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Anuario mexicano de derecho internacional

versión impresa ISSN 1870-4654

Anu. Mex. Der. Inter vol.17  Ciudad de México ene./dic. 2017

 

Doctrina

Existe um fundamento para afirmar um dever de cooperação internacional? Ensaio sobre o direito internacional no quadro da ética prática kantiana

Is There a Ground to Assert an International Cooperation Duty? Essay On International Law in the Context Of The Kantian Ethical Practice

Ademar Pozzatti Junior* 

* Professor adjunto de Direito Internacional na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM/Brasil), onde coordena o Núcleo de Pesquisa e Práticas em Direito Internacional (NPPDI). Possui Mestrado e Doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC/Brasil), com estágio de pesquisa junto à École de Droit do Institut d´Estudes Politiques de Paris (Sciences Po/França). E-mail: pozzatti@smail.ufsm.br.


Resumo:

A presente pesquisa investiga se existe um fundamento para afirmar que existe um dever de cooperação internacional ou se a colaboração é apenas um ato de cortesia entre os Estados. Esse trabalho busca fundamentar tal dever na teoria moral deontológica da tradição kantiana para mostrar que a sua concepção da razão prática impõe um dever de cooperação internacional. A hipótese deste trabalho é que existe um dever tanto moral quanto jurídico de cooperação internacional. Para a construção deste argumento, verifica-se como a ideia de dever ético se articula na direção da ação política e que é possível transpor o edifício ético kantiano para as relações internacionais através do desenvolvimento de um cosmopolitismo moral e jurídico. Por fim, verifica-se que o desdobramento contemporâneo de alguns desses preceitos pode sustentar um dever de cooperação internacional por parte dos Estados.

Palavras-chave: cooperação internacional; direito internacional público; filosofia política; teoria normativa das relações internacionais; Immanuel Kant

Abstract:

This study investigates whether there is a basis to assert that there is a duty of international cooperation or if the collaboration among states is only an act of courtesy. This work seeks to justify that duty on the deontological moral theory of Kantian tradition to show that his conception of practical reason requires a duty of international cooperation. The hypothesis is that there is a duty both morally and legal to international cooperation. For the construction of this argument, it is verified how the idea of ethical duty is articulated in the direction of political action and how it is possible to transpose the Kantian ethical building in direction to the international relations through the development of a moral and legal cosmopolitanism. Finally, it is verified that the contemporary unfolding of some of these precepts can sustain a duty of international cooperation by States.

Key words: international cooperation; public international law; political philosophy; normative theory of international relations; Immanuel Kant

Résumé:

Cette étude examine s’il existe une base pour affirmer qu’il y a une obligation de coopération internationale ou que cette collaboration est seulement un acte de courtoisie entre Etats. Ce travail cherche à justifier cette obligation par la théorie morale déontologique de tradition kantienne pour montrer que sa conception de la raison pratique impose le devoir de coopération internationale. L’hypothèse est qu’il y a un devoir à la fois moral et juridique de coopération internationale. Pour la construction de cet argument, on vérifie comment l’idée de devoir éthique est articulée dans le sens de l’action politique, et qu’on pourrait appliquer l’éthique kantienne aux rélations internationales par le développement d’un cosmopolitisme moral et juridique. On constate finalement que le déroulement contemporain de certains de ces préceptes peut soutenir un devoir de coopération internationale des États et qu’on pourrait appliquer l’éthique kantienne aux rélations internationales par le développement d’un cosmopolitisme moral et juridique

Mots-clés: la coopération internationale; droit international public; philosophie politique; théorie normative des relations internationales; Immanuel Kant

Sumário: I. Introdução. II. A cooperação entre a razão teórica e razão prática: do dever ético à ação política. III. Do dever das pessoas ao dever dos Estados: uma transposição possível?. IV. Além do direito estatal e do direito internacional, um direito cosmopolita. V. Um dever de cooperação internacional na atualidade? Releituras contemporâneas do projeto kantiano. VI. Conclusões. VII. Referências.

I. Introdução

Quando se fala de cooperação internacional se está a falar de um dever dos Estados ou de um mero ato de cortesia internacional? Os Estados cooperam porque querem e quando querem, ou existe um dever internacional que os obriga a cooperar? Existe algum fundamento capaz de afirmar que se trata de um dever? Para investigar estas questões, este trabalho propõe uma reflexão acerca dos fundamentos das teorias normativas que têm impacto nas relações internacionais e que poderiam fundamentar a existência de um dever de cooperação internacional. Assim, na esteira do ressurgimento do interesse pelas teses kantianas do direito cosmopolita, este trabalho tem por objetivo examinar a possibilidade de fundamentar o dever de cooperação internacional na ética prática de inspiração em Immanuel Kant.

É importante ressaltar que neste trabalho não se quer debater Kant, no sentido de praticar uma exegese kantiana no contexto do seu idealismo transcendental, mas tão somente quer-se discutir o uso contemporâneo das suas ideias. Ora, reconhecendo que existe uma tradição de pensamento inspirada no filósofo de Königsberg, este trabalho pretende fazer um uso instrumental de Kant segundo a sua tradição realizada por alguns dos seus comentadores. Dessa forma, frisa-se, o argumento de que existe um dever de cooperação internacional não é feito por Kant, mas a partir de uma inspiração kantiana -juntamente com os seus comentadores contemporâneos- este artigo vai propor tal entendimento.

O objetivo deste trabalho é responder à pergunta: em que medida existe um dever de cooperação internacional? Para responder a essa pergunta proceder-se-á a uma abordagem normativa do tema capaz de fundamentar tal dever. Para tanto, neste artigo será abordada a teoria moral deontológica da tradição kantiana para mostrar de que forma a sua concepção da razão prática, isto é, a capacidade humana racional de deliberação prática, impõe um dever de cooperação internacional. Nesse sentido será visto como é possível transpor o edifício ético kantiano para as relações internacionais através da ideia de um direito cosmopolita, que rege as relações entre Estados e indivíduos de outros Estados.

Para a construção do eixo argumentativo deste artigo, primeiramente serão delineados os elementos da tradição kantiana capazes de afirmar a existência de um dever ético e, em seguido, será visto o impulso dado a ele por Kant na direção da ação política (Parte 1). No segundo momento será visto como se pode transpor o edifício ético kantiano para as relações internacionais (Parte 2) até o desenvolvimento do seu cosmopolitismo moral e jurídico (Parte 3). Por fim, será investigado se o desdobramento contemporâneo de alguns de seus preceitos pode sustentar a ideia de que existe um dever de cooperação internacional por parte dos Estados que seria estabelecido por um direito internacional constitucionalizado (Parte 4).

II. A cooperação entre a razão teórica e razão prática: ]do dever ético à ação política

A filosofia kantiana fornece recursos conceituais de análise para questões concernentes às relações internacionais contemporâneas e, ainda mais especificamente, a partir de Immanuel Kant1 se pode falar em um verdadeiro dever de cooperação internacional a partir do princípio supremo da moralidade.2 Para entender isto, é necessário verificar como se dá a construção do edifício ético em Kant.

Na obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes,3 ao tratar da filosofia prática, da ética em geral, Kant assinala que o homem não tem somente uma faculdade cognoscitiva, mas que a sua moralidade se manifesta também no agir. Desse modo, aceitando a clássica distinção entre razão teórica e razão prática, e, dando primazia a esta última, ele observa que, junto à faculdade cognoscitiva, há também no homem uma faculdade racional dirigida à ação.4 Com essa faculdade, o homem dispõe de um dado a priori, de um valor absoluto impossível de negar a existência do dever em cada ação. Trata-se de um dever ético, que é usado neste artigo para propor a fundamentação da cooperação internacional.

1. Direito e moral em Kant

Para possibilitar esta empreitada argumentativa, inicialmente é importante fazer a distinção entre direito e moral para poder entender se, quando se fala de dever de cooperação internacional, se fala de um dever moral ou de um dever jurídico.

É princípio fundamental da ética kantiana a autonomia da razão prática. Assim, para que uma vontade possa querer por puro dever, é necessário que não esteja submetida a uma lei estranha, mas que seja legisladora de si mesma. Destarte, só obedecerá à própria lei, que é, por seu turno, lei universal. Com isso, a autonomia da vontade torna-se princípio de todas as leis morais e dos deveres que a elas se conformam.5 Da autonomia da vontade provêm a legislação moral e a legislação jurídica. As leis jurídicas referem-se às ações externas, enquanto que as leis morais dizem respeito às ações internas do homem.6

Assim, para Kant, a ética abarca todos os deveres do homem, sejam internos (moral) ou externos (direito). Ele distingue, assim, no âmbito da conduta humana, a legislação interna da legislação externa. Ambas se diferenciam pelo seu objeto: o direito se ocupa da legislação prática externa de uma pessoa em relação às outras, na medida em que seus atos possam exercer influência uns sobre os outros.

A legislação moral tem um objetivo mais amplo do que a jurídica, uma vez que esta só prescreve, segundo Kant, atos externos, enquanto aquela prescreve, ademais, a intensão das ações.7 Por isso, o direito se conforma com a mera legalidade, isto é, a concordância do ato externo com a lei sem levar em conta a sua intenção. Ao revés, a lei moral requer intenção, ou seja, o cumprimento da ação por puro (e autônomo) dever. Significa dizer: a conformidade com a ideia do dever que deriva da lei chama-se moralidade.8

Sintetiza Kant: “A conformidade ou a não conformidade pura e simples de uma ação com a lei, sem ter em conta os seus motivos chama-se legalidade ou ilegalidade. Porém essa conformidade, na qual a ideia do dever deduzida da lei é ao mesmo tempo um móvel da ação, é a moralidade da ação”.9

Assim, “a legislação que de uma ação faz um dever e que ao mesmo tempo dá tal dever por motivo, é a legislação moral. No entanto, aquela que não faz entrar o motivo na lei, que, consequentemente, permite outro motivo à ideia do próprio dever é a legislação jurídica”.10 Na moral exige-se uma adesão total da ação à lei moral, incluído o motivo da ação. Disso resulta que o tema da legalidade da conduta jurídica se resolve na própria ação, enquanto que o tema da moralidade, na intenção da ação. Entretanto, para o direito, a intenção só se torna relevante quando se exterioriza, isto é, quando se confronta com a esfera da liberdade do outro. Na legislação moral predomina o momento interno da ação, inobstante o motivo seja, sempre, agir pela lei moral.

Observe-se que tanto a moral quanto o direito têm o mesmo objetivo: assegurar a liberdade do homem, impedindo que esse possa ser rebaixado à condição de simples meio (não sendo, pois, considerado um fim em si mesmo). Ocorre que, enquanto a moral busca a liberdade interna, a independência do sujeito em relação a todo o dever que não seja o dever autônomo, o direito realiza a liberdade do agir externo na convivência com os demais. Isso porque no direito, é fundamental que a ação se exteriorize, deparando-se com a instância do arbítrio de outro ser humano.11

Daí a definição kantiana de direito como o conjunto de condições sob as quais o arbítrio de cada um pode conciliar-se com o arbítrio dos demais segundo uma lei universal de liberdade.12 Essa lei universal do direito é expressa da seguinte maneira: “age exteriormente de modo que o livre uso de teu arbítrio possa se conciliar com a liberdade de todos segundo uma lei universal”.13

Assim, o direito consiste na relação entre dois arbítrios de modo que, o que funda o direito é a condição geral que deve convir ao mesmo tempo a todos os arbítrios. Tal condição é a liberdade. Nesse sentido, Kant afirma que:

...o conceito de um direito externo em geral decorre totalmente do conceito de liberdade na relação externa dos homens entre si e nada tem a ver com o fim, que todos os homens de modo natural têm (o direito de felicidade), nem com a prescrição dos meios para aí chegar; pelo que também este último fim não deve absolutamente mesclar-se naquela lei como princípio determinante da mesma. O direito é a limitação da liberdade de cada um à condição de sua consonância com a liberdade de todos, enquanto esta é possível segundo uma lei universal.14

Destarte, o direito é a forma universal da coexistência das liberdades individuais, de modo que a liberdade de cada um é limitada exclusivamente em função das liberdades das outras pessoas, com base na igualdade dos direitos de liberdade. Por serem os homens iguais e livres, faz-se necessário introduzir o elemento coerção no direito, visto que o direito não tem o dever como móbil, mas a preservação da liberdade dos indivíduos. Por isso, a coercibilidade é o instrumento através do qual se anulam as possibilidades de obstaculizar o uso da liberdade dos outros.15

Desta forma, com Kant, “a coerção justifica-se para limitar a coação que o outro me exerce, contrariando a minha ação, configurando um obstáculo à minha liberdade”. O obstáculo ao obstáculo à liberdade é justo, porquanto concorda com a liberdade segundo leis universais.16 Assim, o respeito do outro como pessoa é a mais profunda dimensão ética do direito, onde está ligada a noção de amor ao próximo, o que implica “pensar pondo-se no lugar de um qualquer outro”17 o que pressupõe o exercício da corresponsabilidade pois os homens estão ligados entre si porque são homens, pela sua humanidade.

É nesses termos que se pode pensar um dever de cooperação quando se trata de realizar os direitos humanos mais básicos. Trata-se do agir para com o outro da forma como eu gostaria que o outro agisse comigo. É o que Kant chama de “pensar no lugar de todo o outro”, como sendo um “pensar alargado”, em uma lógica de consciência da reciprocidade.18 Ao referir-se à pessoa de mentalidade alargada, quer dizer que essa não se “importa com as condições privadas subjetivas do juízo”, e sim “reflete sobre o seu juízo desde um ponto de vista universal (que ele somente pode determinar enquanto se transpõe para o ponto de vista dos outros).19 Para ele, então, a máxima do pensar alargado nada mais é do que o exercício da “faculdade do juízo”.20

Disso se pode afirmar que a cooperação, de uma forma ampla, pode ser entendida como um dever moral e também como um dever jurídico. Trata-se de um dever moral porquanto é eticamente desejável cooperar com o outro pois se espera do outro a mesma cooperação. A cooperação será um dever jurídico quando sua norma for positivada e puder ser executada pela estrutura política institucional.

2. Imperativo categórico e dignidade humana

A ética kantiana foi construída encima da ideia de que a moralidade pode resumir-se num princípio fundamental, a partir do qual se derivam todos os deveres e obrigações da humanidade. Kant chamou a este princípio de imperativo categórico,21 o qual exprimiu da seguinte forma, em oposição ao imperativo hipotético:

Quando penso um imperativo hipotético em geral, não sei de antemão o que poderá conter. Só o saberei quando a condição me seja dada. Mas se pensar um imperativo categórico, então sei imediatamente o que é que ele contém. Porque, não contendo o imperativo, além da lei, senão a necessidade da máxima que manda conformar-se com esta lei, e não contendo a lei nenhuma condição que a limite, nada mais resta senão a universalidade de uma lei em geral à qual a máxima da ação deve ser conforme, conformidade essa que só o imperativo nos representa propriamente como necessária. O imperativo categórico é portanto só um único, que é este: Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.22

Esta é a formula básica do imperativo categórico. Trata-se de um imperativo formal, pois somente prescreve a forma e não o conteúdo (matéria) da ação.23 A fórmula “não concerne à matéria da ação e ao que deve resultar dela, mas à forma e ao princípio do qual ela própria se segue, e o que há de essencialmente bom na mesma consiste na atitude, o resultado podendo ser o que quiser”.24

No entanto, na mesma obra, Kant deu outras formulações do princípio moral essencial: “Age como se a máxima da tua ação se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da natureza”;25 “Age de tal maneira que tomes a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre ao mesmo tempo como fim, nunca meramente como meio”;26 e “todas as máximas, por legislação própria, devem concordar com a ideia de um reino possível dos fins, como um reino da natureza”.27 Essas fórmulas evidenciam as duas características do imperativo categórico: a universalidade e o caráter de necessidade (dever) que ele impõe à ação.

Dentro dessa perspectiva a cooperação também pode ser vista como um imperativo categórico, devido à sua universalidade (satisfação dos projetos alheios, que, em última análise, são os meus projetos) e a sua necessidade (primeiramente porque é condição necessária para a concretização de muitos direitos humanos, e, por isso, se trata de um dever e não de mera cortesia). Nessa perspectiva, a concretização da dignidade humana se coloca como o fundamento maior do dever de cooperação.

Ora, da crença de Kant de que a moralidade exige que as pessoas sejam tratadas “sempre como um fim e nunca apenas como um meio” vem todo o humanismo da sua obra. Esse humanismo está presente na ideia de que o valor dos seres humanos “está acima de qualquer preço”. Para Kant isso não tem apenas um efeito retórico, mas sim um juízo objetivo sobre o lugar dos seres humanos na ordem das coisas.28 Assim, as pessoas têm “um valor intrínseco, isto é, dignidade”, porque são agentes racionais, ou seja, agentes livres com capacidade para tomar as suas próprias decisões, estabelecer os seus próprios objetivos e guiar a sua conduta pela razão.29

Como a lei moral é a lei da razão, os seres racionais agem de acordo com a lei moral porque assim o devem fazer. Esse dever é a única coisa com “valor moral” para Kant, e deve ser exercido em consonância com as condições que tornam factível a moralidade assim definida. Tais condições são os chamados postulados da razão prática, dentre os quais está a liberdade. Assim, o diálogo entre a razão teórica e a prática concretiza-se através da liberdade, consubstanciada na obrigação moral.30

Por ser racional, o ser humano é moral. E dessa moralidade advém a ideia de tratar os outros de forma que tal tratamento pudesse se tornar uma lei universal. Nessa lei universal estão inseridos a solidariedade e o “dever de hospitalidade”, conceitos que Kant empresta ao presente trabalho a fim de fundamentar o dever de cooperação. Para embasar esse dever de “hospitalidade jurídica”, urge que a jurisdição tenha uma mentalidade alargada, humanizada e não restrita ao conforto do Estado nacional.

Assim, pode-se encontrar o fundamento da cooperação na ética kantiana, de tal forma a verificar-se que, através da ideia de solidariedade, pode-se compreender a ideia de cooperação internacional. Essa compreensão é indispensável para o desenvolvimento da hipótese desse trabalho, de que a cooperação não é um ato de cortesia entre os Estados, mas um verdadeiro dever.

III. Do dever das pessoas ao dever dos Estados: uma transposição possível?

A fim de cuidar da analogia entre a ética das pessoas e das instituições políticas é importante a obra À Paz Perpétua de Kant, de Soraya Nour. A autora, na esteira de Kant, refere que, da mesma forma que se pode encontrar no conceito de pessoa um princípio fundamental, “assim, também o Estado, a partir de uma analogia que Kant constrói entre pessoas e instituições políticas, não é considerado uma coisa da qual se pode dispor como se queira, e sim uma “pessoa moral”... que dispõe de soberania”.31

Portanto, da mesma forma que a liberdade de cada indivíduo não deveria ultrapassar a esfera da liberdade dos demais indivíduos, Kant passa a se preocupar com a relação da liberdade dos Estados e a sua coabitação em um espaço finito.32 Assim, da mesma forma que o direito estatal deve apenas se limitar a garantir a liberdade dos homens, o direito cosmopolita deveria ser limitado às condições da hospitalidade universal.33

Para atingir esse ideal de relações internacionais colaborativas, Kant revigora o direito cosmopolita, discurso que já havia sido abordado por muitos pensadores de diversas matizes, desde a Antiguidade Clássica.34 Porém, foi Immanuel Kant, com a obra Ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita, de 1784, quem “deu à luz científico-filosófica” ao cosmopolitismo.35 Nesta obra Kant reconhece que “o maior problema para a espécie humana, a cuja solução a natureza a obriga, é alcançar uma sociedade civil que administre universalmente o direito”.36 Este problema, segundo ele, será o último a ser resolvido pela espécie humana, uma vez que a vasta maioria dos homens tem necessidade de líderes (ou senhores), que os obriguem a obedecer à vontade “universalmente válida”.

Compreendendo o “estado de natureza” como um estado de guerra, Kant acredita que a paz deva ser assegurada por estruturas jurídicas institucionais, conferindo, dessa forma, relevância ao direito público.37 Kant constata a “insociável sociabilidade dos homens, ou seja, sua tendência a entrar em sociedade que está ligada a uma oposição geral que ameaça constantemente dissolver esta sociedade”,38 levando o homem ao mesmo tempo à concórdia e à discórdia.

Assim, “uma sociedade na qual a liberdade sob leis exteriores encontra-se ligada ao mais alto grau a um poder irreversível, ou seja, a uma constituição civil perfeitamente justa deve ser a mais elevada tarefa da natureza para a espécie humana”.39 Mas, “o problema do estabelecimento de uma constituição civil perfeita depende do problema da relação externa legal entre Estados e não pode ser resolvido sem que este último o seja”.40

Dessa forma, a solução encontrada por Kant é a criação de uma “federação de nações”,41 o que alguns comentadores vão chamar erroneamente de estado civil mundial, ou ainda, estado cosmopolita:

A mesma insociabilidade que obrigou os homens a esta tarefa [estabelecimento de uma constituição civil] é novamente a causa de que cada república, em suas relações externas -ou seja, como um Estado em relação a outros Estados-, esteja numa liberdade irrestrita, e consequentemente deva esperar do outro os mesmos males que oprimiam os indivíduos e os obrigavam a entrar num estado civil conforme leis.42

Segundo Katrin Flinkschuh, não se trata de um estado civil mundial, mas de uma federação mundial:

Tradicionalmente, os teóricos das as relações internacionais tendem a associar o cosmopolitismo de Kant, ou seja, a sua ideia de ‘cidadãos do mundo’ (Weltburger), com um apelo a um Estado mundial - uma proposta que, como políticos realistas, elas foram extremamente cauteloso, não sobretudo por causa de a perda implícita de soberania do Estado.43

Assim, Katrin Flinkschuh constata a analogia que Kant faz entre indivíduos e Estados, por serem dois tipos de pessoas morais, ao mesmo tempo que esclarece a ausência de qualquer autocontradição na expressão estado federal mundial:

Uma vez que Kant faz uma analogia explícita entre indivíduos e estados como dois tipos de pessoa moral, a exigência de que estados ceder (parte da) a sua soberania, a fim de se submeter a uma autoridade superior não é mais contraditória do que a demanda de que os indivíduos desistir de sua liberdade sem lei no momento da entrada na sociedade civil.44

Entretanto, a autora argumenta que, embora existam leituras divergentes acerca de se tratar de um Estado mundial ou uma associação federativa, impõe-se uma leitura em favor desta última, não somente por uma questão pragmática (Estados simplesmente não estariam preparados para abrir mão de sua soberania), mas porque os Estados perderiam a sua liberdade ao se submeterem a um estado mundial, o que contradiria toda a construção kantiana da existência do direito. Para Katrin Flinkschuh:

Nesta leitura, a ideia de um Estado mundial contradiz as razões para a sua criação, na medida em poderes coercivos de um estado mundial minariam as possibilidades de estados associarem-se livremente uns com os outros. Unificação sob um Estado mundial seria baseado na ameaça de coerção, o que é contrário à afirmação de Kant de que uma paz duradoura mundial deve ser premissa a rejeição, em princípio, de recorrer à ameaça ou uso da força entre os Estados.45

Então, ao invés de estado mundial, este estado civil poderia ser chamado de estado cosmopolita, que seria uma verdadeira “federação de nações em que todo Estado, mesmo o menor deles, pudesse esperar sua segurança e direito não da própria força ou do próprio juízo legal, mas somente desta grande confederação de nações (Foedus Amphictyonum) de um poder unificado e da decisão segundo leis de uma vontade unificada”.46

Kant reconhece que, “tão fantástica quanto essa ideia possa parecer, e embora, enquanto tal se preste ao riso no Abée de Saint-Pierre ou em Rousseau... é a saída inevitável da miséria em que os homens se colocam mutuamente”.47 Esse movimento que levou o homem selvagem a renunciar a sua liberdade é um movimento objetivo da natureza humana, que, “depois de várias revoluções e transformações, finalmente poderá ser realizado um dia aquilo que a natureza tem como propósito supremo, um estado cosmopolita universal”.48 E este estado cosmopolita universal impõe aos Estados o dever de cooperação entre eles, como será visto a seguir.

IV. Além do direito estatal e do direito internacional, um direito cosmopolita

O Estado cosmopolita mundial desempenha entre os Estados o papel de um imperativo categórico, cujo instrumento de realização é o direito cosmopolita, construção esta que aparece no terceiro artigo da Paz Perpétua como uma terceira condição positiva para a efetivação da paz, ao lado da existência do direito interno e do internacional.

Quanto a essa terceira condição, Katrin Flinkschuh diz que:

Kant reconhece três níveis distintos, embora relacionados, de relações jurídicas: o “Direito de um estado” especifica relações de direito entre pessoas dentro de um estado; o “Direito de nações” pertence às relações de direito entre os estados; e `o direito para todas as nações’ ou “Direito cosmopolita” diz respeito às relações de direito entre pessoas e Estados estrangeiros.49

Quanto a esta terceira dimensão do direito, Soraya Nour diz tratar-se do “direito dos cidadãos do mundo, que considera cada indivíduo não membro de seu Estado, mas membro, ao lado de cada Estado, de uma sociedade cosmopolita”.50 Assim, o direito cosmopolita não se confunde com o direito interno ou o internacional, pois considera ao mesmo tempo os homens e os Estados nas sua relação externa de influência recíproca, como cidadãos de um estado cosmopolita de toda a humanidade, que não se confunde com um estado mundial.51 Assim, o cosmopolitismo não pressupõe a existência de um Estado supranacional e nem confunde o direito cosmopolita com um direito supranacional.

Como não existe um estado mundial que se ocupasse do estabelecimento de uma cidadania mundial em detrimento das cidadanias locais, o direito cosmopolita agasalha uma cidadania que se soma às cidadanias nacionais. Nesse sentido:

...cidadãos globais são cidadãos sem um Estado mundial que mantêm sua cidadania em relação aos estados individuais dos quais eles são membros. A ideia do cidadão do mundo como um cidadão sem um Estado mundial ganha cada vez mais força entre os debatedores de justiça global, seja este no contexto de uma federação europeia, o debate internacional dos direitos humanos, ou que o direito internacional em geral.52

Kant expõe de forma mais acabada a sua ideia de cosmopolitismo em A paz perpétua, de 1795, ao revelar que a premissa para as três dimensões do direito (estatal, internacional e cosmopolita) é absolutamente a mesma: a recíproca influência física dos homens. Ora, como a Terra não é uma superfície infinita, mas sim fechada sobre si mesma,53 não se pode evitar a proximidade espacial com outras pessoas, de modo que os habitantes de toda a Terra passam a constituir um sistema em que “o ataque a um direito em um lugar da Terra é sentido em todos”.54

Kant é categórico ao afirmar o caráter jurídico do direito cosmopolita: “trata-se aqui, como nos artigos precedentes, não de filantropia, mas de direito”.55 Com essa afirmação, Kant se preocupa em dotar de tangibilidade o seu projeto de paz perpétua, negando o seu caráter utópico.56

Nesse sentido, elucida Katrin Flinkschuh, afirmando que “O status de direito cosmopolita como um ‘direito estrito’, ou seja, quanto externamente executório, portanto, sujeito a institucionalização e implicando obrigações por parte do titular do direito”.57 E segue a autora alegando serem os direitos humanos universais a materialização do discurso do direito cosmopolita:

Se alguém aceita o direito cosmopolita dos indivíduos à hospitalidade como um direito estrito, as suas obrigações e os requisitos para a aplicação da lei institucionalizada correspondentes impor restrições à agência internacional que sejam mais estritas do que o conteúdo escasso de direito cosmopolita pode, inicialmente, sugerir. Isto não é negar que a concepção de Direito cosmopolita de Kant requer alguma extensão nas condições atuais da globalização. Como já indicado, isso agora é muitas vezes feito por meio de vinculação Direito cosmopolita de Kant às disposições atuais sobre direitos humanos.58

Da mesma forma, na Doutrina do Direito, de 1797, o projeto de paz ganha maior tangibilidade: “Esta ideia racional de uma comunidade pacífica perpétua de todos os povos da Terra (mesmo quando não sejam amigos), entre os quais podem ser estabelecidos relações, não é um princípio filantrópico (moral), mas um princípio de direito”.59

De uma forma geral, o direito cosmopolita assim como todo o edifício jurídico kantiano decorrente da “coexistência inevitável” dos homens, e de nenhum princípio metafísico. Isto fica claro no parágrafo 42 da Doutrina do Direito: “Do direito privado no estado de natureza surge, então, o postulado do direito público: deves, em vista da relação de coexistência inevitável com todos os outros, sair do estado de natureza para entrar num estado jurídico, quer dizer, num estado de uma justiça distributive”.60

Quanto ao conteúdo do direito cosmopolita, o terceiro artigo definitivo à paz perpétua assevera que “o direito cosmopolita deve se limitar às condições de uma hospitalidade universal”.61 O direito cosmopolita é estabelecido a partir do princípio de que todos, originalmente, têm o mesmo direito sobre o solo e, assim, “ninguém tem mais direito que um outro de estar em um lugar da Terra”.62 Assim, do direito à liberdade tão caro à filosofia política kantiana decorre o “direito de visita”,63 ou seja, “o direito do cidadão da Terra de tentar a comunidade com todos e, para esse fim, de visitar todos os lugares da terra”64 e o “direito de hospitalidade”.65 que é o direito de, “na tentativa de se relacionar com o outro, não ser tratado pelo estrangeiro como inimigo”.66 Nas suas palavras:

...hospitalidade significa aqui o direito de um estrangeiro a não ser tratado com hostilidade em virtude de sua vinda ao território de outro. Este pode rejeitar o estrangeiro, se isso puder ocorrer sem a ruína dele, mas enquanto o estrangeiro se comportar amistosamente no seu lugar, o outro não deve confrontar com hostilidade. Não existe nenhum direito de hóspede... mas um direito de visita, que assiste todos os homens para se apresentar à sociedade, em virtude do direito de propriedade comum da superfície da terra, sobre a qual, enquanto superfície esférica, os homens não podem estender-se até o infinito mas devem finalmente suportar-se uns aos outros, pois originariamente ninguém tem mais direito do que outro a estar num determinado lugar da Terra.67

Observe-se que uma decorrência do fato de o direito cosmopolita ser um direito sem Estado faz com que ele tenha um conteúdo um tanto quanto restrito - de onde se poderia afirmar um dever de cooperação, mas não de intervenção:

O Rechtslehre define direito cosmopolita, ou seja, os direitos dos particulares contra um Estado estrangeiro, como ‘o direito de hospitalidade’. Cada indivíduo tem o direito de não ser maltratados ou perturbado nas suas possessões quando em território estrangeiro. De uma forma mais geral, , eles têm o direito de `oferta para se envolver no comércio com o outro’, e ‘a direito para tentar estabelecer comunidade com tudo, e para este fim, para visitar todas as regiões da terra’. No entanto, o direito de hospitalidade não é o direito de um convidado para ficar o tempo que quiserem, nem é um direito de cidadania daquele Estado. O direito de hospitalidade é estritamente limitado a um direito de residência temporário e o direito de ser tratado com justiça para a duração de sua estadia.68

Mas não são só direitos que advém da ideia de direito cosmopolita, mas também deveres, já que o direito de não ser maltratado pelos indivíduos ou governo de um estado estrangeiro engloba a obrigação de respeitar a lei da terra e de não atacar sujeitos ou o governo da do Estado ou comunidade em questão.69

Dessa forma, o ideal kantiano pressupunha um mundo de grande interação, reconhecedor da notável influência que os abalos produzidos em um Estado produzem em todos os outros Estados, o que lastreia a aplicação do pensamento kantiano no mundo contemporâneo, onde é grande a interação entre os Estados. Assim, percebe-se que muitos dos temas contemporâneos das relações internacionais são essencialmente kantianos, como a sociedade civil global, as instituições jurídicas internacionais e o cosmopolitismo. Igualmente, a cooperação internacional nos dias de hoje é, em boa medida, um tema kantiano, que pode ser entendida na esteira da ideia cosmopolita de hospitalidade.

A lógica da cooperação causa um impacto direto na ideia de autodeterminação do Estado. Ora, a independência de um Estado, ser moral, não pode ser exagerada a ponto de autorizar a violação dos direitos de outro Estado, e mais do que isto, de obstaculizar a cooperação internacional para a efetivação de direitos humanos, por exemplo. Nesse sentido deve se constatar que o dever de cooperação impõe limites autonomia do Estado, devendo ser seguida por uma verdadeira reorganização da teoria político-jurídica da modernidade.

Note-se que este “estreitamento” ao nacional, que deve ser superado, e o “alargamento” ao cosmopolita, que deve ser alcançado, decorrem, em boa medida, da prática da solidariedade que, pode-se dizer, radica no coração da ideia de “mentalidade alargada”, na medida em que essa somente se realiza em consideração ao “outro”, mas também exige um esforço de imaginação, um tipo de “pensamento nômada”.

Assim como são tantos os desdobramentos do pensamento kantiano, muitas são as suas críticas. Uma das principais censuras feitas ao pensamento kantiano é o seu idealismo. Ora, trata-se de uma das tantas desfuncionalidades da gramática realista a ser abordada nesta pesquisa, onde o -necessário- idealismo é pejorativo, e não benfazejo. Preocupados com essas críticas, e determinados em operacionalizar a teoria kantiana na atualidade, importante as considerações de Otfried Höffe e Jürgen Habermas que serão desenvolvidas a seguir.

V. Um dever de cooperação internacional na atualidade? Releituras contemporâneas do projeto kantiano

Otfried Höffe é um autor que atualiza o pensamento kantiano aplicando-o às relações internacionais contemporâneas. Ele apresenta “a globalização como o crescimento e consolidação das relações internacionais”, o que demandaria a atualização da proposta kantiana para um cosmopolitismo multifacetado com a integração entre a esfera local e a internacional, e entre as esferas locais.70 Essa perspectiva complexa e realista do cosmopolitismo é capaz de fundamentar um dever de cooperação internacional.

Ora, é inegável que a globalização afeta as premissas em que se funda o tradicional modelo de Estado e de direito. Nesse sentido, igualmente o conceito de cidadania está modificado para abarcar a “cidadania cosmopolita”.71 Dessa forma, para ser cidadão do mundo, não é crível que se renuncie às identidades locais. A proposta de Höffe destaca o cosmopolitismo graduado que envolva uma república mundial complementar aos Estados e refuta a ideia de um estado mundial homogêneo:

...o estado mundial que, como resultado do imperativo legal e político universal é confiada à humanidade em sentido jurídico-moral, deve ser estabelecido como um complemento, subsidiário e também república mundial federal. Dentro dele, seremos cidadãos do mundo, mas não sentido exclusivo, mas complementares. O conceito único responde ao que o cosmopolitismo que... nos coloca de estar na frente da vida política concreta; e, geralmente, um sentimento de superioridade moral, diz que não é alemão, francês ou italiano, mas só cidadão do mundo. Aqui um Estado mundial tomando o lugar dos Estados individuais aparecer, e direito cosmopolita irá substituir a lei civil nacional; nesse estado mundo globalista uniforme, você é um cidadão do mundo, em vez de um cidadão de um Estado.72

Mesmo se pensando o cosmopolitismo como uma utopia, Höffe apresenta-se como uma possibilidade para repensar alguns dos problemas decorrentes da crise de pertencimento e de deliberação democrática nos dias atuais, na medida em que o reconhecimento da alteridade, da dignidade e solidariedade, apresenta-se como fundamental ao futuro da humanidade. A partir desses topoi se pode pensar outras composições da ideia de soberania, posições estas justificadas no fato de que, atualmente os direitos humanos não têm pátria nem país, ao contrário, caracterizam-se pela universalidade. Justamente motivado por esses múltiplos pertencimentos é que Höffe propõe a ideia de múltiplas cidadanias: local, nacional e mundial. O importante é ressaltar que a cidadania mundial não exclui a cidadania de um país, mas deve conviver com ela, no que se poderia chamar de dupla natureza jurídica da cidadania.73

Nessa perspectiva, com Höffe, se poderia argumentar que, por haver direitos humanos universais, existem direitos que pertencem às pessoas independentemente de elas serem cidadãos desse ou daquele Estado. A existência desses direitos humanos universais -que dão conteúdo à cidadania cosmopolita e ao estado mundial de Höffe- exige uma determinada ação colaborativa dos Estados para a sua concretização. Mais do que isso, a governança internacional emergente da existência de direitos humanos universais exige dos Estados ações colaborativas buscando a efetivação dos mesmos. Assim, a cooperação entre os Estados -para a concretização dos direitos humanos- não seria uma mera cortesia internacionais, mas um verdadeiro dever dos Estados.

Outro importante filósofo contemporâneo a dar continuidade ao projeto cosmopolita kantiano é Jürgen Habermas, para quem a crescente interdependência das sociedades favoreceria a implementação da paz no mundo.74 O seu pensamento político representa uma contribuição importante para a problematização de temas como a constitucionalização do direito internacional, cidadania e governança global. Diferentemente de Höffe que defende um estado mundial federalizado, Habermas defende a criação de uma instituição mais branda: uma aliança ou uma federação de nações.

Na época em que Kant escreveu A paz perpétua, ainda não havia se desenvolvido a estrutura capitalista que resultou no crescente conflito de classes sociais. Por isso Habermas diz que algumas premissas kantianas, trabalhadas no século XVIII, encontrariam dificuldades conceituais atualmente, necessitando de certas reformulações. Mas qual proposta Habermas apresenta para que o projeto kantiano da paz perpétua possa manter-se vivo após 200 anos de sua edição?

O primeiro passo para delinear uma proposta cosmopolita é a revisão de alguns dos fundamentos propostos por Kant, já que a história não demonstrou a validade de alguns dos seus principais postulados. O pacifismo das repúblicas não se sustentou face aos nacionalismos e a distinção entre soberania interna e soberania externa. A defesa kantiana da força socializante do comércio não previu que o desenvolvimento capitalista conduziria a uma oposição entre classes sociais que ameaçaria duplamente tanto a paz e a característica supostamente pacífica das sociedades liberais. Por sua vez, a ideia de um espaço público foi degenerada pela manipulação das mídias de massa e pela atomização dos indivíduos.

Além das inconsistências anteriores, Habermas aponta para a deficiência mais marcante no projeto de paz kantiano que é a ideia de uma aliança federativa entre os povos. Habermas entende que nesse ponto Kant fez uma concessão ao realismo estatalista. Explica-se, na visão de Kant, seria suficiente uma aliança federativa de povos em que os Estados, cientes de suas obrigações morais, abandonariam o equilíbrio de forças. Habermas não se contenta com essa assertiva e afirma que Kant não estabeleceu a devida forma jurídica capaz de obrigar os Estados a permanecer na proposta aliança federativa. A crítica de Habermas é no sentido de que ao confiar no voluntarismo dos Estados, Kant fragilizou qualquer possibilidade de um direito público verdadeiramente internacional.75

Ainda Habermas denuncia uma lacuna conceitual no projeto kantiano por não definir se trata-se de uma república mundial ou de uma federação de Estados livres. Para Habermas -acompanhando Katrin Flinkschuh- não é viável pensar um Estado mundial a partir do estudo do constitucionalismo e da análise das diferenças existentes entre a domesticação do poder no âmbito interno dos Estados, nas relações internacionais e nas relações entre os Estados e os cidadãos.

A dificuldade essencial seria transportar para o nível das relações internacionais o mesmo raciocínio contratualista que pode ser desenvolvido no âmbito doméstico.76 Então, para tratar da questão da superação do voluntarismo dos Estados na ordem internacional Habermas desenvolve uma concepção de constitucionalização do direito internacional “que leve em conta o equilíbrio federativo e a disseminação do poder em mecanismos procedimentalizados de participação cívica”.77 Segundo ele, “adotando o ponto de vista de uma constitucionalização do direitos das gentes, o qual, para além do status quo, aponta com Kant para um futuro estado jurídico cosmopolita”,78 seria uma forma de perquirir a existência de uma ordem jurídica internacional. E essa ordem jurídica imporia um dever de cooperação internacional entre os Estados.

Nas suas palavras, a “constitucionalização do direito internacional não pode ser entendida como a continuação lógica da domesticação de um poder estatal que surgiu naturalmente”, já que “o ponto de partida para a juridificação pacificadora das relações internacionais é constituído de um direito internacional que, do ponto de vista da sua forma clássica, inverte a relação entre Estado e constituição”.79

Essa inversão reside na assimetria de poder entre os Estados que, embora formalmente iguais, não se relacionam como sujeitos livres e iguais na mesma forma dos cidadãos no âmbito interno. Ademais, há a ausência de um poder de polícia supranacional capaz de impor aos Estados soberanos a realização das possíveis regras tal como acorre no plano doméstico.80 Quanto à constitucionalização do direito internacional:

O direito internacional clássico já é uma espécie de constituição na medida em que produz uma comunidade jurídica entre as partes que formalmente têm direitos iguais. Traços essenciais desta proto-constituição do direito internacional a distinguem da constituição republicana. Não é composta por sócios jurídicos individuais, mas por atores coletivos; também não tem a função de constituir governos, mas sim formar poderes. Além disso, para ser uma constituição, em sentido estrito, falta à comunidade dos sujeitos do direito internacional a força do compromisso das obrigações jurídicas recíprocas.81

Nesse ponto, Habermas não confia apenas no voluntarismo dos Estados. No argumento de Habermas, é o direito que produz o fechamento da abóbada do edifício moral kantiano. Para o direito regular as ações da comunidade cosmopolita, os Estados devem abandonar o exercício irrestrito de sua soberania para submeterem-se as leis públicas elaboradas em uma comunidade politicamente constituída. Nas palavras de Habermas: “...com a declaração voluntária da proscrição das guerras de agressão, os membros de uma liga de povos já satisfazem uma auto-obrigação que, mesmo sem um poder coercitivo supraestatal, gera um compromisso mais forte do que o de costumes jurídicos ou acordos interestatais”.82

Assim, a “liga dos povos” se ampara no compromisso de abolir a guerra para fundamentar o direito internacional, sendo este o fundamento último do cosmopolitismo. A liga de Estados necessita de uma complementaridade jurídica num plano transnacional que se encarregue da criação de órgãos e aplicação do direito, bem como da possibilidade de impor sanções aos membros da comunidade federativa. É justamente neste ponto que Habermas aprimora o pensamento kantiano com a ideia de um constitucionalismo no plano global.83 Para exemplificar como aconteceria esse adensamento de juridicidade das relações internacionais Habermas cita três instituições que demonstram o desenvolvimento de uma ordem global sem Estado mundial: a Organização das Nações Unidas, a Organização Mundial do Comércio e a União Europeia.84

A partir desses exemplos ele denota a existência de uma ordem política mundial sem governo mundial caracterizado pela descentralização, ausência de um poder estatal e a multidimensionalidade.85 A sua proposta demanda o aprimoramento da relação de atores diferentes em diversos níveis para a sedimentação dessa ordem mundial. Em primeiro lugar é necessário o estabelecimento de um parlamento mundial que se converta em uma espécie de congresso federal. Nesse parlamento os povos estariam representados como totalidade dos cidadãos do mundo, mas não por seus governos, e sim por representantes diretamente eleitos.86 Em segundo lugar está a construção de atores multilaterais que conduziriam a formação de processos de regulação a nível mundial e regional em temas como ecologia, imigração, desenvolvimento e cooperação regional.87 Em terceiro lugar está a superação da dicotomia entre a soberania interna e a externa, a adequação da tomada de suas decisões no âmbito interno aos compromissos internacionais, e o reconhecimento de que suas decisões podem afetar os demais Estados e indivíduos de outros Estados.88

Na visão de Habermas, é necessário redesenhar as instituições para a constitucionalização do direito internacional. Feito isso, a formação de uma ordem mundial cosmopolita deve ainda estar atrelada a legitimação democrática, que pode se dar através dos canais já existentes nos Estados e também através de uma opinião pública mundial.89 Daí a importância da construção de uma esfera pública mundial que teria função acessória à esfera pública estatal. Um dos argumentos mais difíceis de ser rebatido pelos adversários no discurso habermasiano é que, amparada em uma esfera pública mundial, a sociedade cosmopolita não precisará das exigências de valorações éticas, pautadas em “traços pré-políticos”.90

É elemento essencial de uma legitimação verdadeiramente democrática a distinção entre soberania popular e soberania estatal. Nesse sentido, Habermas afirma que “o ceticismo mais persistente em relação a uma juridificação democrática da dominação política, que aponta para além das fronteiras nacionais, nutre-se, contudo, de uma incompreensão coletiva ao confundir soberania popular e soberania do Estado.91

Habermas advoga pela prevalência da soberania popular, dando ênfase na pessoa humana, denotando o quão comprometido ele está com o projeto cosmopolita kantiano. Entretanto, a ênfase no indivíduo não negligencia o papel do Estado na construção da ordem cosmopolita. Se referindo ao Estado-nação, Habermas afirma que “só com ele é que se constrói uma simetria entre a ordenação jurídica do trânsito social e político, para além e para aquém das fronteiras do Estado”.92 Daí o caráter derivativo da constitucionalização do direito internacional:

A constitucionalização do direito internacional, que restringe a dominação, mas é destituída de Estado, só poderá satisfazer as condições de legitimação de um ‘estado cosmopolita’ quando, seja no plano da ONU, ou no dos sistemas de negociação transnacional, tiver algum “respaldo” de processos democráticos de formação da vontade e opinião. Processos estes que -independentemente da complexidade destes Estados federativamente construídos e de dimensão continental- só poderão ser plenamente institucionalizados em Estados constitucionais de direito. A constitucionalização fraca, desprovida de Estado não pode prescindir da legitimação concedida pelas ordens constitucionais centradas em Estados.93

É justamente isto que Habermas chama de ordem internacional multifacetada, já que “os Estados nacionais formariam, ao lado dos cidadãos do mundo, o segundo sujeito constituinte da comunidade mundial”.94 Essa ordem “não pode ser alcançada pelo caminho de uma moralização, mas apenas pela regulamentação jurídica das relações internacionais”.95 Daí a proposta habermasiana de amparar essa constelação pós-nacional na solidariedade cosmopolita (direito e política internacional) ao invés de fazê-lo em elementos morais, pré-políticos96.

Assim, o direito internacional não decorre de uma concepção jusnaturalista. Antes, a “força civilizadora da juridificação democrática”97 se funda na solidariedade e reciprocidade. Essa solidariedade cosmopolita pode -e deve- ser entendida como o fundamento maior de um dever de cooperação internacional.

VI. Conclusões

Em que medida existe um dever de cooperação internacional? Esta foi a pergunta que norteou o desenvolvimento desta pesquisa. Após trilhar o percurso investigativo, se concluiu que se pode sustentar que existe um dever de cooperação internacional e este dever tem uma dimensão tanto moral quanto jurídica. Essa resposta foi possível a partir de uma abordagem normativa do tema capaz de fundamentar tal dever.

Esse trabalho fundamentou o dever de cooperação internacional na teoria moral deontológica da tradição kantiana para mostrar que a sua concepção da razão prática impõe um dever de cooperação internacional. Para a construção deste argumento, este trabalho foi dividido em quatro partes, cada uma delas correspondendo a uma parte do eixo argumentativo proposto. Primeiramente foi visto como a ideia de dever ético se articula na direção da ação política, e, em seguida, foi visto que é possível transpor o edifício ético kantiano para as relações internacionais através do desenvolvimento de um cosmopolitismo moral e jurídico capaz de afirmar a existência de uma federação mundial.

Por fim, foi verificado que o desdobramento contemporâneo de alguns desses preceitos pode sustentar a ideia de que existe um dever de cooperação internacional por parte dos Estados. E este dever tem um caráter moral e jurídico, conforme a argumentação de Otfried Höffe e Jürgen Habermas, respectivamente. No argumento habermasiano, é o direito que produz o fechamento da abóbada do edifício moral kantiano, de forma que, para o direito regular as ações da comunidade cosmopolita, os Estados devem abandonar o exercício irrestrito de sua soberania para submeterem-se as leis públicas elaboradas em uma comunidade politicamente constituída -e verdadeiramente democrática. Ao ressaltar a fragilidade da bondade, Habermas afirma que essa ordem não pode ser alcançada pelo caminho de uma moralização, mas apenas pela regulamentação jurídica das relações internacionais -o que ele chama de constitucionalização do direito internacional.

Assim, restou evidente que existe um dever de cooperação internacional, dever este que se desdobra em uma imposição moral e jurídica. Entretanto, os desafios à implementação de um cosmopolitismo esbarram em uma sedimentada gramática estatalista. Enquanto o Estado for o astro rei no espaço global, a cooperação internacional não conseguirá romper com o paradigma estatalista, já que sua efetividade esbarra no nacionalismo exacerbado dos Estados. Nesse sentido, a perspectiva kantiana ajuda a perceber que são os indivíduos que estão por detrás de todas as movimentações estatais e internacionais, exigindo a solidariedade cosmopolita.

VII. Referências

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1Goyard-Fabre, Simone, Filosofia crítica e razão jurídica, trad. de Maria Ermantina Galvão, São Paulo, Martins Fontes, 2006.

2Kant, Immanuel, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, trad. de Guido Antônio de Almeida, São Paulo, Barcarolla e Discurso Editorial, 2009, p. 85.

3Ibidem, p. 86.

4Kant, Immanuel, Doutrina do Direito, 3a. ed., trad. de Edson Bini, São Paulo, Ícone, 2005, p. 190.

5Com Kant: “A autonomia da vontade é a qualidade da vontade pela qual ela é uma lei para si mesma (independentemente de toda qualidade dos objetos do querer). O princípio da autonomia é, portanto: não escolher de outro modo senão de tal modo que as máximas de sua vontade também estejam compreendidas ao mesmo tempo como lei universal no mesmo querer”. Kant, Immanuel, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, cit., p. 285.

6Kant, Immanuel. Doutrina do Direito, cit., p. 32.

7“A legislação moral, ao contrário, erigindo em deveres os atos internos, não exclui os externos e sim, ao contrário, reivindica tudo o que é dever em geral. Porém precisamente porque a legislação moral contém em sua lei o móvel interno das ações (a ideia do dever) e porque essa determinação não pode absolutamente influir na legislação externa, a legislação moral não pode sê-lo, ainda que fosse a expressão da vontade divina”. Kant, Immanuel, Doutrina do Direito, cit., p. 26.

8Segundo Simone Goyard-Fabre, até Kant concebia-se a obrigação moral como algo ordenado por uma instância externa ao sujeito, divina ou não. Kant inovou ao interiorizar a origem da lei moral e mostra que os homens não só podem agir moralmente, mas devem fazê-lo, na medida em que a lei moral é auto-imposta. A obrigação moral, nesse sentido, não mais se apresentará como fardo ao agente, mas representará, em última instância, o completo desenvolvimento do homem como ser racional. Goyard-Fabre, Simone, Os fundamentos da ordem jurídica, trad. de Maria Ermantina Galvão, São Paulo, Martins Fontes, 2002, p. 37.

9Kant, Immanuel, Doutrina do Direito, 3a. ed., trad. de Edson Bini, São Paulo, Ícone, 2005, p. 31.

10Ibidem, p. 30

11Ibidem, pp. 25-27.

12Ibidem, p. 45.

13Ibidem, p. 46.

14Kant, Immanuel, “Sobre a expressão corrente: Isto pode ser correto na teoria, mas nada vale na prática”, in A Paz Perpétua e outros opúsculos, trad. de Artur Mourão, Lisboa, Edições 70, 2009, p. 78.

15Nas palavras de Kant: “Ora, visto que toda a restrição de liberdade pelo arbítrio de outrem se chama coacção, segue que a constituição civil é uma relação de homens livres, que (sem dano da sua liberdade no todo da sua religação com os outros) se encontram, no entanto, sujeitos às leis coercitivas: porque a própria razão assim o quer e, sem dúvida, a razão que legifera a priori, a qual não toma em consideração qualquer fim empírico”. Kant, Immanuel, “Sobre a expressão corrente: Isto pode ser correto na teoria, mas nada vale na prática”, cit., p. 78.

16“É justa toda a ação que por si, ou por sua máxima, não constitui um obstáculo à conformidade da liberdade do arbítrio de todos com a liberdade de cada um segundo leis universais. Se, assim, a minha ação, ou em geral meu estado pode subsistir com a liberdade dos demais, segundo uma lei geral, comete uma injustiça contra mim aquele que me perturba nesse estado porque o impedimento (a oposição) que me suscita não pode subsistir com a liberdade de todos, segundo leis gerais”. Kant, Immanuel, Doutrina do Direito, cit., p. 46.

17Kant, Immanuel, Crítica da faculdade do juízo, Lisboa, Imprensa Nacional e Casa da Moeda, 1998, p. 196.

18Quanto a esse último aspecto Otfried Höffe afirma: “o início sistemático de uma ética jurídica se forma através do dever de se reconhecer a si próprio, sob dois aspectos, como sujeito de direito: no sentido da honestidade jurídica contra outros indivíduos e no sentido da disposição original para a imputabilidade para si próprio. Porém, dispondo-se apenas desse auto reconhecimento recomposto de duas partes, ainda não se consegue chegar ao objetivo almejado. A solitude do sujeito de direito precisa ser complementada pela relação de reciprocidade entre os sujeitos de direito, e o auto reconhecimento original da complementação, através do reconhecimento alheio original. Em outros termos, cada sujeito deverá reconhecer cada outro sujeito como um ser que, enquanto parte interessada, faz parte do contrato jurídico original, levando-se em conta seu consentimento condicionado à vantagem, bem como o cumprimento de prestação recíproca. E como cada sujeito de direito é obrigado a efetuar prestações idênticas, tudo volta a girar em torno da reciprocidade”. Höffe, Otfried, A democracia no mundo de hoje, São Paulo, Martins Fontes, 2005, p. 93.

19Kant, Immanuel, Crítica da faculdade do juízo, Lisboa, Imprensa Nacional e Casa da Moeda, 1998, p. 197.

20Ibidem, p. 198.

21Kant afirma que a maneira mais adequada de identificar os imperativos seria como: “regras da habilidade ou conselhos da prudência, ou mandamento (leis) da moralidade. Pois só a lei traz consigo o conceito de uma necessidade incondicional e, na verdade, objetiva, e, por conseguinte, universalmente válida”. Kant, Immanuel, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, cit., p. 197.

22Kant, Immanuel, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, cit., pp. 214 y 215.

23“Se se percorrer a história da ética, contata-se que Kant aparece como uma novidade que faz dele um caso único. A ética kantiana é diferente de todas as outras. Os filósofos da época pretendem definir o que é o Bem, a matéria do Bem, que é o fim último, e, a partir desta concepção de bem, procuram encontrar as normas a que o homem deve obedecer para se aproximar dele... Chamam-se éticas materiais aquelas que definem um bem que é o fim a atingir pelo agir humano... Kant, por sua vez, formulou uma ética formal. Ele não concebe a ação humana a partir do ponto de vista do desejo, isso é, do ponto de vista do fim a atingir”. Brito, Jose Henrique Silveira, Introdução à Fundamentação da Metafísica dos Costumes de I. Kant, Porto, Contraponto, 1994, p. 39.

24Kant, Immanuel, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, cit., p. 197.

25Ibidem, p. 215.

26Ibidem, p. 245.

27Ibidem,p. 246.

28Observe que se o seu valor está “acima de qualquer preço”, os seres racionais têm de ser tratados “sempre como um fim e nunca apenas como um meio”. Isto significa que se deve lutar para promover o bem-estar das outras pessoas; deve-se respeitar os seus direitos, evitar fazer-lhes mal, e, em geral, “empenhar-se, tanto quanto possível, em promover a realização dos fins dos outros”. Assim, a ideia de Kant implica em, ao aceitar que os seres humanos são racionais, deve-se “tratá-los como fins em si”, o que significa respeitar a sua racionalidade. Assim, nunca se pode manipular as pessoas, ou usá-las, para alcançar os objetivos alheios. Kant, Immanuel, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, cit., p. 240.

29Brito, Jose Henrique Silveira, Introdução à Fundamentação da Metafísica dos Costumes de I. Kant, cit., p. 40.

30Ibidem, p. 40.

31Nour, Soraya, À paz perpétua de Kant: Filosofia do direito internacional e das relações internacionais, São Paulo, Martins Fontes, 2004, p. 29.

32Nesse sentido, na obra A paz perpétua, Kant estabelece os seus artigos preliminares para a paz, dominados pela ideia da coexistência pacífica entre os diferentes povos da Terra, excluindo qualquer ideia de paz armada, de animosidade, de propaganda belicosa e de competição em vista da supremacia supranacional.

33Nour, Soraya, À paz perpétua de Kant..., cit., p. 50.

34Ainda que, como lembra Otfried Höffe, as virtudes cosmopolitas em sentido político tenham sido abordadas por Kant de forma incidental e genérica, mesmo em À paz perpétua, a qual será analisada a seguir. Höffe, Otfried. A democracia no mundo de hoje, São Paulo, Martins Fontes, 2005, p. 393.

35Na obra Ideia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita, Kant relaciona o desenvolvimento e o melhoramento humano à conduta política adotada pelos indivíduos em relação uns com os outros. A adoção dessa conduta começa a desenhar-se no momento em que o homem, por um ato de vontade, utiliza todo o seu maquinário racional com a finalidade de sair do seu estado de animalidade, pautado nos impulsos sensíveis, e ascende ao estado de sociabilidade, marcado pela busca, sempre inacabada, da moralidade. Em outras palavras, ocorre a incidência da razão prática sobre a ação política. Kant, Immanuel, Ideia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita, São Paulo, Martins Fontes, 2011, p. 11.

36Kant, Immanuel, Ideia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita, cit., p. 10.

37“Tendo em conta a maldade da natureza humana, que pode ver-se às claras na livre relação dos povos (ao passo que no Estado legal-civil se oculta através do governo) é, sem dúvida, de admirar que a palavra direito não tenha ainda podido ser expulsa da política da guerra como pedante e que nenhum Estado tenha ainda ousado manifestar-se publicamente a favor desta última opinião; pois continuam ainda a citar-se candidamente Hugo Grócio, Pufendorf, Vatel e outros (incômodos consoladores apenas!). Embora o se código elaborado filosófica ou diplomaticamente não tenha a mínima força legal nem a possa também ter (porque os Estados enquanto tais não estão sob nenhuma coação exterior comum)”, Kant, Immanuel, “A Paz Perpétua”, in A Paz Perpétua e outros opúsculos, trad. de Artur Mourão, Lisboa, Edições 70, 2009, p. 144.

38Kant, Immanuel, Ideia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita, São Paulo, Martins Fontes, 2011, p. 8.

39Ibidem, p. 10.

40Ibidem, p. 12.

41Ibidem, p. 12.

42Ibidem, p. 13.

43Flinkschuh, Katrin, Kant and Modern Political Philosophy, Cambridge University Press, 2004, p. 184.Tradução livre. No original: “Traditionally, international relations theorists have tended to associate Kant’s cosmopolitanism, i.e. his idea of «world citizens» (Weltburger), with a plea for a world state - a proposal which, as political realists, they were extremely wary of, not least because of the implied loss of state sovereignty”.

44Flinkschuh, Katrin, Kant and Modern Political Philosophy, Cambridge University Press, 2004, p. 184. Tradução livre. No original: “Since Kant draws an explicit analogy between individuals and states as two kinds of moral person, the requirement that states cede (part of) their sovereignty in order to submit to a higher authority is no more self-contradictory than the demand that individuals give up their lawless freedom upon entrance into civil society”.

45Flinkschuh, Katrin, Kant and Modern Political Philosophy, cit., p. 185. Tradução livre. No original: “On this reading, the idea of a world state contradicts the reasons for its establishment in so far as a world state’s coercive powers undercut the possibility of states freely associating with one another. Unification under a world state would be based on the threat of coercion, which is contrary to Kant’s claim that a lasting global peace must be premised on the rejection in principle of the threat or use of force among states”.

46Kant, Immanuel, Ideia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita, cit., p. 13.

47Ibidem, p. 14.

48Ibidem, p. 19.

49Flinkschuh, Katrin, Kant and Modern Political Philosophy, Cambridge University Press, 2004, p. 184. Tradução livre. No original: “Kant recognizes three distinct though related levels of rightful relation: the `Right of a state’ specifies relations of Right between persons within a state; the `Right of nations’ pertains to relations of Right between states; and `the Right for all nations’ or `cosmopolitan Right’ concerns relations of Right between persons and foreign states”.

50Nour, Soraya, À paz perpétua de Kant: Filosofia do direito internacional e das relações internacionais, São Paulo, Martins Fontes, 2004, p. 54.

51Segundo Katrin Flinkschuh, o direito cosmopolita não perde relevância por ele não estar vinculado a um estado mundial: “Se Kant rejeita a ideia do Estado mundial como uma questão de princípio, ou se ele apenas adia a sua realização por razões pragmáticas, sem dúvida, continua a ser um ponto de algum debate. Em ambos os casos, a fluidez da política global em curso, com o desmembramento de Estados individuais, a associação semi-federativa, regional entre alguns estados, e o vasto aumento do número de agentes não-estatais fez com que três níveis de direito de Kant estão atraindo o interesse prático considerável”. Em tradução livre. No original: “Whether Kant rejects the idea of the world state as a matter of principle, or whether he merely postpones its realization for pragmatic reasons, will no doubt remain a point of some debate. In either case, the fluidity of current global politics, with the break-up of individual states, the semi-federative, regional association between some states, and the vastly increased number of non-state global agents has meant that Kant’s three levels of Right are attracting considerable practical interest today”. Flinkschuh, Katrin, Kant and Modern Political Philosophy, Cambridge University Press, 2004, p. 186.

52Flinkschuh, Katrin, Kant and Modern Political Philosophy, Cambridge University Press, 2004, p. 186. Tradução livre. No original: “global citizens are citizens without a world state who retain their citizenship in relation to the individual states of which they are members. The idea of the world citizen as a citizen without a world state has gained increasing currency among discussants of global justice, be this in the context of a European federation, of the international human rights debate, or that o international law in general”.

53Nour, Soraya, À paz perpétua de Kant: Filosofia do direito internacional e das relações internacionais, São Paulo, Martins Fontes, 2004, p. 55.

54Kant, Immanuel, “A Paz Perpétua”, in A Paz Perpétua e outros opúsculos, cit., p. 151.

55Ibidem, p. 152.

56“Mas dir-se-á, “jamais os Estados se submeterão a tais leis coercivas; e o projeto de um Estado universal dos povos, a cujo poder se devem sujeitar livremente todos os Estados para obedecer às suas leis, pode soar agradavelmente na teoria de um Saint. Pierre ou de um Rousseau, mas não vale a pena para a prática: pois, foi também em todos os tempos escarnecido por grandes estadistas e ainda mais pelos chefes de Estado como uma ideia pedante e pueril, saída da escola”. Da minha parte, pelo contrário, confio na teoria, que dimana do princípio de direito sobre o que deve ser a relação entre os homens e os Estados, e que recomenda aos deuses da Terra a máxima de sempre procederem nos seus conflitos de maneira a introduzir-se assim um tal Estado universal dos povos e a supor também que ele é possível (in praxi) e que pode existir; mas, ao mesmo tempo, confio também (in subsidium) na natureza das coisas que obriga a ir para onde de bom grado não se deseja... Do ponto de vista cosmopolita, se persiste também na afirmação: O que por razões racionais vale para a teoria, vale igualmente para a prática”. Kant, Immanuel, “A Paz Perpétua”, in A Paz Perpétua e outros opúsculos, cit., p. 109.

57Flinkschuh, Katrin, Kant and Modern Political Philosophy, Cambridge University Press, 2004, p. 187. Tradução livre. No original: “The status of cosmopolitan Right as a «strict right», i.e. as externally enforceable, hence as subject to institutionalization and as entailing obligations on the part of the rights holder”.

58Flinkschuh, Katrin, Kant and Modern Political Philosophy, cit., p. 187. Tradução livre. No original: “If one does accept individuals’ cosmopolitan rights to hospitality as a strict right, its corresponding obligations and requirements for institutionalized law enforcement impose constraints on international agency that are more stringent than the meager content of cosmopolitan Right may initially suggest. This is not to deny that Kant’s conception of cosmopolitan Right requires some extension under current conditions of globalization. As already indicated, this is now often done by means of linking Kant’s cosmopolitan Right to current human rights provisions”.

59E segue Kant: “A natureza encerrou todos os homens juntos, por meio da forma redonda que deu ao seu domicílio comum (globus terraqueus), num espaço determinado. E, como a posse do solo, sobre o qual o habitante da Terra foi chamado a viver, só pode ser concebida como a posse de uma parte de um todo determinado. Por conseguinte, se uma parte sobre a qual cada um deles tem um direito primitivo, todos os povos estão originalmente em comunidade do solo; não em comunidade jurídica da posse (communio) e portanto de uso ou de reciprocidade desse solo; mas em reciprocidade de ação (commercium) física possível, isto é, numa relação universal de apenas um com todos os demais (relação que consiste a se prestar a um comércio recíproco); e têm o direito de fazer a experiência, sem que por isso possa um estrangeiro tratá-los como inimigo. Este direito, como a união possível de todos os povos, com relação a certas leis universais de seu comércio possível pode ser chamado de direito cosmopolita (jus cosmopoliticum)”. Kant, Immanuel, Doutrina do direito, 3a. ed., trad. de Edson Bini, São Paulo, Ícone, 2005, p. 2001.

60Kant, Immanuel, Doutrina do direito, cit., p. 79.

61Aqui é importante a ressalva feita por Soraya Nour. Segundo ela, a ideia kantiana de cosmopolitismo é uma severa crítica à atitude dos europeus em relação aos povos de outros continentes. Assim, Kant denuncia os métodos da colonização, em que os europeus se apropriaram de muitas terras pela força. Assim, Kant não concorda com a colonização do novo mundo e também com a primazia do comércio nas relações internacionais, reputando como inospitaleira a conduta das potências europeias. Nour, Soraya, À paz perpétua de Kant: Filosofia do direito internacional e das relações internacionais, São Paulo, Martins Fontes, 2004, p. 57.

62Kant, Immanuel, “A Paz Perpétua”, in A Paz Perpétua e outros opúsculos, cit., p. 140.

63Ibidem, p. 146.

64Kant, Immanuel, Doutrina do direito, cit., p. 202.

65Kant, Immanuel, “A Paz Perpétua”, in A Paz Perpétua e outros opúsculos, cit., p. 155.

66Kant, Immanuel, Doutrina do direito, cit., p. 200. Em seguida Kant afirma que “esta ideia racional de uma comunidade pacífica perpétua de todos os povos da Terra (mesmo quando não sejam amigos), entre os quais podem ser estabelecidas relações, não é um princípio filantrópico (moral), mas um princípio de direito. A natureza encerrou todos os homens juntos, por meio da forma redonda que deu ao seu domicílio comum (globus terraqueus), num espaço determinado”.

67Kant, Immanuel, “A Paz Perpétua”, in A Paz Perpétua e outros opúsculos, cit., p. 148.

68Flinkschuh, Katrin, Kant and Modern Political Philosophy, Cambridge University Press, 2004, p. 186. Tradução livre. No original: “The Rechtslehre defines cosmopolitan Right, i.e. the rights of individuals against a foreign state, as «the right of hospitality». Individuals have a right not to be maltreated or disturbed in their possessions when on foreign territory. More generally, they have the right to «offer to engage in commerce with one another», and the right «to try to establish community with all, and to this end, to visit all regions of the earth». However, the right to hospitality is not the right of a guest to stay as long as they please, nor is it a right to citizenship of that state. The right to hospitality is strictly limited to a right to temporary abode and the right to being dealt with justly for the duration of one’s stay”.

69Flinkschuh, Katrin, Kant and Modern Political Philosophy, cit., p. 186.

70Höffe, Otfried, Derecho intercultural, trad. de Rafael Sevilla, Barcelona, Gedisa, 2000, p. 120.

71Höffe diferencia três graus de cidadania mundial: “Considere-se cidadão mundial ou cosmopolita aquele que não se atém à fronteiras, que se desloca por todo o mundo, porém que se sente —mais ou menos— em casa por todas as partes por onde anda. Na medida em que conserva sua língua, sua cultura e seus costumes, mas se deixa levar pela língua franca (antigamente era o grego, hoje em dia é o inglês), não passa de um cosmopolita de primeiro grau: viajante mundial, que, mesmo no estrangeiro, não abre mão de seus vínculos locais e nacionais. Só virá a ser um cidadão mundial mais sofisticado, um cosmopolita de segundo grau, se alcançar aquela abertura para o mundo que o faça perceber o estrangeiro, reconhecendo-o com igualdade de valor. Em um sentido mais intenso, cidadão mundial é aquele que leva sua própria cultura a um outro país, mas se deixa marcar pela nova cultura e não abdica das novas características após o retorno a sua terra natal. A título de exemplo, pode-se citar um professor de Filosofia alemão Eugen Herrigel (1948), que ensinava Filosofia grega e alemã no Japão, todavia aprendia a alta arte do arco e flecha com um mestre zem-budista e continuou a praticá-la mais tarde na Alemanha. No entanto, mesmo esse cidadão mundial de terceiro grau permaneceu cidadão mundial em um sentido pré-político. Por outro lado, no entendimento político, o cidadão mundial é membro de um Estado que abrange todos os seres juridicamente capazes no mundo inteiro”. Höffe, Otfried, A democracia no mundo de hoje, São Paulo, Martins Fontes, 2005, p. 394.

72Höffe, Otfried, Derecho intercultural, cit., p. 247. Tradução livre. No original: “El Estado mundial que, como consecuencia del imperativo jurídico y político universal está encomendado a la humanidad en sentido jurídico-moral, ha de ser instaurado como una república mundial complementaria, subsidiaria y, además, federal. Dentro de ella seremos ciudadanos del mundo, mas no en sentido exclusivo sino complementario. El concepto exclusivo responde a aquel cosmopolitismo que. nos fija a estar frente a la vida política concreta; y, por lo regular un sentimiento de superioridad moral, dice él que no es alemán, francés o italiano, sino únicamente ciudadano del mundo. Aquí aparece un Estado mundial ocupando el lugar de los Estados particulares, y el derecho cosmopolita viene a sustituir el derecho civil nacional; en ese Estado mundial homogéneo, globalista, se es ciudadano del mundo en lugar de ciudadano de un Estado”.

73Höffe, Otfried, A democracia no mundo de hoje, cit., p. 398.

74Habermas, Jürgen, La inclusión del otro. Estudios de teoría política, trad. de Juan Carlos Velasco, Barcelona, Paidós, 2012, p. 154.

75Ibidem, p. 159.

76Habermas, Jürgen, O Ocidente dividido, trad. de Luciana Villas Boas, Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 2006, p. 134.

77Habermas, Jürgen, La inclusión del otro. Estudios de teoría política, trad. de Juan Carlos Velasco, Barcelona, Paidós, 2012, p. 158.

78Habermas, Jürgen, Sobre a constituição da Europa: um ensaio, São Paulo, Unesp, 2012, p. 39.

79Habermas, Jürgen, O Ocidente dividido, cit., p. 135.

80Ibidem, p. 136.

81Idem.

82Ibidem, p. 135.

83Ibidem, p. 136.

84“Logo após o malogro da Liga das Nações e desde o final da Segunda Guerra Mundial —tanto com a fundação da ONU como com o início do processo de unificação europeu— instituiu-se, nas relações internacionais, uma juridificação que aponta para além da tímida tentativa de delimitar a soberania estatal com base no direito das gentes (ao menos in bello). O processo civilizador, que tendeu a acelerar logo após o final da Guerra Fria, pode ser descrito a partir de dois pontos de vista complementares: a domesticação da violência interestatal se orienta imediatamente para uma pacificação dos Estados, mas mediatamente, isto é, com a contenção da concorrência anárquica pelo poder e com a exigência de cooperação entre os Estados, essa pacificação possibilitou de maneira simultânea a construção de novas capacidades de ação no âmbito supranacional. Pois apenas com tais capacidades transnacionais de controle podem ser domesticados os poderes sociais naturalizados que se desencadeiam no plano transnacional, vale dizer, as coerções sistêmicas que transgridem impassivelmente as fronteiras nacionais (hoje, em especial, as coerções oriundas do setor bancário global)”. Habermas, Jürgen, Sobre a constituição da Europa: um ensaio, cit., pp. 47 y 48.

85Habermas, Jürgen, O Ocidente dividido, cit., p. 138.

86Na proposta de reforma da ONU, Habermas salienta a necessidade da criação de uma Corte Internacional com jurisdição em todo o mundo e com capacidade de editar sentenças vinculantes, diferentemente do que acontece atualmente no Tribunal de Haia, limitado a meras funções de um tribunal arbitral. Outra proposta é uma adaptação do Conselho de Segurança de forma a retratar de forma igualitária as relações efetivas do cenário internacional. Habermas defende seja suprimida a obrigatoriedade do voto unânime entre os membros permanentes e seja substituída por regulamentações de maioria Habermas, Jürgen, La inclusión del otro. Estudios de teoría política, cit., p. 218.

87Habermas, Jürgen, La inclusión del otro. Estudios de teoría política, cit., p. 219

88Ibidem, p. 219.

89Habermas, Jürgen, O Ocidente dividido, cit., p. 143.

90Ibidem, p. 147.

91Habermas, Jürgen, Sobre a constituição da Europa: um ensaio, cit., p. 54.

92Habermas, Jürgen, La inclusión del otro. Estudios de teoría política, cit., p. 232.

93Habermas, Jürgen, O Ocidente dividido. cit., p. 145.

94Habermas, Jürgen, Sobre a constituição da Europa: um ensaio, cit., p. 95.

95Habermas, Jürgen, O Ocidente dividido, cit., p. 107.

96Habermas, Jürgen, Après l’État-nation: une nouvelle constellation politique, trad. de Rainer Rochlitz, Paris, Librairie Arthème Fayard, 2000, p. 118.

97Habermas, Jürgen, Sobre a constituição da Europa: um ensaio, cit., p. 41

Recebido: 07 de Julho de 2016; Aceito: 22 de Setembro de 2016

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