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Revista interdisciplinaria de estudios de género de El Colegio de México

versión On-line ISSN 2395-9185

Rev. interdiscip. estud. género Col. Méx. vol.10  Ciudad de México  2024  Epub 02-Dic-2024

https://doi.org/10.24201/reg.v10i1.1148 

Artículos

“Enquadrando” a desigualdade e a igualdade de gênero: disputas e convergências entre deputadas no parlamento brasileiro

“Framing” Igualdad/Desigualdad de Género: disputas y convergencias entre parlamentarias brasileñas en el Congreso Nacional

“Framing” Gender Equality/Inequality: Disputes and Convergences Between Brazilian Parliamentarians in the National Congress

1Universidade Estadual de Maringá, Brasil, Maringá. ccralmeida@uem.br. soaresilva105@gmail.com.

2Universidade Estadual de Londrina, Brasil, Londrina. maithepotrich@gmail.com.


Resumen

Este trabajo analiza los discursos de diputados brasileños de diferentes campos ideológicos para comprender cómo la “desigualdad/igualdad de género” se plantea como un problema que merece una respuesta por parte del Estado. Buscamos conectar debates acerca de la representación política de las mujeres con los que han considerado al parlamento como espacio para el avance de las agendas feministas. Para ello, nuestra referencia es la tramitación de una Propuesta de Enmienda Constitucional (PEC) y un Proyecto de Ley (PL) que evocaban temas vinculados a los derechos de las mujeres. Es decir, la reforma de la seguridad social y la lucha contra la violencia política contra las mujeres. La fuente empírica incluye documentos oficiales elaborados durante la tramitación de estos proyectos, discursos parlamentarios, así como materiales publicados en la prensa. Consideramos que los discursos se construyen en contextos interactivos que involucran cooperación o disputa, además de que cruzan y conectan al Estado y la sociedad civil.

Palavras-chave: políticas de igualdade de gênero; teoria do framing; democracia paritária; representação política

Resumo

Este trabalho analisa os discursos de deputadas brasileiras de diferentes campos ideológicos para compreender como a “desigualdade e a igualda de gênero” são enquadradas como problemas que merecem respostas por parte do Estado. Procuramos conectar as discussões sobre a representação política de mulheres com as discussões que têm mirado o parlamento como um espaço para o avanço das pautas feministas. Para tanto, nossa referência é a tramitação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) e um Projeto de Lei (PL) que evocaram temas vinculados aos direitos das mulheres: reforma da previdência social e combate à violência política contra mulheres. A fonte empírica incluiu os documentos oficiais produzidos na tramitação dos referidos projetos, os discursos parlamentares, bem como materiais publicados na imprensa. Consideramos que os discursos são construídos em contextos interativos que envolvem cooperação e/ou disputa, que cruzam e conectam Estado e sociedade civil.

Palavras-chave: políticas de igualdade de gênero; teoria do framing; democracia paritária; representação política

Abstract

This article analyzes the speeches of Brazilian deputies from different ideological camps to understand how “gender inequality/equality” is framed as a problem that deserves a response from the State. We seek to connect discussions about the political representation of women with parliamentary debates as a possible space for advancing feminist agendas. To this end, our reference is the processing of a constitutional amendment proposal and a draft bill on issues linked to women's rights: social security reform and combating political violence against women. The empirical source includes official documents produced during the processing of these projects, parliamentary speeches, as well as materials published in the press. We argue that discourses are constructed in interactive contexts that involve cooperation and/or dispute, intersecting and connecting the State and civil society.

Keywords: gender equality policies; framing theory; paritarian democracy; political representation

Introdução1

Embora a presença de mulheres na política institucional seja diminuta no Brasil, desde a década de 1980, período que marca o fim da ditadura militar no país, os movimentos feministas fortaleceram-se crescentemente, alcançando de forma inédita voz pública na sociedade e presença nas instituições. Ao mesmo tempo, e também como reação a essas conquistas, os últimos anos foram marcados pela ascensão das forças e da agenda “neoconservadora” no país.2 Eles desenharam um contexto complexo e desafiador para as feministas brasileiras.

Em 2015, Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), a primeira presidenta mulher eleita para dirigir o país, começava a enfrentar uma campanha pelo seu impeachment que carregou forte teor misógino. No ano seguinte, seria destituída da Presidência por meio de um processo qualificado por uma parcela da opinião pública e da bibliografia especializada como um “golpe”. Em 2018, ocorreu o assassinato da vereadora feminista de esquerda Marielle Franco, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Marielle Franco, uma jovem e próspera liderança da esquerda, era negra, lésbica, de origem periférica e ativista de movimentos sociais dos direitos humanos. Ela expressava de maneira singular a pluralização pela qual passou o feminismo no Brasil, com crescente importância e presença do feminismo negro, e o processo de renovação das lideranças de esquerda no país. O crime, ainda não solucionado pela justiça por suspeitas de interferência política, obteve repercussão internacional e marcou profundamente o contexto brasileiro desde então. No final desse mesmo ano, Jair Bolsonaro, um líder da direita neoconservadora, foi eleito como Presidente da República, recrudescendo o combate às demandas feministas e aos direitos sociais então institucionalizados.

Desse modo, as feministas, outrora engajadas na proposição de novas legislações, viram-se às voltas com a tarefa de bloquear o avanço institucional dos projetos de lei fortemente marcados pelo neoconservadorismo então em voga no país. Os temas mais disputados entre feministas e conservadores foram a extensão dos direitos reprodutivos das mulheres e a descriminalização do aborto (Zaremberg e Almeida, 2022). No parlamento brasileiro, circulam várias propostas legislativas orientadas para a criminalização do aborto, inclusive em circunstâncias previamente garantidas por lei.

Nesse contexto, tramitaram também no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) e um Projeto de Lei (PL), focos deste artigo, que evocaram temas e questões relacionadas aos direitos das mulheres: a Proposta de Reforma da Previdência e o Projeto de Lei de Combate à Violência Política Contra a Mulher. Nossa proposta aqui é analisar como, no âmbito de tais iniciativas legislativas, a desigualdade e a igualdade de gênero foram “enquadradas” por parte das deputadas feministas e das de direita como problemas que merecem respostas do Estado. Com este trabalho, pretendemos contribuir com o debate sobre as disputas políticas travadas em torno dos significados atribuídos às desigualdades entre homens e mulheres, mirando o problema da representação substantiva de mulheres.

As duas iniciativas legislativas aqui escolhidas para análise nos permitem explorar, cada uma a sua maneira, como as parlamentares de distintos campos ideológicos lidam com, ou contornam, o desafio de reivindicar que as mulheres constituem um grupo específico que merece ser reconhecido para efeitos de direitos. Tal desafio implica interpelar o ideal fortemente arraigado na tradição jurídico-institucional dos Estados modernos de que os direitos devem se orientar por uma racionalidade imparcial e universalista3. Nessa direção, na legislação que visou alterar o regime da previdência, o desafio é o de construir a legitimidade para o tratamento diferencial de um grupo (as mulheres trabalhadoras) no debate de uma proposta que tinha como alvo, mais amplamente, o conjunto da população trabalhadora do país. Na legislação sobre violência política, o desafio é o de justificar a necessidade de criação de uma lei para proteger de um tipo específico de violência (a violência política), um grupo também específico, as mulheres. Assim, nos interessou analisar como, mediante esses desafios, os enquadramentos para a igualdade e a desigualdade de gênero foram objetos de disputas entre parlamentares mulheres de distintos campos ideológicos. Ao analisar tais disputas, este estudo objetiva também contribuir com o debate sobre as oportunidades e os constrangimentos que deputadas feministas vêm encontrando para ampliar sua audiência receptiva no parlamento num contexto marcado, simultaneamente, pelo fortalecimento da agenda neoconservadora no Brasil e pelo crescimento e pluralização das vozes feministas no país.

Para cumprir seus objetivos, o artigo está organizado em cinco partes. Na primeira, esclarecemos as fontes e procedimentos utilizados na pesquisa, bem como o uso que faremos do “enquadramento” como ferramenta metodológica. Na segunda, buscamos conectar nossa discussão com o tema da representação política de mulheres e do parlamento como terreno para a promoção da agenda de gênero. Nas terceira e quarta partes, apresentamos e analisamos os dados coletados sobre as iniciativas legislativas alvos de nossa atenção. Finalmente, na quinta, apresentamos as considerações finais, procurando alinhavar argumentos derivados dos dados empíricos.

1. Notas metodológicas sobre “enquadramentos”, procedimentos e fontes de pesquisa

No Congresso Brasileiro, as Propostas de Emendas Constitucionais (PECs) referem-se às iniciativas legislativas que visam alterar artigos da Constituição e possuem um processo de aprovação mais longo que os Projetos de Leis (PLs), que têm como objetivo criar ou alterar leis vigentes sem impactos ao estabelecido na lei magna. No caso das iniciativas selecionadas para análise neste artigo, ao que se refere a mudanças no regime previdenciário, é uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 6/2019), denominada aqui PECPrev. Ao que se refere à violência política contra mulheres, é um Projeto de Lei (PL 349/2015), que iremos denominar PLVPol.

Cabe sublinhar que nossa atenção não recairá, propriamente, no processo institucional de tramitação da PECPrev e do PLVpol. Entretanto, este entrará no raio de nossa atenção na medida em que for importante para entender o contexto em que os discursos sobre essas iniciativas legislativas foram produzidos; bem como para compreender os constrangimentos e os incentivos que o parlamento brasileiro oferece para a promoção da agenda de gênero. Afinal, os discursos que iremos analisar foram construídos em contextos interativos que envolveram cooperação e/ou disputa que, por sua vez, foram modeladas por recursos institucionais específicos que as forças em jogo conseguiram acionar.

As interações mediante as quais os discursos sobre as iniciativas foram produzidos, em muitos momentos, cruzaram e conectaram Estado e sociedade civil. Cabe registrar que, no caso do PLVpol, a participação da sociedade civil durante a sua tramitação esteve mais concentrada na interação com os institutos de pesquisa AzMina e Marielle Franco, cujos relatórios ajudaram a dar robustez aos pareces parlamentares. O tema da violência política contra as mulheres, naquele momento, gerou maior repercussão entre as mulheres que estavam na política do que no público em geral4. Já no caso da PECPrev, a participação da sociedade civil no seu debate ganhou contornos mais densos, sobretudo durante a sua tramitação. A razão para isso está, em parte, no fato de que essa pauta impacta profundamente os conflitos distributivos, tendendo a engajar públicos mais amplos no seu debate.

Procuramos analisar nos discursos das deputadas como os temas da desigualdade e da igualdade de gênero foram construídos -ou contestados- como problemas, bem como compreender as soluções que lhes foram endereçadas, considerando os recursos institucionais específicos oferecidos pelo parlamento no Brasil para a promoção da agenda de gênero desde a perspectiva feminista. Igualdade de gênero pode ser entendida como a busca por igualdade de oportunidades, por exemplo, ou como a transformação de toda a estrutura que determina o que é ser homem ou mulher (Walby, 2005).

Para explicar essas variações e como elas se traduzem em políticas públicas voltadas para a igualdade de gênero, a “análise crítica de enquadramentos” foi proposta para analisar dinâmicas de poder relacionadas ao discurso na elaboração de políticas, verificando diferentes representações que os atores sócio-políticos fornecem sobre problemas e suas soluções (Van der Haar and Verloo, 2016, p.1). Como definido por Verloo (2004), a análise de enquadramentos permite captar as diferentes definições atribuídas à igualdade e à desigualdade de gênero, bem como as soluções apresentadas para estes problemas e eventuais inconsistências políticas nos discursos sobre políticas públicas para mulheres. Conforme Verloo e Lombardo,

[...] os quadros de políticas que operam tanto explicitamente e implicitamente no discurso dos atores políticos levam estes últimos a selecionar e focar a atenção em certas questões, argumentos e atores, enquanto ao mesmo tempo ignorar ou marginalizar outros. A consciência das inconsistências e exclusões nos discursos políticos pode ser uma ferramenta poderosa para aprimorar a formulação de políticas de gênero e minimizar processos de exclusão (2007, p. 38).

Um ponto central na análise dos enquadramentos sobre igualdade e desigualdade de gênero refere-se ao problema da legitimidade de “quem fala” ou “deve falar” sobre o assunto (Walby, 2005; Verloo e Lombardo, 2007, p. 34). E, nesse ponto, também nos interessa compreender como as deputadas dos diferentes campos políticos buscaram seu reconhecimento como representantes legítimas para falar sobre os problemas que afligem as mulheres.

Para localizar as deputadas brasileiras no espectro ideológico, nos guiamos pelo seu pertencimento partidário, com base na classificação que Bolognesi, Ribeiro e Codato (2023) apresentaram para distribuir os partidos políticos brasileiros no seguinte continuum: extrema esquerda, esquerda, centro esquerda, centro, centro direita, direita e extrema direita5. Cabe sublinhar, entretanto, que o qualificativo “extrema” que os autores utilizaram para localizar os partidos nesse continuum tem um sentido posicional e relacional. Ou seja, esse qualificativo indica a distância que os partidos mantêm entre si no espectro ideológico. Assim, aqui, a localização de um partido nessa classificação em “extrema direita” ou “extrema esquerda” não tem relação direta ou automática com a ideia de “extremismos” ou “fundamentalismos”. As deputadas serão citadas nas próximas sessões em correspondência com a localização de seu partido naquele espectro. Serão consideradas feministas aquelas que assim se autodenominam. No caso específico dos debates das iniciativas de leis aqui analisadas, apenas deputadas do campo de esquerda deixaram explícita sua filiação ao feminismo.

Por fim, fizemos uso de análise documental para esta pesquisa. A fonte empírica incluiu os documentos oficiais disponíveis no site do Congresso Nacional relativos à tramitação dos projetos de leis analisados, nos quais os discursos sobre eles foram registrados, na forma de vídeo ou na forma escrita. Também utilizamos informações disponíveis nos sites das deputadas e materiais divulgados na imprensa e na internet que forneceram registros do debate que se desenrolou em torno das iniciativas legislativas analisadas.

2. Representação política de mulheres

A defesa do aumento da representação descritiva de mulheres nos espaços decisórios sempre esteve, de alguma maneira, acompanhada pelo argumento de que ela impactaria a representação substantiva, alterando os resultados políticos em favor daquele grupo, tornando-o reconhecido para efeitos de direitos (Franceschet, 2008). A despeito disso, há muitas controvérsias em torno das justificativas teóricas mobilizadas para amparar as relações entre representação descritiva e substantiva, como aquelas implicadas com a essencialização das mulheres como grupo. Além disso, existe um debate importante baseado em achados empíricos que perscruta “sob que condições” e contextos específicos a maior presença de mulheres na política implicaria resultados políticos favoráveis a elas. Os vínculos entre representação descritiva e representação substantiva continuam, portanto, objetos de interrogação.

Fundada nos trabalhos de Rosabeth Moss Kanter e Drude Dahlerup, a tese da “massa crítica” busca oferecer a esse debate algumas chaves para a compreensão daqueles vínculos. Ela estabelece que as mulheres passariam a ter impacto efetivo sobre os resultados políticos apenas quando sua presença nas instituições chegasse a um certo número que permitisse a formação de coalizões capazes de interpelar os estereótipos de gênero (Childs e Krook, 2008). Entretanto, baseadas num conjunto de estudos que apresentou evidências e posições controversas sobre a tese da “massa crítica”, Childs e Krook (2008) sugerem que, antes de supormos que haverá alianças entre mulheres conforme seu número aumente no parlamento, devemos priorizar perguntas sobre “como” ocorre a representação substantiva das mulheres, deslocando nosso foco analítico do “macro” para o “micro”, mirando no que as atrizes e atores políticas realmente fazem.

Nessa direção, dialogando com a tese da “massa crítica”, Rezende (2021) argumenta que a capacidade das parlamentares influenciarem o processo político depende também da existência de recursos institucionais, como bancadas ou comissões de mulheres, que favoreçam a formação de uma identidade coletiva e possibilitem coordenação de ação. Assim, os dispositivos institucionais disponíveis e a disposição das mulheres para agirem conjuntamente importariam. Não por acaso, os chamados “órgãos parlamentares centrados no gênero” (tradução livre de gender-focused parliamentary bodies) vieram ganhando espaço na agenda de debate sobre representação política de mulheres na medida mesmo em que se proliferaram em vários países. A presença dessas inovações tem sido considerada indicadora de recursos que favoreceriam o avanço da agenda de gênero no parlamento, ao proporcionarem espaço e legitimidade para uma deliberação conduzida pelas perspectivas das mulheres e ao funcionarem como uma porta de entrada para diversos grupos de mulheres acessarem o processo legislativo. Mas, como alertam algumas análises, sua efetividade para promover a coordenação da ação de mulheres no parlamento depende das tradições parlamentares vigentes em cada paíse, também, do grau de suas clivagens partidárias. As mulheres no parlamento podem ter, afinal, diferentes pertencimentos partidários, pertencerem a distintos grupos raciais e de classes (Sawer, 2023; Krook e Norris, 2023)6.

No Brasil, a Bancada Feminina é conhecida desde a década de 1980, quando as mulheres de diferentes partidos e matizes ideológicas buscaram coordenar ações para influenciar a elaboração da nova Constituição (Rezende, 2021). Entretanto, somente em 2013 ela foi reconhecida como uma estrutura organizacional que faz parte do Congresso Nacional. Três anos depois, em 2016, foi criada a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, que passou a ter jurisdição em questões relativas às mulheres. A pesquisa de Barreira com deputadas brasileiras mostra que a Bancada Feminina é um espaço de agenciamento das representantes que se organizam “no difícil equilíbrio estratégico entre identidades partidárias e solidariedade de gênero” (Barreira, 2021, p. 614). Como um coletivo baseado no gênero, a bancada feminina é conformada por tensões relativas às clivagens ideológicas.

É digno de nota que esses recursos foram criados num momento um pouco anterior às eleições de 2018, em que houve um aumento de deputadas eleitas. Naquelas eleições, as mulheres passaram de 51 a 77. A heterogeneidade partidária e ideológica das mulheres parlamentares ficou mais acentuada nas últimas eleições e, embora minoria no parlamento, suas vozes tornaram-se centrais no embate público entre as esquerdas e as direitas no país. Na legislatura que tramitaram as duas iniciativas de leis aqui analisadas (que se iniciou em 2019 e terminou em 2022), considerando a classificação dos partidos proposta por Bolognesi, Ribeiro e Codato (2023), o Congresso Nacional brasileiro estava assim composto no que diz respeito à disposição dos vínculos partidários das mulheres parlamentares: 8% extrema esquerda; 23% esquerda; 18% centro esquerda; 5% centro; 38% direita; 2% centro direita; 5% extrema direita7. Cabe notar que, embora, no geral, os partidos do espectro da esquerda costumem ter mais mulheres nas suas bancadas parlamentares, o Congresso brasileiro é composto por uma maioria de partidos do espectro da direita, o que deve ser levado em conta na análise das possibilidades de cooperação/disputa entre elas.

De todo o modo, se a teoria da massa crítica aposta no aumento do número de mulheres como fator a favorecer a agenda de gênero no parlamento, temos que considerar que, como diz Schreiber (2008), na medida em que o poder político das mulheres aumenta, também aumenta uma disputa entre quem representa seus interesses no processo de formulação de políticas. Nesse cenário, as feministas são desafiadas por antifeministas que também afirmam representar os interesses das mulheres. É esse o desafio vivenciado hoje pelas parlamentares feministas brasileiras e para o qual lançamos nosso olhar neste artigo.

3. Lei de combate à violência política contra a mulher

Para Krook e Restrepo (2016), a violência política contra as mulheres é uma manobra da sua participação política de resistência que ganha expressão em atos de violência, assédio e sexismo com a intenção de obrigá-las a se retirar da vida pública ou disciplinar o lugar e as maneiras específicas pelas quais elas devem ocupar e se comportar naquela esfera. Assim, esse tipo de violência também se expressa no “uso de estereótipos de gênero, com foco em seus corpos e papéis tradicionais, principalmente como mães e esposas, o que nega ou prejudica sua competência na esfera política” (Krook e Sanín, 2016, p. 139).

No Brasil, o tema entrou na agenda legislativa em 2015 e passou a ter um destaque crescente num contexto bastante desafiador e complexo para as feministas, tal como mencionado anteriormente. Diante dessa situação, o curioso é que a entrada do tema da violência política no legislativo brasileiro ocorre em 2015 por iniciativa de uma parlamentar do campo da direita. Nesse ano, a deputada Rosângela Gomes (2015), do Partido Republicano Brasileiro (PRB), apresentou ao Plenário da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n° 349/2015 (PL), aqui nominado PLVPol. Mulher negra, evangélica e de origem “humilde”, como ela mesma se qualifica8, é integrante da Bancada Evangélica e da Bancada Feminina do Congresso Nacional. Atualmente, coordena o PRB Mulher Nacional. Assim, podemos dizer que ela disputa em nome da direita evangélica o enquadramento da “defesa das mulheres”.

O PLVPol dispunha sobre o combate à violência e à discriminação político-eleitorais contra a mulher e, em sua justificativa, a autora enquadra a sub-representação política das mulheres como um problema a ser enfrentado pelo Estado brasileiro. Em sua percepção, fazia-se urgente garantir às mulheres uma trajetória política livre de barreiras preconceituosas. O combate à violência e à discriminação político-eleitorais contra a mulher foi enquadrado como uma solução para o problema da sub-representação desse grupo. Na redação inicial do PLVPol, violência e discriminação político-eleitorais são, respectivamente, descritas da seguinte forma:

Art. 2º (...) agressão física, psicológica ou sexual contra a mulher, eleita ou ainda candidata a cargo político, no exercício da representação política, com a finalidade de impedir ou restringir o exercício do seu cargo e/ou induzi-la a tomar decisões contrárias à sua vontade.

Art. 3º (...) atos (...) que façam distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo, em prejuízo do reconhecimento, gozo ou exercício dos direitos e das liberdades políticas fundamentais da mulher (Brasil, 2015, p. 01, grifo nosso,https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=946625).

A deputada ressaltou a juridicidade do seu projeto com base na Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), um tratado internacional que aborda a discriminação contra a mulher nos campos político, econômico, social, cultural e civil9. Vale notar que o tratado é resultado dos esforços feministas das décadas anteriores para incorporar “os direitos das mulheres” na agenda dos direitos humanos. É também digno de nota que, no PLVPol, o combate à violência política incluía dois eixos de opressão: sexo e raça. Assim, como um primeiro ponto a ser sublinhado, observamos que a deputada da direita pautou o tema da violência política contra mulheres no Congresso Nacional brasileiro mobilizando demandas feministas institucionalizadas em esferas transnacionais, bem como se valendo da importância que as desigualdades raciais adquiriram no debate público do país como resultado dos ativismos interseccionais, antirracistas e do feminismo negro. Vejamos os desdobramentos dessa iniciativa da deputada.

O PLVPol ficou parado alguns anos até que tramitou em duas comissões parlamentares: a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher (CMULHER) e a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). Na CMULHER, ele obteve parecer favorável de sua relatora, a Deputada Raquel Muniz, do Partido Social-Democrata (PSD), também de direita. A CMULHER foi o âmbito no qual as parlamentares fecharam os acordos em relação ao projeto, processo que contou com a liderança, a julgar pelos seus desdobramentos, das deputadas de direita, que lograram maior capacidade de articulação com os partidos mais próximos ideologicamente, estes, majoritários no parlamento brasileiro. A relatora enquadrou o combate à violência política como um caminho para tornar a sociedade brasileira mais igualitária e imprimir justiça e humanidade às relações sociais, incluindo outros eixos de opressão ao PLVPol. No parecer da relatoria, que foi aprovado por unanimidade na CMULHER, sugere-se que é preciso:

ir além no combate ao preconceito, ampliando-se as hipóteses de preconceito e garantindo o atendimento ao disposto no art. 3o, IV da Constituição Federal, segundo o qual constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (grifos nossos, https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2115579).

Podemos dizer que a importância da inclusão da “cor” como um marcador social se justifica pelo padrão da discriminação racial no Brasil, que é baseado no fenótipo e na aparência física das pessoas, ou seja, na sua cor (Nogueira, 1998). As opressões experimentadas pelas mulheres são atravessadas por diferentes eixos de opressão, entre eles racismo e sexismo, que impedem a constituição delas como sujeitos (Gonzalez, 1984).

Esse entrelaçamento se verifica, especialmente, nas eleições municipais de 2020. Nesta ocasião, o Instituto Marielle Franco fez um levantamento sobre os dados da violência política de gênero contra mulheres negras. Há exemplos de comentários violentos que assimilam a cor da candidata e outros aspectos físicos em termos pejorativos. Em contrapartida, descobriu-se que cada vez mais mulheres negras estão optando por se autodeclarar como pretas, com o objetivo de reforçar uma posição política em relação à sua cor. Daí o mérito de listar a cor entre as formas de discriminação combatidas pela Lei de Combate à Violência Política contra a Mulher. E, novamente, chamamos a atenção para o fato de que uma deputada do campo da direita mobiliza um marcador social que adquiriu importância no debate brasileiro em função dos ativismos interseccionais, antirracistas e do feminismo negro.

Em seguida, o PLVPol foi encaminhado para apreciação na CCJC sob relatoria da Deputada Shéridan Oliveira do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), também de direita. Observa-se, assim, que em toda a tramitação o PLVPol parece ter ficado sob a condução das parlamentares desse campo. Em seu relato favorável, mais uma vez, a ideia de igualdade figurou nos enquadramentos sobre o tema:

No mérito, manifestamo-nos favoravelmente à aprovação tanto do projeto original quanto da emenda aprovada pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher. As medidas ali propostas são relevantes e representarão mais um passo importante rumo à igualdade de direitos entre homens e mulheres no campo da representação política no Brasil (Brasil, 2018, p. 04, https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2151860).

Até 2018, o PL percorreu as instâncias da Câmara dos Deputados sem criar alardes na opinião pública, apesar do seu tema já ter obtido relevância anterior no cenário internacional10. No começo daquele ano, a Deputada Cristiane Brasil, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), de centro-direita, apresentou um novo projeto sobre o tema. O seu PL 9699/2018 estabelece a violência política contra mulheres como crime eleitoral, também buscando justificativa em convenções internacionais.11 O que chama a atenção nesse projeto é que, na sua redação, a parlamentar da direita mobiliza termos típicos de enquadramentos feministas. Ela dirá que a baixa representatividade feminina na política se deve ao “processo histórico de sujeição ao patriarcado que impõe à mulher o óbice de participar da cena política, reservando-lhe, com exclusividade, o espaço doméstico” (Brasil, 2018, p. 05, grifo nosso)12. Além disso, o seu projeto fala de “violência de gênero”, e não “contra a mulher”, como então estava no projeto de Rosângela Gomes:

As brasileiras continuam inseridas num contexto de baixa representação política e diversas modalidades de violência em razão do gênero. Existe um hiato entre as conquistas formais (positivação) e a realidade material (efetivação) decorrente de questões estruturais da sociedade. A desigualdade na representação política ainda é preocupante, colocando em xeque a própria legitimidade do parlamento e a qualidade da democracia brasileira (Brasil, 2018, p. 03, grifo nosso, https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2168798).

Essa alteração dos termos utilizados para nomear a violência política não é trivial em termos de enquadramento. No primeiro PL, a discriminação é mobilizada em razão do sexo; no segundo, em razão do gênero. Essa diferença seria explorada no Plenário da Câmara dos Deputados em 2020, como veremos adiante. No momento, importa salientar a mobilização de termos típicos de enquadramentos feministas por uma deputada da direita, explicitamente apoiadora de Bolsonaro no período seguinte, quando este foi eleito, um político explicitamente alinhado com pautas antifeministas.

Para compreender esse contexto, temos que lembrar que, em 2016, já no governo instituído após o impeachment de Dilma Rousseff, a deputada em questão foi impedida pela justiça de assumir o Ministério do Trabalho pelo fato de já obter condenações na Justiça Trabalhista. Na época, Cristiane dizia-se vítima do machismo e valia-se dos pressupostos feministas para reverberar essa afirmação, estratégia que não demorou a ser invalidada por coletivos feministas13. No início de 2018, com a apresentação do PL mencionado, a deputada investe, assim, mais uma vez na estratégia de enquadrar como “machismo” a barreira jurídica que enfrentou para assumir um Ministério14.

Mas, em 2018, foi o assassinato já mencionado da vereadora Marielle Franco que dá novo impulso ao tema da violência política contra mulheres. No Congresso Nacional, novos projetos foram então apresentados por outras parlamentares e, em seguida, tal como o da Deputada Cristiane Brasil, apensados ao primeiro, da Deputada Rosângela Gomes. Ainda no parlamento, o PLVPol da Deputada Rosângela recebe moções de apoio de vereadoras filiadas a partidos de direita e de extrema-direita de algumas Câmaras Municipais.

Na sociedade civil, o engajamento em torno a essa pauta partiu de dois institutos de pesquisa, ambos de caráter progressista e feminista: AzMina e Marielle Franco. Durante os períodos eleitorais, eles fizeram relatórios de pesquisa sobre os casos de violência política sofridos por mulheres candidatas. Nas eleições municipais de 2020, por exemplo, o AzMina fez a primeira edição do MonitorA, que consiste no monitoramento dos perfis de candidatas em diversas redes sociais, coletando postagens e interações para identificar formas de violência digital contra mulheres políticas; com base nessas análises, foram produzidas reportagens e recomendações visando combater a violência de gênero online. O produto do Instituto Marielle Franco é, como já mencionado, resultado de uma pesquisa feita no mesmo período, mas com recorte específico para os casos de violência contra candidatas negras.

Os resultados obtidos foram mobilizados nas justificativas das deputadas que apoiavam a aprovação do PLVPol de Rosângela Gomes que, em 2020, estava para ser discutido e votado pelo plenário do Congresso15. Nessa instância, sua relatoria ficou sob a responsabilidade da Deputada Angela Amin, do Partido Progressista (PP), também de direita. A exemplo dos demais pareceres, a ideia de uma sociedade igualitária foi incorporada ao enquadramento do tema. Nas palavras de Angela Amin, a violência política contra a mulher “objetiva impedir, anular ou obstaculizar o exercício dos direitos políticos das mulheres, comprometendo a participação igualitária da mulher em diversas instâncias da sociedade” (Brasil, 2020, p. 03). Para comprovar esse diagnóstico, a deputada citou o monitoramento realizado pelo Instituto AzMina e descrito anteriormente:

Um monitoramento realizado pelo Instituto AzMina, em parceria com o InternetLab, apenas entre os dias 15 e 18 de novembro de 2020, coletou 347,4mil tuítes, os quais citam 58 candidatas e candidatos que disputam o segundo turno para prefeito em municípios de 13 estados do País. Desses, 109,4 mil tuítes eram direcionados às candidatas, e 8 mil tinham algum termo ofensivo. Entre 2.390 tuítes com termos ofensivos que tinham uma ou mais curtidas ou retweets, 17,3% (415) eram ofensas diretas às candidatas, tais como “safada”, “lixo” e “vagabunda” (Brasil, 2020, p.04, https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2266517).

Até aqui, pudemos observar que as noções de “igualdade” e “sociedade igualitária” são constantes nos enquadramentos das Comissões Parlamentares. Em todos os casos descritos, as deputadas se referem, sobretudo, à necessidade de equalizar as relações sociais entre homens e mulheres civis. Mas, na discussão do plenário, os consensos abrigados nesses enquadramentos deram lugar a disputas importantes. Nesse momento, foram protocoladas três emendas parlamentares ao projeto, dois deles de autoria da Deputada feminista Sâmia Bomfim (2020), do PSOL, de esquerda. Uma sugeria a substituição das expressões “em virtude de sexo”, “em virtude de seu sexo” e “em razão do sexo” por “em razão de a vítima ser mulher”. Na justificativa, foi dito que:

O uso da expressão “sexo feminino” pode facilmente ser interpretada a partir de uma lógica inadequada de que a lei apenas protege mulheres cissexuais, o que seria uma limitação indesejada no âmbito e no objetivo da lei que está sendo discutida, uma vez que as mulheres transexuais eleitas em 2020 nos municípios brasileiros são algumas das mais afetadas pela violência política que buscamos coibir, recebendo mensagens ofensivas e ameaças de violência e de morte (https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2266667).

Na outra emenda, propunha-se que os atos que então seriam caracterizados como violência política fossem denominados “violência de gênero”. A deputada Ângela Amin rejeitou ambas as emendas propostas pela deputada de esquerda, dizendo que após “amplo diálogo com diversos líderes partidários, entendemos que já avançamos bastante nos pontos principais no Substitutivo apresentado, razão pela qual vamos rejeitar as Emendas de Plenário”16. Esse parecer da relatoria sugere a existência de um acordo interno à Câmara dos Deputados sobre a não incorporação do termo “gênero” ao texto original do PLVPol, indicando que os parlamentares da direita, mulheres e homens, majoritários no parlamento, compreensivelmente, conseguiram razoável controle sobre a tramitação e o enquadramento do tema no Congresso.

Vale à pena, entretanto, explorar as disputas então transcorridas porque, quando o PLVPol se tornou tópico do debate da Sessão da Câmara dos Deputados, foi possível perceber que, sob o enquadramento mais superficial e, então consensual, da “igualdade entre homens e mulheres”, subjaziam importantes divergências entre as parlamentares. Nosso material empírico permitiu captar duas delas, que se referem a diferentes outras camadas de enquadramentos para o tema17.

A primeira divergência tem a ver com a reprovação das emendas da Deputada Sâmia Bomfim pela Deputada Ângela Amin. Sobre as emendas, a Deputada Rosângela Gomes (PRB)disse saber o que é sofrer violência política pelo fato de ser mulher e que, apesar disso, trabalhou com afinco para aprovar legislações que favorecessem “homens e mulheres”. A conclusão extraída pela deputada desse raciocínio repercute em acusações contra a bancada do PSOL devido às suas propostas de emenda parlamentar. Assim, Rosângela solicita a exclusão do termo “gênero” e diz que a substituição das expressões que preenchem o texto original é um ato de “covardia e desrespeito” do partido, já que feria acordos partidários anteriores.

Na verdade, a rejeição ao termo “gênero” é regra entre os e as parlamentares da Bancada Evangélica. Guardiões do discurso da “ideologia de gênero”, eles e elas veem no fator biológico, o sexo, um determinante dos papéis sociais masculino e feminino. O “gênero”, em contrapartida, é uma ameaça a essa ideia pelo fato de ser baseado na noção de que os papéis dos homens e das mulheres é uma construção social que não guarda reciprocidade com a designação sexual. Essas premissas têm origem em documentos emitidos pela Igreja Católica na década de 1990, mas fortaleceram-se no Brasil e no Congresso Nacional a partir de 2010. Os setores conservadores e religiosos do parlamento transformaram a reação ao gênero numa estratégia política para institucionalizar o discurso e a moral cristãos. Assim, nas palavras de Rosângela Gomes, a emenda parlamentar protocolada pelo PSOL foi:

[...] um golpe baixo [...] sei o que é sofrer violência política, porque já participei de uma Câmara em que havia 20 vereadores, e eu era a única mulher. E eu tinha dois agravantes: mulher negra, evangélica. [...] Faltou agora diálogo, porque eu, mesmo sendo da bancada evangélica, sempre dialoguei com a bancada (feminina) de forma suprapartidária, atendendo, construindo e ajudando [...] Eu me senti agora desprestigiada pela bancada.[...] Não quero que prevaleça esse momento chato, triste, decorrente da apresentação desta emenda, que não tem a ver com aquilo que defendo (https://escriba.camara.leg.br/escriba-servicosweb/html/60191).

A réplica ficou a cargo da Deputada Fernanda Melchionna (PSOL), que questionou o tom das acusações acima e resumiu o debate numa pergunta: “ela (Rosângela Gomes) acha que as mulheres trans não têm direito a serem protegidas da violência política?” (https://escriba.camara.leg.br/escriba-servicosweb/html/60191) A deputada dirá, também, que a expressão “em razão de ser mulher”, sugerida pelo PSOL, unifica as mulheres ao invés de separá-las.

A autora das emendas parlamentares discutidas, a Deputada Sâmia Bomfim (PSOL), também discursou sobre o tema. Para ela, o enquadramento da Deputada Rosângela é violento e reverbera perspectivas preconceituosas que persistem no ideário da sociedade brasileira. Nesse enquadramento, a questão da legitimidade também aparece, mas para outro fim, proteger mulheres trans e travestis de atos de violência política:

[...] estamos falando de mulheres que têm representatividade, têm legitimidade e carregam consigo a história de tantas outras que, infelizmente, ficam para trás e não conseguem sequer almejar entrar nesses espaços, produzindo legislação de igual para igual, porque a violência transfóbica as exclui dessa possibilidade (https://escriba.camara.leg.br/escriba-servicosweb/html/60191).

A Deputada Erika Kokay do PT, de esquerda, concordou com os discursos das deputadas do PSOL. Ela fez das palavras da Deputada Fernanda Melchionna (PSOL) as suas e acrescentou:

Nós temos um crescimento imenso e um reconhecimento do povo brasileiro dos direitos das pessoas trans - direito de viverem uma humanidade, direito de terem liberdade, direito de terem respeitada a sua identidade de gênero, que é fundamental para que as pessoas possam ser vistas como são. Como negar essa condição se temos uma legislação que está falando de violência política de gênero? As violências que atingem a população brasileira sempre carregam a violência de gênero. Há uma violência de gênero presente na atuação política, não apenas nas candidaturas como também nos mandatos. Excluir as mulheres trans?! Excluir as mulheres trans seria como se este projeto estivesse permitindo que as mulheres trans fossem vítimas de violência. Eu quero dizer que nós somos favoráveis à proposição, mas que nós estamos de pleno acordo que é preciso uma legislação que não discrimine as pessoas trans, que não permita a violência política contra as mulheres trans. Portanto, fechamos com o apoio incondicional à emenda apresentada pelo PSOL (https://escriba.camara.leg.br/escriba-servicosweb/html/60191).

Margarete Coelho, do Partido Progressista (PP), classificado como direita, e Jandira Feghali, do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), como esquerda, também contribuíram para esse debate. A primeira justificou que o texto do PLVPol encaminhado para aprovação na sessão do plenário era um “texto médio” e, por esse motivo, as nuances da sua redação seriam interpretadas de acordo com a doutrina e ideologia dos magistrados designados para julgar atos de violência política. A menção a “texto médio” sugere que ele estava no limite do consenso possível por parte da maioria parlamentar no Congresso, formada pela direita. Para além desse limite, os conflitos deveriam se transcorrer em outra arena, a jurídica.

Essa justificativa, erguida em apoio ao pedido de rejeição à emenda, foi contestada por Jandira Feghali, que sublinhou a desconfiança da transfobia praticada em alguns níveis do poder judiciário em decorrência da sua experiência como relatora da Lei Maria da Penha18: “muitos juízes [...] não dão decisões a favor de mulheres trans, não defendem mulheres trans quando são agredidas e chegam quebradas, espancadas, nas delegacias”19. Em seguida, a deputada dedicou suas palavras à Rosângela Gomes em crítica à influência simbólica da bancada evangélica que está inscrita no PLVPol: “a lei, ela não se define, pela visão da bancada evangélica, católica, budista ou por qualquer outra religião, a lei é para todas. Então, nós precisamos definir as leis pela visão mais ampla da sociedade. O Estado é laico”.

Observa-se que, entre si, as deputadas de direita e as de esquerda têm enquadramentos aparentemente semelhantes sobre o tema em termos mais amplos, enquanto igualdade entre “homens e mulheres”. Mas, a polêmica aberta em torno da substituição de “sexo” por “gênero” mostrou a disputa frontalmente estabelecida entre as deputadas dos dois campos no que diz respeito “a quem” deve ser incluída no “grupo das mulheres” para efeitos de reconhecimento de direitos.

O ponto de partida para a segunda divergência que desejamos destacar é dado pela Deputada Adriana Ventura do Partido Novo de São Paulo (NOVO) e coordenadora da Frente Parlamentar da Mulher Empreendedora na região Sudeste. Os principais valores do partido são liberdade, igualdade e livre mercado. Assume posições fortemente pró-mercado, de corte neoliberal, e em nossa classificação, figura como um partido de direita. O “princípio de isonomia”, declarado pelo partido, foi ativado no discurso de Adriana Ventura, a única representante feminina do NOVO e líder do partido na Câmara, durante a votação do PLVPol. A princípio, ela reconhece o mérito do projeto e o problema que ele pretende solucionar, porém, não demora a acusá-lo por limitar a “liberdade de expressão” e liberdade de opinião no Congresso Nacional.20As rejeições ao destaque de Adriana Ventura vieram de deputadas do PT, PSB, PSOL e PP, ou seja, de deputadas cujos partidos abarcam desde a esquerda e até a direita. A Deputada Erika Kokay (PT) é cirúrgica e recorda um ato de violência de gênero praticado pelo Presidente Jair Bolsonaro na época em que era deputado:

Este destaque quer modificar o texto para permitir, talvez sob o manto da imunidade parlamentar de opinião, que as pessoas possam proferir ataques; que nós possamos ser chamadas de histéricas por termos posições contrárias; que um Parlamentar possa subir a uma tribuna e dizer que outra parlamentar não merece ser estuprada, como se estupro fosse um prêmio. Não! Este Parlamento não pode permitir que aqui tenhamos a liberdade de cometer crimes. É crime! Homofobia é crime! Sexismo, machismo, esse tipo de ataque e essa violência de gênero são crimes! Isso tem que ser tratado como crime. Racismo é crime! Isso não é opinião, isso é crime! Isso é crime e tem que ser reconhecido enquanto tal.[...] A tribuna, o mandato, o paletó, a gravata não dão o direito de que se professem ataques, crimes e violência de gênero (https://escriba.camara.leg.br/escriba-servicosweb/html/60191).

Para Lídice da Mata, do Partido Socialista Brasileiro da Bahia (PSB), “não há nenhum risco entre um debate aprofundado no Parlamento e ofensas que possam ser dirigidas às mulheres, ataques que visem inclusive à sua desmoralização na condição de mulher” (https://escriba.camara.leg.br/escriba-servicosweb/html/60191). Sâmia Bomfim (PSOL), por sua vez, defenderá a importância de manter a violência política como parte dos crimes eleitorais, porque “além de garantir a proteção das mulheres que entram na política, precisamos garantir que os partidos e os políticos que tenham essa prática também possam ser devidamente punidos” (https://escriba.camara.leg.br/escriba-servicosweb/html/60191). No discurso de Margarete Coelho (PP), da direita, sobram denúncias contra a violência política de gênero sofrida pelas parlamentares na Câmara dos Deputados:

É aqui nesta Casa que, muitas vezes, sofremos violência política, quando nos tiram a fala, quando interrompem a nossa fala, quando usam a tribuna, por exemplo, para criar neologismos e novas construções verbais para agredir as mulheres [...] se deixarmos aberta a possibilidade de que, a partir da tribuna, possam agredir as mulheres, possam limitá-las, possam até mesmo inviabilizar o exercício do mandato, ocorrerá violência política (https://escriba.camara.leg.br/escriba-servicosweb/html/60191).

Entre as deputadas, as restrições que poderiam resultar do PLVPol estiveram mais presentes nos discursos da Deputada Adriana Ventura que, como vimos, foi confrontada nesse aspecto por parlamentares mulheres também, como ela, da direita. Vale à pena registrar que a deputada recebeu, entretanto, apoio para sua posição de dois deputados que aparecem, brevemente, no debate: General Peternelli do Partido Social Liberal de São Paulo (PSL) e Marcel Van Hattem (NOVO), do espectro da direita. Ambos declararam compartilhar da objeção de Adriana Ventura feita ao projeto e o segundo reforçou ainda que poderia também ser vítimas de violência política. Assim, para alguns parlamentares, os motivos e os efeitos das práticas de violência política orientadas contra as mulheres continuam ininteligíveis.

De todo o modo, o importante a sublinhar aqui é que, de um lado, o debate sobre o PLVPol contou com uma convergência importante entre deputadas de esquerda e da direita sobre a necessidade da criação de uma legislação para proteger, em particular, as mulheres da violência política, vencendo, assim, as vozes dissidentes que alegaram que ela poderia comprometer o ideal da imparcialidade, ou isonomia ao visar um grupo em específico. Entretanto, essa convergência apresentou um limite quando compareceu no debate a questão de quem deveria ser incluída no “grupo das mulheres” para efeitos de reconhecimento de direitos. Nesse momento, deputadas feministas de esquerda e deputadas da direita assumiram posições conflitantes, que teve um desfecho favorável a essas últimas em função de suas articulações com os partidos do seu espectro político, majoritários no parlamento brasileiro. Importante mencionar que, conforme sugerem os discursos analisados, aquelas articulações tiveram como fulcro a Bancada Feminina e a Bancada Evangélica, as quais a Deputada Rosângela Gomes (PRB), autora do PLVPol, é filiada.

4. Reforma da Previdência

A história do sistema previdenciário da América Latina é influenciada pelas oscilações políticas e econômicas dos países e a comunidade financeira internacional tem forte incidência nos termos em que o assunto é enquadrado. Em 1994, o Banco Mundial publicou o relatório Avertingtheold age crisis: policies to protect the old and promote growth, que se tornou o norte das reformas nos sistemas de pensões, apontando para o objetivo da privatização. No Brasil, a partir de 2016, no governo Temer, após o impeachment de Dilma Rousseff, com a PEC 287/2016, o tema foi retomado nos moldes neoliberais (Loureiro, 2017, p. 218). Mas, foi em 2019, quando o governo de Jair Bolsonaro encaminhou ao Congresso Nacional a PEC 6/2019 (aqui nominada PECPrev), que o sistema de previdência social brasileiro foi modificado.

A proposta trouxe à tona o debate sobre as especificidades das mulheres ao acessar o sistema previdenciário. A questão das mulheres na previdência tem sido objeto de debate há anos. As regras diferenciadas de concessão aos benefícios são questionadas, mas mantêm-se devido às especificidades desse grupo no mercado de trabalho, à discriminação enfrentada por elas, altos índices de desemprego, à dupla jornada de trabalho feminina, entre outras. Inicialmente, a PECPrev propunha igualar a idade de acesso à aposentadoria para homens e mulheres de algumas categorias de trabalhadores, como os trabalhadores rurais, por exemplo, além de aumentar a idade mínima para elas, deixando-as mais próxima à idade de aposentadoria dos homens. Ademais, em relação às pensões por morte, a reforma previa um sistema de alíquotas por dependente, isto é, os benefícios não seriam mais de 100% do que os falecidos recebiam na data do óbito, mas de 50% mais 10% para cada dependente. Essa medida possibilitaria a concessão de valores abaixo do salário mínimo estabelecido no Brasil e vetaria tambémo acúmulo de benefícios. As pensões não dizem respeito somente às mulheres, mas é um tema caro a elas quando consideramos os números da previdência. Em 2017, as mulheres compunham 83,7% dos beneficiários de pensão por morte no Brasil (DIESE, 2019, p. 5).

Essas e outras mudanças foram discutidas intensamente entre fevereiro e novembro de 2019, quando tramitou a PECPrev. Deste contexto, destacamos os discursos das parlamentares na Câmara dos Deputados durante três sessões da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), dez sessões da Comissão Especial - PEC 006/19 - Previdência Social, onze sessões do Plenário (PLEN), além de uma sessão realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH)21. De forma geral, nas sessões analisadas, as parlamentares mulheres de partidos com diferentes localizações no espectro ideológico reconheceram a necessidade de se considerar a especificidade das mulheres na previdência. Porém, também como ocorreu com o PLVPol, sob esse consenso, houve divergências fundamentais. Podemos supor que seja razoavelmente fácil encontrar consenso em “diminuir o sofrimento humano”, “combater a violência contra a mulher”, “enfrentar a pobreza” e a “discriminação racial”. Mas, na medida em que decisões sobre “como fazer” têm que ser tomadas, o consenso geral deixa visível a gama de divergências que abriga.

A “igualdade” esteve presente em falas de parlamentares de diversos partidos, mas a partir de diferentes enquadramentos. Em um deles, a igualdade foi lida como “a defesa de regras diferentes para pessoas diferentes”. Conforme a deputada Joenia Wapichana, primeira mulher indígena a ocupar cadeira no Congresso Nacional pela REDE, um partido de centro:

[...] quero lembrar aqui que a PEC desconsidera enormemente a isonomia entre homens e mulheres. A PEC estabelece, nas aposentadorias rurais e de professores, a mesma idade para homens e mulheres. A PEC confere tratamento igual aos desiguais22.

Em contraponto a esse enquadramento, o tratamento diferenciado para grupos, no acesso à previdência, foi visto por alguns parlamentares como “privilégio”. A deputada Adriana Ventura (NOVO), em posição similar àquela que assumiria na ocasião da discussão do PLVPol, assim se manifestou:

Eu gostaria de ver uma reforma mais igual, que incluísse todos, que mostrasse realmente que todos são iguais perante a lei. Penso em uma reforma que traga isonomia, uma reforma que traga justiça social, uma reforma que não permita que algum brasileiro tenha tratamento especial, em detrimento de outro, uma reforma que não seja um instrumento de compensação. Eu entendo que há várias questões aqui que teriam que ser tratadas antes de se falar em Previdência. Nós não temos política pública adequada para mulheres, para trabalhadores rurais, para professores, e isso tem que ser compensado na Previdência. Mas isso, na minha opinião, é um erro. Nós estamos reparando com a Previdência lá no futuro, quando a pessoa já envelheceu, uma coisa que deveria ser feita antes23.

Para a deputada Adriana Ventura, outras políticas públicas poderiam ser postas em ação para o fim da desigualdade entre homens e mulheres, mas isso não seria papel da previdência, e sim de “políticas específicas”. Entretanto, é importante notar que a política previdenciária tem efeitos estruturais na hierarquia social, com implicações para a estruturação dos conflitos distributivos na sociedade. Posições que identificaram “privilégios” com “tratamento diferenciado” foi assim contraposta por Talíria Petrone, do PSOL:

Quem são os privilegiados na opinião dos senhores? Que matemática é essa? Assumam que matemática os senhores estão escolhendo! Alguém vive com 400 reais por mês? [...] são esses os privilegiados? São as mulheres, que hoje enfrentam jornada tripla de trabalho? Cinquenta por cento das mulheres que se aposentaram por idade no último período não contribuíram nem 16 anos. Os senhores estão dizendo para essas mulheres que elas não vão se aposentar24.

As falas supracitadas exemplificam os diferentes enquadramentos mobilizados em torno do eixo “igualdade-desigualdade” versus “tratamento diferenciado-privilégios”. No mesmo sentido, mas com um diferencial importante, a deputada Bia Kics, então do PSL, ativista antifeminista da direita e da base governista, defendeu que regras “demasiadamente diferenciadas” para as mulheres poderiam ter efeito nocivo a elas próprias no mercado de trabalho:

[...] mulheres que são super protegidas veem as portas do mercado de trabalho se fecharem, porque elas começam a ter um tratamento tão diferente que isso atrapalha a mulher no mercado de trabalho[...]Então, as mulheres já [...] estão tendo um tratamento diferenciado com relação à idade, mas se nós exagerarmos, nós faremos com que o mercado responda batendo a porta na cara dessas mulheres [...] eu defendo as mulheres, eu sou mulher, mas o principal é que as mulheres possam ter emprego a sua disposição [...] direitos demais para as mulheres vai fazer com que os empregadores prefiram contratar homens que não saem de licença maternidade e outras coisas25.

Esse argumento mobilizado pela deputada tem forte afinidade com que o Hirschman (1992) nomeou como “tese da perversidade”, um tipo de retórica conservadora que tem lastro histórico no debate sobre políticas sociais. Na sua lógica, os esforços para lidar com o sofrimento, ainda que bem-intencionados, teriam efeitos contrários e, por isso, perversos, já que aumentariam o sofrimento. Assim, no tema aqui tratado, apesar de reconhecerem as adversidades enfrentadas pelas mulheres, as deputadas apresentam soluções diversas para o seu enfrentamento, inclusive, no caso de Bia Kics, a própria inação.

Fora do parlamento, também houve mobilização das mulheres e das centrais sindicais em torno da PECPrev, com manifestações ao longo de 2019 pelo país. O oito de março daquele ano teve como pauta a luta pelos direitos das mulheres na previdência com o slogan “Pela Vida das mulheres e em Defesa da Previdência Pública # Todo dia é dia de luta”. Centrais sindicais, movimentos de mulheres da sociedade civil protestaram contra o fim da aposentadoria junto a parlamentares feministas. Uma articulação que contou, entre outras, com protagonismo da deputada Erika Kokay (PT). Além dos atos, foram organizados debates, como o “Tribunal das Mulheres Contra a Reforma da Previdência”, que foi finalizado com uma intervenção política teatral no Congresso Nacional, no qual as mulheres entraram no espaço entoando: “Essa reforma é impostora, tira direitos da mulher trabalhadora!”, “Se votar não volta!” e outros. Já em setembro, quando a reforma passou a ser discutida pelo Senado, durante audiência pública realizada em setembro de 2019, o Movimento de Mulheres Camponesas organizaram um ato simbólico utilizando correntes a fim de chamar atenção para os pontos da reforma que mais atingem a população rural.

No seminário “Mulheres Unidas em Defesa da Previdência”, as e os parlamentares ouviram representantes de diversos movimentos sindicais e da sociedade civil. Nas falas, os movimentos evidenciaram denúncias contra o governo Bolsonaro, para além da questão da previdência:

E eu gostaria que de falar mais ainda da importância de que nós mulheres tivemos agora no dia 8 de Março fomos nós mulheres que fomos as ruas e mostramos para esse governo machista racista LGBTfóbico que nós estamos prontas assim para lutar, nós ocupamos as ruas de todo o país para mostrar que as mulheres elas são sim o setor mais oprimido, mas é também sim o setor que luta que tá na linha de frente porque nós não aceitamos os ataques desse governo que é um governo de extrema direita e que tá tentando nos atacar (Lucimara - CSP Conlutas)26.

Aprovaram o teto dos gastos, a reforma do ensino médio a reforma trabalhista e agora quem querem aprovar a reforma da Previdência e nós não vamos deixar porque isso significa esse projeto significa mais miséria mais desigualdade mais desemprego em especial para juventude e para as mulheres (Luiza Bezerra CTB)27.

As falas das deputadas deixaram explícito que houve uma articulação da Bancada Feminina em torno do assunto. Essa bancada garantiu a aprovação de emendas que mitigaram os efeitos da reforma sobre as mulheres. Sua atuação foi feita em conjunto com a Bancada Evangélica e garantiu com que as mulheres pudessem se aposentar com uma renda de 100% da média salarial após 35 anos de contribuição, cinco anos a menos que os homens. A articulação daquela bancada também garantiu que as pensões por morte não fossem inferiores a um salário-mínimo, sempre que a viúva ou viúvo não tivesse outra fonte de renda formal. A atuação conjunta entre as duas bancadas nesses temas foi vista como uma vitória e foi bastante elogiada por deputadas da direita e da base governista. Conforme mostram as declarações da então deputada governista Joice Hasselmann, naquele momento do PSL (Partido Social Liberal), e da deputada Tereza Nelma, do PSDB, da direita, respectivamente:

[...] por provocação da bancada feminina e também da bancada evangélica, Governo fez para atender a essas provocações, que, no final das contas, resultaram num texto ainda melhor para aquele que vai se aposentar e para aquele que também acumula um benefício de pensão. Eu quero deixar claro aqui, com todas as letras, ao povo brasileiro, que ninguém neste País, ninguém neste País, seja homem ou mulher, ganhará menos que 1salário-mínimo de pensão. Não há possibilidade de nenhum viúvo ou viúva receber menos de 1salário-mínimo. [...] esta era uma preocupação da bancada evangélica e da bancada feminina. [...] Quero deixar aqui manifestado o meu reconhecimento à Deputada Soraya Santos e à Deputada Professora Dorinha Seabra Rezende, que, com a bancada feminina, trabalharam duro para que de fato esse processo de pensão fosse mais justo. A bancada evangélica também foi muito dura e aguerrida28.

Faço um agradecimento, em especial, ao nosso Relator, Deputado Samuel Moreira. Junto com minhas colegas guerreiras da bancada feminina, lideradas pela Deputada Professora Dorinha Seabra Rezende, conseguimos avançar nas regras para as mulheres com as mudanças no cálculo do benefício, no tempo de contribuição, e voltando o conceito de proteção à maternidade29.

Do ponto de vista das deputadas de esquerda, no geral, houve o reconhecimento de que a articulação da Bancada Feminina mitigou os efeitos negativos da PECPrev sobre as mulheres. Entretanto, as avaliações destacaram, sobretudo, a natureza da reforma, vista como profundamente negativa para as mulheres no geral e, sobretudo, para algumas categorias profissionais formadas majoritariamente por mulheres. Conforme explica a deputada Sâmia Bomfim do PSOL:

[...] eu gostaria de elogiar o fato de o Relator ter ouvido o apelo da bancada feminina de ter reduzido o tempo de contribuição das mulheres de 20 anos para 15 anos. [...] Acontece que impor os 15 anos de tempo mínimo de contribuição significa que elas, caso consigam contribuir com esse tempo, na verdade, vão ter acesso a 60% do benefício, porque, para ter acesso a 100%, segue sendo 40 anos de contribuição [...] Também quero destacar o fato de que, ainda que as professoras tenham tido na proposta de V.Exa. uma redução para 57 anos de idade - e não mais 60 anos -, segue sendo uma crueldade[...]. Elas vão ter que trabalhar por mais 7 anos, sendo que os homens professores vão ter que trabalhar por mais 5 anos. Eu gostaria de entender por que a carga para as mulheres é maior[...]. Então, eu gostaria de saber qual foi o critério utilizado, porque ainda obedece à mesma lógica machista da proposta apresentada pelo [Ministro da Economia] Paulo Guedes30.

No curso do debate sobre a tramitação do projeto, percebemos também que fizeram parte das falas das deputadas frases como: “nós mulheres”, “como mulher”, “eu sou mulher e integro a bancada feminina”, “gostaria de ser respeitada como mulher”. Várias parlamentares, de ambos os lados do espectro político, buscaram falar “como” e/ou ser reconhecidas “como representantes” das mulheres, a exemplo do discurso de Margarida Salomão (PT), da esquerda, e Bia Kics (PL), da direita, respectivamente:

E o que dizer da misoginia expressa nesta proposta, que é radicalmente contra as mulheres, que têm as suas condições de vida e de trabalho solenemente ignoradas? Nós as mulheres reivindicamos uma idade mais baixa para aposentadoria, não porque sejamos mais frágeis, mas porque trabalhamos mais todos os dias, todas as semanas, todos os anos. (grifos nossos)31.

Eu gostaria de ser respeitada como mulher nesse momento de uso da palavra porque temos que saber ouvir a falas, inclusive daqueles que pensam diferente de nós. [...] E eu quero poder ter o direito de falar a favor dessa reforma porque eu sou uma pessoa que estudo muito e sou da área do direito e tenho uma amiga que é juíza do trabalho e que tem um trabalho feito que mostra que os dissídios, as reclamações trabalhistas menos de 1% se pauta em tratamento diferente para mulheres, então nós não podemos partir às vezes de uma ficção, um desejo que temos para alterar a realidade [...] (grifos nossos)32.

Em vários momentos, a afirmação de uma fala “como mulher” veio acompanhada por adjetivos que procuraram conferir uma identidade política específica a essa voz. Por exemplo, deputadas de partidos do espectro da esquerda, como PT e PSOL, justificaram, não raramente, sua representação em nome das mulheres como parlamentares feministas, como o discurso abaixo de Samia Bomfim (PSOL):

O Governo está dizendo que uma senhora idosa e viúva que também recebe, por exemplo, além da aposentadoria do marido, o benefício do BPC para cuidar de um filho ou de uma filha que tem deficiência é uma das privilegiadas que precisam ter o seu direito retirado, porque ela só pode ter ou a aposentadoria do seu marido ou o benefício para cuidar do seu filho ou filha com deficiência. Como mulher e como feminista, preocupo-me bastante com isso, porque afinal de contas quem são os privilegiados para o Governo Jair Bolsonaro e para o Ministro Paulo Guedes? Seria essa mulher que depende desse dinheiro para que seu filho tenha condições de viver com o mínimo de dignidade? (grifos nossos)33.

Em outras falas, as parlamentares adicionaram outros grupos sociais em nome dos quais estariam falando ou, novamente, acionaram os marcadores sociais que se interseccional com o gênero, como na fala da deputada Joênia Wapichana (REDE) e de Fernanda Melchionna (PSOL), respectivamente:

Eu falo aqui dos trabalhadores rurais, que alimentam o nosso país, que garantem a nossa sustentabilidade no dia a dia, que protegem o meio ambiente, como os povos indígenas, que cuidam dos principais recursos da Amazônia; das populações rurais; das mulheres, que estão aqui tentando fazer com que seus direitos não sejam rasgados frente a uma proposta que não as beneficia em nada; dos profissionais da educação, dos professores, que já têm uma árdua carga no dia a dia, que cuidam das crianças, que lutam por um futuro maior e melhor para este país34.

Nós estamos falando de uma reforma claramente machista, que desconsidera que as mulheres trabalham 62 dias a mais por ano que os homens, levando em consideração o trabalho doméstico; que desconsidera que quem menos ganha e mais trabalha na informalidade são as mulheres, as mulheres trabalhadoras, as mulheres negras; que ataca a aposentadoria das professoras. (grifos nossos)35.

No projeto da PECPrev, compreensivelmente, mais parlamentares buscaram, assim, mobilizar não apenas gênero, mas classe, ocupação profissional ou raça para a discussão de como a reforma atingiria as mulheres diferentemente, dependendo de outros marcadores sociais que atravessam e constituem suas experiências.

No que diz respeito ao debate dessa legislação, importa sublinhar, sobretudo, que seu desfecho foi o reconhecimento de as mulheres serem tratadas como grupo específico a ser protegido numa reforma que atingiria as classes trabalhadoras do país. As articulações ocorridas entre a Bancada Feminina e a Bancada Evangélica do Congresso foram, novamente, nos parece, fundamentais para tal desfecho, que venceu os argumentos de que aquele tratamento representaria “privilégios”. Mas vale destacar as disputas então presentes em torno do significado desse desfecho, ou do seu enquadramento. Para as deputadas de esquerda, embora importante, o desfecho representou, de forma restrita, a redução do prejuízo mais amplo e profundo que a PECPrev carregava, em sua natureza, para as trabalhadoras. Para suas opositoras, as deputadas do espectro da direita, o desfecho teria aprimorado a reforma ao reconhecer a particularidade das mulheres, tornando-a mais justa.

5. Considerações Finais

As convergências analisadas aqui em torno da PECPrev e do PLVPol mostram que, em alguma medida, ganhou espaço o reconhecimento de que as mulheres são merecedoras de tratamento específico em legislações dirigidas a impactar o conjunto da população, ou da criação de leis especialmente voltadas a sua proteção. Esse reconhecimento tem marcado de maneira importante a representação substantiva de mulheres, de diferentes campos ideológicos, no parlamento brasileiro. Conforme aponta a bibliografia, o aumento de mulheres nesse espaço tornou-o mais permeável ao debate de temas relativos aos direitos das mulheres. A Bancada Feminina e a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher também parecem ser recursos que têm possibilitado a atuação coordenada por parte de parlamentares mulheres, bem como conduzido seu diálogo com outras bancadas. Entretanto, precisamos destacar alguns pontos para vislumbrarmos as possibilidades que o parlamento brasileiro oferece, atualmente, para a promoção da agenda de gênero desde a perspectiva feminista.

Pertencentes aos partidos majoritários no parlamento, agrupados no espectro da direita, as deputadas desse campo conseguem retirar daqueles recursos melhores rendimentos, transformando-se em lideranças chaves nas articulações mais amplas que exigem a aprovação de legislações que reconhecem as mulheres como grupo específico de direitos. Com base naqueles recursos, elas deram a direção, via os acordos estabelecidos no âmbito daquelas instâncias, aos debates dos temas aqui analisados, o que impôs importantes barreiras para os enquadramentos específicos que as deputadas de esquerda, feministas, pretenderam conferir ao problema da “igualdade/desigualdade de gênero”.

Assim, se, como vimos, o reconhecimento do marcador social “raça” e “cor”, tão fundamentais na estrutura social brasileira, estão presentes nos discursos de deputadas de campos variados, o reconhecimento dos direitos das mulheres transexuais, por outro lado, enfrenta barreira muito forte por parte dos ativismos cristãos de direita que tem presença significativa nas instituições políticas brasileiras. As parlamentares mulheres desse campo têm assumido um papel de liderança importante no combate aos direitos transexuais, como também aos direitos reprodutivos. Elas foram lideranças “chaves”, como vimos, para promover as articulações entre a Bancada Feminina e a Evangélica no enquadramento vitorioso assumido pelo PLVPol, que rejeitou a substituição do termo “sexual” pelo termo “gênero”, o que era visto como mais favorável a mulheres trans.

Na mesma direção, se demandas enquadradas em termos gerais de “oportunidades” iguais para homens e mulheres têm reconhecimento por parte das parlamentares de diferentes campos ideológicos, na medida em que o debate desce a níveis mais exigentes, que interpelam a tomada de posição diante de medidas redistributivas, que incidem de forma mais estrutural nas hierarquias de gênero e suas conexões com outras opressões, o conflito e os pertencimentos ideológicos ficam explícitos, colocando as parlamentares mulheres em campos opostos. Como vimos, esse foi o caso da PECPRev. As articulações promovidas pelas deputadas do espectro da direita entre a Bancada Feminina e a Bancada Evangélica foram fundamentais, de um lado, para a inclusão do tratamento diferenciado às mulheres na proposta de reforma. Por outro lado, tais articulações também foram importantes para ajudar na aprovação geral da proposta pelo Congresso, vista como um prejuízo pelas deputadas de esquerda, críticas da reforma por seus impactos sociais mais amplos.

Nos dois projetos aqui analisados, chama a atenção a atuação conjunta da Bancada Feminina e da Bancada Evangélica, que resultou a favor dos enquadramentos e das posições das parlamentares do campo da direita na medida em que seus partidos são majoritários no Congresso. Não á toa, recentemente, as parlamentares feministas criaram em 2019 a Frente Parlamentar Feminista e Antirracista. A expectativa gerada pela instalação dessa Frente no Congresso Nacional está na sua capacidade de conferir maior força à perspectiva feminista na arena legislativa e maior articulação com movimentos da sociedade civil.

Para finalizar, destacamos que a análise feita aqui também nos permitiu observar que alguns termos típicos dos enquadramentos feministas para a desigualdade/igualdade de gênero “transitaram” e passaram a compor, em algumas situações, o discurso de parlamentares não identificadas explicitamente com esse campo. Em alguns casos, esse trânsito pode revelar avanços, no sentido de que as lutas feministas conseguiram disseminar valores e ideias de seu repertório particular para o debate público mais amplo. Mas, na medida mesmo em que isso ocorre, elementos do repertório feminista que têm audiência receptiva naquele debate podem também ser mobilizados de maneira “instrumental”, como foi o caso da Deputada Cristiane Brasil aqui mencionado, criticada por acionar a bandeira feminista para fins de interesse particular, sem relação com opressões de gênero.

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1 Agradecemos à Gisela Zaremberg pela leitura da primeira versão deste trabalho, cujos apontamentos e sugestões nos permitiram aprimorar os argumentos aqui apresentados. Agradecemos também aos pareceres anônimos que recebemos da revista, eles nos ajudaram, sobretudo, a ajustar melhor o nosso foco conceitual aos referentes empíricos, o que resultou em uma maior coesão ao texto.

2Seguindo a definição de Biroli, Machado e Vaggione (2020), usamos o termo “neoconservador” neste artigo para designar, no atual contexto, as “coalizões políticas estabelecidas entre diferentes atores —religiosos e não religiosos— visando manter a ordem patriarcal e o sistema capitalista”, que expressam “uma aproximação entre conservadorismo cristão e individualismo liberal, assim como entre antipluralismo e neoliberalismo” (p. 25).

3A teoria feminista endereça críticas a esse ideal na medida em que ele se ampara na suposta existência de um sujeito universal, que impede o reconhecimento das diferenças e, consequentemente, a plena cidadania às mulheres e a outros grupos considerados desviantes em relação a ele.

4Na verdade, o PLVPol ganhou maior repercussão na sociedade civil após a sua aprovação, em 2021. Desde então, o problema da violência política passou a ser explorado com maior densidade no país, sobretudo por meio da criação da Frente Parlamentar Feminista e Antirracista com Participação Popular. Essa frente foi uma reação contra processos de cassação aos mandatos de parlamentares feministas que passaram a ser frequentes no período posterior à aprovação do PLVol. A ação dessa Frente a esses processos recebeu o nome de #Elasficam.

5Conforme Bolognesi, Ribeiro e Codato (2023), as classificações ideológicas dos partidos políticos alteram-se constantemente nas democracias. Assim, a “mensuração ideológica” dos partidos políticos deve ser sempre atualizada. Considerando isso, os autores classificaram os partidos brasileiros de acordo com a ideologia partidária a partir da percepção de especialistas filiados à Associação brasileira de Ciência Política (ABCP) por meio de um Survey. Os achados dos pesquisadores utilizados como guia para o nosso artigo são apresentados no anexo 1.

6Vale registrar que os estudos em torno do conceito de “governança feminista” têm dado importante contribuição para a compreensão dessas inovações para o avanço das pautas de gênero no parlamento. Embora ele não seja mobilizado neste artigo, alguns dos argumentos que apresentamos aqui foram inspirados por aqueles estudos. Para uma visão abrangente desse conceito e seus diversos usos. Kantola (2023).

7Reforçamos que essa classificação tem uma lógica relacional, portanto, “extrema” aqui não significa, como é comum no debate corrente, associação com extremismos ou fundamentalismos.

9Entre seus princípios, há a preocupação com o impacto de fatores culturais nas relações de gênero e o objetivo de modificar padrões sociais e culturais baseados na inferioridade das mulheres e na distribuição de papéis sociais estereotipados entre homens e mulheres. A CEDAW foi ratificada duas vezes no Brasil, sendo a primeira em 1983, através do Decreto Legislativo n° 93/1983, e a segunda em 1994. Assim, Rosangela Gomes (PRB-RJ) cobra do Estado medidas adequadas, incluindo legislativas, para combater práticas discriminatórias contra as mulheres.

10Até essa data, em outros países da América Latina a proteção contra a violência política de gênero já era prevista em legislações específicas e/ou abrangentes. Diga-se de passagem, a Bolívia foi protagonista devido às interações estabelecida entre movimentos de mulheres e legisladores, bem como pela clareza da sua Lei n° 243 de 2012, que define os tipos de violência política de gênero nas suas formas leve, grave e gravíssima e as punições aplicáveis a cada caso. O Paraguai, por exemplo, incluiu a violência política de gênero no IV Plano Nacional de Igualdade (2018-2024) e o Peru fez o mesmo no Plano Nacional contra a Violência de Gênero (2016-2021).

11Nesse caso, os escolhidos foram a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994 e a 10ª Conferência Regional sobre a Mulher da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe de 2007.

13Na nota divulgada por um coletivo de advogadas, afirmou-se que Cristiane Brasil estaria utilizando-se do feminismo para deturpar as informações reais de seu impedimento, que seria “sua incompetência moral e funcional”. Cf. https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/coletivo-de-advogadas-repudia-declaracao-de-cristiane-brasil

15Após passar pelas Comissões Temáticas, os projetos de leis são apreciados pelo plenário do Congresso, ou seja, pelo conjunto das e dos parlamentares.

16Retirado do “Parecer às Emendas de Plenário oferecidas ao substitutivo PL n. 349”, elaborado pela deputada. Cf. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2266679

17Os discursos parlamentares da Sessão da Câmara dos Deputados do dia 10 de dezembro de 2020 https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_deputados?idProposicao=946625

18A lei Maria da Penha foi sancionada em 7 de agosto de 2006 como reação ao caso emblemático da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de violência doméstica que lutou por justiça por mais de 19 anos. A lei criou mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher de acordo com a Constituição Federal brasileira de 1988 e os tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro (Convenção de Belém do Pará, Pacto de San José da Costa Rica, Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher). Para mais informações acessar: https://www.institutomariadapenha.org.br/

19O discurso da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) proferido na sessão plenária do dia 10 de dezembro de 2020. https://www.youtube.com/watch?v=ad6mA5Ce7Eo&list=TLGGvTmhJzmapDAxNDA2MjAyMw

20“O partido Novo criticou impor a pena de reclusão ao assedio às candidatas ou às ocupantes de mandato eletivo por considerar que pode limitar a atuação parlamentar. A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) afirmou que a melhor esfera nesse caso seria recorrer ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. ‘A reclusão poderia limitar de alguma forma a liberdade de expressão política nesta Casa’, sustentou”. Conf. em https://www.camara.leg.br/noticias/714744-CAMARA-APROVA-PROPOSTA-DE-COMBATE-A-VIOLENCIA-POLITICA-CONTRA-MULHERES

21As sessões analisadas foram retiradas da ficha de tramitação da PEC 6/2019 e podem ser encontradas na íntegra no site da câmara dos deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2192459

22Reunião Deliberativa Extraordinária - Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), 16/04/2019. https://escriba.camara.leg.br/escriba-servicosweb/html/55094

23Reunião Deliberativa Extraordinária - Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) (PEC00619), 19/06/2019. https://escriba.camara.leg.br/escriba-servicosweb/pdf/56154

24Reunião Deliberativa Extraordinária - Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). https://escriba.camara.leg.br/escriba-servicosweb/html/55094

25Comissão Especial da Reforma da Previdência - Aposentadoria das mulheres, 28/05/2019. https://www.youtube.com/watch?v=4ERoUfQiL_w

26Cf. Seminário “Mulheres Unidas em Defesa da Aposentadoria”. https://www.youtube.com/watch?v=vCpReffr3GQ&ab_channel=C%C3%A2maradosDeputados

27Cf. Seminário “Mulheres Unidas em Defesa da Aposentadoria”. https://www.youtube.com/watch?v=vCpReffr3GQ&ab_channel=C%C3%A2maradosDeputados

28Sessão Deliberativa Extraordinária-Plenário (PLEN), 07/08/2019. https://escriba.camara.leg.br/escriba-servicosweb/html/56726

29Sessão Deliberativa Extraordinária-Plenário (PLEN), 12/07/2019.

30Reunião Deliberativa Ordinária - Comissão Especial - PEC 006/19 - Previdência Social (PEC00619), 18/06/2019. Https://Escriba.Camara.Leg.Br/Escriba-Servicosweb/Html/56095.

31Constituição, Justiça e Cidadania. Reunião deliberativa extraordinária. Https://Escriba.Camara.Leg.Br/Escriba-Servicosweb/Html/56095

32Comissão Especial da Reforma da Previdência-Aposentadoria das mulheres, 28/05/2019. https://www.youtube.com/watch?v=4ERoUfQiL_w

33Constituição de Justiça e de Cidadania (CCJC). Reunião deliberativa extraordinária. https://escriba.camara.leg.br/escriba-servicosweb/html/55094

34Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) - Reunião Deliberativa Ordinária, 09/04/2019. https://escriba.camara.leg.br/escriba-servicosweb/pdf/54984

35Reunião Deliberativa Extraordinária - Comissão Especial - Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), 16/04/2019 - 16/04/2019. https://escriba.camara.leg.br/escriba-servicosweb/html/55094

39Fonte da Figura: Observatório das Eleições. Uol. Esquerda, centro ou direita? Como classificar os partidos no Brasil. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/observatorio-das-eleicoes/2020/11/24/esquerda-centro-ou-direita-como-classificar-os-partidos-no-brasil.htm, acessado em 11 de novembro de 2023.

Cómo citar: Almeida, Carla; Soares da Silva, Daniela y Potrich, Maithê. (2024). “Enquadrando” a desigualdade e a igualdade de gênero: disputas e convergências entre deputadas no parlamento brasileiro. Revista Interdisciplinaria de Estudios de Género de El Colegio de México, 10, e1148. http://dx.doi.org/10.24201/reg.v10i1.1148

Anexo 1:

Classificação dos partidos políticos brasileiros de acordo com Bolognesi, Ribeiro e Codato (2023)  

Legenda de siglas partidárias:

Extrema Esquerda:

PSTU

- Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado

PCO

- Partido da Causa Operária

PCB

- Partido Comunista brasileiro

PSOL

- Partido Socialismo e Liberdade

Esquerda: PC do B

- Partido Comunista do Brasil

PT

- Partido dos Trabalhadores

Centro Esquerda: PDT

- Partido Democrático Trabalhista

PSB

- Partido Socialista brasileiro

Centro: Rede

- Rede sustentabilidade

PPS

- Partido Popular Socialista

PV

- Partido Verde

Centro Direita: PTB

- Partido Trabalhista brasileiro

AVANTE: Avante SDD: Solidariedade PMN

- Partido da Mobilização Nacional

PMB

- Partido da Mulher brasileira

PHS

- Partido Humanista da Solidariedade

Direita: PMDB

- Movimento Democrático Brasileiro

PSDB

- Partido da Social Democracia brasileira

PSD

- Partido Social Democrático

PODEMOS

- Podemos

PPL

- Partido Pátria Livre

PRTB

- Partido Renovador Trabalhista Brasileiro

PROS

- Partido Republicano da Ordem Social

PRP

- Partido Republicano Progressista

PR

- Partido da República

PRB

- Partido Republicanos

PTC

- Partido Trabalhista Cristão

PSL

- Partido Social Liberal

NOVO

-Partido Novo

DC

- Democracia Cristã

PROGRESSISTAS

- Partido Progressistas

PSC

- Partido Social Cristão

Extrema Direita: PATRIOTA

- Partido Patriota

DEM

- Partido Democratas

Recebido: 05 de Janeiro de 2024; Aceito: 13 de Setembro de 2024; Publicado: 21 de Outubro de 2024

Carla Almeida

Professora Dra. do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá. É pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Participação Política (Nuppol/UEM) e do INCT Participa - Transformações da participação, do associativismo e do confronto político. Desenvolve pesquisas e tem publicações sobre os temas instituições participativas, democracia e participação, gênero e política.

Daniela Soares Da Silva

Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), mestra em sociologia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e estudante de Direito na UEM. Desenvolve pesquisas sobre gênero e políticas públicas. Atua como pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Participação Política (Nuppol/UEM).

Maithê Potrich

Graduada em Ciências Sociais na Universidade Estadual de Maringá (UEM) e mestranda em sociologia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). É pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Participação Política (Nuppol/UEM) e do INCT Participa - Transformações da participação, do associativismo e do confronto político. Desenvolve pesquisas sobre movimentos feministas, instituições políticas e políticas públicas.

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