Introdução
Reflexo da promoção nas sociedades modernas democráticas de políticas de combate à exclusão social de minorias (gênero, etnia, cultura, religião), em que se enquadra a população com deficiência, a inclusão é sinónimo de luta contra todas as formas de desigualdade social.; enquanto movimento social e político defende o direito de todos os indivíduos participarem, de uma forma consciente e responsável na sociedade e de serem aceites e respeitados independentemente daquilo que os diferencia.
Nas palavras de Barton (2009), a inclusão não é um “fim”, mas um “processo” que pretende alcançar o objetivo de caminhar para a equidade de todos, reconhecendo e apoiando a riqueza da diversidade social e contrariando, no caso dos indivíduos com deficiência, os redutores parâmetros culturais de normalidade. No cerne do movimento inclusivo estão os valores do respeito pela diferença, da igualdade de oportunidades e da equidade para a construção, e consolidação de sociedades inclusivas (Runswick-Cole, 2011).
Como movimento educacional, a inclusão centra-se na necessidade de as instituições educacionais mudarem as suas culturas e práticas de forma a garantir uma educação adequada a todas as pessoas da sociedade, aumentando a sua participação e procurando diminuir e eliminar todo o tipo de procesos que levam à exclusão social (Barton, 2009). Assim, a escola inclusiva deve procurar responder com alta qualidade à diferença tendo em vista o desenvolvimento das capacidades e competências de todos os estudantes (Martins, 2000).
O ingresso de estudantes com deficiência ao ensino superior começa a ser uma realidade em muitas universidades de diversos países em resposta às diretrizes internacionais e à luz do paradigma da educação inclusiva (Alarcón et al., 2013; Castro, 2011; Hadjikakou e Hartas, 2008; Rodriguez-Martin e Alvarez-Arregui, 2014). Contudo, este paradigma encontra-se ainda embrionário em muitos países e, em função da complexidade que asume esse processo e das peculiaridades socioculturais, políticas e econômicas, podem constatar-se diferentes estágios de implementação e evolução (Booth e Ainscow, 2002; Kyriazopoulou e Weber, 2009), inclusive no Brasil e em Portugal. Assinale-se que, enquanto no Brasil as políticas se encontram alicerçadas por uma expressiva legislação, em Portugal constata-se a ausência de uma legislação específica para o ensino superior, cabendo às instituições, singularmente, a iniciativa de fomentar e regulamentar práticas que respondam às necessidades dos estudantes (Melo e Martins, 2016; Santos, 2013).
Efetivamente, no Brasil, as discussões em torno da inclusão no ensino superior iniciam na década do anos 90 e tomam maior relevo em 2005 com a criação do Programa Incluir do Ministério da Educação propondo ações para o acesso e permanência das pessoas com deficiência nas instituições federais de ensino superior. Mas, é a partir de 2008, com a publicação da política educacional inclusiva, que esse processo se materializa com o Decreto 6.571(2008) revogado pelo Decreto 7.611 (2011) assegurando apoio técnico e financeiro ao sistema público de ensino a ser prestado pelo governo federal, destacando entre outras ações a estruturação dos núcleos de acessibilidade com vistas a dar o suporte educacional que demandam as necessidades dos estudantes com deficiência, com altas habilidades/superdotação e com transtornos globais do desenvolvimento (Melo e Martins, 2016).
Os reflexos da política educacional no contexto brasileiro evidenciam o crescimento de matrículas de estudantes com deficiência no ensino superior. De 2003 a 2013 houve um aumento de 575,4% no número de matrículas, passando de 5.078 para 29.221 matrículas, respectivamente (Ministério da Educação, 2013).
Esta nova realidade, embora sinalize avanços no que tange ao ingresso, ainda apresenta um grande distanciamento entre o que está preconizado no discurso legal e a garantia das condições para uma efetiva participação e sucesso acadêmico e social dessa população no ensino superior (Cabral e Melo, 2017).
Em Portugal e, embora na lei que define as bases gerais do Regime Jurídico da Prevenção, Habilitação, Reabilitação e Participação da Pessoa com Deficiência (Lei 38/2004) o Estado Português assuma o seu empenho na concretização de uma política global, integrada e transversal de prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência, verifica-se que no ensino superior escasseia a legislação (Melo e Martins, 2016). De fato, se bem que seja competência do Estado adotar medidas específicas necessárias para assegurar o acesso da pessoa com deficiência à educação e ao ensino inclusivo, a referência a alunos com deficiência e incapacidade no ensino superior encontra-se na Portaria 787/85, de 17 de outubro de 1985, onde se estabelece a afixação anual do numerus clausus especificamente para candidatos portadores de habilitação legal que sejam deficientes físicos ou sensoriais (Martins, Borges, Fonseca, Gonçalves e Ferreira, 2015).
Neste sentido, e tendo como referencial as orientações e políticas nacionais e internacionais no âmbito da educação inclusiva, as instituições do ensino superior têm vindo a implementar medidas de apoio e suporte aos direitos dos estudantes com deficiência, criando serviços ou gabinetes de apoio que respondam às necessidades deste público que cada vez mais procuram este nível de ensino. Importa, contudo assinalar que a presença destes estudantes continua minoritária, marcada muitas vezes por abandono precoce e insucesso acadêmico, apontando-se como causas fundamentais as barreiras arquitetônicas, a falta de adequação dos processos de ensino-aprendizagem, a desadequação do processo e/ou instrumentos de avaliação, a ausência de recursos educativos adequados e, principalmente, as barreiras atitudinais (Martins, Borges, e Gonçalves, 2017).
Apesar destas diferenças, nas últimas décadas, tem-se assistido em ambos os países a avanços significativos no acesso e permanência das pessoas com deficiência neste nível de ensino (Melo e Martins, 2016).
Protagonismo das pessoas com deficiência na produção do conhecimento científico
No contexto de produção de conhecimento sobre a temática educação inclusiva no ensino superior, diversos estudos têm vindo a privilegiar como sujeitos os estudantes com deficiência ou com outras necessidades educativas especiais (NEE). Esta opção enquadra-se num modelo epistemológico que procura romper com “o fenômeno de invisibilidade estrutural das pessoas com deficiência” (Martins, Fontes, Hespanha e Berg, 2012: 46) e no reconhecimento de que a opção como “perspectivamos a deficiência é essencial na forma como definimos os problemas e delineamos as soluções” (Martins et al., 2012: 48).
Assinale-se que esta abordagem se tem vindo a afirmar no estudo de temas relacionados com pessoas ou grupos que historicamente foram alvo de exclusão social, como o das pessoas com deficiência, em que se reconhece e valoriza as suas vozes e experiências e a legitimidade de participar das discussões e tomadas de decisões que dizem respeito à sua vida (ONU, 2006; Relatório Mundial sobre Deficiência, 2012).
Em termos históricos esta perspectiva investigativa de rompimento do silêncio das vozes e participação das pessoas com deficiência surgiu, nos Estados Unidos da América e no Reino Unido, na década de 70, com os movimentos sociais de pessoas com deficiência e com a consequente politização da questão da deficiência (Barnes, 2003; Barton, 2009; Oliver, 1997). Neste âmbito, emergem os estudos da deficiência (Disability Studies), posteriormente denominados de “Investigação Emancipatória da Deficiência” (Oliver, 1992), assentes no “compromisso político com a denúncia da opressão social das pessoas e na aspiração de uma sociedade mais inclusiva” (Martins et al., 2012: 46). Aspirando ao empowerment das pessoas com deficiência (Barnes, 2003; Fontes, 2009), estes estudos pretendem produzir conhecimento sobre as estruturas econômicas, políticas, culturais e ambientais que criam e legitimam as múltiplas privações com que se defrontam às pessoas com deficiência e suas famílias. O reconhecimento da importância do envolvimento na primeira pessoa da pessoa com deficiência no processo de investigação é apontado como fundamental para a sua capacitação. (Barnes, 2003; Barton, 2009; Oliver, 1997; Oliver e Barnes, 2012).
As questões da educação inclusiva e do acesso à universidade das pessoas com deficiência constituem atualmente uma temática extremamente relevante, quer no âmbito nacional quer internacional (Harrison et al., 2009; UNESCO, 1994). As investigações nesta área têm ganho visibilidade sendo que diversos investigadores alertam para que a permanência de estudantes com deficiência no ensino superior pode resultar em fracasso devido às diversas barreiras que continuam a existir nas universidades, denunciando um ambiente potencializador da manutenção da exclusão neste nível de ensino (Abreu, 2013; Alarcón et al., 2013; Diez e Romo, 2011; Silva, 2014). É neste sentido que importa apoiar estes estudantes que apresentam alguma diversidade funcional para fortalecer o seu processo de ensino-aprendizagem e o seu sucesso acadêmico (Márquez-Ramírez, 2015).
Estudiosos como Booth e Ainscow (2002) e Kyriazopoulou e Weber (2009) prevendo a complexidade que envolve a implementação do paradigma da educação inclusiva, a partir das singularidades e contextos de cada país, têm sinalizado indicadores chaves, tais como as políticas, a legislação, a formação de professores, as infraestruturas, os serviços de apoio, o financiamento e a intersetorialização. São ainda identificadas como condições necessárias para garantir o êxito da trajetória acadêmica destes estudantes: a existência de tecnologias assistidas e outros recursos educativos adequados; a oferta de apoio especializado; a adequação dos métodos de ensino e aprendizagem; a formação de professores; ausência de barreiras arquitetônicas; a oferta de acomodações adequadas; a existência de legislação e ainda, a criação de apoios sociais que permitam fazer face a dificuldades financeiras e sociais (Luque-Parra et al., 2014; Pereira et al., 2016).
Pretendendo-se analisar o protagonismo dos universitários com deficiência no contexto da produção científica stricto sensu, o presente artigo tem como objetivo revelar o que as teses e dissertações apresentam sobre as experiências destes universitários no contexto das instituições públicas de ensino superior do Brasil e de Portugal. O foco nestes países não tem o propósito de comparar, mas de conhecer a realidade de ambos, considerando os distintos contextos de políticas de inclusão (Melo e Martins, 2016).
A relevância do presente estudo parte da hipótese que as vozes destes estudantes com deficiência podem suscitar importantes reflexões e direcionamentos, contribuindo para a melhoria da qualidade da resposta aos desafios da inclusão no Ensino Superior.
Percurso metodológico
O presente estudo consiste numa revisão sistemática tendo como referencial a investigação de literatura científica já tornada pública. Tem como principal finalidade “colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que já foi estudado, dito ou filmado sobre determinado assunto” (Marconi e Lakatos, 2008: 56).
Neste sentido, o estudo justifica-se pelo atual contexto mundial da política de educação inclusiva, especificamente no ensino superior, visando refletir acerca dos achados das pesquisas sobre as experiências de estudantes com deficiência nas universidades públicas brasileiras e portuguesas. Este interesse decorre ainda de que estes países se encontram em situações distintas, em termos de normatização jurídica para assegurar o acesso e a permanência desse alunado neste nível de ensino (Melo e Martins, 2016). Espera-se que possa contribuir para um maior entendimento e compreensão de como está a desenvolver-se este processo, os seus aspectos importantes e as suas fragilidades.
O mapeamento das produções acadêmicas foi solicitado diretamente à Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) no Brasil. No que se refere a Portugal, considerando a reestruturação que está a ser feita aos serviços a nível nacional1, foi necessário fazer uma triangulação desse levantamento por meio do Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP), dos Repositórios Científicos das Universidades públicas portuguesas e do Registro Nacional de Teses e Dissertações (RENATES).
Para realizar a pesquisa foram adotados os seguintes critérios de inclusão: a) dissertações e teses publicadas num intervalo temporal de 2008 a 2015 sobre experiências, testemunhos ou percepção dos estudantes com deficiência no ensino superior, b) o contexto da pesquisa deveria ser realizado em universidades públicas. Os critérios de exclusão foram: dissertações ou teses com registro repetidos, indisponíveis e que não tratam das experiências dos estudantes com deficiência no ensino superior.
A opção por este recorte temporal coincide com a política de educação especial na perspectiva inclusiva vigente no Brasil e do Decreto 3/2008, última normativa legal publicada em Portugal direcionada para a educação das pessoas com deficiência (Grupo de Trabalho da Política Nacional de Educação Especial, 2008; Decreto 3/2008).
Finalizada essa etapa, foram enquadradas 31 produções acadêmicas (N= 31) para constituir o corpus de análise, sendo 26 brasileiras e 5 portuguesas. Todos os trabalhos selecionados foram lidos, analisados e catalogados. Os dados relevantes para o estudo foram obtidos a partir de um roteiro inserido no software Excel (2010), contendo os seguintes campos: título, autor, nível (mestrado ou doutorado), ano de defesa, instituição de ensino superior (IES) em que foi defendida a investigação, região, programa de pós-graduação, caracterização metodológica da pesquisa (abordagem/tipo de pesquisa), caracterização dos participantes (tipo de deficiência, nível de ensino, gênero, idade curso/área de conhecimento), local onde foi desenvolvida a pesquisa, referencial teórico (pedagógico, psicológico, sociológico), instrumentos de pesquisa e tipo de análise da pesquisa.
A partir das informações registradas foram construídos dois eixos para análise e discussão dos resultados: o primeiro focado na caracterização (por meio de análise quantitativa em estatística descritiva básica) e o segundo nas revelações das produções acadêmicas (por meio da análise qualitativa utilizando categorias temáticas segundo Bardin, 1999). A organização da análise procedeu-se em três fases: 1) a pré-análise, que corresponde à escolha de documentos a serem submetidos a análise, a formulação de hipóteses e objetivos e a elaboração dos indicadores que fundamentem a interpretação final; 2) a exploração do material, que consiste na aplicação sistemática das decisões tomadas na fase anterior, abrangendo, fundamentalmente a codificação, a decomposição ou enumeração; e 3) o tratamento dos resultados obtidos que corresponde ao tratamento dos dados de forma a serem significativos e válidos (Bardin, 1999).
Resultados e discussão
Caracterização das produções acadêmicas
Das 31 produções acadêmicas (N = 31) que constituem o presente corpus de análise identificadas (Teses da CAPES, no RCAAP, nos Repositórios Científicos das Universidades públicas portuguesas e no RENATES) no período compreendido entre 2008 e 2015, encontramos 23 dissertações de mestrado (uma decorrente de mestrado profissionalizante) e 8 teses de doutoramento. Relativamente às produções do Brasil foram produzidas 19 dissertações de mestrado e 7 de doutoramento, sendo que em Portugal se encontraram 4 dissertações de mestrado e 1 de doutoramento (Tabela 1).
Ano | Mestrado | Doutorado | N | % | ||
---|---|---|---|---|---|---|
Brasil | Portugal | Brasil | Portugal | |||
2009 | 0 | 0 | 3 | 0 | 3 | 9.5 |
2010 | 2* | 0 | 0 | 0 | 2 | 5 |
2011 | 4 | 0 | 2 | 0 | 6 | 9 |
2012 | 3 | 0 | 0 | 0 | 3 | 9.5 |
2013 | 3 | 2 | 1 | 0 | 6 | 19 |
2014 | 2 | 2 | 1 | 1 | 6 | 19 |
2015 | 5 | 0 | 0 | 0 | 6 | 19 |
Total | 19 | 4 | 7 | 1 | 31 | 100 |
Fonte: Banco de Teses da CAPES, RCAAP, Repositórios Científicos das Universidades públicas portuguesas e RENATES.
* Um dos mestrados é decorrente de Mestrado Profissionalizante.
Os resultados revelam que nos dois países a temática pesquisada nos últimos sete anos tem sido explorada mais nas dissertações de mestrado (Brasil, n = 19; Portugal, n = 4), do que nas teses de doutoramento (Brasil, n = 7; Portugal, n = 1), constatando-se alguma variabilidade no número de produções por ano. Assinale-se que a partir de 2013 até 2015 o número de trabalhos aumentou e estabilizou em seis produções acadêmicas em que se dá enfoque à voz dos estudantes com deficiência (n = 19%).
Constata-se ainda que no Brasil a produção científica encontrada surge em 2009 (uma tese de doutoramento) e vai progredindo com dissertações de mestrado e de doutoramento com alguma regularidade até ao final do período investigado. Com uma menor expressão, atendendo à proporcionalidade do número de instituições de ensino superior, verifica-se que, em Portugal, a produção científica se inicia em 2013, com dissertações de mestrado. De salientar que apenas foi encontrada uma tese de doutoramento em Portugal (2014).
Apesar da temática inclusão estar em evidência em muitas discussões mundiais e expressa em diversos normativos internacionais e nacionais nos dois países em análise, os dados recolhidos permitem apurar que a investigação sobre a inclusão de estudantes com deficiência no ensino superior, focalizando os próprios estudantes ainda pode ser considerada uma temática recente e até embrionária, sobretudo em Portugal. Esta constatação é particularmente relevante, tendo em atenção que o ingresso destes estudantes com deficiência no ensino superior tem vindo a aumentar progressivamente. Este resultado reflete e corrobora os dados da investigação na área que assume que o paradigma da educação inclusiva depende das peculiaridades socioculturais, políticas e econômicas, resultando em diferentes estágios de implementação e evolução (Booth e Ainscow, 2002; Kyriazopoulou e Weber, 2009; Melo e Martins, 2016; Santos, 2013).
Da análise em curso parece evidenciar-se ainda que, considerando a desproporcionalidade da produção acadêmica entre os dois países (Brasil e Portugal), o desenvolvimento da política inclusiva no Brasil, tem vindo a favorecer mais significativamente as investigações na área, com o objetivo de uma melhor compreensão dessa realidade em processo, em detrimento da realidade portuguesa. Tal como se referiu anteriormente, em Portugal constata-se a ausência de uma legislação específica para o ensino superior, sendo que cada instituição tem vindo a regulamentar práticas que pretendem responder às necessidades dos seus estudantes (Melo e Martins, 2016; Santos, 2013).
Outro aspecto assaz importante e que convém refletir é que a produção acadêmica relacionada a estudos que analisam as experiências e testemunhos destes estudantes no Ensino Superior, de certo modo ainda é bastante tímida e pouco expressiva em ambos países, tendo como referencial o período em estudo (sete anos). Assinale-se que esta carência de protagonismo dos próprios estudantes com deficiência e da fraca atenção que os investigadores lhes conferem é corroborada pela literatura científica que refere a “invisibilidade estrutural das pessoas com deficiência” (Martins et al., 2012: 46). Não obstante tal, é possível concluir que a participação e as vozes das pessoas com deficiência estão começando a serem protagonizadas nas investigações, dado este que é defendido por alguns investigadores, que reclamam a imprescindibilidade de se ouvir os próprios estudantes, de modo a valorizar a importância do que estes têm a dizer para as mudanças que se relacionam com as suas próprias vidas (Diez e Romo, 2011).
Na realidade brasileira as 26 produções acadêmicas foram defendidas em 16 instituições de ensino superior, das quais 11 possuem vinculação administrativa federal e cinco estadual. Estão localizadas nas regiões: sudeste (6), nordeste (6), sul (2), norte (1) e centro-oeste (1) do Brasil (Tabela 2).
Instituição de ensino superior | Localização | N | % |
---|---|---|---|
Universidade Federal da Paraíba/UFPB | Nordeste | 3 | 11.8 |
Universidade Estadual Paulista/UNESP | Sudeste | 4 | 14 |
Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN | Nordeste | 2 | 8 |
Universidade Federal do Ceará/UFCE | Nordeste | 2 | 8 |
Universidade Federal de São Carlos/UFSCAR | Sudeste | 2 | 8 |
Universidade Federal do Espírito Santo/UFES | Sudeste | 2 | 8 |
Universidade de São Paulo/USP | Sudeste | 2 | 8 |
Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRS | Sul | 1 | 3.8 |
Universidade Estadual do Rio de Janeiro/UERJ | Sudeste | 1 | 3.8 |
Universidade Federal de Santa Maria/UFSM | Sul | 1 | 3.8 |
Universidade Federal Sergipe/UFS | Nordeste | 1 | 3.8 |
Universidade Federal do Piaui/UFPI | Nordeste | 1 | 3.8 |
Universidade Estadual do Ceará/UECE | Nordeste | 1 | 3.8 |
Universidade Federal de Uberlândia/UFU | Sudeste | 1 | 3.8 |
Universidade Federal do Pará/UFPA | Norte | 1 | 3.8 |
Universidade de Brasília/UNB | Centro-Oeste | 1 | 3.8 |
Total | 26 | 100 |
Fonte: Banco de Teses da CAPES.
No que se refere às produções portuguesas conclui-se que uma das produções foi apresentada na Universidade da Madeira (Ilhas), sendo que as restantes foram defendidas em Portugal continental, nomeadamente duas na Universidade de Aveiro (norte litoral), e na Universidade de Trás os Montes e Alto Douro (norte interior) e Universidade do Algarve (sul), respetivamente com uma produção cada (Tabela 3).
Instituição de ensino superior | Localização | N | % |
---|---|---|---|
Universidade da Madeira | Ilhas | 1 | 20 |
Universidade de Aveiro litoral | Norte | 2 | 40 |
Universidade de Trás os Montes e Alto Douro interior | Norte | 1 | 20 |
Universidade do Algarve | Sul | 1 | 20 |
Total | 5 | 100 |
Fonte: Teses do RCAAP, Repositórios Científicos das Universidades públicas portuguesas e RENATES.
Constatou-se, no Brasil, que a predominância dos trabalhos está vinculada a Programas de Pós-graduação da área de Educação (n = 20), entre os quais apenas dois de Educação Especial. Os restantes programas são: Planejamento e Políticas Públicas, Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local, Controladoria e Contabilidade, Psicologia e Psicologia da Educação, respectivamente com uma produção cada um (Tabela 4).
Autor | Nível | Orientador(a) | Instituição/Programa | Ano |
---|---|---|---|---|
P1- Rossetto, E. | D | Claudio R. Baptista | UFRS / Educação | 2009 |
P2- Morejón, K. | D | Eucia B. L. Petean | USP / Psicologia | 2009 |
P3- Oliveira, C. B. | D | Raquel M. Villardi | UERJ / Políticas Públicas e Formação Humana | 2009 |
P4- Albino, I. B | M | Francisco R. L. V. de Melo | UFRN / Educação | 2010 |
P5- Silva, A. C. B. | M* | Francisco H. da S. Frota | UECE / Planejamento e Políticas Públicas | 2010 |
P6- Melo, I. S. C. | M | Jefferson F. Alves | UFRN / Educação | 2011 |
P7- Soares, A. C. S. | D | Ana Karina M. de Lira | UFCE / Educação | 2011 |
P8- Castro, S. F. | D | Maria Amelia Almeida | UFSCAR / Educação Especial | 2011 |
P9- Watzlawick, J. A. A. | M | Maria Alcione Munhóz | UFSM / Educação | 2011 |
P10- Borges, M. A. | M | Alberto A. Gomes | UNESP / Educação | 2011 |
P11- Benevides, M. C. | M | Tania Vicente Viana | UFCE / Educação | 2011 |
P12- Azevedo, M. C. | M | Janine M. C. Rodrigues | UFPB / Educação | 2012 |
P13- Santos, A. C. | M | Veronica dos R.M. Souza | UFSE / Educação | 2012 |
P14- Cruz, R. L. | M | Janine M. C. Rodrigues | UFPB / Educação | 2012 |
P15- Santos, C. S. | D | Mara Rúbia A. Marques | UFU / Educação | 2013 |
P16- Breda, D. C. | M | Maria A. S. C. Barreto | UFES / Educação | 2013 |
P17- Souza, H. L. | M | Maria A. S. C. Barreto | UFES / Educação | 2013 |
P18- Rodrigues, R. P. | M | Ana Valéria M. F. Lustosa | UFPI / Educação | 2013 |
P19- Silva, J. S. S. | M | Maria E. P. de Carvalho | UFPB / Educação | 2014 |
P20- Corrêa, P. M. | D | Eduardo José Manzini | UNESP / Educação | 2014 |
P21- Limeira, C. S. | M | Genylton O. R. da Rocha | UFPA / Educação | 2014 |
P22- Branco, A. P. S. C. | M | Lúcia Pereira Leite | UNESP / Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem | 2015 |
P23- Baú, M. A. | M | Eduardo José Manzini | UNESP / Educação | 2015 |
P24- Zampar, J. A. | M | Tânia Maria S. de Rose | UFSCAR / Educação Especial | 2015 |
P25- Carvalho, C. L. C. | M | Edson Luiz Riccio | USP / Controladoria e Contabilidade | 2015 |
P26- Fernandes, A. C. R. F. | M | Maria Cláudia Santos Lopes de Oliveira | UNB / Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde | 2015 |
Fonte: Banco de Teses da CAPES.
*Mestrado Profissionalizante.
Tal como no Brasil, também em Portugal se verifica uma predominância dos trabalhos vinculados a programas de pós-graduação da área de Educação, mais especificamente nas Ciências da Educação (n = 3), seguindo-se um em Psicologia e um outro em Educação Especial (Tabela 5).
Autor | Nível | Orientador(a) | Instituição/Programa | Ano |
---|---|---|---|---|
P27- Abreu, S. M. V. A | M | Ana Maria P. Antunes | Universidade da Madeira/Psicologia da Educação | 2013 |
P28- Marçal, T. L. | M | Inês Maria Henriques Guedes de Oliveira | Universidade de Aveiro/ Ciências da Educaçao | 2013 |
P29- França, S. D. | D | Maria Isabel Barros Morais Costa | Universidade de Trás os Montes e Alto Douro/Ciências da Educação | 2014 |
P30- Santos, E. M. F. | M | Maria Manuela Bento Gonçalves | Universidade de Aveiro/Ciências da Educação | 2014 |
P31- Silva, L. F. L. S. | M | António Fragoso | Universidade do Algarve/ Educação Especial | 2014 |
Fonte: Repositórios Científicos das Universidades públicas portuguesas e RENATES.
Ao se analisar o gênero em relação às produções identificadas apura-se, quer no Brasil (Tabela 4), quer em Portugal (Tabela 5), uma predominância feminina tanto em relação à autoria (Brasil: n = 22; Portugal: n = 5), quer relativamente à orientação (Brasil: n = 17; Portugal: n = 4). Estes resultados corroboram com outros estudos sobre a participação feminina na Ciência, particularmente na Educação (Rigolin et al., 2013; Gonçalves e Hayashi, 2014).
Caracterização temática
Outro aspecto analisado refere-se aos temas das dissertações e teses selecionadas para o estudo. Foram abordados diferentes temas, porém todos trataram de questões de relevância para a inclusão das pessoas com deficiência no ensino superior (Anexo 1).
De acordo com os títulos, no que se refere à categorização temática, após análise de conteúdo foram definidas as seguintes categorias: Acessibilidade/Ingresso/Permanência (n = 14); Políticas de Inclusão (n = 9); Percepção/Vozes/Representações (n = 6); Aprendizagem (n = 1); e Transições (n = 1) (Tabela 6). Assinale-se contudo que, independente do tema abordado, os estudantes com deficiência tiveram vez e voz para se expressarem enquanto participantes das pesquisas. A análise permite constatar que, nas produções científicas se tem vindo a privilegiar, prioritariamente no Brasil as questões relacionadas com a acessibilidade, o ingresso e a permanência (n = 12; 46 %), seguida das questões mais focalizadas nas políticas inclusivas (n = 9; 34.5 %). Em Portugal, as temáticas das produções identificadas centram-se sobretudo nas políticas inclusivas (n = 3; 60 %). Estes dados corroboram o fato de que no Brasil a existência da legislação parece já ter permitido que os investigadores se focalizem prioritariamente mais com a operacionalização das políticas inclusivas que favorecem as questões da acessibilidade, do ingresso e da permanência, enquanto em Portugal a inexistência de uma legislação adequada a este nível de ensino, leva a que ainda se focalize mais as questões de política inclusiva mais geral.
Categorias | Brasil | Portugal | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Produções | n | % | Produções | n | % | |
Acessibilidade/Ingresso/Permanência | P2, P4, P6, P7, P8, P13, P19, P20, P21, P22, P23 |
11 | 42 | P27, P29, P30 | 3 | 60 |
Políticas de inclusão | P3, P5, P9, P10, P12, P15, P16, P17 |
8 | 31 | P28 | 1 | 20 |
Percepção/Vozes/Representações | P1, P14, P18, P24, P25, P26 |
6 | 23 | - | - | - |
Aprendizagem | P11 | 1 | 4 | - | - | - |
Transições | - | - | - | P31 | 1 | 20 |
Total | 26 | 100 | Total | 5 | 100 |
Fonte: Teses da CAPES, RCAAP, Repositórios Científicos das Universidades públicas portuguesas e RENATES.
A análise categorial às palavras-chave revela uma maior heterogeneidade nos conceitos selecionados pelos investigadores no Brasil, espelhando uma investigação mais aprofundada e alargada. Tendo em atenção a desproporcionalidade existente relativa ao número de produções, assinale-se que foram encontradas trinta e três categorias para as produções brasileiras, sendo que para Portugal se constatou uma maior focalização nas palavras-chave, tendo-se encontrado cinco categorias (Tabela 7).
Categorias | Brasil | Portugal | ||
---|---|---|---|---|
n | % | n | % | |
Ensino superior/Universidade | 23 | 19 | 5 | 31.5 |
Educação inclusiva/Inclusão | 16 | 13 | 6 | 37.5 |
Pessoas com deficiência/Estudante com deficiência | 15 | 13 | 2 | 12.5 |
Acesso/ Acessibilidade | 12 | 11 | ||
Políticas públicas de inclusão | 5 | 4 | ||
Deficiência visual/Alunos com deficiência visual | 5 | 4 | ||
Pessoas com necessidades especiais/Pessoas com necessidades educacionais especiais | 3 | 3 | 2 | 12.5 |
Políticas de ações afirmativas na educação superior | 3 | 3 | ||
Educação especial | 3 | 3 | ||
Satisfação | 2 | 2 | ||
Educação | 2 | 2 | ||
Avaliação/Avaliação das aprendizagens | 2 | 2 | ||
Histórias de vida | 1 | 1 | ||
Trajetórias de desenvolvimento | 1 | 1 | ||
Abordagem histórico-cultural | 1 | 1 | ||
Pensamento sistémico | 1 | 1 | ||
Ingresso e permanência | 1 | 1 | 1 | 6 |
Processos de significação | 1 | 1 | ||
Educação musical | 1 | 1 | ||
Cotas | 1 | 1 | ||
Deficiência física | 1 | 1 | ||
Surdez | 1 | 1 | ||
Representações sociais | 1 | 1 | ||
Gestão social | 1 | 1 | ||
Núcleo de acessibilidade | 1 | 1 | ||
Pós-graduação | 1 | 1 | ||
Estudos culturais de deficiência | 1 | 1 | ||
Integração à universidade | 1 | 1 | ||
Estereótipos | 1 | 1 | ||
Retratos | 1 | 1 | ||
História de vida | 1 | 1 | ||
Autenticidade | 1 | 1 | ||
Transição | 1 | 1 | ||
Total | 112 | 100 | 16 | 100 |
Fonte: Teses da CAPES, RCAAP, Repositórios Científicos das Universidades públicas portuguesas e RENATES.
A análise aos dados permite ainda referir que, em ambos os países os investigadores utilizaram prioritariamente como palavras-chave conceitos mais gerais como ensino superior (Brasil-19%; Portugal, 31.5%), Educação Inclusiva (Brasil-13%; Portugal, 37.5%), Pessoas ou Estudantes com deficiência (Brasil-13%; Portugal, 12.5%) (Tabela 7).
Caracterização metodológica das produções científicas
Em relação aos aspectos metodológicos dos trabalhos que fazem parte deste estudo (Brasil e Portugal) constatámos não existirem diferenças significativas nas opções dos investigadores. Assim, os autores das 31 produções assumem que a investigação é qualitativa (100%), sendo que seis (18%) acrescentam que optaram por uma metodologia mista, combinando a análise qualitativa com análise quantitativa (P2; P8; P13; P23; P27; P30). Referem ainda, vinte e oito que a pesquisa é de tipo exploratória (90%), sendo que doze (39%) acrescentam ser uma investigação de tipo estudo de caso. Apenas um investigador assinala que a sua pesquisa é de carácter longitudinal (P26), e um outro refere que utilizou a metodologia investigação-ação participativa (P28).
Como instrumentos privilegiados também se verifica existir uma grande homogeneidade nos dois países, concluindo-se que todos os investigadores utilizam a entrevista semiestruturada para recolher as vozes e experiências dos participantes, não obstante alguns acrescentem outros instrumentos de pesquisa. Neste sentido, nove investigadores (29%) referem a utilização de análise documental (P3; P6; P7; P8; P9; P19; P29; P30; P31), quatro (13%) acrescentam respectivamente o questionário (P5; P10; P11; P31), e a observação (P4; P6; P7; P8), sendo que um (3%) assinala ainda o uso de pesquisa bibliográfica (P3) e do Questionário de Vivências Acadêmicas (P24; P27). São também referidas a utilização de registros fotográficos (P6), artefatos físicos (P6), cartas (P26), as técnicas de shadowing (P19), notas de terreno (P28), conversas informais (P28) e dos retratos (P28) (Anexo 2).
Relativamente aos participantes a análise constata também alguma variabilidade nos dois países. Assim, dos 259 estudantes que dão voz nas produções científicas brasileiras, existem investigações que dão voz apenas a um estudo de caso, nomeadamente cegos (P6 e P12) e surdos (P16). As restantes produções incluem diversas deficiências, salientando-se contudo uma maior visibilidade das vozes de estudantes com deficiência física (n = 106; 41%), baixa visão (n = 68; 26%), e estudantes cegos (n = 31; 12%). Com uma menor expressividade encontram-se testemunhos de estudantes com deficiência auditiva (n = 23; 9%) e surdos (n = 22; 8%), e por último é dada voz aos estudantes com multideficiência (n = 2; 0.7%), déficit de atenção (n = 2; 0.7%), deficiência intelectual (n = 1; 0.3%) e dislexia (n = 1; 0.3%).
Em Portugal, dos quarenta e um estudantes ouvidos, a análise permite constatar que prioritariamente é dada voz aos estudantes com deficiência motora (n = 31; 76%), seguindo-se os estudantes com multideficiência (n = 2; 5%) e déficit de atenção (n = 2; 5%) e com ainda menor visibilidade a voz de estudantes com daltonismo (n = 1; 2%), e cego (n = 1; 2%).
Esta análise permite concluir que, no Brasil a investigação recolheu testemunhos de uma diversidade de estudantes com deficiência superior à que encontramos em Portugal, sendo que os dados parecem sugerir que, não só o número de estudantes com deficiência que chegam ao ensino superior é ainda muito reduzido em Portugal, como existe ainda uma fraca representatividade dos diferentes tipos de deficiência neste nível de ensino. Estes resultados vão ao encontro das conclusões do estudo realizado pelo Grupo de Trabalho de Apoio ao Estudante com Deficiência no Ensino Superior (GTAEDES) em 2014, em colaboração com a Direção Geral do Ensino Superior. Segundo este estudo em 2013/2014, os estudantes que tinham sido sinalizados totalizavam 1 318 alunos distribuídos no ensino superior público e privado. De assinalar que, em Portugal, é referida a existência por parte de alguns estudantes de receio do estigma da deficiência, sendo que alguns acabam por rejeitar a sinalização quando entram nas instituições de ensino superior (Curado e Oliveira, 2010). A fraca representatividade dos diversos tipos de deficiência e a prevalência da deficiência motora é também assinalada nos estudos de Curado e Oliveira (2010) e Martins et al. (2015).
Experiências dos estudantes com deficiência nas universidades do Brasil e de Portugal a partir das produções académicas
Tendo como objetivo destacar os aspectos mais relevantes, apresenta-se seguidamente uma visão panorâmica dos estudos identificados que tiveram no seu contexto experiências de estudantes com deficiência no ensino superior no Brasil e em Portugal.
No seu estudo, Rossetto (2009) investigou as trajetórias de estudantes surdos e com deficiência visual. Conclui que os apoios (da família, colegas, docentes, ou dos serviços de apoio na instituição), a disposição interna dos sujeitos e os mecanismos de compensação constituem elementos propulsores para a superação das dificuldades. Situação semelhante é identificada nos estudos de Soares (2011), de Abreu (2013), de Silva (2014) e de Rodrigues (2013); mais do que as ações inclusivas o sucesso acadêmico destes estudantes é atribuído ao esforço individual e aos apoios que recebem da família, colegas e de alguns docentes.
A maior parte dos estudos reconhece que, apesar dos avanços legais da educação inclusiva serem inegáveis, há muito ainda por fazer no atendimento aos alunos com deficiência (Albino, 2010; Branco, 2015; Cruz, 2012; Morejón, 2009; Santos, 2014) como provam as dificuldades que os alunos referem enfrentar, identificadas nos estudos analisados:
Nas barreiras arquitetônicas e de acessibilidade física (Abreu, 2013; Albino, 2010; Azevedo, 2012; Benevides, 2011; Borges, 2011; Branco, 2015; Castro, 2011; Corrêa, 2014; Cruz, 2012; Limeira, 2014; Marçal, 2013; Melo, 2011; Santos, 2012; Silva, 2014; Souza, 2013; Zampar, 2015).
Nas barreiras atitudinais e pedagógicas (Abreu, 2013; Albino, 2010; Azevedo, 2012; Castro, 2011; Benevides, 2011; Borges, 2011; Branco, 2015; Corrêa, 2014; Cruz, 2012; Marçal, 2013; Melo, 2011; Santos, 2013; Silva, 2010; Silva, 2014; Zampar, 2015).
Na falta de recursos e de profissionais especializados (e.g. intérprete de libras) para garantir a participação nas atividades acadêmicas e sociais (Benevides, 2011; Branco, 2015; França, 2014; Marçal, 2013; Santos, 2013; Silva, 2014; Souza, 2013; Zampar, 2015).
Na falta de preparação dos docentes e funcionários (Carvalho, 2015; Corrêa, 2014; Santos, 2012; Silva, 2014).
Na falta de conhecimento dos próprios estudantes sobre a legislação e os apoios que a instituição pode oferecer ou que podem solicitar (Abreu, 2013; Corrêa, 2014).
Na ausência de uma política de inclusão institucional e de serviço de apoio que assegure a continuidade dos estudos, qualidade de vida e bem-estar social no contexto universitário (Breda, 2013; Watzlawick, 2011; Souza, 2013).
Falta de medidas legais e de políticas inclusivas nacionais (no caso português) (Santos, 2014).
Segundo os testemunhos destes estudantes as dificuldades referidas são, contudo amenizadas pelo apoio e solidariedade dos colegas (Carvalho, 2015; Rodrigues, 2013; Santos, 2013; Silva, 2014; Zampar, 2015), da família (Silva, 2014), do pessoal técnico administrativo (Santos, 2013), pelo avanço das tecnologias e sobretudo pelo esforço individual de cada estudante (Rodrigues, 2013).
Já Baú (2015) ao estudar as condições de acessibilidade e a satisfação de estudantes com deficiência física e auditiva, os estudantes inquiridos revelam uma boa satisfação operacional, psicoafetiva, estrutural e atitudinal no que se refere às questões inclusivas e de acessibilidade na universidade.
Visando analisar as políticas de acesso e permanência para os estudantes com deficiência no Brasil e em Portugal, Santos (2013) efetuou uma análise sobre a política e legislação educacional e pesquisa em quatro universidades (duas em cada país). Constata que estes avaliam de forma positiva o processo seletivo para ingresso nas instituições; avaliação idéntica é feita pelos estudantes no estudo de Corrêa (2014) e de Souza (2013).
Com base nos testemunhos de estudantes com deficiência que entraram pelo sistema de cotas, Watzlawick (2011) procurou analisar o processo de inclusão educacional. Os resultados sinalizam a importância deste mecanismo para garantir o acesso ao ensino superior. Também, Santos (2014), tendo como objetivo analisar a inclusão de estudantes com necessidades educativas especiais, conclui que o contingente especial para acesso ao ensino superior é um importante suporte.
Por seu lado, Oliveira (2009) nas conclusões da sua investigação com estudantes que entraram pelo sistema de cotas, aponta para uma relativa invisibilidade destes estudantes que apresentam escassa participação e enfrentam ainda problemas relacionados com a pedagogia acadêmica. No reconhecimento desta situação, a maioria dos estudantes com deficiência visual no estudo realizado por Azevedo (2012), sugere serem ouvidos, para que as suas necessidades sejam atendidas. E, é a voz dos estudantes inquiridos que sugere ainda como recomendações para melhorar o atendimento e a permanência dos alunos:
No estudo de Carvalho (2015), a melhoria dos serviços de apoio, a divulgação dos serviços disponibilizados, a capacitação dos professores, a sinalização dos ambientes e o investimento em tecnologia.
No estudo de Santos (2014), os recursos, as acessibilidades físicas/estruturais e culturais/atitudinais, bem como os apoios disponibilizados.
Castro (2011) avaliou 13 universidades públicas brasileiras com o objetivo de identificar ações e iniciativas institucionais direcionadas para o ingresso e permanência de pessoas com deficiência visual, física, intelectual e surdos. Os resultados indicam estágios diferenciados de ações inclusivas, ainda insuficientes para garantir a permanência e a participação destes estudantes.
O estudo de Fernandes (2015) teve como objetivo analisar as trajetórias de estudantes com deficiência, no ensino superior no Brasil e em Portugal. A investigadora constatou que estes estudantes enfrentam importantes desafios e necessitam ultrapassar obstáculos cotidianos, nomeadamente barreiras ambientais e simbólicas, inadequação ou insuficiência de serviços, estruturas arquitetônicas inadequadas, preconceitos dos professores, invisibilidade das suas necessidades e baixas prioridades no que se refere a investimentos e políticas institucionais deixando as suas necessidades específicas não atendidas.
Considerações finais
A análise das políticas internacionais revela uma consciencialização crescente sobre os direitos das pessoas com deficiência, justificando-se o interes-se pela educação inclusiva no ensino superior. Não obstante, continua a verificar-se uma grande invisibilidade destes estudantes neste grau de ensino. O desenvolvimento de investigações em que é dada voz aos estudantes com deficiência é crucial, pois permite ouvir as suas próprias questões e dificuldades. Efetivamente, continuamos a assistir a um grande isolamento social da pessoa com deficiência, o que em parte também poderá contribuir para justificar o reduzido número de investigações sobre as representações e percepções destas pessoas. Ouvir o que têm a dizer, as suas dificuldades e, sobretudo, as sugestões que apresentam pode constituir-se uma valiosa contribuição para melhorar as práticas inclusivas no ensino superior.
Embora timidamente, alguns investigadores começam a analisar o que pensam, o que sentem e o que dizem estes estudantes que chegam ao ensino superior. Neste sentido, o presente estudo constituiu uma reflexão sobre a atenção que a comunidade científica tem vindo a dar na última década a esta população estudantil, pretendendo-se analisar a produção científica no Brasil e em Portugal que aborda as experiências e as vozes destes estudantes.
Da análise realizada às dissertações de mestrado e de doutoramento produzidas no Brasil e em Portugal, no período de 2008 a 2015, é possível concluir que, se por um lado é crescente o número de estudantes com deficiência que vem ingressando no ensino superior, a investigação neste âmbito é ainda muito embrionária e, muitas vezes negligenciada pela comunidade científica acadêmica.
Os resultados do presente estudo corroboram a investigação desenvolvida por Oliveira et al. (2016) que teve como propósito analisar a produção científica sobre a educação inclusiva no ensino superior. Através de uma revisão da literatura realizada entre os anos 2005 e 2014, estes investigadores concluíram que “as publicações sobre a educação inclusiva no ensino superior têm sido tênues, demonstrando que ainda há muito a avançar nesse assunto” (Oliveira et al., 2016: 299). Acrescentam ainda que a comunidade científica tem vindo a dar uma maior atenção à temática da educação inclusiva no que se refere às crianças, sendo que a atenção sobre pessoas adultas com “necessidades especiais” tem sido mais direcionada para a assistência em saúde e não para a educação inclusiva no ensino superior.
O estudo também parece sinalizar para uma possível influência da normatização jurídica em termos de política e legislação sobre os direitos das pessoas com deficiência no ensino superior como desencadeador da produção do conhecimento na área, uma vez que torna visível a discussão da problemática e o que está vigente nas políticas educacionais de cada país. Essa constatação é levantada a partir da pesquisa realizada onde se percebe nitidamente essa relação entre a produção stricto sensu produzida no Brasil e em Portugal, sem desconsiderar outras peculiaridades entre os países investigados (dimensão geográfica, quantidade de universidades e programas de pós-graduação, entre outras).
Estes resultados devem merecer a atenção crítica dos governos e decisores políticos, bem como da comunidade acadêmica e científica, uma vez que em ambos os países e, não obstante os estágios diferentes de medidas legislativas, os estudantes inquiridos manifestam que ainda existe muito para ser feito para que a inclusão seja uma realidade. A voz destes estudantes revela que as ações inclusivas ainda são insuficientes para garantir a sua permanência e participação com qualidade de vida e bem-estar no contexto da vida universitária. De fato, continuam a ser assinaladas a presença de diversas barreiras arquitetônicas, comunicacionais, pedagógicas e atitudinais em ambos os países.
Muitos são os estudantes que referem que, não obstante as boas vontades e o esforço que sentem estar a ser feito, a maior parte dos docentes não estão preparados para lidar com alunos com deficiências. Embora muito frequentemente a maior justificativa para a não inclusão seja a estrutura física das instituições de ensino, diversos estudos têm vindo a revelar que a maior barreira para a inclusão escolar é, fundamentalmente, a falta de preparação dos docentes e dos gestores, que não possuem nem sensibilidade nem formação (Martins et al., 2016).
Estes estudantes alertam ainda para que, na maior parte das vezes, são os apoios da família e dos colegas, bem como a sua força e disposição interna os determinantes para que consigam superar com sucesso as adversidades que continuam a encontrar no percurso universitário. Efetivamente, a permanência dos estudantes com deficiência no ensino superior pode resultar em fracasso atendendo às diversas barreiras que continuam a existir, denunciando um ambiente potencializador da manutenção da exclusão. Assim, é urgente que as instituições de ensino superior mudem as suas culturas e práticas de forma a garantir uma educação adequada a todas às pessoas da sociedade, procurando eliminar todo o tipo de processos que levam à exclusão social (Barton, 2009).
Tendo como referencial as experiências e as vozes destes estudantes alicerçadas na legitimidade de participar nas discussões e tomadas de decisão que dizem respeito à sua vida, espera-se que estes indicadores possam suscitar importantes reflexões e sobretudo possam guiar a necessária transformação das instituições educativas contribuindo para a melhoria da qualidade da resposta aos desafios da inclusão no ensino superior.