacionais e novos mecanismos de gestão, na busca da eficiência no gasto público, mediante contratos por resultados firmados com as Universidades Federais. Essa foi a aposta do governo para resolver os problemas de expansão em curto prazo.
Tendências da expansão do setor privado (PROUNI)
O Programa Universidade para Todos (PROUNI) foi criado em 2004 no primeiro mandato do governo Lula, instituído pela Lei n° 11.096/2005, destinado à concessão de bolsas de estudo integrais e bolsas de estudo parciais de 50% ou de 25%para estudantes de cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições privadas de ensino superior, com ou sem fins lucrativos (Brasil, 2005). Às IES que aderiram ao programa foi oferecida, em contrapartida, a isenção de alguns impostos e contribuições.3
O PROUNI é dirigido a estudantes egressos do ensino médio da rede pública, ou bolsistas integrais da rede particular, com renda per capita familiar de, no máximo, três salários mínimos, sendo, a seleção dos candidatos, feita através do ENEM ‐ Exame Nacional do Ensino Médio (Brasil, 2012b).
O programa recebeu muitas críticas, como a de Leher (2004), que afirmou que o PROUNI serve às ambições das instituições filantrópicas, comunitárias, confessionais e empresariais de ensino superior, por meio da isenção de impostos e contribuições, que reduz em, aproximadamente 15% os gastos, em troca de modestíssimas vagas para o programa. Para Carvalho (2006) o programa surge como excelente oportunidade para o financiamento das IES privadas ameaçadas pelo peso das vagas excessivas. Conforme o mesmo autor o programa recebeu apoio da sociedade civil, dos formados no ensino médio público e, também, da Central Única dos Trabalhadores (CUT), por intermédio de seu presidente Marinho, que se mostrou simpatizante do programa.
Para Catani, Hey e Gilioli (2006), há pouca transparência do MEC no que se refere aos dados sobre o PROUNI. Faltam dados sobre a disponibilidade total de bolsas contratadas por IES; o valor de isenção de impostos e contribuições por IES, a quantidade de bolsas integrais e parciais efetivamente concedidas; taxa de evasão do programa; desempenho dos beneficiados.
Devido a essas dificuldades de informações sobre o PROUNI, as análises realizadas nos seguintes parágrafos foram efetuadas tendo como referência os dados genéricos do relatório elaborado pela Diretoria de Políticas e Programas de Graduação da Secretaria de Educação Superior, intitulado PROUNI Histórico e Perspectivas (Brasil, 2012c), os quais também se encontram em forma de noticia veiculada no site do MEC (Brasil, 2012d). Convém mencionar que este documento, na forma de slides, foi apresentado por Paula Branco de Mello, diretora de Políticas e Programas de Graduação, representante do MEC na Comissão Nacional de Acompanhamento e Controle Social ‐ ProUni, no seminário promovido pela própria CONAP, que tinha por tema: "O controle social no Programa Universidade para Todos ‐ ProUni", organizado pelo MEC com apoio da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE), do Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro (Sinpro‐Rio) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC‐Rio) (Contee, 2011).
Dados desse relatório revelam que o PROUNI já atendeu a mais de 863 mil estudantes, entre 2005 e 2010, sendo 70% de bolsas integrais, proporcionando, assim, acesso ao ensino superior para as camadas sociais menos favorecidas, incluindo bolsistas afrodescendentes e indígenas (Brasil, 2012c). Outro dado importante, que serve para a presente análise, é que em 2010 havia aproximadamente 473 mil bolsas em utilização; ou seja, 473 mil pessoas matriculadas no ensino superior privado com subsídios governamentais, impostos e contribuições que o estado deixa de receber do setor privado para financiar bolsas de estudos. Com base nessa informação foi possível montar uma tabela de crescimento das matrículas nas IES privadas, em relação ao número de alunos com bolsas do PROUNI, conforme tabela 3.
Ano | Total de matrículas IES privadas | Total de alunos sem PROUNI | Total de alunos com PROUNI |
---|---|---|---|
2004 | 2.985.405 | 2.985.405 | 0 |
2010 | 3.987.424 | 3.514.424 | 473.000 |
Fonte: MEC/INEP/SEEC (Brasil, 2012).
Matrículas em cursos de graduação presenciais em instituições de educação superior privadas durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003‐2010), tomando como referência o ano da criação do PROUNI, incluindo total de alunos matriculados nesse Programa.
Como pode‐se observar na tabela 3, no ano de 2004, ano de criação do PROUNI o total de alunos matriculados em IES privadas era de 2.985.405 e nenhum aluno bolsista do PROUNI. No final do governo de Lula em 2010, o número de alunos em instituições privadas de ensino superior passou para 3.987.424, sendo 473.000 bolsistas do PROUNI. Ou seja, em 2010 houve um aumento de 1.002.019 matriculas no setor privado se comparado com o ano de 2004, dos quais 47% foi proporcionado pelo programa de bolsas do PROUNI.
Expansão do ensino superior
O programa de governo de Lula previa, por meio do documento "Uma Escola do Tamanho do Brasil" (Partido dos Trabalhadores, 2002), a necessidade de expansão do ensino superior, uma vez que o país possuía apenas 7.7% dos jovens entre 18 e 24 anos matriculados no ensino superior, um dos menores índices de jovens matriculados em ensino superior da América Latina. Em seu programa de governo Lula sugeriu ampliar as vagas no ensino superior para 30%, para a faixa etária de 18 a 24 anos (Partido dos Trabalhadores, 2002).
Quando Lula foi eleito presidente, tomou medidas para expandir a oferta de ensino superior, principalmente, o público ao reconhecer o papel estratégico das universidades. Por meio do "Programa Expandir", a Secretaria de Educação Superior do MEC previa a criação de dez universidades federais e 43 campi universitários em diversas regiões do país (Frigotto, Ciavatta e Ramos, 2005). Ressaltando‐se que a grande maioria das novas universidades criadas pelo governo de Lula foram resultado do desmembramento de universidades existentes -como por exemplo a Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) criada por desmembramento da Universidade Federal da Bahia e a Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), por desmembramento da Fundação Universidade Federal do Mato Grosso do Sul- e da transformação de instituições de ensino superior em universidades. O fato foi explorado pela oposição para desqualificar as ações do governo Lula, concretamente pelo Ministro da Educação do governo de FHC, Paulo Renato de Souza, ao afirmar que o "governo petista faz muito barulho para pouco resultado efetivo no que diz respeito às universidades federais", na medida em que "O governo Lula anuncia 13 novas universidades federais como obra sua". No entanto, "9 delas são resultado de fusão, desmembramento ou ampliação de instituições federais de ensino superior já existentes" (Souza, 2010: 1).
Para Frigotto (2005) as propostas de ampliação do ensino superior não se limitavam à ampliação da rede pública. Para satisfazer à demanda, o governo previu a ampliação de acesso às IES privadas por meio de incentivos estabelecidos no programa PROUNI. Dessa forma, o governo de Lula contribuiu para a elevação do número de IES públicas e privadas, conforme números apresentados na tabela 4.
Ano | Total | Federal | Estadual | Municipal | Privada |
---|---|---|---|---|---|
2003 | 1.859 | 83 | 65 | 59 | 1.652 |
2010 | 2.378 | 99 | 108 | 71 | 2.100 |
2003/2010 (%) | 27.9 | 19.3 | 66.2 | 20.3 | 27.1 |
Fonte: MEC/INEP/SEEC (Brasil, 2012).
Segundo dados do INEP a evolução do número de IES no governo de Lula teve um aumento muito parecido em números percentuais, no setor público e no setor privado, conforme demonstrado na tabela 4, ficando próximo de 28% no número de IES. O aumento de instituições públicas, no período do governo de Lula (2003 ‐ 2010), foi de 71 instituições, enquanto no privado, foi de 448 instituições. O percentual de IES públicas federais se manteve constante, durante o governo, em 4%.
As políticas adotadas por Lula fizeram com que as matrículas nas IES tivessem um comportamento diferente de seu antecessor. As matrículas em instituições públicas federais tiveram um percentual de crescimento maior que as IES privadas. Enquanto o crescimento do número de matrículas em IES Federais teve um aumento de 47.1%, nas IES privadas, o aumento foi de 45%, conforme dados apresentados na tabela 5.
Ano | Total | Federal | Estadual | Municipal | Privada |
---|---|---|---|---|---|
2003 | 3.887.022 | 567.101 | 442.706 | 126.563 | 2.750.652 |
2010 | 5.449.120 | 833.934 | 524.698 | 103.064 | 3.987.424 |
2003/2010 (%) | 40.2 | 47.1 | 18.5 | ‐18.6 | 45.0 |
Fonte: MEC/INEP/SEEC (Brasil, 2012).
Essas políticas adotadas por Lula beneficiaram as IES Públicas Federais e privadas, porém, os números de matrículas nas IES públicas estaduais e municipais tiveram desempenho diverso. Nas IES públicas estaduais, o aumento foi de apenas 18.5%, enquanto nas IES públicas municipais, houve uma redução de 18.6%.
O percentual de matrículas em IES privadas no governo Lula manteve‐se praticamente estável, com ligeiro aumento, passando de 71%, no início do primeiro mandato, para 73%, ao final do segundo. Outro dado relevante, segundo as Sinopses Estatísticas da Educação Superior do INEP (Brasil, 2012), é o percentual de matrículas em Universidades Federais se manter constante, em 15%.
Considerações finais
Nos governos que antecederam o governo de FHC, os percentuais de matrículas em IES privadas mantiveram‐se estáveis, em torno de 60%, como podem ser vistos nas figuras 1 e 2, isto para os governos de Collor (1990‐1992) e de Itamar Franco (1993‐1994), respectivamente. Segundo Carvalho (2006) e Barreyro (2008), as políticas de educação do governo de FHC, principalmente a partir da LDB de 1996, proporcionaram uma trajetória ascendente no número de matrículas das IES privadas.
No governo de FHC o percentual de matrículas em IES privadas saltou de 60% para 70%, mostrando o crescimento do setor privado; houve também uma queda do percentual de matrículas em IES federais de 21% para 15%.
Diante dos dados apresentados, pode‐se afirmar que o governo Lula não conteve a expansão do setor privado, a tabela 5 mostra claramente que o crescimento no número de matrículas nestas instituições foi de 45% em seu governo, sendo que a tabela 4 apresenta um crescimento no numero de IES privadas, de 27.1%.
O fato é que, enquanto no governo de FHC o percentual de alunos matriculados nas IES privadas passou de 60%, no início de seu governo, para 70% no final de seu mandato, no governo de Lula a expansão do setor privado foi de 70%, no início do mandato, para 73% no final, sendo que o índice das IES federais manteve‐se em 15% do total. Estes números podem ser visualizados na figura 3.
A figura 3 e a tabela 4 permitem constatar que, embora no governo Lula, se mantivesse o crescimento do número de IES privadas e de matrículas nessas instituições, a tendência de expansão acelerada das matrículas nas IES privadas, registrada no governo de FHC, viu‐se reduzida no governo Lula, fato que deve ser explicado não necessariamente como resultado de iniciativas governamentais, mas pela própria tendência do mercado educacional, no qual se constatou, conforme dados oficiais (Brasil, 2009), taxas decrescentes de crescimento, isto é, houve um aumento de matrículas, porém, cada vez menor, se comparado com anos anteriores.
Constata‐se também que, apesar dos esforços de criação de mais universidades e de políticas de expansão do setor público, a relação do percentual de matrículas nas IES privadas e nas públicas ficou estabilizada nos governos dos dois presidentes, em 15%. Como foi mencionado, Lula, por meio do programa REUNI (Araújo e Pinheiro, 2010), conseguiu expandir o sistema de ensino superior federal. Esse aumento do número de IES públicas, proporcionado pelo REUNI, pode ser visualizado na figura 2. Conforme dados oficiais, do governo federal, desde 2003, foram criadas 14 novas universidades federais (Brasil, 2010).
Enquanto no governo de FHC, o crescimento no número das IES Federais foi de 28.1%, nas IES privadas, esse crescimento foi de 110.8% (tabela 1). Já no governo Lula com o REUNI, a elevação do número de IES federais foi de 19.3%, enquanto nas IES privadas, foi de apenas 27.1%, se comparado com os 110.8% do governo FHC (tabela 4). Essa tendência de decrescimento na expansão do número de IES do setor privado, também pode ser explicada, de acordo com os dados governamentais (Brasil, 2009), não devido a qualquer política desestimuladora do crescimento do setor privado, mas devido à tendência de integração de instituições por fusão ou compra observada nos últimos anos e à elevada oferta de vagas ociosas no mercado educacional.
A respeito das vagas ociosas, dados oficiais (Brasil, 2009) permitem verificar que, se em 2002, no final do governo de FHC, havia 553.084 vagas ociosas em 2008, na metade do segundo mandatado do governo Lula, o número de vagas ofertadas pelo setor privado não foi acompanhado por um crescimento proporcional de alunos ingressantes, havendo 1.479.318 vagas ociosas, um aumento de 268%, se comparado com 2002.
Outro dado relevante é o do número assimétrico de matrículas no governo de FHC, que teve um aumento de 44.7% nas IES Federais e de 129.3% no setor privado, conforme dados da tabela 2. Na tabela 5, pode‐se observar que o número de matrículas no governo Lula cresceu de forma simétrica e proporcional entre as IES públicas e privadas. Enquanto o crescimento das matrículas em IES públicas teve um aumento de 47.1%, nas IES privadas, esse aumento foi de apenas 45%, se comparado com os dados da época de FHC.
Entretanto, o crescimento das matrículas no setor privado apresenta algumas peculiaridades. Lula, por meio do programa PROUNI (Frigotto, Ciavatta e Ramos, 2005; Catani, Hey e Gilioli, 2006) contribuiu diretamente para a expansão do número de matrículas nas IES privadas, setor este considerado amplamente privilegiado pelo seu antecessor.
Conforme dados apresentados na tabela 3, o total de alunos com bolsa do PROUNI matriculados em IES privadas no final do governo de Lula era de 473.000 alunos. Assim, se o crescimento do número de matrículas em IES privadas em seu governo foi de 1.236.772 matrículas (tabela 5), tomando como referencia o número de matrículas que havia no primeiro ano de mandato e no último, os alunos matriculados via PROUNI corresponderam a 38.2% desse total.
No que diz respeito à expansão do setor privado, pode‐se notar uma grande diferença entre os governos de FHC e Lula. No governo de FHC a expansão do número de matrículas em IES privadas não foi decorrente de bolsas de estudos estatais, enquanto no governo de Lula, aproximadamente 40% do crescimento das matrículas em IES privadas foi patrocinado pelo programa PROUNI, ou seja, financiado por recursos públicos, via isenção de impostos e contribuições.
Os dados estatísticos apresentados permitem afimar que, de forma paradoxal, o governo de Lula, distante de ser inibidor da expansão do setor privado, foi o grande patrocinador das IES privadas por meio do PROUNI. O governo Lula não conseguiu ampliar o número de matrículas do setor estatal em 40%, nem reduzir a presença do setor privado a 60%, bem como potencializou o financiamento do setor privado com recursos públicos. Diante dessa constatação, pode‐se levantar a hipótese de que o financiamento público de matrículas no setor privado constitui‐se numa estratégia governamental que aliviou o setor privado diante da taxa decrescente de crescimento no número de matrículas, bem como do elevado número de vagas ociosas existentes. Tanto o governo de Lula, como o de FHC, preservou o princípio adotado pelo regime militar na Reforma Universitária de 1968, isto é, o atendimento da demanda por educação superior por meio da expansão do setor privado.
A semelhança do cenário traçado por Anderson (1995), ao analisar a expansão das orientações neoliberais na administração pública na Europa, nas décadas de 1980 e 1990, o estudo realizado permite afirmar que independentemente da orientação política dos governos de turno, seja PSDB ou PT, tornaram‐se hegemônicos os princípios da administração pública gerencial e as orientações das principais agências multilaterais, que acenam para a necessidade de aproveitar as oportunidades oferecidas pelo mercado, no tocante ao fornecimento de serviços públicos, por meio de uma prática gerencial baseada em metas e desempenho e parcerias entre os setores público e privado.
Entretanto, fica em aberto uma questão fundamental na provisão de serviços de educação superior, o estigma que prevalece sobre o setor privado de massas, no que se refere a sua baixa qualidade, sendo necessário, em decorrência disso, um eficiente quadro regulatório do setor privado, que iniba a atuação do que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) tem denominado de "fábrica de diplomas" (Calderón et al. , 2011).