1. INTRODUÇÃO
O ensaio de resistência à compressão é bastante utilizado na engenharia para controle de obra e verificação do dimensionamento do concreto. A Norma Brasileira (NBR 12655, 2006), por exemplo, estabelece como critério para controle de aceitação do concreto os ensaios de resistência à compressão e de consistência (abatimento do tronco de cone). Sabe-se que alguns fatores interferem nessa propriedade do concreto endurecido, como a quantidade de água, o tipo de agregado, a condição de cura e a idade da amostra (Silva, 2009; Helene, 2011; Solís et al, 2012; Medeiros et al, 2012; Gayarre et al, 2014). No Brasil, é comum a utilização de diferentes tipos de cimentos nas construções e, devido a inclusão de adições minerais na própria fabricação, esses cimentos apresentam composições químicas e físicas distintas entre sí, resultando em diferentes propriedades do concreto, inclusive com alterações na resistência mecânica.
Apesar da importância desse ensaio, a necessidade de inserir o fator durabilidade no dimensionamento tem estimulado o desenvolvimento de novos modelos (Andrade, 2004) para a predição da vida útil de estruturas de concreto. Para isso, o uso de dados provenientes de ensaios não destrutivos é incentivado. Sabe-se que a resistividade elétrica é um parâmetro relacionado com a permeabilidade, e consequentemente, com a resistência do concreto à penetração de agentes agressivos, tais como o dióxido de carbono e os cloretos (Andrade e D’Andrea, 2011).
A Resistividade Elétrica Superficial (RES) pode ser monitorada no tempo através de métodos de ensaios não destrutivos, de baixo custo e de fácil execução. O método dos quatro pontos, também conhecido como método de Wenner, consiste na técnica mais conhecida e empregada para a obtenção da RES do concreto (Andrade e D’Andrea, 2011; Lübeck et al, 2012). Trata-se de um parâmetro interessante para uso na modelagem de vida útil de estruturas de concreto, principalmente devido à praticidade de execução. A característica não destrutiva do ensaio permite a sua contínua reprodução para monitoramento da qualidade do concreto, sem comprometer a integridade física da estrutura.
Diversos estudos (Alonso et al, 1988; Andrade et al, 1996; Gulikers, 2005; Ghods et al, 2007) consideram a RES como um fator importante que afeta a velocidade ou taxa de corrosão das armaduras do concreto.
A resistividade indica a habilidade do material em transportar cargas elétricas. Esse parâmetro é definido como o inverso da condutividade (Halliday e Resnick, 1994). Portanto, é de se esperar que cimentos com adições diferentes em sua composição influenciem nas medidas de RES.
Sendo assim, o objetivo deste estudo foi analisar a influência de quatro tipos de cimento brasileiros na resistência à compressão e na RES de amostras de concreto, buscando uma correlação entre esses ensaios.
Outros autores (Santor et al, 2012) realizaram ensaios de resistividade elétrica em amostras de concreto com diferentes tipos cimento, porém com a intenção de avaliar a influência de materiais de proteção. Em suas análises, esses autores não utilizaram cimento com escória de alto forno e ficou claro nos resultados que o tipo de cimento altera a resistividade elétrica do concreto.
Alguns outros estudos (Pereira, 2001; Tessari, 2001; Crauss, 2010) também já verificaram variações na resistência à compressão do concreto de acordo com o tipo de cimento utilizado. Porém, não foram encontrados trabalhos que avaliem a influência de uma variedade considerável de tipos diferentes de cimentos, mantendo-se todos os outros parâmetros do concreto constantes, inclusive sem a utilização de aditivos químicos, como o proposto pelo presente artigo.
2. PROGRAMA EXPERIMENTAL
Foram moldados corpos de prova cilíndricos (100 mm de diâmetro por 200 mm de altura) e cúbicos (arestas de 250 mm) para realização dos ensaios de resistência à compressão e Resistividade Elétrica Superficial (RES), respectivamente. A preparação dos corpos de prova utilizados no ensaio de resistência à compressão foi realizada conforme Normas Brasileiras (NBR 5738, 2003; NBR 5739, 2007). A escolha da dimensão dos corpos de prova utilizados no ensaio de RES foi baseada nas recomendações de outro estudo (Gowers e Millard, 1999), que leva em consideração as dimensões mínimas necessárias para que as linhas de correntes geradas pelo equipamento no interior do concreto se fechem e, dessa forma, não ocasionem alterações nos valores obtidos durante o ensaio. Os materiais e as proporções utilizadas são apresentados na Tabela 1.
É possível observar na Tabela 1 que foram moldados corpos de prova para doze dosagens distintas de concreto, que diferem entre si pela quantidade de água (relações a/c de 0,4, 0,5 e 0,6) e pelo tipo de cimento (4 tipos). Todos as outras proporções foram mantidas constantes entre as diferentes dosagens investigadas. O tamanho máximo do agregado foi de 9,5 mm. Não foram utilizados aditivos químicos em nenhuma das amostras de concreto, por se acreditar que este tipo de material pode introduzir mudanças na resistividade elétrica do compósito cimentício.
Quatro tipos de cimento disponíveis comercialmente no Brasil foram utilizados. Esses materiais possuem composições químicas diferentes devido à presença ou não de adições. As seguintes Normas Brasileiras regem a especificação dos cimentos utilizados neste estudo: (a) CP II-F 32 - cimento Portland composto - especificação (NBR 11578, 1991); (b) CP III 40 RS - cimento Portland de alto-forno (NBR 5735, 1991) e cimentos Portland resistentes a sulfatos (NBR 5737, 1992); (c) CP IV 32 - cimento Portland pozolânico (NBR 5736, 1991); e (d) CP V ARI - cimento Portland de alta resistência inicial (NBR 5733, 1991).
As Tabelas 2 e 3 apresentam os limites da normalização vigente brasileira para as características química, física e mecânica dos cimentos utilizados no presente estudo.
Após a moldagem, os corpos de prova utilizados no ensaio de resistência à compressão permaneceram em câmara úmida (umidade relativa > 95%) para cura até as datas dos ensaios (7, 28 e 91 dias). As amostras usadas no ensaio de RES ficaram por um período de 28 dias na mesma câmara úmida. Passado esse período, foram realizados os primeiros ensaios de RES. Posteriormente, essas amostras permaneceram em ambiente de laboratório (temperatura 22 ± 3 oC e umidade relativa ± 65%) até a idade de 91 dias, quando foram realizados novos ensaios de resistividade.
A resistência à compressão de cada corpo de prova foi determinada segundo a Norma Brasileira vigente no Brasil (NBR 5739, 2007). Para tal, foi utilizada uma prensa hidráulica, equipada com sistema de pratos com 200 toneladas de capacidade para aplicação de carga.
Em relação ao ensaio de RES, foi executado o método dos quatro pontos. Um equipamento disponível comercialmente foi utilizado para o ensaio. O equipamento possui quatro contatos espaçados a igual distância (d = 0,05 m). Ao ser posicionado sobre a surpefície do corpo de prova, uma corrente elétrica é aplicada entre os dois contatos externos. A diferença de potencial resultante é medida pelos pelos dois contatos internos. O equipamento foi calibrado segundo as recomendações do fornecedor antes da realização de cada medida.
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
3.1 Resistência à compressão
A Fig. 1 apresenta os resultados do ensaio de resistência à compressão realizado nas doze amostras de concreto em 7, 28 e 91 dias.
Os resultados da Fig. 1 comprovam que a resistência à compressão do concreto diminui com o aumento de água na composição do concreto. Esse comportamento também foi identificado por outros autores na literatura (Mehta e Monteiro, 2005; Crauss, 2010; Aït-Mokhtar et al, 2013; Koenders et al, 2014). Alguns autores (Liu et al, 2013) observaram que esse comportamento também é válido para ensaios em pastas de cimento.
Conforme aumenta a idade das amostras de concreto, foi verificado um acréscimo na resistência à compressão. Para a amostra de concreto com cimento CP III 40 RS e relação a/c 0,4, por exemplo, a resistência aos 91 dias de idade foi 52,4% maior que a resistência do mesmo concreto aos 7 dias.
A Fig. 1 também indica que os tipos de cimentos tem influência na resistência do concreto. As amostras compostas por cimentos com maiores teores de adições (isto é, CP IV 32 e CP III 40 RS) apresentaram menores valores de resistência à compressão. Esses resultados estão de acordo com outros estudos (Khatib e Hibbert, 2005; Oner e Akyuz, 2007; Lübeck et al, 2012). No entanto, o diferencial do presente artigo é que a única variação entre as amostras é o tipo de cimento, o que permitiu verificar a influência direta das adições na resistência mecânica dos concretos, sem a interferência de outras variáveis, como os aditivos químicos, por exemplo.
Observa-se também que para as amostras com relação água/cimento de 0,5 e 0,6 e idades de 7, 28 e 91 dias, o cimento CP V ARI apresentou maiores valores de resistência à compressão do que os demais cimentos. Entretanto, o cimento CP II-F 32 superou a resistência do cimento CP V ARI para a condição: a/c=0,40 e 91 dias de idade. Ao se secar o concreto, a quantidade de água que não evapora - isto é, a água que reagiu com os compostos cimentícios e formou os produtos de hidratação - é cerca de a/c ≈ 0,23 (Taylor, 1990). Porém, a relação água/cimento crítica, que permite que o cimento seja completamente hidratado, está entre 0,42 - 0,44. Isso ocorre porque a água também apresenta função física na reação de hidratação do cimento, originando espaço entre os grãos para que os produtos da hidratação possam se formar (Klein, 2012). Pode-se observar na Tabela 2 que o cimento CPV ARI possui menor teor de adições do que o CP II-F 32, ou seja, é mais puro e possui mais clínquer. Provavelmente por isso, o CP V ARI necessite de maior quantidade de água para dispersar os grãos e garantir a adequada reação de hidratação. Tal fato pode ter levado a maior resistência à compressão do CP II-F 32 aos 91 dias e a/c=0,40. Esse tipo de cimento, por ter menos clínquer, pode necessitar de menor quantidade de água para adequada dispersão e hidratação. De maneira geral, é provável que a resistência à compressão cresce à medida que são utilizados os seguintes tipos de cimento: CP IV 32, CP III 40 RS, CP II-F 32 e CP V ARI.
Apesar do cimento CP IV 32 apresentar os menores valores absolutos, o ganho de resistência à compressão (percentual em relação à idade de 7 dias) no tempo foi maior do que o aumento obtido pelas outras amostras. A Fig. 2 apresenta o crescimento percentual da resistência mecânica das amostras com o tempo.
Conforme a Fig. 2, as amostras com cimento CP IV 32 chegaram a obter variação na resistência à compressão de mais de 100%, ao comparar os resultados de 91 com 7 dias. Esse elevado ganho percentual se dá pois as reações de hidratação das adições são mais lentas do que as reações dos compostos do clínquer, porém progressivas. As amostras com cimento CP V ARI, por outro lado, apresentam elevada resistência inicial. Essa é uma característica do cimento CP V ARI e está relacionada com a elevada quantidade de clínquer presente na composição química do material (95 a 100%), como indica a Tabela 2. Apesar da alta resistência inicial, a Fig. 2 mostra que o cimento CP V ARI apresenta pouco ganho percentual de resistência com o tempo quando confrontadas com as demais amostras.
A Fig. 2 também mostra o ganho considerável (cerca de 75%) da amostra com cimento CP II-F 32 e relação a/c de 0,4. Conforme comentado antes, essa foi a amostra que apresentou maior valor absoluto de resistência à compressão.
3.2 Resistividade Elétrica Superficial (RES)
Foram determinadas a RES das amostras para as idades de 28 e 91 dias. Os resultados podem ser verificados na Fig. 3.
De acordo com a Fig. 3, foi identificado um acréscimo da RES com o tempo de ensaio para todas as amostras estudadas, indicando que essa variável tende a crescer no tempo devido à hidratação do cimento e o endurecimento progressivo do concreto. Esse comportamento está de acordo com outros estudos (Andrade e D’Andrea, 2011; Presuel-Moreno et al, 2013). Esses autores verificaram que nas primeiras horas de idade, o concreto apresenta valores mais baixos de RES principalmente devido à formação de uma pasta em suspensão após a mistura do cimento com a água.
Outros autores (Baweja et al, 1997; CCAA, 2009) também identificaram o aumento da RES do concreto no tempo, mas chamam a atenção para um efeito paralelo de redução desse parâmetro com o aumento do ingresso de cloretos no concreto. Além disso, a presença de sulfato (SO4--) na matriz do cimento também contribui para reduzir esse valor (Saleem et al, 1996).
Ao analisar um mesmo tipo de cimento e mesma idade de ensaio, é possível observar que a RES decresce à medida que a relação a/c aumenta (Fig. 3). Esse comportamento pode ser explicado pelo fato da solução de poro na estrutura interna do concreto funcionar como um condutor. Sendo assim, quanto maior a quantidade de água nas amostras - combinado com a maior permeabilidade do meio, ambos provenientes da maior relação água/cimento, tem-se uma maior condutividade no interior do concreto, resultando em menores valores de RES. Esses resultados estão em acordo com outros trabalhos (Olsson et al, 2013).
Conforme a Fig. 3, observa-se que a RES para os concretos com cimento CP III 40 RS foram superiores a das outras amostras. Tal comportamento pode ser atribuído à quantidade considerável de adições de escórias de alto forno na composição do cimento CP III 40 RS - cerca de 60-70% (Tabela 2). Essas adições contribuem para refinar os poros da microestrutura do concreto, resultando em menor condutividade das amostras, o que consequentemente ocasiona em maiores valores de RES.
De acordo com a literatura (Liu et al, 2013), sabe-se que há uma relação inversa entre a porosidade capilar e a resistividade relativa - razão entre a resistividade do material pela resistividade da solução dos poros (ρt/ρo) - em amostras de pastas de cimento. Essa relação é alterada com o grau de hidratação do cimento. Segundo os resultados desses autores, quanto menor a porosidade capilar, maior a resistividade relativa das amostras. Outros estudos (Gesoğlu e Özbay, 2007) mediram valores mais elevados de RES em amostras contendo escórias, ao comparar com concreto sem nenhuma adição.
Colaborando com as afirmações anteriores, segundo os resultados da Fig. 3, as amostras com cimento CP IV 32 foram as que obtiveram segundo melhor desempenho em termos de RES, comportamento explicado pela quantidade significativa de adições pozolônicas (15-50%) na composição do cimento (Tabela 2). Já os cimentos CP II-F 32 e CP V ARI apresentaram valores inferiores as demais amostras.
As Figs. 4 e 5 apresentam as correlações encontradas entre os resultados de resistência à compressão e a RES das amostras ensaiadas.
Conforme as Figs. 4 e 5, verifica-se que existe uma correlação entre a resistência mecânica e a RES do concreto, que é alterada com o tipo de cimento e com a idade do ensaio. Além disso, para todas as amostras, a curva de correlação que mais se ajustou aos dados foi do tipo logarítmica, com R2 bastante próximos a 1. Porém, deve-se ressaltar que o número de amostras para determinação dessas correlações não é amplo, o que dificulta realizar afirmações mais precisas a respeito do comportamento dos dados.
Outros estudos (Andrade e D’Andrea, 2011) também encontraram um ajuste logarítmico para correlações entre a resistência mecânica e a RES de uma amostra de concreto. No entanto, não são mencionadas as características do concreto ensaiado no estudo citado.
De acordo com as Figs. 4 e 5, a RES das amostras cresce à medida que a resistência mecânica aumenta, conforme também observado na literatura (Dinakar et al, 2007; Lübeck et al, 2012). Isso significa que com o aumento da densidade da matriz do cimento, devido ao progresso da hidratação, ambos, resistência mecânica e elétrica, tendem a crescer para todas as amostras de cimento verificadas.
4. CONCLUSÕES
De uma maneira geral, mantendo todos os outros parâmetros do concreto constantes, a resistência do concreto cresce à medida que são utilizados os seguintes tipos de cimento: CP IV 32, CP III 40 RS, CP II-F 32 e CP V ARI. Ressalta-se que particularmente para relação a/c de 0,4 e idade de ensaio de 91 dias, o cimento CP II-F apresentou maior resistência que o cimento CP V ARI.
O cimento CP IV 32 mostrou um maior ganho de resistência (percentual em relação à idade de 7 dias) com o tempo dentre as demais amostras estudadas. Esse comportamento é atribuído a reações de hidratação mais lentas, porém progressivas, ocasionadas pela presença de adições pozolânicas no concreto.
Foi observado que a RES aumenta no tempo e com a redução da relação a/c para todos os tipos de cimentos analisados. Os maiores valores de RES foram encontrados para as amostras com cimento CP III 40 RS, com alto teor de escória de alto forno. Essa adição contribui para refinar os poros do concreto, reduzindo a condutividade do meio, e proporcionando maiores valores medidos de RES.
A resistência à compressão e a RES das amostras crescem com a idade do concreto. Foi encontrada uma correlação do tipo logarítimica para essas variáveis, com R2 próximos a 1 em todos os casos que fizeram parte deste estudo.