1. INTRODUÇÃO
1.1. Patologias associadas à humidade ascensional
A humidade ascensional em paredes de edifícios antigos manifesta-se quando estes elementos construtivos estão em contacto com a água ou com o solo húmido, sempre que os materiais constituintes apresentam elevada capilaridade e quando não existe um corte hídrico.A ascensão capilar progride até que se verifique o equilíbrio entre a evaporação e a capilaridade.
O tratamento de paredes com problemas de humidade ascensional é complexo e poderá passar pela utilização das técnicas descritas em §2.
A humidade ascensional associada à presença de sais constitui um fator de degradação dos revestimentos das paredes dos edifícios antigos (Figura 1), resultante do processo de cristalização/dissolução de sais, pelo que se exige o conhecimento de metodologias de intervenção que conduzam a resultados eficazes.
1.2 Fatores que condicionam a humidade ascensional
Pode dizer-se que a humidade ascensionaldepende dos seguintes fatores: condições climáticas das ambiências (temperatura e humidade relativa);insolação;presença de sais;porosidade e porometria dos materiais;espessura da parede;natureza dos materiais de revestimento.
As condições climáticas das ambiências condicionam o processo de secagem e têm uma grande influência no nível atingido pela humidade ascensional. Em locais com elevada humidade relativa a evaporação far-se-á com maior dificuldade e, consequentemente, haverá uma maior progressão da frente húmida. Pelo contrário, quando a humidade relativa é baixa, a evaporação será máxima e a altura de progressão de humidade será menor. Não existindo grande diferença entre a temperatura do ar interior e a da superfície interior das paredes, para uma humidade relativa elevada (próxima dos 100%), a diferença de concentração Cs' − Ca' tende para zero.O fluxo de secagem podeser definido pela seguinte equação:
em que:
g -Densidade de fluxo kg/(m2.s)
β - Coeficiente de transferência superficial de humidade m/s
Cs' - Concentração de vapor de água à superfície kg/(m3)
Ca' - Concentração de vapor de água no ar kg/(m3)
A insolação ao alterar a temperatura superficial conduz a diferentes alturas de progressão da frente húmida de acordo com a orientação geográfica das paredes, paredes orientadas a Norte apresentarão maior progressão da humidade quando comparadas com paredes orientadas a Sul. A cor, que condiciona o coeficiente de absorção da radiação, provoca também uma alteração da temperatura superficial, o processo de secagem e o nível atingido pela frente húmida ascende.
A cristalização dos sais altera a porosidade dos materiais e aumenta a capilaridade sendo dependente dos sais envolvidos e do tamanho e arranjo dos poros. A temperatura terá alguma influência no processo, especialmente porque a solubilidade dos sais depende da temperatura.
A porosidade de um material corresponde à razão entre o volume total de vazios (poros e canais) e o seu volume total aparente. Praticamente todos os materiais utilizados em fachadas apresentam porosidade aberta, sendo a facilidade de embebição dos materiais pela água diretamente relacionada com a sua porosidade. De uma maneira geral, quanto maior a porosidade maior a capilaridade.
A altura de progressão de humidade ascensional estabiliza quando o fluxo através da secção absorvente iguala a evaporação total da parede, isto é, a quantidade de água que "entra" por absorção vai ser igual à quantidade de água que "sai" por evaporação.
A espessura das paredes condiciona a altura atingida pela humidade ascensional. Com base em estudos de simulação é possível afirmar que a altura atingida pela frente húmida aumenta significativamente quando se passa de uma espessura de 0,20 m para 1,00 m (Figura 2).
De um modo geral pode dizer-se que sempre que se impermeabiliza uma parede diminuem-se as condições de evaporação e, consequentemente, aumenta-se o nível da humidade ascensional, até que um novo equilíbrio seja alcançado, como se evidencia na Figura 3.
Na Figura 4 apresenta-se um estudo de sensibilidade sobre o nível atingido pela frente húmida em cinco configurações de paredes.Os resultados são claros e permitem afirmar que quanto menos permeável ao vapor é o revestimento (caso da configuração D com azulejo vitrificado), mais elevado é o nível atingido pela frente húmida
Ref. Configurações
A Parede monolítica de pedra com 0,40 m sem revestimento
B Parede monolítica de pedra com 0,40 m com reboco à base de gesso numa das faces
C Parede monolítica de pedra com 0,40 m com reboco à base de ligantes hidráulicos numa das faces
D Parede monolítica de pedra com 0,40 m com reboco à base de ligantes hidráulicos, numa das faces, associada a azulejo
E Parede monolítica de pedra com 0,40 m com reboco à base de gesso numa das faces, associada a 60 cm de azulejo
2. METODOLOGIAS DE TRATAMENTO
Algumas das metodologias de tratamento mais correntes são a execução de corte hídrico (introdução barreiras físicas, introdução barreiras químicas ou introdução de espaço de ar); ocultação das anomalias (aplicação de revestimento com porosidade e porometria controlada ou aplicação de forra interior separada por um espaço de ar; electro osmose; introdução de tubos de Knappen e ventilação da base das paredes (natural ou higroregulável).A eficácia destas soluções nem sempre é adequada, pelo que devem ser equacionadas as possibilidades de sucesso, de cada uma das técnicas, a dificuldade de aplicação e o custo da intervenção.
2.1 Execução de Corte Hídrico
O que se pretende é estabelecer uma barreira contínua, na base das paredes, que impeça a ascensão capilar, que pode ser constituída por barreiras físicas (metálicas, betuminosos, materiais impermeáveis, etc.) ou barreiras químicas.
Barreira física - substituição parcial da alvenaria: Este procedimento consiste na substituição de partes da alvenaria por materiais impermeáveis. Começa-se por demolir a alvenaria, por pequenos troços com cerca de 50 cm de desenvolvimento, em toda a espessura da parede, e substituí-la por materiais impermeáveis.Este método, embora eficaz é de difícil e morosa execução e aplicável apenas em paredes constituídas por elementos pequenos e regulares (Figura 5 A1).Estes métodos têm como inconvenientes a produção de vibrações e eventual instabilidade.
Barreira física - método de Massari: O método de Massari baseia-se na execução de carotagens sucessivas em troços de cerca de 45 cm a 50cm de comprimento. Realiza-se uma primeira série de furações tangentes umas às outras e posteriormente executa-se uma segunda série com centros nos pontos de tangência anteriores (Figura 5 A2). Após a realização das furações é efetuada a limpeza e procede-se ao seu preenchimento com materiais impermeáveis à água. Aguarda-se o endurecimento da argamassa e avança-se para o troço seguinte.
Barreira física - método de Schöner-Turn: Esta técnica consiste na introdução de chapas de aço inoxidável onduladas nas paredes a tratar, com recurso a martelos pneumáticos (Figura 5 A3). Esta metodologia limita-se a alvenarias constituídas por elementos regulares tais como tijolos ou pedra aparelhada, com juntas horizontais contínuas e bem definidas. É de referir que a utilização desta técnica tem como limitação as vibrações provocadas pelos martelos pneumáticos.
Barreira química: O aparecimento de novos materiais sintéticos permite a execução de barreiras químicas (por difusão ou injeção) nas estruturas porosas dos materiais que constituem as paredes. Estas barreiras devem ser localizadas o mais próximo possível do nível do terreno. Para proceder à introdução dos produtos executam-se furos ao longo da parede, afastados de 10cm a 20cm e com uma profundidade de aproximadamente 1/3 da espessura da parede. No caso de se perfurar apenas de um dos lados a profundidade deve ser de 2/3 da espessura da parede (Figura 6)
Após a realização da furação inicia-se a introdução dos produtos por difusão ou injeção (Figura 6 (B) ). Neste caso o produto será introduzido na parede com o auxílio de um equipamento de pressão que estará diretamente ligado ao conjunto de tubos introduzidos na furação efetuada.
Introdução de espaço de ar: Esta técnica consiste em reduzir a secção absorvente, substituindo parte do material por um espaço de ar. A água absorvida poderá assim evaporar-se mais facilmente através das aberturas criadas, para além de reduzir a quantidade de água absorvida. Embora seja uma ideia interessante é uma técnica pouco usada, por razões arquitetónicas e estruturais e por ser de difícil aplicação em edifícios com paredes muito espessas.
2.2 Ocultação das Anomalias
Aplicação de revestimento com porosidade e porometria controlada: Quando não há possibilidade de atuar sobre as causas que estão na origem da humidade ascensional, pode optar-se por um processo alternativo que consiste na colocação de materiais porosos no exterior da parede (com porosidade e porometria controlada), de forma a facilitar as condições de evaporação à superfície dos diversos elementos e a cristalização dos sais, sem gerar degradação, por exemplo, através da realização de rebocos com subcamadas com características distintas (Figura 7 (A)). A cristalização de sais ocorre sem degradação da estrutura porosa podendo, no entanto, conduzir ao aparecimento de eflorescências
Aplicação de forra interior separada por um espaço de ar: Este método baseia-se não na atuação sobre as causas do problema, mas sim na sua ocultação. Consiste na execução de uma forra pelo interior, de pequena espessura, afastada da parede em cerca de 10cm, sem que haja qualquer ponto de contacto físico com esta. O espaço de ar entre a parede e a forra deve ser ventilado para o exterior, através de orifícios localizados a diferentes níveis. A base deve ser impermeável de forma a não haver continuidade hídrica (Figura 7 (B)). Não é recomendável ventilar o espaço de ar para o interior do edifício.Esta técnica apresenta, entre outros, o inconveniente de reduzir a área útil, ocultar a parede original e obrigar ao ajuste de qualquer dispositivo aplicado na parede.
2.3 Electro - Osmose
Os sistemas eletro-osmóticos criam um potencial elétrico contrário ao potencial capilar. Utilizam-se técnicas ativas, semi-passivas e passivas, qualquer uma delas com eficácia reduzida.
2.4 Introdução de Tubos De Knappen
Este método consiste na introdução de tubos que facilitam o processo de ventilação e/ou secagem e diminuem o potencial capilar.Por ser muito económico, este sistema foi muito utilizado mas com pouco sucesso. Além da reduzida eficácia, razões estéticas condicionam a aplicação.
2.5 Ventilação da Base das Paredes
Muitas das técnicas já descritas, correntemente utilizadas para minimizar a humidade ascensional, não se têm mostrado eficazes quando se pretende tratar paredes com espessura considerável e com uma grande heterogeneidade na sua composição, como é o caso do património monumental e dos edifícios antigos.O Laboratório de Física das Construções (LFC) da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) tem desenvolvido investigação experimental com o objetivo de validar a eficiência de uma técnica de tratamento da humidade ascensional que consiste em ventilar a base das paredes recorrendo à instalação de um dispositivo mecânico higroregulável (Figura 8). Procura-se aumentar a evaporação através da execução de canais periféricos ventilados. Esta técnica deve ser usada quando a cota da fundação da parede se situar acima do nível freático.
Todas as técnicas de tratamento face à humidade ascensional, descritas anteriormente, têm vantagens e inconvenientes. O corte hídrico realizado através da execução de barreiras físicas gera vibrações que podem provocar problemas de estabilidade; a introdução de produtos hidrófugos ou tapa-poros dificilmente é eficaz quando se tratam de paredes muito espessas e muito heterogéneas, como é normalmente o caso de edifícios antigos; a aplicação de revestimentos com porosidade e porometria controlada tem várias limitações, nomeadamente não ser aplicáveis em paredes não rebocadas; a aplicação de forra, separada da parede por um espaço de ar, será com certeza eficaz se corretamente executada, mas provoca uma diminuição da área e não permite a visualização da parede original. A ventilação higroregulável da base das paredes é uma técnica com grandes potencialidades no tratamento da humidade ascensional de edifícios antigos, sendo necessário garantir que a ventilação não é efetuada para o interior dos edifícios.
3. VENTILAÇÃO HIGROREGULÁVELDA BASE DAS PAREDES
3.1 A ideia
Esta nova técnica consiste em ventilar a base das paredes através da instalação de um dispositivo higroregulável associado a um ventilador, que conduz a um aumento da evaporação e a uma redução do nível atingido pela frente húmida. Isto é possível somente quando o nível freático é mais baixo do que a base da parede (Colombert, R., 1975).
3.2 Validação do sistema de ventilação
Validação experimental: Com o objetivo de validar experimentalmente a tecnologia, mediu-se em laboratório o perfil da humidade relativa em paredes de pedra (calcário) com 20 cm de espessura, sem o sistema de ventilação, colocando areia em ambos os lados da parede até uma altura de 45 cm acima da sua base (configuração 1) e em paredes com um sistema de ventilação da base das paredes, colocando um canal de ventilação em ambos os lados (configuração 2).
Na Figura 10 representam-se esquematicamente as configurações utilizadas, bem como os perfis da humidade relativa na secção situada a 61,5 cm (nível 9) acima da base da parede (Torres, M. I. Mi., Freitas, V. P. de., 2004). Os resultados experimentais mostram que a colocação do sistema de ventilação, em ambos os lados, não permite que a frente húmida atinja esse nível.
Validação numérica: Com o objetivo de comparar os resultados experimentais com os resultados numéricos, foram efetuadas simulações com recurso ao programa "WUFI 2D", desenvolvido no Fraunhofer Institute of Building Physics, que permite efetuar uma análise 2D de transferência de calor e de humidade em elementos de construção.Nas simulações efetuadas foram introduzidas as propriedades dos materiais determinadas experimentalmente no Laboratório de Física das Construçõesbem como as condições do interior do Laboratório. Os resultados das simulações correspondentes às configurações 1 e 2 são apresentados na Figura 11. Na configuração 2, com ventilação, a humidade alcançou um nível claramente inferior ao alcançado na configuração 1(Torres, M. I., Freitas, V. P. de., 2004). Os resultados experimentais e numéricos conduzem a resultados similares e permitiram concluir que um sistema de ventilação na base das paredes reduz o nível atingido pela frente húmida.
Validação "in situ": Instalou-se um sistema de ventilação na base das paredes de uma Igreja onde a admissão de ar é realizada por uma abertura exterior e a exaustão é controlada por um sistema de ventilação higroregulável (Figura 12 (A)).Na face interior das paredes foi colocado um canal imediatamente abaixo do lajeado de granito (Figura 12 (B)).
O funcionamento do sistema de ventilação tem duas sondas que medem a humidade relativa e temperatura do ar à entrada e à saída do sistema, sendo o diferencial de pressão que aciona odispositivo de ventilação. O sistema é interrompido quando não há secagem, isto é, quando o ar admitido pode gerar condensação no canal. O sistema retirou maior quantidade de água durante o Verão, sendo a quantidade de água retirada (em fase vapor), durante um ano, na ordem dos 400 kg. A conceção e dimensionamento dos sistemas exige o recurso a modelos avançados desenvolvidos pelo LFC que permitem dimensionar os principais parâmetros envolvidos (Guimarães, A. S., Delgado, J. M. P. Q., Freitas, V. P. de, 2010).
4. SISTEMA PATENTEADO
O sistema higroregulável patenteado - HUMIVENT é composto por: um módulo de controlo; duas sondas de humidade relativa e temperatura (ar admitido e extraído). O módulo de controlo recebe informação das duas sondas, que registam a humidade relativa e a temperatura à entrada e à saída, e utiliza a psicrometria para calcular a respetiva pressão de vapor de água. Avaliado o sinal positivo ou negativo do diferencial de pressão, entre a saída e a entrada e o valor mínimo da humidade relativa à entrada, liga ou desliga o(s) ventilador(es). A extração é controlada por ventilador(es) de velocidade variável que entra(m) em funcionamento sempre que a pressão de vapor de água à entrada é inferior à pressão de vapor de água à saída e a humidade relativa do ar à entrada é superior a um valor pré-definido.O sistema compreende canais periféricos enterrados, adjacentes à base das paredes do edifício, onde a circulação de ar é forçada por um ventilador acionado por uma unidade de controlo (Figura 13).
Este sistema poderá ser aplicado não só no controlo e tratamento da humidade ascensional em edifícios, como também no processo de secagem de paredes após inundações/cheias, no controlo da humidade relativa de desvãos sanitários e em desvãos de coberturas.
5. CONCLUSÕES
As principais conclusões deste estudo são as seguintes: O conhecimento dos mecanismos de transferência de humidade é essencial para entender as patologias associadas à humidade ascensional; a humidade ascensional é um dos fatores de maior degradação dos revestimentos de paredes; camadas impermeáveis ao vapor na face das paredes fazem aumentar o nível atingido pela humidade ascensional; a ventilação da base das paredes é uma técnica simples que apresenta um grande potencial na prática;estudos experimentais mostraram que a colocação de um sistema de ventilação em ambos os lados da parede conduz a uma diminuição do nível atingido pela humidade ascensional; a validação numérica conduziu a resultados similaresaos resultados laboratoriais; um sistema higroregulável é fundamental para evitar condensações e cristalização/dissolução inconvenientes.
Na prática é necessário efetuar a concessão/dimensionamento dos sistemas, higroreguláveis o que exige o recurso a modelos avançados que permitam dimensionar os principais parâmetros envolvidos: comprimento do canal, altura do canal, velocidade de circulação do ar.