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Revista iberoamericana de educación superior

versión On-line ISSN 2007-2872

Rev. iberoam. educ. super vol.14 no.41 Ciudad de México oct. 2023  Epub 05-Abr-2024

https://doi.org/10.22201/iisue.20072872e.2023.41.1579 

Territórios

A política de internacionalização na pós-graduação brasileira: efetividade da mobilidade acadêmica para internacionalizar a produção científica e a colaboração internacional

La política de internacionalización en los estudios de posgrado brasileños: efectividad de la movilidad académica para internacionalizar la producción científica y la colaboración internacional

Internationalization Policy in Brazilian Graduate Studies: Effectiveness of Academic Mobility in Internationalizing Scientific Production and International Academic Collaboration

Klarissa Valero-Ribeiro-Saes* 
http://orcid.org/0000-0002-2437-4715

Noela Invernizzi** 
http://orcid.org/0000-0003-2866-3650

* Brasileira. Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Paraná, Brasil. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Paraná, Brasil. Temas de pesquisa: internacionalização da educação superior, políticas públicas. klarissa.saes@gmail.com

** Uruguaia. Doutora em Política Científica e Tecnológica, Universidade Estadual de Campinas, Brasil. Professora Titular do Setor de Educação, Universidade Federal do Paraná, Brasil. Temas de pesquisa: avaliação da ciência acadêmica, políticas de ciencia tecnologia e inovação, ciência, tecnologia e sociedade. noela.invernizzi@gmail.com


Resumo

A internacionalização da educação superior ganhou destaque nas políticas científicas e educacionais com a intensificação da globalização. Este trabalho examina a política de internacionalização da pós-graduação brasileira presente, inicialmente de forma difusa, e a partir de 2005 de forma sistemática, nos planos nacionais de Pós-Graduação e outros documentos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Identificadas as estratégias de intervenção da política, o trabalho analisa seus efeitos mediante um estudo de caso do Programa de Pós-Graduação em Ciências (Bioquímica) da Universidade Federal do Paraná. Foram examinadas três dimensões da internacionalização no quadriênio 2013-2016: formação e mobilidade docente, produção científica e formação de redes de pesquisa internacionais, esta última aferida mediante as publicações em coautoria com pesquisadores estrangeiros. A metodologia combinou análise qualitativa de documentos e análise de dados constantes na Plataforma Sucupira e na Plataforma Lattes.

Palavras chave: internacionalização; educação superior; política científica; políticas de avaliação; intercâmbio acadêmico; produção científica; redes de pesquisa; Brasil

Resumen

La internacionalización de la educación superior ha ganado protagonismo en las políticas científicas y educativas con la intensificación de la globalización. Este artículo examina la política de internacionalización de los estudios de posgrado en Brasil actualmente, inicialmente de manera difusa, y desde 2005 de manera sistemática, en los planes nacionales de Estudios de Posgrado y otros documentos de la Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Una vez identificadas las estrategias de intervención de la política, el trabajo analiza sus efectos a través de un estudio de caso del Programa de Posgrado en Ciencias (Bioquímica) de la Universidade Federal do Paraná. Se examinaron tres dimensiones de la internacionalización en el cuatrienio 2013-2016: formación y movilidad docente, producción científica y formación de redes internacionales de investigación, esta última estimada a través de publicaciones en coautoría con investigadores extranjeros. La metodología combinó el análisis cualitativo de documentos y el análisis de los datos contenidos en la Plataforma Sucupira y la Plataforma Lattes.

Palabras clave: internacionalización; educación superior; política científica; políticas de evaluación; intercambio académico; producción científica; redes de investigación; Brasil

Abstract

The internationalization of higher education has increasingly gained prominence in scientific and educational policies with the intensification of globalization. This article analyzes the internationalization policy for graduate studies in Brazil during the last 30 years, initially in a diffuse way, and since 2005 in a systematic way, and their inscription in the framework of the national plans for Graduate Studies and other documents issued by the Coordination for the Improvement of the Higher Education Staff (in Portuguese Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES). Once the policy’s intervention strategies have been identified, the paper analyzes their effects through a case study of the Postgraduate Program in Sciences (Biochemistry) at the Federal University of Paraná. Three dimensions of internationalization in the 2013-2016 period were examined: faculty training and mobility, scientific production and the formation of international research networks, the latter estimated through co-authored publications with researchers from other countries. The methodology combined qualitative analysis of documents and the review of data contained in the Sucupira and Lattes Platforms.

Key words: Internationalization; Higher education; Science policy; Evaluation policies; Academic exchange; Scientific production; Research networks; Brazil

Introdução

A internacionalização da educação superior tem atraído o interesse de pesquisadores, administradores de instituições de ensino e governos e constituído um vasto mercado educacional em todo o mundo, especialmente nos últimos vinte anos. No contexto da economia do conhecimento, o tema ganha força como fonte de aumento da competitividade dos países e de ganhos econômicos para os conglomerados educacionais. Mas, também, porque a educação internacional é considerada uma vantagem para as universidades e para os pesquisadores no quadro de processos de produção científica crescentemente globalizados desde a década de 1990 (Vessuri, 2013). No Brasil, as discussões sobre o assunto se intensificaram a partir de 2000, plasmadas em crescente produção acadêmica (Morosini, 2006; Morosini e Nascimento, 2017).

A literatura mostra duas faces da internacionalização; de um lado é considerada um caminho para atingir os propósitos da educação superior -ensino, pesquisa e extensão- ao promover a integração da dimensão global e intercultural a suas atividades, objetivos e valores, podendo envolver atores internos e externos às instituições (Knight, 2004). Assim, a internacionalização é um processo que contribui na busca pela excelência da educação superior com vistas a oferecer uma contribuição significativa para a sociedade (De Wit et al., 2015), promovendo valores de cidadania global responsável, humana e solidária (Gacel-Ávila e Rodríguez-Rodríguez, 2019).

A outra face, porém, revela tendências à padronização da formação segundo critérios das nações hegemônicas, com a prevalência da língua inglesa na comunicação acadêmica, exacerbando a competição entre instituições (Altbach, 2004) e favorecendo as elites científicas e educativas devido à desigualdade entre países (Buckner e Stein, 2019). A América Latina se insere de forma periférica neste processo, o que pode vir a reforçar o paradigma centro-periferia (Castro e Cabral Neto, 2012). Apesar dos riscos de padronização, desigualdade e inserção internacional subordinada -veja-se por exemplo os trabalhos de Kreimer (2006) e Feld e Kreimer (2019)- é reconhecido que a internacionalização também pode trazer benefícios para as atividades das instituições de educação superior e contribuir para o desenvolvimento de sua excelência (De Wit et al., 2015).

Gacel-Ávila e Rodríguez-Rodríguez (2019) identificam diversos fatores integrantes do processo de internacionalização, distribuídos em três grandes áreas. A primeira área reúne aspectos da institucionalização da política de internacionalização na universidade, desde a inclusão do tema na Missão e Plano de Desenvolvimento Institucional e criação de um Plano Estratégico de Internacionalização, passando pelo orçamento dedicado para internacionalização, até uma política de recrutamento e qualificação de recursos humanos para o escritório de relações internacionais, possibilitando uma estratégia de comunicação e participação em associações de educação internacional e em feiras internacionais de educação. A segunda área corresponde às atividades que tradicionalmente são relacionadas à internacionalização, como acordos de cooperação, programas de dupla diplomação, mobilidade de professores e alunos, além de políticas linguísticas e internacionalização do currículo e da pesquisa. Por fim, Gacel-Ávila e Rodríguez-Rodríguez (2019) elencam fatores como as avaliações de performance, indicadores e rankings globais de universidades, e a presença da universidade no exterior.

Referindo-se ao caso brasileiro, Duarte et al. (2012) afirmam que não há diferenças entre a internacionalização da graduação e da pós-graduação na literatura, mas verificaram que no primeiro caso a instituição tem centralidade na execução, enquanto no segundo é descentralizada entre os professores de cada programa. Ademais, encontraram que apesar da importância da formalização de acordos de cooperação assinados entre países ou mesmo entre instituições, esses por si só não garantem a colaboração acadêmica de fato. Em pesquisa posterior, Duarte et al. (2012) mostraram a relevância dos vínculos pessoais de cada pesquisador para o estabelecimento de colaborações internacionais. Contudo, tais vínculos individuais se alicerçam em políticas de internacionalização como o doutorado sanduíche (período de pesquisa doutoral no exterior), pós-doutorado, visitas técnicas e financiamento a participação em eventos no exterior.

Neste artigo interessa-nos discutir a dimensão da internacionalização que envolve a pesquisa, os pesquisadores e os seus produtos. Dado que, no Brasil, a pesquisa está concentrada na pós-graduação (Morosini, 2011), focaremos neste nível da educação superior. O trabalho se propõe a discutir o estímulo à internacionalização científica da pós-graduação mediante políticas contidas nos Planos Nacionais de Pós-Graduação (PNPG) e nos procedimentos de avaliação dos programas desenvolvidos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), agência do Ministério de Educação e Cultura (MEC).

No Brasil, a CAPES desempenha papel fundamental na regulação da pós-graduação e desde 1975, os PNPG constituem os documentos orientadores da pós-graduação, apontando as formas de melhorar a qualidade do sistema através da qualificação do corpo docente, do financiamento à pesquisa e à infraestrutura, do estímulo à interdisciplinaridade e da redução das assimetrias regionais e entre as áreas do conhecimento. Estabelecem, assim, os parámetros a partir dos quais os programas de pós-graduação são avaliados. Os sucessivos PNPG foram incluindo orientações para a internacionalização, envolvendo a formação de recursos humanos, a mobilidade dos pesquisadores e, de forma mais intensa na última década, a internacionalização da produção científica e a formação de redes de pesquisa internacionais. O estímulo à internacionalização passou a se traduzir nas notas dos programas, reservando os mais altos conceitos para os mais internacionalizados. Em adiante, nos referiremos a estas ações como política de internacionalização, entendendo esta como um aspecto da política científica mais ampla.

Examinamos a política de internacionalização, por vezes difusa, nos PNPG e outros documentos da CAPES, recorrendo aos conceitos de Knoepfel et al. (2007) para identificar como se define na política o problema a ser enfrentado, suas causas, e os instrumentos de intervenção propostos. A partir do estudo de um “caso crítico”, o Programa de Pós-Graduação em Ciências Bioquímica (PGBIOQ) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), avaliamos a resposta ao estímulo de tais políticas considerando três dimensões: a internacionalização na formação e na trajetória de mobilidade do quadro docente; a internacionalização da produção científica; e a formação de redes de pesquisa internacionais, aferida mediante as publicações em coautoria com pesquisadores estrangeiros. O PGBIOQ foi escolhido por se tratar do programa da UFPR que recebeu há mais tempo nota 6 (de 1 a 7) na avaliação da CAPES, incluindo o período analisado (2013-2016), e na avaliação de 2017, recebeu nota 7, que o qualifica como programa de excelência e elevada internacionalização.

Na seção 2, a seguir, expomos a metodologia do trabalho. Na terceira seção examinamos a política de internacionalização contida nos PNPG e outros documentos da CAPES. Na quarta seção avaliamos os efeitos da política mediante o estudo de caso do PPG em Bioquímica da UFPR. O trabalho conclui que a política foi efetiva em estimular a mobilidade docente e a internacionalização da produção científica do programa, enquanto teve efeitos menos expressivos em mobilizar redes de cooperação científica internacionais.

Metodologia

A pesquisa foi desenvolvida em duas fases, utilizando uma triangulação de métodos de pesquisa -mixed-methodology- baseada na combinação de abordagens qualitativa e quantitativa (Ricardo e Jabbour, 2011).

Na primeira fase foi realizada análise documental de textos da política para a pós-graduação, principalmente os Planos Nacionais de Pós-Graduação e o documento orientador da área Ciências Biológicas II (na qual se enquadra o PPG em Bioquímica), elaborados pela CAPES. A análise documental permitiu reconstruir, ao longo do tempo, uma política de internacionalização da pós-graduação que aparece com frequência, de forma difusa ou disgregada em diversos instrumentos. Examinou-se então a política a partir do enfoque de Knoepfel et al. (2007) sobre o modelo de causalidade na análise de políticas públicas.

Na segunda fase, foram avaliados os efeitos da política de internacionalização através de um estudo de caso crítico no contexto da UFPR. A escolha de um caso crítico resulta adequado quando se conta com uma teorização desenvolvida, como é o caso do tema da internacionalização da educação superior e da pesquisa, permitindo uma melhor compreensão das circunstâncias em que as hipóteses são comprovadas ou não (Bryman, 2008). Desta forma, o caso permitiu testar em que medida as políticas de internacionalização têm efeitos na mobilidade dos pesquisadores, na internacionalização de sua produção científica e na geração de redes internacionais de pesquisa. Para isso, a seleção do caso foi realizada a partir de dois critérios que assegurassem a escolha de um programa de alta qualidade e internacionalizado: a) programas de pós-graduação da UFPR que tivessem permanecido nas últimas três avaliações com as notas mais altas; b) que tivessem atingido notas 6 ou 7, que indicam além de alta qualidade, elevada internacionalização. O PPGBIOQ destacou-se em ambos os critérios, resultando escolhido.

Os dados para o estudo de caso foram coletados em duas bases de dados de acesso público. Na Plataforma Sucupira, da CAPES, foram tomados dados detalhados sobre os docentes do PPGBIOQ e suas atividades de pesquisa e produção científica. Dita plataforma é um sistema de coleta de informações de todos os programas de pós-graduação do país, utilizada nas avaliações quadrienais do Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG) brasileiro. Foram também coletados dados dos pesquisadores na Plataforma Lattes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). Trata-se de uma plataforma virtual de acesso público que reúne os currículos completos e atualizados dos pesquisadores do país e seus grupos de pesquisa e instituições.

A análise foi realizada mediante medidas estatísticas simples para os dados quantitativos e interpretação de informações obtidas nos documentos. Foram analisados os artigos completos publicados em periódicos entre 2013 e 2016 por autores ligados ao PGBIOQ. Dados como título dos artigos, nome dos autores, categoria de vinculação com o programa de pós-graduação (docente permanente/colaborador, discente graduação/mestrado/doutorado, egresso e participante externo), estrato de classificação dos periódicos científicos em que os artigos foram publicados segundo o Sistema Qualis1, e ISSN (International Standard Serial Number ou Número Internacional Normalizado para Publicações Seriadas) foram retirados do Portal da Avaliação Quadrienal da Pós-Graduação 2013-2016 da CAPES. Foram acrescentados os dados sobre a formação dos docentes obtidos nos currículos na Plataforma Lattes; país de base dos participantes externos através da Plataforma Lattes, perfil no Portal Researchgate (rede social de perfil acadêmico) e dos próprios artigos disponíveis na internet; e país de publicação disponível no Portal ISSN (2019).

A política de internacionalização científica na Pós-Graduação

Não obstante existissem alguns programas anteriores, a pós-graduação brasileira se conformou decisivamente a partir de 1965, com a aprovação do Parecer n.º 977/65 do Conselho Federal de Educação. O impulso à pós-graduação coincide com o início da ditadura militar, estabelecida em 1964, e que terminaria em 1985. Diferente de outros regimes militares latino-americanos que desmantelaram as universidades públicas, o governo ditatorial brasileiro criou políticas que permitiram o fortalecimento da ciência no país aliadas a um projeto de autonomia tecnológica (Dias, 2012). Sob forte influência norte-americana, no bojo de uma reforma da educação superior que tolhia sua autonomia, deu-se prioridade à formação de pesquisadores e professores, foram criados os primeiros cursos de mestrado e foi aprovado o I Plano Nacional de Pós-Graduação (I PNPG) (Hostins, 2006).

O I PNPG foi resultado das discussões do Conselho Nacional de Pós-Graduação, criado em 1974, e estava integrado às políticas educacionais e científicas do II Plano Nacional de Desenvolvimento. Além de formulador de políticas educacionais e científicas, o MEC era o principal financiador das atividades (CAPES, 2004a).

O documento apresentou um diagnóstico do sistema de pós-graduação, indicando diretrizes de ação para o período 1975-1979, para cursos stricto sensu (mestrados e doutorados) e lato sensu (especializações). Havia, em 1973, 50 instituições de ensino superior oferecendo pós-graduação, 13.500 alunos matriculados, 7.500 professores, cerca de 3.500 mestres e 500 doutores titulados (CAPES, 2004a). Apesar do crescimento desejável e de algumas iniciativas bem-sucedidas, o diagnóstico alertava para o “isolamento e a desarticulação das iniciativas; o insuficiente apoio e orientação por parte dos órgãos diretores da política educacional; e, na maior parte dos casos, uma grande diversidade de fontes e formas de financiamento” (CAPES, 2004a: 122). As diretrizes do I PNPG concentraram-se em três frentes: a) institucionalizar e estabilizar as atividades do sistema de pós-graduação; b) elevar a qualidade e produtividade; c) expandir a estrutura e aumentar o financiamento. Neste momento inicial, a internacionalização se dá na forma de capacitação dos docentes no exterior visando formar os quadros para atender a expansão da educação superior e da pós-graduação e, consequentemente, as demandas de pessoal qualificado pelo mercado (CAPES, 2004a).

Em 1976, a CAPES passou a implementar um sistema de avaliação da pós-graduação. Nesse momento, a agência foi dotada de maior autonomia sendo reconhecida pelo MEC como a Agência Executiva do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia, passando a ser responsável pela elaboração do II PNPG (1982-1985). Mantendo a formação de pesquisadores do I PNPG como prioridade, enfocou-se na qualidade e estabilização da pós-graduação com aperfeiçoamento do processo avaliativo (Hostins, 2006). O plano considerou que profissionais altamente qualificados eram necessários para o desenvolvimento científico, tecnológico e cultural do Brasil, o que exigia condições materiais e institucionais. A pós-graduação tinha o papel de abastecer e fomentar o mercado tecnológico brasileiro, sendo as universidades públicas o principal ambiente de pesquisa. Com mecanismos institucionais escassos, apesar da criação das primeiras pró-reitorias e órgãos colegiados para a pós-graduação, os principais problemas eram a inconstância orçamentária e empregatícia. O financiamento da pesquisa, condicionado à abertura de novos programas, havia redundado numa expansão sem a qualidade esperada (CAPES, 2004b). Assim, os principais objetivos do II PNPG estabeleciam: a) atenção à qualidade, critério para alocação de recursos; b) alinhamento dos programas de pós-graduação às necessidades do país, aprimorando o dimensionamento do sistema; e c) articulação das esferas governamentais para garantir a estabilidade e crescimento do sistema de pós-graduação. O plano convocava a participação da comunidade acadêmica para a definição de critérios de avaliação da qualidade, que determinariam o apoio e o financiamento, assim como os ajustes dos cursos à demanda de formação de profissionais e acadêmicos (CAPES, 2004b).

O III PNPG (1986-1989), articulado ao III Plano Nacional de Desenvolvimento, o primeiro da Nova República, no retorno à democracia, reforçou o papel da universidade no desenvolvimento da pesquisa, propôs a integração da pós-graduação ao sistema nacional de ciência e tecnologia, e sua orientação para os problemas tecnológicos, econômicos e sociais. Os principais objetivos eram expandir, estabilizar e qualificar o sistema de pós-graduação, incluindo a ampliação da capacitação docente, com a melhoria da sua qualidade; intensificar o Programa Institucional de Capacitação de Docentes (PICD), criado no plano anterior; aumentar atividades de extensão; flexibilizar a formação oferecida; a melhoria da infraestrutura de pesquisa e o desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica, assim como a avaliação com participação da comunidade científica (Hostins, 2006; CAPES, 2004c). O III PNPG continha “um programa agressivo de formação de recursos humanos qualificados” (CAPES, 2004c: 193), pois vários estudos tinham concluído que o país não possuía cientistas suficientes para desenvolver suas capacidades científicas e tecnológicas.

O estímulo à internacionalização adota duas frentes no III plano. De um lado, a formação dos pós-graduandos, considerando importantes os estágios no exterior, com alocações de bolsas feitas a partir da capacidade de formação interna de cada área do conhecimento. “Os doutorados no país precisam ser complementados com estágios de duração mais curta no exterior. Evidentemente, algumas áreas, seja pela necessidade de formação em massa, seja pela incipiência dos cursos existentes, ou ainda pela inexistência de cursos no país, dependem fortemente do treinamento no exterior” (CAPES, 2004c: 206). Ademais, propõe-se “reforçar o programa de pós-graduação no exterior como parte integrante do sistema de formação de pessoal qualificado; implantar um sistema mais eficiente e que possibilite o aperfeiçoamento dos processos de orientação, seleção e acompanhamento dos bolsistas; recuperar em curto prazo o poder aquisitivo das bolsas no exterior, criando mecanismos diferenciados que considerem, entre outros critérios, o país de destino do candidato” (CAPES, 2004c: 211). De outro lado, o plano estimula a internacionalização dos pesquisadores mediante o intercâmbio internacional, articulação de cooperações nacionais e internacionais, com ênfase no pós-doutoramento para intensificar o intercâmbio científico e institucionalização da atividade sabática (CAPES, 2004c).

Na década de 1980, com a propagação de ideais neoliberais, o Estado assume papel de regulador e os processos avaliativos se tornam determinantes no financiamento da educação superior. As universidades passam a competir entre si, abrindo espaço para a mercantilização dos serviços de educação. Essas tendências são impulsionadas pelo setor produtivo e alinhadas “às orientações de agências internacionais como a UNESCO e o Banco Mundial que exercem um papel decisivo na legitimação dos discursos da agenda de transformação” (Hostins, 2006: 144). As novas tendências da pós-graduação são a diversificação, a profissionalização, a dissociação de ensino e pesquisa, e a internacionalização. Diante das mudanças, a partir de 1996 esses temas entraram na agenda da CAPES que organizou o Seminário Nacional intitulado “Discussão da Pós-Graduação Brasileira”, com representantes de diversas instituições, com vistas a construir o IV PNPG. A proposta de plano foi discutida em diversas instâncias e instituições, entretanto, devido especialmente à situação financeira, o plano nunca foi divulgado.

Contudo, o ano de 1996 marca a mudança no propósito da avaliação pela CAPES; se antes era um norte balizador da implementação do sistema de pós-graduação, agora passa a adotar um teor competitivo, na medida que se vincula à obtenção de recursos. Após recomendações de especialistas estrangeiros, alterações profundas foram feitas nos critérios de avaliação, incluindo mudança da periodicidade, da escala de notas e da unidade de avaliação (de cursos para programas compostos por mestrado e doutorado), inclusão de critérios de comparabilidade entre áreas e adoção dos padrões internacionais de qualidade e do Núcleo de Referência Docente (Marcondes de Moraes, 2002). Também, na avaliação do triênio 2001-2003, tornam-se mais evidentes conceitos e indicadores de inserção internacional e de padrão internacional, fundamentados na comparabilidade com centros internacionais (Hostins, 2006).

Em 2004 foi elaborado o V PNPG (2005-2010) que buscava a flexibilização da pós-graduação para o crescimento do sistema (incluindo a educação à distância); a formação de profissionais para atender os mercados acadêmico e não acadêmico; a diminuição dos desequilíbrios regionais na oferta e desempenho da pós-graduação; o atendimento às novas áreas de conhecimento e a internacionalização. O plano se propunha a atingir “qualidade e excelência dos resultados, na especificidade das áreas de conhecimento e no impacto dos resultados na comunidade acadêmica e empresarial e na sociedade” (Hostins, 2006: 150).

É neste V PNPG que uma política de internacionalização aparece explicitada de forma sistemática, incluindo ações de cooperação internacional e de formação de recursos humanos no exterior. Propõe-se a ampliação da mobilidade acadêmica em relações recíprocas com parceiros internacionais, não somente da pós-graduação, mas desde a graduação. Além da internacionalização na direção dos centros científicos dos países mais desenvolvidos, foi estimulada a cooperação sul-sul, entre países em desenvolvimento (CAPES, 2004d). De fato, tal explicitação ocorre quando a internacionalização da educação superior e da pesquisa científica atingem um novo patamar na virada do século (Santos, 2011).

O VI PNPG (2011-2020), além de aspectos tratados anteriormente, como a redução das assimetrias na distribuição da pós-graduação no país, e o papel da pós-graduação na formação de recursos humanos para empresas e para a melhoria da qualidade da educação básica, contempla a importância da interdisciplinaridade, a utilização de indicadores que possam reduzir as assimetrias entre as áreas do conhecimento, e reforça a ênfase na internacionalização (CAPES, 2010). A internacionalização ganhou grande evidência, propondo-se o aumento do número de alunos estrangeiros nas universidades brasileiras; maior participação dos pesquisadores em congressos internacionais; doutorados-sanduíche e doutorado pleno no exterior. O documento propôs indicadores de internacionalização tais como citações e impacto das publicações científicas.

Durante a vigência deste plano, foi criado em 2011 o Programa Ciência sem Fronteiras que, apesar de priorizar alunos de graduação, também teve iniciativas voltadas à pós-graduação. As modalidades de bolsas no exterior incluíam Doutorado Sanduíche, Doutorado Pleno, Pós-Doutorado, Mestrado Profissional e Desenvolvimento Tecnológico, para aperfeiçoamento, reciclagem ou treinamento no exterior. No país, as modalidades de bolsa focaram na Atração de Cientistas para o Brasil, Pesquisador Visitante Especial e Bolsa Jovens Talentos (CSF, 2019). Ao todo, foram implementadas 92.880 bolsas, com um custo aproximado de R$ 13,2 bilhões, sendo o maior programa de financiamento de bolsas para estudo no exterior que o país já teve.

Em 2018 foi lançado o Programa Institucional de Internacionalização CAPES-PrinT, para “fomentar a construção, a implementação e a consolidação de planos estratégicos de internacionalização das instituições contempladas nas áreas do conhecimento por elas priorizadas”, através de redes de colaboração, mobilidade de alunos e professores da pós-graduação (CAPES, 2019b). O programa é direcionado à pós-graduação, em especial àqueles programas de excelência -conceitos 5, 6 e 7- envolvendo, pelo menos na primeira fase, professores com produtividade científica destacada e experiência internacional. Por fim, o VII PNPG 2021-2030 encontra-se atualmente em discussão e poucas informações podem ser localizadas a respeito.

Como visto, uma política de internacionalização inicialmente mais difusa, e inicialmente centrada na formação de quadros para implementar o sistema de pós-graduação no país, torna-se, nas duas últimas edições do PNPG, mais sistemática, destacada e diversificada, incluindo a mobilidade docente e discente para aprimoramento da formação e estímulo à construção de redes de pesquisa internacionais; a internacionalização da produção científica e a ampliação do seu impacto na ciência global. Se inicialmente a internacionalização era um pilar basilar para a constituição do sistema, a partir da virada do milênio, torna-se um aspecto relevante na avaliação da qualidade dos programas de mestrado e doutorado.

Seguindo Meny e Thoenig (1992: 96) podemos indagar qual é a “teoria de mudança social” proposta nesta política de internacionalização, isto é, examinar qual é o modelo de causalidade assumido pela política, e qual é sua hipótese de intervenção -ou ações a serem implementadas- para alterar a situação problema (Knoepfel et al., 2007).

No contexto da intensificação da internacionalização da pesquisa científica (Woldegiyorgis et al., 2018; Wagner, 2011; Santos, 2011) os PNPGs e outros documentos da CAPES identificam, embora de forma latente, um problema na pesquisa brasileira produzida no sistema de pós-graduação: sua baixa internacionalização, manifestada de forma conspícua nos indicadores de produção acadêmica. Esta baixa internacionalização, por sua vez, impediria atingir padrões de excelência mundial, considerados decisivos para garantir a visibilidade e competitividade da ciência nacional e para estimular o desenvolvimento do país; lembremos que desde meados dos anos oitenta, os PNPG vêm enfatizando uma maior aproximação da pós-graduação ao setor produtivo e ao atendimento das prioridades nacionais. A hipótese causal proposta para explicar esta situação é que há pouca exposição internacional dos pesquisadores brasileiros, desde sua formação e ao longo de sua carreira. Desta forma, a hipótese de intervenção adotada na política é o incentivo à formação, estágios de pós-doutoramento e de pesquisa no exterior, que permitiriam a solução do problema identificado. Nessa seara não apenas se ampliam instrumentos já utilizados, como os doutorados sanduíche e os estágios de pós-doutorado, como também se implementam grandes programas de mobilidade de estudantes e pesquisadores como Ciências sem Fronteiras e CAPES-PrinT.

Os efeitos esperados da ampliação da internacionalização são tanto benefícios socioculturais, quanto políticos, acadêmicos e econômicos. Para a nação, acredita-se que proporcionará desenvolvimento de recursos humanos; aumento da competitividade científica através da visibilidade e reputação da ciência brasileira; desenvolvimento econômico pela aplicação produtiva da pesquisa de excelência; empregabilidade e engajamento social; criação de capacidade técnica no país; promoção de conhecimento sobre interculturalidade e fortalecimento da identidade nacional. Para os indivíduos envolvidos neste processo, espera-se que a vivência em um ambiente intercultural aporte o desenvolvimento de soft skills muito valorizadas em profissionais, como a comunicação, as habilidades linguísticas, a tolerância ao diverso e a resiliência a dificuldades.

Efeitos da política de internacionalização: o caso do PGBIOQ

Como exposto, os PNPG têm um papel essencial na regulação da pós-graduação, pois norteiam a Avaliação Quadrienal dos programas. Esta, pelos critérios utilizados, disciplina as estratégias adotadas pelos programas e pelos pesquisadores. Ao utilizar ferramentas e indicadores majoritariamente quantitativos para determinar a qualidade e produtividade, permite uma aferição padronizada do desempenho dos diversos programas. Os resultados da avaliação são determinantes para o acesso ao financiamento pelos programas e, além disso, contribuem para o seu prestígio e o dos professores participantes.

Na Avaliação Quadrienal, os programas avaliados pelas Comissões de Avaliação de cada área científica, obtêm notas de 1 a 7, sendo 3 o mínimo para sua manutenção. Os conceitos mais altos, 6 e 7, são atribuídos apenas aos programas internacionalizados (CAPES, 2017). Indicadores cada vez mais sofisticados examinam, em cada área do conhecimento, o atingimento de metas nos quesitos de formação, produção científica, inserção no meio e, de forma cada vez mais valorizada, internacionalização.

O PGBIOQ se enquadra na Área de Ciências Biológicas II na avaliação da CAPES. O documento da área que norteou a avaliação 2013-2016 (CAPES, 2013), que expressa as linhas gerais do PNPG conjugadas com as metas específicas da área científica, estabelece critérios de avaliação da internacionalização. Os programas candidatos às notas 6 e 7 são avaliados em relação a: 1) sua inserção internacional, 2) seu desempenho em relação aos centros internacionais de referência, e 3) seu prestígio acadêmico.

A inserção internacional de um programa ocorre quando seus docentes atraem pesquisadores e estudantes para pesquisa em cooperação, são do quadro editorial ou escrevem revisões em periódicos internacionais indexados, têm posições e cooperam com instituições de ensino e pesquisa no exterior, pertencem à diretoria ou participam de sociedades internacionais ou academias de ciências de outros países, organizam ou proferem palestras em eventos internacionais, e reveem propostas e possuem financiamentos competitivos de fontes estrangeiras. Além disso, são considerados atributos coletivos do programa, tais como a utilização produtiva de financiamentos com fins de cooperação para publicações e formação de estudantes, parcerias com instituições estrangeiras para oferta de disciplinas e trabalhos em cotutela, acordos de dupla-diplomação, e atração, repatriação e retenção de estudantes e pesquisadores. Também, o desempenho do programa é avaliado por comissões internacionais em comparação aos centros internacionais de referência, quantitativa e qualitativamente, quanto à produção acadêmica, participação em eventos e captação de recursos. Por fim, é avaliada a liderança do programa como formador de recursos humanos e nucleador de novos programas, com ênfase na solidariedade para superação de assimetrias regionais (CAPES, 2013).

O PGBIOQ foi criado em 1965, com cursos de mestrado e doutorado. Desde o início da aplicação de conceitos pela CAPES, o programa teve um alto desempenho e no período analisado (2013-2016) recebeu nota 6 e em 2017 recebeu nota 7 (CAPES, 2019a). Entre 2013 e 2016 contava com 26 docentes permanentes, sendo a maioria oriundos do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular. Está organizado em quatro linhas de pesquisa: Bioquímica e Biologia molecular de microrganismos; Bioquímica farmacológica e metabolismo celular; Enzimologia e Biotecnologia; e Química de carboidratos.

A seguir, são apresentados os resultados da pesquisa nas três dimensões investigadas: a internacionalização da formação e trajetórias de mobilidade internacional do quadro docente; a produção científica do programa e seu grau de internacionalização; e a produção científica em coautoria com pesquisadores baseados em instituições estrangeiras.

Internacionalização da formação e trajetória de mobilidade internacional do quadro docente

Partindo da hipótese causal da política de internacionalização, apresentada anteriormente, de que a formação e as estadias de pesquisa no exterior têm efeitos na produção científica internacional dos professores, são analisadas primeiramente as trajetórias de formação e a mobilidade do quadro docente permanente do programa.

Conforme apresentado na Tabela 1, a estratégia de internacionalização predominante na formação de 65% dos docentes foi o doutorado sanduíche e pós-doutoramento, como estimulado a partir do III PNPG (1986-1989), com progressiva ampliação de bolsas nas duas modalidades nas décadas seguintes. Dois terços dos docentes tiveram estágios de formação ou pesquisa no exterior. Dez professores tiveram uma experiência no exterior, quatro tiveram duas, dois tiveram três, e dois tiveram quatro. Entretanto, 31% dos professores não tiveram nenhuma formação ou mobilidade internacional até o momento.

Tabela 1 Tipo de formação no exterior e número de artigos publicados no Brasil e no exterior por docente permanente no período 2013-2016* 

Docente Tipo de
formação no
exterior*
País de formação no exterior Número
de artigos
Número de artigos
publicados no
exterior
Porcentagem de
artigos publicados
no exterior
1 Docente 7 PD Reino Unido 70 64 91%
2 Docente 8 D, PD Estados Unidos e Reino Unido 67 61 91%
3 Docente 20 PD Itália 56 56 100%
4 Docente 11 40 39 98%
5 Docente 25 PD França 30 30 100%
6 Docente 3 DS, PD, PD, PD Argentina e Estados Unidos 27 26 96%
7 Docente 27 DS, PD, PD Portugal e França 26 26 100%
8 Docente 4 G, D Austrália 26 26 100%
9 Docente 2 DS, PD França e Reino Unido 21 18 86%
10 Docente 18 DS, PD Reino Unido e Austrália 21 18 86%
11 Docente 26 G, PD Argentina e Canadá 20 20 100%
12 Docente 30 PD Reino Unido 19 17 89%
13 Docente 14 PD, PD, PD França e Estados Unidos 19 19 100%
14 Docente 22 19 14 74%
15 Docente 10 DS França 18 18 100%
16 Docente 17 PD Alemanha 17 12 71%
17 Docente 32 16 15 94%
18 Docente 24 16 16 100%
19 Docente 16 PD Estados Unidos 14 13 93%
20 Docente 28 G, D, PD, PD Reino Unido, Canadá e Austrália 13 13 100%
21 Docente 23 11 11 100%
22 Docente 34 PD Estados Unidos 10 10 100%
23 Docente 19 DS Áustria 10 10 100%
24 Docente 31 8 8 100%
25 Docente 33 7 7 100%
26 Docente 9 PD Canadá 1 1 100%
Total Geral 602 568 94%
Mediana 19 17.5

Fonte: elaborado pelas autoras a partir de dados procedentes do Portal da Avaliação Quadrienal 2013-2016.

* G- Graduação, D- Doutorado pleno, DS- Doutorado Sanduíche, PD- Pós-Doutorado.

** Quando há coautoria entre professores do programa, o artigo foi contabilizado uma vez para cada coautor, daí o total ser maior que o número de artigos efetivamente publicados no quadriênio.

Dos 18 docentes que contam com alguma formação ou mobilidade no exterior, esta ocorreu em 65% dos casos, em países de língua inglesa: Reino Unido (6), Estados Unidos (5), Austrália (3) e Canadá (1). A única experiência em instituições da América Latina era de professor estrangeiro que concluiu a graduação na Argentina antes de migrar para o Brasil. Os demais estiveram na Europa: França (2), Itália (1), Áustria (1) e Alemanha (1).

Nota-se que a formação internacional é majoritariamente em países do Norte, seguindo o fluxo de países menos desenvolvidos para os mais desenvolvidos, descrito por Altbach (2004), via de internacionalização predominantemente estimulada na pós-graduação brasileira até recentemente. Também se observa uma tendência de a mobilidade ocorrer em países de língua inglesa, o que, em tese, deveria facilitar a maior inserção internacional dos pesquisadores vista a oportunidade de aperfeiçoamento na chamada língua franca da ciência, conforme discutido por Archanjo (2016).

Em relação à formação no exterior e outros tipos de mobilidade, o caso do PPGBIOQ demostra o aproveitamento dos instrumentos propostos nos PNPGs e um êxito razoável da política de internacionalização.

Internacionalização da produção científica

Em que medida um corpo docente com mobilidade internacional redunda na internacionalização de sua produção científica, tal como propõe a política? Examinamos esta questão nesta seção.

Após a compilação de dados descrita na metodologia, a amostra consistiu em 1117 indivíduos, autores e coautores de 352 artigos científicos publicados no quadriênio 2013-2016, em que ao menos um autor era integrante do programa, seja professor ou aluno. A unidade de análise usada como base é o artigo; desta forma, os autores foram contados mais de uma vez. A média de publicação foi de 88 artigos por ano no programa.

Dos 1117 indivíduos ligados a publicações do PGBIOQ, 93% (1040) eram participantes externos ao programa, 7% (73) eram discentes e 3% (34) eram docentes permanentes e colaboradores. Isso demonstra uma ampla rede de colaboração entre o programa e outras instituições, incluindo estrangeiras, manifestas em coautorias. Foi possível observar que 26 discentes também figuraram como participantes externos depois que concluíram sua formação; e 4 docentes aparecem como participantes externos, pois foram credenciados e descredenciados2 durante o período de análise.

Com o intuito de aprofundar a análise sobre a produção acadêmica, em adiante limitaremos as análises aos professores com status permanente no programa, pois é apenas a produção destes que se computa na avaliação dos programas de pós-graduação pela CAPES.

Como se observa na Tabela 1, que considera o autor como unidade de análise, a soma dos artigos publicados pelos 26 professores permanentes é de 602. Os artigos foram contados mais de uma vez quando há coautoria entre os professores do programa. A mediana de publicação deste grupo é de 19 artigos, sendo que 14 indivíduos apresentaram desempenho acima deste número e quatro professores têm uma produção acadêmica muito superior, de 40 artigos ou mais no período estudado.

Cerca de 94% dos artigos foram publicados no exterior, o que denota um altíssimo índice de internacionalização da produção científica do programa. Dos quatro professores mais produtivos entre os anos 2013 e 2016, três tiveram mobilidade no exterior, no Reino Unido, Estados Unidos e Itália. Já o quarto docente, tem ampla produção internacionalizada sem ter tido formação no exterior. Dos quatro docentes com menor percentagem de publicação internacional -mesmo assim estamos falando de valores altos, entre 71 e 86 %-, três participaram de pelo menos uma mobilidade internacional. Considerando o conjunto de docentes, ao contrário do que se poderia imaginar, aqueles com formação integral no exterior não eram os que mais publicaram. Desta forma, resulta evidente que a mobilidade internacional é importante para a internacionalização da produção científica, mas não se traduz mecanicamente em maior internacionalização.

Na Tabela 2 o artigo é a unidade de análise. Por considerar a coautoria, o número de artigos escritos pelos 26 professores permanentes em todos os estratos Qualis de classificação dos periódicos científicos, é de 329, tendo sido publicados em pelo menos 17 países. Do total, 94.22% foram publicados no exterior.

Tabela 2 Número de artigos por país de publicação dos docentes permanentes 

País de Publicação Número de artigos por país Porcentagem do total de artigos
Reino Unido 132 40.12%
Estados Unidos 73 22.19%
Holanda 52 15.81%
Brasil 19 5.78%
Alemanha 15 4.56%
Suíça 15 4.56%
França 6 1.82%
Canadá 3 0.91%
Nova Zelândia 3 0.91%
Índia 2 0.61%
Itália 2 0.61%
Áustria 1 0.30%
Coreia do Sul 1 0.30%
Croácia 1 0.30%
Emirados Árabes Unidos 1 0.30%
Paquistão 1 0.30%
Romênia 1 0.30%
Sem informação 1 0.30%
Total 329 100%

Fonte: elaborado por Saes (2020) a partir de dados procedentes do Portal da Avaliação Quadrienal 2013-2016 e Portal ISSN.

O Reino Unido, Estados Unidos e Holanda são os principais países onde os pesquisadores publicam artigos fora do Brasil. Isso reflete, de um lado, a busca de periódicos editados nos principais centros mundiais da ciência, e de outro, reflete, como observam Deem et al. (2008), a busca dos padrões impostos por nações hegemônicas e o uso da língua inglesa na comunicação científica. Na área de bioquímica, o objeto de pesquisa “universal”, isto é, pouco condicionado pelo contexto social ou político local, constitui um fator facilitador da internacionalização.

Do total de 329 artigos escritos pelos 26 professores permanentes, 129 estavam classificados nos mais altos estratos do índice Qualis, A1 e A2, atribuídos aos periódicos científicos considerados de maior qualidade e impacto. O subconjunto pode, portanto, considerar-se de altíssima qualidade. Dentre eles, 61 publicações -quase um quinto- contavam com a participação de ao menos um dos 4 pesquisadores mais produtivos. Estes professores concentraram suas publicações no exterior no Reino Unido (47 delas), e as restantes distribuídas nos Estados Unidos e em outros países europeus.

Em soma, as publicações dos docentes do programa são altamente internacionalizadas e observa-se, como tendência, uma correlação positiva -embora não mecânica- entre a realização de doutorado sanduíche e pós-doutorado no exterior, tanto com a produtividade do pesquisador (número de artigos publicados), quanto com a internacionalização da produção científica (fração publicada no exterior). Isto tende a confirmar a hipótese de intervenção da política de internacionalização segundo a qual a maior exposição internacional dos pesquisadores em sua formação e trajetória acadêmica contribui para a internacionalização de sua produção científica. Em pelo menos um terço dos artigos, essa produção se situou nos mais altos estratos da classificação dos periódicos científicos do Sistema Qualis, isto é, o que os critérios de avaliação da pós-graduação qualificam como “de excelência”.

Redes internacionais de coautoría

Para aferir se as políticas de internacionalização têm estimulado a participação dos docentes do programa em redes internacionais de pesquisa, a produção de artigos científicos em coautoria com autores de instituições estrangeiras foi tomada como uma variável proxy, entendendo que pesquisa colaborativa gera publicações em parceria.

Dos 1117 indivíduos ligados por coautoria às publicações do programa, 81% tinham como base instituições brasileiras, incluindo docentes e discentes do programa, enquanto 19% dos coautores eran pesquisadores instalados em universidades estrangeiras no momento da publicação. Três exceções foram identificadas na amostra: dois pesquisadores pertenciam a instituições em dois países e um pertencia a instituições em três países. Deste modo, a soma do número de autores da tabela abaixo chega a 1124. A distribuição dos autores estrangeiros pode observar-se na Tabela 3.

Tabela 3 Número de autores por país da instituição de base 

País da instituição Número de Autores País da instituição Número de Autores
Brasil 908 Canadá 7
França 50 Austrália 6
Estados Unidos 36 Suécia 5
Espanha 16 Colômbia 4
Alemanha 12 Suíça 4
Itália 12 Uruguai 4
Portugal 11 Holanda 3
Reino Unido 11 Noruega 3
Finlândia 10 China 2
México 10 República Tcheca 2
Argentina 7 Irã 1

Fonte: elaborado por Saes (2020) a partir de dados da Plataforma Lattes (2019) e Researchgate (2019).

Os coautores estrangeiros estavam baseados na Europa (139), América do Norte (43) e América Latina (25) e demais continentes (9). Dada a ênfase da internacionalização na direção sul-norte, e a concentração da ciência mais desenvolvida nos países mais industrializados, não surpreende que as principais colaborações sejam realizadas com pesquisadores europeus e norte-americanos. Ao analisar as redes de coautoria chama a atenção a pouca interação com países latino-americanos, corroborando com Castro e Cabral Neto (2012), que afirmam que a América Latina é periférica e, tradicionalmente, pouco integrada. Ademais, como vimos, só recentemente os PNPGs começaram a estimular a internacionalização sul-sul.

Entre os quatro professores mais produtivos do PPGBIO, há uma relação entre o país de formação e o país de publicação, mas não necessariamente entre o país de formação e o país em que os coautores estão baseados. Assim como o observado por Madeira e Marenco (2016) ao analisar as carreiras de 233 docentes vinculados a quinze programas de pós-graduação em ciência política do Brasil, existe alguma associação entre as duas das principais dimensões de internacionalização: a formação acadêmica e a publicação em periódicos internacionais desses docentes. Embora a ausência de experiência internacional não impeça a internacionalização, o estudo aponta a evidência de que passar por alguma mobilidade no exterior tem efeitos na publicação acadêmica e na formação de redes.

Nota-se que os artigos publicados em periódicos no exterior são, em sua maioria 4 ou 5 produzidos em coautoria entre pesquisadores baseados em instituições brasileiras. Isto é, a produção científica do programa tendeu a internacionalizar-se, com 94% de publicações no exterior, enquanto a vinculação dos pesquisadores nacionais com pesquisadores estrangeiros, mediante a coprodução e coautoria de artigos não teve a mesma intensidade. De todo modo, o fato de um em cada cinco coautores ter sua base institucional no exterior constitui evidência de que os pesquisadores do PGBIOQ têm constituído redes estáveis com pesquisadores estrangeiros. Não há uma meta específica na política de internacionalização quanto à dimensão almejada da pesquisa em redes internacionais e o desempenho do programa neste quesito, embora menos expressivo, não deixa de ser significativo.

Conclusão

Verificamos, neste trabalho, que diversas ações de internacionalização perpassam os PNPG, inicialmente mais voltadas para formar os quadros necessários para criar um sistema de pós-graduação no país. Já a partir de 2005, identificamos uma política de internacionalização mais explícita e sistemática em ditos planos, direcionada a ampliar a mobilidade de pós-graduandos e pesquisadores visando a internacionalização dos vínculos de pesquisa e a projeção internacional da ciência nacional. O grau de internacionalização dos programas passa a ser um item específico na avaliação quadrienal, reconhecido como critério de excelência acadêmica, sendo requisito para a obtenção das notas 6 e 7.

Mediante o estudo de caso do PPGBIOQ procuramos avaliar se a hipótese de intervenção dessa política -ampliar a exposição internacional dos pesquisadores na sua trajetória de formação e pesquisa para impulsar a internacionalização das redes e dos produtos da pesquisa-, tinha se mostrado adequada. Os resultados mostraram que, neste programa, 70% dos docentes tiveram estadias formativas, pós-doutorais ou de pesquisa no exterior, especialmente nos Estados Unidos, Reino Unido e outros países europeus. Constatou-se que a política foi efetiva em estimular, como resultado, a internacionalização da produção científica do programa, tornando a ciência nacional mais visível internacionalmente, e teve efeitos, porém, menos expressivos, em mobilizar redes de cooperação internacionais que redundassem em coautorias com pesquisadores baseados em instituições no exterior.

É importante apontar as limitações deste estudo: o tamanho pequeno da amostra e a falta de informações provenientes diretamente dos pesquisadores, mediante entrevistas. Ademais, nota-se que tais resultados não podem extrapolar-se a outras áreas científicas, especialmente as ciências sociais, visto que seus objetos de pesquisa, muito mais contextuais, tornam a internacionalização mais complexa.

Como sugestão de novas pesquisas são indicadas tanto a comparação com outros programas da mesma área de avaliação no Brasil como com outros programas de outras áreas da mesma instituição. As diferentes perspectivas podem ajudar a elucidar o papel da instituição na implementação das políticas de internacionalização, além das possíveis diferenças entre áreas do conhecimento. Ademais, é fundamental considerar outras dimensões da internacionalização, como mobilidade de alunos, internacionalização do currículo, participação em projetos de pesquisa em redes internacionais, formação em idiomas estrangeiros, entre outras, para entender o complexo processo de internacionalização.

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1O Sistema Qualis integra a Plataforma Sucupira de avaliação da pós-graduação brasileira e consiste em uma classificação dos periódicos científicos de todas as áreas do conhecimento para avaliar a qualidade da produção científica de cada programa na avaliação quadrienal.

2Os Programas de Pós-Graduação exigem determinados níveis de produtividade para o credenciamento dos docentes, relacionadas às exigências da CAPES para avaliação quadrienal. Professores com produtividade inferior ao exigido podem ser desligados do programa (descredenciados).

Cómo citar este artículo:

Valero-Ribeiro-Saes, Klarissa y Noela Invernizzi (2023), “A política de internacionalização na pós-graduação brasileira: efetividade da mobilidade acadêmica para internacionalizar a produção científica e a colaboração internacional”, Revista Iberoamericana de Educación Superior (RIES), vol. XIV, núm. 41, pp. 20-38, DOI: https://doi.org/10.22201/iisue.20072872e.2023.41.1579 [Consulta: fecha de última consulta].

Recebido: 08 de Março de 2022; Aceito: 08 de Setembro de 2022

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