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Latinoamérica. Revista de estudios Latinoamericanos

versión On-line ISSN 2448-6914versión impresa ISSN 1665-8574

Latinoamérica  no.76 Ciudad de México ene./jun. 2023  Epub 17-Mar-2023

https://doi.org/10.22201/cialc.24486914e.2023.76.57587 

Reseñas

Doria, Pedro. Fascismo à brasileira: como o integralismo, maior movimento de extrema-direita da história do país, se formou e o que ele ilumina sobre o bolsonarismo. São Paulo: Planeta, 2020.

Sergio Schargel

Doria, Pedro. Fascismo à brasileira: como o integralismo, maior movimento de extrema-direita da história do país, se formou e o que ele ilumina sobre o bolsonarismo. São Paulo: Planeta, 2020.


Após a vitória de Donald Trump começou a se disseminar um subgênero nas ciências humanas (e mesmo na ficção): a crise da democracia. Previsões apocalípticas pululavam sobre o fim inevitável da democracia. Como a democracia chega ao fim, de David Runciman, Como as democracias morrem, de Steven Levitsky e Daniel Zibblat, entre tantos outros são alguns exemplos. O mesmo aconteceu com o Bolsonarismo, tomando um fenômeno mais local. De uma hora para outra apareceram diversos livros tentando explicar aquele movimento, como se ele tivesse surgido do vácuo, por mais que suas origens e raízes sejam muito anteriores. Mais do que isso: diversos livros passaram a pensar na relação do Bolsonarismo com movimentos anteriores, brasileiros e internacionais, como o Fascismo e o Integralismo. Sobre este último, vale destacar O fascismo em camisas verdes, de Odilon Caldeira Neto e Leandro Pereira Gonçalves, e o problemático Fascismo à brasileira, de Pedro Doria, objeto aqui resenhado.

Antes de tudo, importante deixar claro: o texto de Doria não é acadêmico, mas jornalístico. Especificamente, seu estilo colhe do New Journalism, uma mescla entre o literário e o jornalismo, caracterizado não pela objetividade e transparência, mas por descrições exageradas que beiram o ficcional. Um dos problemas desse estilo é levantar até que ponto informações sobre o estado emocional dos personagens envolvidos pode ser comprovado por fontes. Por exemplo, por mais que seja provável que Plínio Salgado “estava ansioso” do encontro com Benito Mussolini (Doria 2020: 17), como provar tal afirmação? O texto se torna agradável de ler, bem da verdade, quase como um romance, mas coloca-se na fronteira entre fato e ficção, o que se torna problemático sobre uma perspectiva histórico-política. Mas esse não é o principal problema de Fascismo à brasileira.

A grande questão do livro de Doria é a superficialidade do tratamento que dá ao objeto de estudo. O autor não aprofunda a discussão sobre a relação entre Fascismo, Integralismo e Bolsonarismo, como o fazem, por exemplo, Neto e Gonçalves (2020). Mesmo os dados e as fontes que apresenta fornecem pouco de novo ao objeto, pouco que já não tenha sido abordado com mais profundidade por estudiosos do Integralismo como Fábio Bertonha e Hélgio Trindade. Em outras palavras, Doria parece preocupar-se mais com a descrição estilística dos eventos do que com o seu impacto, ou mesmo influência no contemporâneo.

Como não poderia deixar de ser, o primeiro capítulo de Fascismo à brasileira volta para a Roma do início dos anos 1930, tratando do momento chave para o futuro Chefe Nacional do Integralismo: o encontro com Mussolini. Mais do que apenas o encontro, Doria (2020) discute a formação daquele novo método de se fazer política, distinto de tudo que o mundo já vira. O estilo de Doria, é preciso fazer justiça, se incompleto em relação a aspectos teóricos, fornece elementos abrangentes para apreender efemérides como, para além do encontro dos dois líderes fascistas, a própria criação do Integralismo dois anos depois. A descrição aprofundada dos eventos permite que o leitor seja transposto para o momento, absorvendo-o em sua integralidade.

Perpassando de forma cronológica, Doria dedica seu segundo capítulo ao Fascismo italiano. Ainda que não traga a profundidade da discussão de um Gianni Fresu em Nas trincheiras do Ocidente, tampouco é descartável a construção que o autor faz do movimento de Mussolini. Traz alguns dados úteis, como depoimentos da época, para corroborar com sua apresentação. Por mais que passe pelo movimento de forma rápida e o Fascismo seja muito mais complexo do que as pouco mais de 30 páginas dêem conta de analisar, ao menos o capítulo fornece um pano de fundo para o autor contextualizar e explorar o Integralismo. Pois, como é bem-sinalizado por Doria, por mais que Salgado procure se afastar da incômoda sombra do Fascismo no pós-guerra, não há Integralismo sem Fascismo. Mussolini, relatam Leandro Gonçalves e Odilon Neto (2020: 12), inclusive financiaria o Integralismo em seu início, interessado em expandir o fascismo para além da Itália.

O capítulo seguinte enfim adentra no Integralismo, mas ainda tratando-o como movimento embrionário. Um protointegralismo que surge como que uma dialética do Movimento Verde-Amarelista com o Fascismo europeu. Doria traz a discussão sobre a figura deste Plínio Salgado, ainda não o Chefe Nacional, mas um aspirante a poeta e escritor modernista do interior de São Paulo. Um jornalista interessado naquela nova forma de se fazer arte, na ideia de uma arte que fosse genuinamente nacional e não uma cópia da Europa. Uma ideia que transporia, posteriormente, à política, o que Doria passa a explorar no capítulo seguinte, da formação de fato do Integralismo como movimento político e de Salgado como Chefe Nacional.

Ainda que não entre em profundidade no Fascismo italiano, Doria sugere em algumas passagens algumas das diferenças entre ele e o Integralismo. Se as semelhanças eram muitas, as diferenças também eram substanciais. A começar pela própria formação do movimento, afinal, trata-se de uma tentativa de capitalizar naquele fenômeno italiano formando um equivalente no Brasil. Mas, tratando-se de um país periférico, é natural e esperado que pontos-chave se alterem em relação à matriz italiana. A começar com o próprio público: ainda que tenha arregimentado todos os setores sociais, a tendência Fascista se concentrava majoritariamente na pequena burguesia e em veteranos de guerra, enquanto o Integralismo encontrou eco principalmente na elite financeira e intelectual. O Integralismo, ao contrário do Fascismo, surge com forte vinculação intelectualizada (Doria 2020: 125). Tanto que o seu trio principal não era formado por veteranos, mas por um escritor, um jurista e um historiador, e todos os três eram, ou viriam a ser, destaques em suas respectivas áreas.

Outro ponto importante do levantamento de Doria (2020: 143) que vale a pena ser mencionado é a cobertura jornalística rica que faz da Batalha da Sé - e de suas consequências. Trazendo relatos e depoimentos da época, tanto de Integralistas quanto de opositores, Doria reconstrói tanto a Batalha, quanto o que a precedeu e sucedeu. Em uma passagem essencial, demonstra um ponto apagado sobre Plínio Salgado: o seu antissemitismo. A historiografia do Integralismo lembra com frequência do antissemitismo de Gustavo Barroso, ou mesmo de sua aproximação com o Nazismo, mas, como não era um mecanismo do qual Salgado lançava mão com a mesma frequência, dá a impressão de que o Chefe Nacional não era antissemita. Não poderia ser mais distante da realidade. Para além da relação ambígua com o Nazismo (ao menos até o pós-guerra, quando Salgado, pela conjuntura, é forçado a renegar o nazifascismo e passa a equivaler o Nazismo ao comunismo, unidos pelo rótulo de totalitarismo), Salgado escreve, menos de uma semana depois da Batalha da Sé, um artigo no A Offensiva em que afirma que a Batalha foi patrocinada pelo Judeu Internacional. Não um judeu específico, mas o mesmo mito do Judeu Internacional presente nos Protocolos dos Sábios de Sião (inclusive traduzido por Gustavo Barroso), nos panfletos de Henry Ford, e nos argumentos hitleristas; a grande conspiração mundial judaica (amalgamada com o Bolchevismo em uma massa amorfa) que pretende destruir a nação ao instaurar um governo único global comunista-judaico (não sem motivo encontra eco nas teorias da conspiração contemporâneas sobre globalismo e contra o bilionário George Soros). Diz Salgado: “Declarei solenemente a guerra contra o judaísmo organizado. É o judeu o autor de tudo” e “Fomos agora atacados, dentro de São Paulo, por uma horda de assassinos, manobrados por intelectuais covardes e judeus. Lituanos, polacos e russos, todos semitas, estão contra nós, empunhando armas assassinas contra brasileiros” (Salgado apud Doria 2020: 143). Barroso vai além e declara que a guerra contra os judeus é a ordem do dia do Integralismo (Bertonha apud Doria 2020: 143).

Doria também é perspicaz em perceber o principal elo entre Integralismo e Bolsonarismo. Aliás, indo além, da extrema-direita brasileira em suas várias faces, incluindo a militar: o anticomunismo. Ponto-chave da discussão que traz no penúltimo capítulo, conforme analisa a criação do Plano Cohen, as pretensões de Salgado em sua candidatura em 1937 e retirada, logo após, para apoiar o Estado Novo, e o Levante Integralista de 1938; enquanto o último capítulo, como não poderia deixar de ser, trabalha a relação entre Integralismo e Bolsonarismo, sempre ante a questão do anticomunismo. Um anticomunismo transposto acriticamente para um país periférico, sem razão de ser. Pior no século XXI, não apenas fora do espaço, mas também anacrônico. Seja no Integralismo, no Plano Cohen, na Ditadura Militar, no Bolsonarismo, ou mesmo no interlúdio entre a Ditadura e a ascensão de Bolsonaro, com os escritos do General Sérgio de Avellar Coutinho (2002), o anticomunismo brasileiro se reconfigurou e reconstruiu conforme a necessidade do tempo. Em 1935, a Intentona é apropriada e utilizada como mecanismo para excitar os ânimos e criar histeria ante a possibilidade de uma nova tentativa fortalecida, o que daria origem ao Plano Cohen, documento falso criado por um Integralista. Já em 2002, o General Sérgio de Avellar Coutinho publica A revolução gramscista do Ocidente, ajudando a popularizar no país a ideia de marxismo cultural e marxismo-gramscismo, uma suposta tomada de poder, por parte da esquerda, por meio de um lento e gradual domínio das instituições. A histeria sobre o comunismo invisível permanece, se alteram os mecanismos que ele utiliza. Como bem lembra Doria (2020: 248), o anticomunismo é elemento fundante na cultura política nacional, por mais que o país nunca tenha lidado com uma ameaça real da extrema-esquerda.

Em geral, o livro de Doria é interessante. A escrita fluída (e mesmo corrida), as amplas descrições (o dia do encontro de Salgado com Mussolini, por exemplo, é descrito em minúcias com elementos como a temperatura e o ambiente) passam a impressão de que se está lendo um romance sobre Plínio Salgado e o Integralismo. Doria (2020: 32), por exemplo, se ocupa mais em descrever a aparência física de Mussolini do que compreender o Fascismo e compará-lo ao seu suposto sucessor brasileiro. Como peça de New Journalism, é uma obra que vale a leitura. Mas como reconstituição histórica sobre o Integralismo e o contexto, há opções mais ricas para os estudiosos do tema, como o recém-lançado livro de Odilon Caldeira Neto e Leandro Pereira Gonçalves (2020), ou o clássico de Hélgio Trindade (1979). Ainda assim, vale a leitura, principalmente para aqueles com interesse en passant na temática, que desejam apenas conhecer o Integralismo e adquirir uma noção sobre o que foi. Mas para os pesquisadores do Integralismo e movimentos análogos, o livro pouco contribuirá.

Sergio Schargel sergioschargel_maia@hotmail.com

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